VISÃO TÉCNICA DA GEOGRAFIA FÍSICA APLICADA PARA O DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS PÚBLICOS HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL EM FORTALEZA -
CEARÁ.
João Sérgio Queiroz de Lima Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza/ Prefeitura Municipal de Fortaleza – HABITAFOR/PMF;
Professor Mestre I – Secretaria de Educação Básica do Estado do Ceará - SEDUC [email protected] Luiz Belino Ferreira Sales
Consultor Ambiental – Prefeitura Municipal de Fortaleza; Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde/Governo Federal – SVS/MS
[email protected] Thiago Martins de Morais
Universidade Estadual do Ceará - UECE [email protected]
RESUMO
A partir de meados de 2005 houve uma sensibilização na administração pública municipal de Fortaleza-Ceará no sentido de capacitar as instituições com uma visão técnica apurada para resolução dos problemas da cidade e para o desenvolvimento urbano. Destaca-se a Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza – HABITAFOR que incorporou o viés técnico na sua atuação, principalmente relacionada à erradicação de “áreas de risco”, formadas pela ocupação de ambientes frágeis por assentamentos precários. Nessa perspectiva a geografia física como ciência fundamental à resolução dos problemas de ocupação do meio físico obteve uma importância impar. O trabalho demonstra as formas de aplicação dos conhecimentos de geografia física desenvolvidas para os ambientes degradados pela ocupação histórica e inadequada, aplicados na implantação de empreendimentos de habitação de interesse social e requalificação urbano-ambiental. A apreciação dessa atuação aponta para um avanço do conhecimento técnico na mitigação de problemas ambientais urbanos de ocupação de ambientes frágeis, planícies fluviais, lacustres, e flúvio-marinhas. O objetivo principal é demonstrar a aplicação da geografia física nos projetos de habitação de interesse social e requalificação urbano-ambiental de ambientes frágeis ocupado por assentamentos precários. As ações da geografia foram analisadas através da lógica da racionalidade ambiental, buscando parâmetros de qualidade ambiental a partir da aplicação das técnicas nos projetos desenvolvidos e executados. Como resultados práticos da atuação de racionalidade ambiental dentro da metodologia dos projetos de habitação de interesse social e de requalificação urbano-ambiental de ambientes frágeis têm-se a conclusão e operação de 25 empreendimentos com a adoção de medidas de minimização de impactos ambientais e qualificação ambiental. Palavras-chave: áreas de risco, geografia física, habitação.
ABSTRACT
From mid-2005 there was an increasing movement by the Municipal Government of Fortaleza, in the state of Ceará, to invest the institutions with competence to solve the problems of the city towards its urban development. The Foundation for Housing Development in Fortaleza - HABITAFOR incorporated the technical means in its operations, especially towards the eradication of "risk areas", the ones occupied by precarious settlements in fragile environments. From this perspective, the physical geography as basic science to solve problems of occupation of the physical environment had a significant role. The work demonstrates the ways of applying knowledge of physical geography developed for degraded environments with inadequate historical usage, applied in the implementation of projects of housing for social purpose and urban environmental upgrading. The assessment of this action points to an advance of technical knowledge in diminishing environmental problems caused by occupation of fragile environments, river and lake and river-sea plains. The main
objective is to demonstrate the application of physical geography in the housing projects for social purpose and upgrading of fragile urban environments occupied by precarious settlements. The actions of geography were analyzed by means of the logic of environment rationality, searching for environmental quality parameters starting from the application of techniques in developed and implemented projects. As practical results of the performance of environmental rationality within the methodology of the projects of housing for social purpose and fragile urban environmental rehabilitation, there are at the moment 20 projects, in operation and concluded, which adopted measures to minimize environmental impacts and advance environmental improvement. Key-words: risk areas, physical geography, housing.
INTRODUÇÃO
A Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza - HABITAFOR (órgão de
administração indireta vinculado à Prefeitura Municipal de Fortaleza), entidade responsável por
atender a população carente com moradia digna, tem a atribuição de elaborar para o município
políticas, programas e projetos de habitação de interesse social e regularização fundiária.
O presente trabalho se fundamenta principalmente nas ações referentes às intervenções em
assentamentos precários em situação de risco ambiental, considerados “áreas de risco” de enchentes e
alagamentos. A HABITAFOR desenvolve ações de habitação de interesse social em outras realidades
urbanas, contudo a atuação da geografia física se incide com mais importância nos empreendimentos
que beneficiam assentamentos precários em ambientes frágeis.
A prioridade é a erradicação dos assentamentos precários em “áreas de risco”. Tal prioridade
foi estabelecida devido à ameaça sazonal, a cada período chuvoso, de perdas de bens e vidas em
função dos eventos hidroclimáticos intensos, como chuvas torrenciais, inundações e alagamentos.
A produção de situações de risco é protagonizada pela ocupação humana, com moradias em
ambientes naturais suscetíveis a intensa dinâmica natural, considerados frágeis e instáveis, devido às
suas características geológico-geomorfológicas e exposição às ações hidrodinâmicas.
Revela-se, portanto, um relacionamento estreito entre os processos sócio-espaciais de produção
e reprodução de espaços urbanos periféricos, informais e ilegais com as condicionantes naturais da
paisagem. Nesse ínterim, o trabalho técnico-científico desenvolvido no âmbito da geografia física
assume e expressa sua fundamental importância.
Breve contexto da Cidade de Fortaleza
A Cidade de Fortaleza tem como característica marcante a concentração demográfica do Estado
do Ceará. De acordo com as informações do censo demográfico e de dados de estimativas
populacionais realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, a população
fortalezense na primeira década do século XXI somou 2.141.402 habitantes no ano 2000, em 2004
foram estimados 2.332.657 habitantes; e para o ano de 2007 obteve-se uma população estimada em
2.431.415 em uma área territorial de 313,14 km² (BRASIL, 2001 e 2007).
Figura 01: Localização do Município de Fortaleza-Ceará-Brasil
Tal concentração acarreta na deficiência de atendimento pelos serviços urbanos e infra-
estruturais para grande parte da população, assim como, na precariedade das condições de moradia,
expressa nos dados do déficit habitacional oficial de 77.615 unidades habitacionais (BRASIL, 2004).
Segundo as informações de situações de emergência sistematizadas pela Defesa Civil do
Município de Fortaleza e pela Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza -
HABITAFOR (em 2008), o município apresentou 99 assentamentos precários em “áreas de risco” (os
assentamentos precários somam 621). Isso representa aproximadamente 22 mil famílias (equivalente a
110 mil pessoas) sujeitas a riscos, em função de processos, como deslizamentos de terra, enchentes,
inundações e alagamentos. Destacando-se os dois últimos citados, principalmente em função da
expressiva ocupação dos corpos hídricos referentes às bacias do Rio Cocó, do Rio Maranguapinho e
dos cursos difusos da bacia da Vertente Marítima.
As matrizes que justificam a forte concentração demográfica foram construídas no processo de
formação da cidade em centro urbano-industrial com criação do Distrito Industrial de Antônio Bezerra
e Distrito Industrial de Maracanaú, nas décadas de 1960 e 1970 respectivamente, formando o
complexo urbano-industrial da Região Metropolitana de Fortaleza.
Essa estruturação tornou Fortaleza um centro receptor de mão-de-obra e demandante de oferta
de serviços, que, associada à complexa relação campo-cidade existente na dinâmica sócio-econômica
do estado do Ceará, resulta no forte fluxo migratório, intensificado nas décadas de 1960 e 1970 do
século XX.
A exclusão social é, sobretudo, fruto de uma pressão da mão-de-obra do campo que inunda as
cidades, num contexto de ausência de reformas (agrária, urbana, fiscal, financeira, etc.). Este processo
é mais característico do período de 1960-1980, quando a taxa de expansão anual da população urbana
é de 4,7% contra 3,3% do período seguinte.
Na esfera econômica, o baixo nível de capacitação do contingente populacional em idade
funcional acaba por levar o mesmo ao mundo do subemprego e da degradação dos padrões e do tecido
social, com reflexos nas diferentes manifestações sociais e territoriais.
Como resposta, o que se presencia é o aumento dos espaços periféricos, formados em grande
parte por assentamentos precários e o processo de transformação dos mesmos em paisagens segregadas
pelo capital e o Estado, bem como pela capacidade de consumo de seus moradores, excluído
socialmente. Essas paisagens, por certo, possuem uma forma, um nível real de organização e de busca
por melhorias em suas diferentes esferas (ambiental, social, econômica etc.), resultando em um “lugar”
no complexo mosaico urbano que constitui a realidade de Fortaleza (SALES, 2004).
Entre os aspectos naturais da paisagem os mais impactados no processo de construção e
consolidação da geografia urbana de Fortaleza são os recursos hídricos e seus sistemas associados, em
função do constante processo de aterramento, assoreamento e alteração negativa da qualidade da água,
que, nas últimas décadas, comprometeu a qualidade ambiental de lagoas e pequenos e médios riachos.
Desta forma, a complexa rede de drenagem distribuída nas bacias hidrográficas presentes:
Vertente Marítima, Sistema Ceará/Maranguapinho, Sistema Cocó/Coaçu e Pacoti, com suas lagoas
pré-litorâneas e intensa rede capilar de ligação, perderam grande parte de sua capacidade de
manutenção dos ecossistemas associados, bem como sua própria morfometria natural. Nesse quadro,
as áreas de relevância ambiental se encontram ocupadas em sua maioria por assentamentos precários
constituindo as “áreas de risco” de Fortaleza.
Bacias hidrográficas de Fortaleza
As bacias hidrográficas se constituem em importantes unidades espaciais de relevante dinâmica
natural para gestão ambiental tanto em espaços rurais e urbanos. A ocupação desordenada de
ambientes fluviais e lacustres nos centros urbanos impõe à consideração das bacias como unidades de
gestão do território no tema em questão.
As bacias hidrográficas que drenam o Município de Fortaleza, de modo geral, constituem
unidades caracterizadas por cursos fluviais de pequeno porte e naturalmente intermitentes, mas
perenizados artificialmente pelo aporte de efluentes domésticos e industriais liberados semi-tratados e
ou in natura no sistema hidrográfico.
Os processos hidrológicos dos rios, riachos, lagoas e açudes são influenciados pela relação
existente entre a dinâmica climática, principalmente pluviométrica, e a hidrodinâmica de superfície,
condicionadas em alguns casos pelo avanço a montante das marés dinâmicas.
As características pluviométricas de Fortaleza, com forte influência da Zona de Convergência
Inter-Tropical - ZCIT apresentam uma forte concentração de chuvas no primeiro semestre, com forte
intensidade e tempo de concentração curto e com tempo de retorno longo. Evidenciando uma
morfometria com amplas planícies fluviais e flúvio-lacustres, que em virtude do tempo histórico de
retorno de chuvas alto (25 a 25 anos) e médio (5 a 5 anos), apresentam vegetação típica de carnaubais
e gramíneas, áreas que são fortemente pressionadas pela ocupação de assentamentos precários.
O Município de Fortaleza é drenado por quatro bacias hidrográficas: Bacia da Vertente
Marítima, Bacia do Rio Cocó, Bacia do Rio Maranguapinho (associada ao Rio Ceará) e Bacia do Rio
Pacoti, apresentando “áreas de risco” nas três primeiras (Figura 01).
Figura 02: Bacias hidrográficas do Município de Fortaleza e distribuição das “áreas de risco”. Fonte: HABITAFOR
Bacia da Vertente Marítima
A bacia da Vertente Marítima, a única com todas nascentes localizadas no município,
compreende a faixa de terra localizada entre as desembocaduras dos rios Cocó e Ceará, com topografia
favorável ao escoamento das águas para o mar. A Vertente Marítima é composta por diversas pequenas
bacias que apresentam drenagem direta para o Oceano, sendo sua área de contribuição de 34,54km².
A Planície Costeira do Município de Fortaleza apresenta uma extensão de aproximadamente 30
km de praia banhada pelo Oceano Atlântico e situa-se entre o Rio Ceará e o Rio Pacoti. As
características físicas e o tipo de ocupação que mudaram o aspecto natural da orla marítima
determinaram a diferenciação em duas faixas: Faixa Norte e Faixa Leste. A Faixa Norte está localizada
entre o Rio Ceará e a Ponta do Mucuripe, com extensão aproximada de 15 km no sentido Oeste-Leste.
A Faixa Leste está localizada entre a ponta do Mucuripe e a foz do Rio Pacoti, com direção Noroeste-
Sudeste, tendo uma extensão de aproximadamente 15 km.
Bacia do Rio Cocó
A bacia do Rio Cocó compreende as áreas dos Municípios de Fortaleza, Eusébio, Aquiraz,
Maranguape e Pacatuba. O Rio Cocó nasce na vertente oriental da Serra da Aratanha no Município de
Pacatuba e possui a maior bacia de Fortaleza, drenando as porções leste, sul e central do Município,
área aproximada de 215,9km². Com cerca de 45 km de extensão, sendo que 25Km encontra-se no
Município de Fortaleza, o Rio Cocó, possui em sua bacia o açude Gavião que participa junto com
outros açudes do bacia do Rio Pacoti e do Rio Choró os mananciais do sistema de abastecimento de
água de Fortaleza e outras cidades da Região Metropolitana.
Todos os cursos d’água da bacia apresentam caráter intermitente, permanecendo secos no
período de estiagem, exceto próximo ao litoral, onde os rios Cocó e Coaçu se tornam semi-perenes.
Ocorre ainda, em seu baixo e médio curso, a presença de lagoas perenes e intermitentes, com destaque
no eixo do rio Coaçu, para as lagoas da Precabura, Sapiranga e Messejana. O Cocó sofre influência das
marés, que adentram no seu leito por aproximadamente 13 km, formando um estuário alongado e
estreito, composto por manguezais.
Bacia do Rio Maranguapinho
As bacias do Rio Maranguapinho e do Rio Ceará foram consideradas nesse estudo como bacias
conjugadas. Os referidos cursos d’água possuem desembocadura comum, nos limites dos Municípios
de Fortaleza e Caucaia. O Rio Ceará e o Rio Maranguapinho têm nascentes situadas a Serra de
Maranguape, composta por cursos d’água de caráter intermitente, que fluem somente durante o
período chuvoso. Essa bacia apresenta fluviometria semi-perene apenas no trecho do Rio Ceará que
sofre a penetração das marés, formando um estuário e planície flúvio-marinha com presença
expressiva de manguezal. Localizada na porção oeste de Fortaleza, a Bacia do Maranguapinho/Ceará
possui 84,73km², sendo a segunda bacia hidrográfica em extensão do Município com 15,5km.
Bacia do Rio Pacoti
O Rio Pacoti nasce fora da Região Metropolitana de Fortaleza, no Município de Pacoti, Maciço de
Baturité, na vertente norte-oriental da Serra de Baturité possuindo curso de 130 km até sua foz no
oceano, no Município de Fortaleza. Antes de chegar à Fortaleza, onde drena apenas 1,3% do
município, ele atravessa os município de Palmácia, Redenção, Acarape, Guaiuba e Aquiraz.
Contexto das “áreas de risco” de Fortaleza.
Em grande parte das áreas de assentamentos precários, pela forma de uso e ocupação do solo
realizada na relação com os ambientes naturais e com o espaço urbano regular apresenta-se,
geralmente, uma situação de inadequação e irregularidade. Isso ocorre, principalmente, pela inserção
construtiva indiscriminada no meio físico e pela ausência e ineficiência de infra-estruturas urbanas
(drenagem urbana, sistema viário pavimentado, saneamento básico) e de serviços urbanos essenciais
(coleta de lixo, rede elétrica regular, instalações hidráulicas, etc.).
A relação ambiental estabelecida pelos assentamentos precários geralmente produz processos
de degradação e o retorno dos impactos provocados ao ambiente natural repercute por interação nos
grupos sociais através de diversas situações de riscos, considerados ambientais, destacando-se as
provocadas por enchentes, inundações, alagamentos, processos erosivos incisivos, deslizamentos, etc.
As construções indiscriminadas e desordenadas para instalação de assentamentos precários
formado por equipamentos residenciais de baixos padrões arquitetônicos e infra-estruturais em áreas
naturalmente sujeitas a alagamentos e inundações, produzem situações de risco que, geralmente, se
efetivam na ocorrência de situações de desastres, com danos e prejuízos materiais e de vidas.
A origem social e física dos assentamentos precários no município de Fortaleza, como em
outros grandes centros urbanos brasileiros, é reflexo das desigualdades sociais ocasionadas pela
concentração de renda que geram a chamada “pobreza” urbana. As áreas representam um agravamento
das condições precárias de vida dos grupos sociais ocupantes dos assentamentos precários,
multiplicando os riscos sociais de saúde e violência à variável risco ambiental.
Tendo em vista a situação atual das “áreas de risco” nos assentamentos precários de Fortaleza a
realização do trabalho representa uma etapa fundamental de planejamento das ações para
gerenciamento dos riscos e coadunam com as ações atuais desenvolvidas que estão promovendo a
diminuição do número de “área de risco” devido ao cumprimento do programa habitacional do
município indicado e priorizado a partir das demandas do orçamento participativo.
As ações que envolvem a erradicação de áreas de risco pressupõem a intervenção física, com a
implantação de medidas que, após a remoção dos equipamentos construídos inadequados, possam
garantir de forma harmoniosa o uso do espaço e desestimule novas ocupações.
Contudo, intervenções em ambientes frágeis envolvem obras em áreas de preservação
permanente independentemente das características de fragilidade que tais ambientes apresentem,
representando um agravante na complexidade do tratamento da ação.
A necessidade de se acessarem os conhecimentos da geografia física para o desenvolvimento
de um método e tecnologia de intervenções urbanísticas e paisagísticas, em ambientes com
geoecologia complexa, com capacidade de promovesse uma requalificação do ambiente.
A geografia física além do amplo escopo de técnicas conservacionistas teve o papel
fundamental de adequar alguns métodos de avaliação do meio físico para construção de
empreendimentos urbanos com melhor adequação à geomorfologia/geologia locais e ao regime
hidrográfico e hidrológico de superfície e subsuperfície, além de solos e cobertura vegetal pretérita e
resquícios atuais.
O objetivo principal do trabalho é evidenciar a importância da aplicação dos conhecimentos
técnicos da geografia física nos projetos públicos de habitação de interesse social no Município de
Fortaleza. Especificamente o trabalho objetiva contextualizar a problemática das “áreas de risco” no
Município de Fortaleza e relatar as etapas de inserção dos conhecimentos geográficos nos projetos
públicos de habitação de interesse social.
Materiais e métodos
No entendimento sobre o meio ambiente urbano utiliza-se a compreensão da paisagem urbana
integrada na escala dos sistemas ambientais (geossistemas/geofácies) com dinâmica altamente
regressiva em resistasia, influenciada pelos processos socioeconômicos de forma a alterar
completamente as formações superficiais morfopedológicas, cobertura vegetal e qualidade das águas
superficiais e sub-superficiais. Dessa forma, trabalha-se no sentido de propor adequações,
recuperações e requalificações da qualidade ambiental (BERTRAND, 1972, SOUZA, 2000).
A cidade enquanto transformação tecnológica da natureza se apresenta aos grupos sociais como
recurso ambiental com elevado potencial de uso e de troca. Nessa perspectiva, tem valor econômico e
expressão monetária e, inclusive, uso público, social e coletivo, supostamente gratuito, subsidiado
pelos tributos e taxas de serviços. Por meio da participação social é possível otimizar a distribuição dos
recursos ambientais urbanos, solos construtivos, infra-estruturas, serviços básicos e complexos, e
adequá-los à justiça social e ao mercado.
A busca por um método adequado e propositivo para a geografia física em ambientes altamente
urbanizados é um desafio por si só. Tal método se constrói com maior acuidade nos tratamentos
práticos do assunto. Dessa forma, é menos uma construção teórica através de apanhados bibliográficos.
Compreender as influências recíprocas e múltiplas entre a dinâmica do “natural” e a dinâmica
do “construído” é o fundamento e a chave para composição de um método científico de análise/síntese
dos espaços urbanos.
A dinâmica da natureza compreendida através dos processos hidroclimáticos, morfoestruturais
e esculturais, pedológicos e biogeográficos/ecológicos, etc. tem sua apreensão em diversos métodos e
técnicas desenvolvidos ao longo da própria evolução da geografia enquanto ciência. A compreensão
dos processos socioeconômicos produtores e transformadores dos espaços geográficos também são
realizados através de métodos próprios.
O tratamento integrado das duas matrizes temáticas da geografia esbarra na dificuldade
metodológica, principalmente na proposição de uma apreensão do funcionamento dos ambientes
urbanos, onde o entrelaçamento dinâmico e físico dos aspectos naturais e socioeconômicos se acentua
de uma forma tal que se confunde na dinâmica do funcionamento.
A utilização de uma base téorica-metodológica, vinculada à compreensão da paisagem como
categoria de análise, a entende como um sistema de classificação de terras, ou seja, uma unidade
espacial onde se apresentam de forma integrada suas características geoecológicas dentro de uma
determinada porção do território.
A paisagem representa, portanto, uma unidade com características próprias, mas integralmente
vinculada ao seu entorno, não podendo ser considerada como sistema material autônomo, pois não
pode existir independentemente uma das outras.
As paisagens formam assim, associações que se relacionam nas diferentes partes dos sistemas,
constituindo uma possibilidade de compreensão das relações entre a dinâmica natural e as
complexidades das estruturas sociais (GREGORY, 1992; RODRIGUEZ, 2000) dentro de uma
racionalidade ambiental.
Entende-se por racionalidade ambiental como a incorporação das externalidades ambientais
(potencial natural, características dos ecossistemas e capacidade de suporte) somado aos componentes
sociais, dando primazia e possibilitando o desenvolvimento de tecnologias de intervenção na natureza
visando a minimização dos impactos ambientais, e que coloque o controle social do processo
produtivo ao interesse do conjunto da sociedade (LEFF, 2001).
Para o levantamento aqui proposto a base metodológica não entra no escopo das metodologias
científicas da geografia enquanto ciência ambiental, na verdade, utilizando-se da lógica da
racionalidade ambiental faz-se um relato seqüencial das atividades desenvolvidas pelos geógrafos na
HABITAFOR, mostrando como os conhecimentos técnico-científicos são aplicados.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Na prática, o arsenal teórico-metodológico da geografia física inicia sua participação no
processo ao avaliar as condições ambientais das comunidades e seus sítios naturais de ocupação.
Identifica-se primeiramente a existência de ambientes fluviais, flúvio-lacustres, lacustres, flúvio-
marinhos, dunares, praiais, ou seja, ambientes considerados desde frágeis a muito frágeis. A partir
dessa identificação investiga-se a amplitude das inundações, alagamentos, escoamento superficial,
erosão e assoreamento das calhas fluviais e lacustres.
Nas análises geoambientais dos sítios de ocupação dos assentamentos precários são abordados
os elementos naturais da paisagem através de um exercício técnico de reconstituição da dinâmica
geoecológica da paisagem em seu estado anterior à ocupação. Nessa abordagem destacam-se as
condições geológico-geomorfológicas, formações superficiais epidérmicas – solos alterados e
cobertura vegetal, corpos e recursos hídricos.
Em seguida avaliam-se de forma aprofundada as características de uso e ocupação na
perspectiva física e dinâmica (processos socioeconômicos atuantes) no que tange às condições
construtivas e de segurança e relação com as características fisiográficas e dinâmicas da paisagem do
sítio natural de instalação dos assentamentos.
Colocados em relação o meio físico-natural e o meio socioeconômico é classificada a
fragilidade do ambiente frente à ocupação, os problemas ambientais existentes, os impactos
emergentes e os conflitos de uso encontrados no embate entre grupos sociais e seus interesses diversos.
No subsidio as proposições de requalificação da área são identificados e sugeridos as potencialidades e
limitações do ambiente natural e social. Como síntese das análises é realizado o zoneamento urbano-
ambiental da comunidade e representado no mapeamento temático.
Compondo as atividades de análise geoambiental dos assentamentos precários é elaborado um
prognóstico ambiental de acordo com os tipos de empreendimentos possíveis, enfatizando a projeção
do cenário atual, cenário sem o empreendimento e permanência da comunidade, cenário com o
empreendimento e permanência da comunidade, cenário sem o empreendimento e sem a comunidade e
cenário com o empreendimento e sema comunidade (no caso de reassentamento).
Considerando a necessidade fundamental de compreensão do estado atual das comunidades e
necessidade de intervenção com projetos de interesse social é realizado um estudo aprofundado sobre a
legislação ambiental e urbanística a nível municipal, estadual e federal. Destaca-se nesse estudo tanto
bibliográfico quanto em campo a apreensão em relação à abrangência das áreas de preservação e faixas
de proteção dos recursos hídricos.
Essas atividades, realizadas essencialmente em campo, tem o objetivo de atestar a possibilidade
de urbanização da comunidade sem a necessidade de remoção das famílias, ou, indicar a necessidade
fundamental do reassentamento. Serve como uma avaliação de risco ambiental realizada em cada
comunidade que demandou atendimento com habitação de interesse social através do instrumento de
participação popular no orçamento municipal (orçamento participativo).
A partir dos resultados dessa primeira etapa é decidido o tipo de projeto mais adequado à
comunidade: conjunto habitacional, urbanização, melhorias habitacionais, recuperação ambiental,
regularização fundiária, etc.
Cada tipo de projeto, com suas especificidades, exige adequações de acordo com o sítio
disponível, ou seja, cada terreno, de acordo com o sistema ambiental, vai indicar o desenvolvimento
dos projetos arquitetônicos, urbanísticos, de recuperação ambiental, paisagísticos, infra-estruturais, etc.
Na fase de elaboração dos projetos ocorrem as câmaras técnicas, envolvendo advogados,
arquitetos e urbanistas, assistentes sociais, engenheiros civis e geógrafos. Os geógrafos, nesse
processo, indicam as limitações e potencialidades ambientais, assim como os aspectos naturais que
necessitam ser recuperados. Apresentam, também, alguns indicadores de qualidade ambiental que
precisam ser contemplados na execução da obra e operação do empreendimento. O ordenamento com
a legislação ambiental é realizado em conjunto entre os geógrafos com a assessoria dos advogados.
Destaca-se que nas primeiras atividades de reconhecimento e avaliação geoambiental das
comunidades e elaboração interdisciplinar dos projetos é formado um banco de dados com bases
georreferenciados, aplicando-se a ferramenta do geoprocessamento, compondo um SIG (sistema de
informações geográficas) relacionado às comunidades e projetos habitacionais.
Todos os empreendimentos de habitação de interesse social – EHIS propostos são submetidos
ao processo de licenciamento ambiental. Os estudos ambientais e as avaliações dos impactos
ambientais realizadas são acompanhados rigorosamente pela equipe interna de adequação ambiental de
projetos, formada interdisciplinarmente, com a mesma composição das câmaras técnicas, sob a
supervisão do profissional de geografia, que solicita e avalia os pareceres técnicos fundamentados dos
demais profissionais.
Foram realizados e concluídos entre 2006 e 2009, 25 processos de licenciamento ambiental dos
EHIS e requalificação urbana-ambiental de ambientes frágeis. Cabe destacar que são elementos
técnicos fundamentais para o licenciamento ambiental a produção e apresentação dos planos
complementares: PCMAT – Plano de controle do meio ambiente de trabalho; PGRSCC – Plano de
gerenciamento dos resíduos sólidos da construção civil; PAIM – Plano de acompanhamento dos
impactos ambientais; Plano de reassentamento da população afetada e beneficiada. Todos esses planos
tem sua importância ambiental específica e complementa as recomendações dos relatórios finais e
propositivos dos estudos ambientais exigidos: relatórios ambientais - RA, estudos de viabilidade
ambiental - EVA, estudos de impactos e relatórios de impactos ambientais – EIA-RIMAS.
Na fase de execução dos projetos, ou seja, construção dos empreendimentos, o profissional de
geografia é responsável pelo acompanhamento sistemáticos das atividades com maior potencial de
alteração do meio ambiente, contidos nos estudos ambientais e identificados in situ. Esse
acompanhamento visa prevenir e evitar que as atividades realizadas comprometam a qualidade
ambiental do local da obra e os locais de deposição de resíduos da construção.
Destacam-se entre as atividades monitoradas: limpeza do terreno, raspagem do terreno,
movimentação e corte de terra, limpeza de corpos hídricos, dragagem de riachos e calhas lacustres,
corte e transplante de vegetação arbórea, rebaixamento do lençol freático, etc. À medida que surgem
inconformidades no que se estabelece enquanto critérios de qualidade ambiental na execução das obras
são organizadas intervenções através de reuniões técnicas para a resolução dos problemas envolvendo
a HABITAFOR e a empresa construtora responsável. Nesse processo são propostas alternativas que
eliminem ou reduzam significativamente os impactos ambientais.
Concluídos os conjuntos habitacionais e demais empreendimentos e entregues ao usufruto da
população beneficiada, o trabalho da geografia física aplicada se volta para a educação ambiental
vinculada às ações do serviço social. Geralmente, essa atividade inicia-se na entrega das unidades
habitacionais e se estende por cerca de um ano, podendo ser mais, de acordo com a capacidade de
organização comunitária. A educação ambiental para a comunidade reassentada visa
fundamentalmente buscar um entendimento vinculado ao novo modo de vida, com a disponibilidade
completa dos serviços de saneamento ambiental e infra-estruturas urbanas.
O reconhecimento da necessidade fundamental da requalificação ambiental do Município de
Fortaleza foi o indutor para aplicação da racionalidade ambiental nos projetos públicos de habitação de
interesse social. Entende-se que as políticas de habitação de interesse social, necessariamente
vinculadas ao conceito de habitabilidade, repercutem de forma direta e indireta em outros temas, como
saneamento básico, saúde pública, segurança pública, exercício de cidadania, inclusão social, entre
outros, formulando e efetivando assim uma política de desenvolvimento urbano pautado em bases
práticas. Nesse ínterim de racionalidade e requalificação ambiental, em função da necessidade do
desenvolvimento social e urbano, perpassado pelo viés urbanístico, os conhecimentos da geografia
física enquanto ciência aplicada, dotada de um arsenal de métodos e técnicas, obteve um papel
fundamental, desenvolvendo parâmetros de qualidade ambiental com a atuação dos profissionais
diretamente nos programas e projetos habitacionais, contribuindo de maneira decisiva para a mudança
do pensamento técnico e político e encaminhando, quiçá em curto prazo, para uma realidade de justiça
social e ambiental.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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