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Temas de Seguro Antonio Penteado Mendonça 2ª Edição Revista e Atualizada

2ª Edição - Temas de Seguro - Antonio Penteado Mendonça

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Temas deSeguro

Antonio Penteado Mendonça

2ª EdiçãoRevista e Atualizada

Temas de Seguro

Antonio Penteado M

endonça

Bem vindo à segunda edição do livro “Temas de Seguro”. Revista e atualizada, segue a mesma premissa da primeira edição: ser uma ferramenta de trabalho para quem opera ou precisa saber o que é, para que serve e como funciona o setor de seguros no Brasil. Não é uma obra jurídica, nem tampouco uma obra técnica. Sua proposta é explicar de forma compreensível e descomplicada as tipicidades, meandros e procedimentos de uma atividade econômica complexa e pouco conhecida. Justamente por isso é um auxílio importante para segurados, seguradores, resseguradores, securitários, corretores de seguros, prestadores de serviços, operadores do direito e quem mais queira conhecer a atividade. Desenvolvido tendo por base artigos publicados nos jornais “O Estado de S. Paulo” e “Tribuna do Direito”, os textos podem ser lidos isoladamente ou como parte de uma obra maior. A razão disto é oferecer ao leitor alternativas de uma visão global ou uma visão focada num tema especí� co que necessite no momento. Boa leitura!

Antonio Penteado Mendonça

Antonio Penteado Mendonça

• Advogado formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (Universidade de São Paulo), com especialização e estágio pro� ssional na República Federal da Alemanha e especialização em seguros pela Fundação Getúlio Vargas / São Paulo;

• Membro do Corpo Permanente de Árbitros da Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo – CIESP;

• Vice-Presidente do Conselho Superior de Estudos Avançados da FIESP;

• Conselheiro do Conselho Superior de Direito da Fecomércio São Paulo;

• Conselheiro da AIDA/Brasil – Association Internationale des Droit des Assurances;

• Presidente do Conselho Consultivo da Associação Paulista de Técnicos de Seguros;

• Membro da Academia de Letras Jurídicas de São Paulo;

• Membro e Conselheiro da Academia Nacional de Seguros e Previdência;

• Diretor Jurídico da ABGR – Associação Brasileira de Gerência de Riscos;

• Sócio da IBA – International Bar Association;

• Sócio do Instituto dos Advogados de São Paulo; • Palestrante e conferencista;

• Professor da Fundação Instituto de Administração / Faculdade de Economia e Administração (FIA/FEA-USP);

• Professor do Programa de Educação Conti-nuada da Fundação Getúlio Vargas / SP;

• Colunista de seguros e previdência do Jornal “O Estado de S. Paulo”;

• Colunista do Jornal “Tribuna do Direito”; • Articulista do “Jornal da Tarde”; • Produtor e apresentador do programa “Seguros” da Rádio Eldorado AM/FM;

• Produtor e apresentador da “Crônica da Cidade” da Rádio Eldorado AM;

• Membro e Primeiro Secretário da Academia Paulista de Letras;

• Membro e Diretor Tesoureiro da Academia Pau lista de História;

• 1º Vice-Presidente do Conselho de Administração do CIEE – Centro de Integração Empresa Escola;

• Vice-Mordomo dos Hospitais da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo;

• Livros: “Crônica da Cidade”, “Crônicas de Amor e Outras Histórias”, “A Cidade em Movimento”, “O Toque do Verde” e “Temas de Seguro (1ª. edição);

• Livro em coautoria: “Constituição Federal – Edição Comemorativa dos 20 Anos” – Capítulo VIII – DA ORDEM SOCIAL – Da Seguridade Social na Constituição Federal de 1988;

• Mais de 1200 artigos técnicos sobre seguros, previdência privada, planos de saúde e seguridade social publicados na grande imprensa e imprensa especializada no país e no exterior;

• Mais de 4300 crônicas levadas ao ar desde 1992 pela Rádio Eldorado;

• Mais de 200 artigos políticos/econômicos e artigos sobre a História do Brasil;

• Diversos trabalhos acadêmicos publicados pela Fundação Getúlio Vargas, pela FIA – FEA / USP e pela imprensa especializada nacional e internacional.

A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A

São Paulo/2010

TEMAS DE SEGURO2ª Edição

Revista e Atualizada

© 2010 Editora Roncarati Ltda.Todos os direitos reservados.É expressamente proibida a reprodução total ou parcialdesta obra sem prévia autorização do Autor e da Editora.

2ª Edição - Revista e Atualizada2010

PREPARAÇÃO DE ORIGINALArmando Olivetti

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA E CAPASergio Gzeschnik

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Mendonça, Antonio PenteadoTemas de seguro / Antonio Penteado Mendonça. —

São Paulo : Editora Roncarati, 2010.

Bibliografia.ISBN 978-85-98028-34-7

1. Contratos de seguro - Brasil 2. Corretores de seguros 3. Direito de seguros - Brasil 4. Previdência privada 5. Planos de Saúde 6. Seguros - Brasil I. Título.

10-01812 CDD-368.981

Índice para catálogo sistemático:

1. Brasil : Seguros 368.9812. Seguros : Brasil 368.981

2010Editora Roncarati Ltda.

Rua Clodomiro Amazonas, 89 – casa 8 – Itaim Bibi04537-010 – São Paulo/SP

Fone: (11) 3071-1086www.editoraroncarati.com.br

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PREFÁC IO

Na era do efêmero, apenas uma coisa parece dura-doura: a incerteza. O incerto ronda a aventura humana. À dúvida metódica, necessária para se chegar à certeza, sucedeu o império da dúvida sistemática. Já não basta a cada dia sua própria aflição, pois o aflitivo é permanente. Os dogmas se desconstroem, não existem definições satisfatórias. O século 21 começou turbulento e ambíguo. Na visão de Díez Picazo os últimos anos foram de uma verdadeira revolução, capaz de conquistar três infinitos: o infinitamente pequeno (o átomo), o infinitamente grande (o cosmos) e o infinitamente complexo (a informática).1 Concepção análoga à de Albert Einstein, que denotara a explosão de três grandes bombas no século 20: a bomba demográfica, a bomba atômica e a bomba das teleco-municações. Ou aquilo que já foi chamado o segundo dilúvio, o das informações.2

1 Antonio García-Pablos Molina, Catedrático de Direito Penal da Universida-de Complutense de Madrid. “Informatica y Derecho Penal”. In: Implicaciones sócio-juridicas de las tecnologias de la informacion”. Madrid: Citema (Centro de la Informática, Telemática y Médios Afines), s.d., p.39.

2 Citado por Pierre Lévy. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 5ª reimpressão, 2005, p.13. A expressão ‘segundo dilúvio’ é de Roy Ascott, que Pierre Lévy denomina um dos pioneiros e principais teóricos da arte em rede.

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No Brasil a situação é ainda mais intrincada. Aqui convivem, no mesmo espaço territorial, ilhas pré-medievais, medievais, modernas e pós-modernas. O arquipélago da im-probabilidade amedronta os ainda capazes de discernir. O porvir é letargo, e ainda se acena com a produção de inteli-gências artificiais superiores ao raciocínio humano.

Um dos signos desta era é a virtualidade. Baudrillard constatou que “nada mais preserva o palco do real. Nada mais nos preserva da obscenidade do virtual (da informação, da transparência etc.). Não somos mais os autores do real, e sim os agentes duplos do virtual”.3 O ciberespaço e a cibercultura não tranquilizaram o ser humano.

Submetido ao estresse crescente das atribulações, da volúpia da velocidade com que o drama contemporâneo o re-quisita e com a paradoxal fragilidade de seu arcabouço físico, o homem tenderia a desesperar-se, não fora a existência de compensações para o seu desconforto existencial.

A crença é uma alavanca mantenedora do curso da vi-da. A fuga para o hedonismo e o consumismo irrefreável é um alçapão transitório. Mas a civilização criou mecanismos outros para lenitivo da criatura que não quer se defrontar com sua finitude. O seguro é uma dessas instituições pro-piciadoras de alívio à humanidade. Atenuar o fardo de suas adversidades é anseio profundamente natural a qualquer en-te da espécie humana.

Viver é trilhar uma estrada rumo ao desconhecido. A cada momento escancara-se o surpreendente, e este nem sempre amistoso. Os infortúnios, as perdas e os danos são os

3 Jean Baudrillard. Cool Memories III – Fragmentos 1991-1995. São Paulo: Es-tação Liberdade, 2000, p.138.

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companheiros mais encontradiços no percurso. Ao final do caminho, a única infalibilidade: a morte.

Se a História – observada ao longo do tempo – adquire conotação de série de fatos inteligíveis, a história particular de cada homem, por ele mesmo analisada, pode não guardar coerência racional. É que

a história (do mundo, da vida, do homem) não pode ser concebida

como simples desenvolvimento de uma lógica se encarnando

nos fenômenos através do tempo, à maneira hegeliana. De fato,

a história é, em parte, hegeliana, mas é também anti-hegeliana:

fatos, acidentes, áleas modificam, aceleram ou quebram os

processos fenomenológicos, e participam também da constituição

de novos princípios. Portanto, a história biológica, assim como

a história humana, é, não a de um desenvolvimento, e sim a de

uma cascata de desenvolvimentos. É uma história fragmentada,

desordenada e deslocada.4

Objeto da desventura, o ser humano – frágil caniço pen-sante – perde o prumo e o norte. Desvalido, compromete o seu porvir e o de sua prole. O efeito nefasto do insucesso é contaminador de múltiplos destinos.

Bem por isso, a sucessão de inesperados não pode colher o homem desprevenido. Cumpre ao precavido aparelhar-se para o enfrentamento da álea demolidora de suas estruturas. A desestruturação econômica é suficiente a conduzir uma em-presa ou pessoa exitosa à ruína completa. Ruem os alicerces psicológicos mantenedores de seu equilíbrio, de sua resistên-cia aos embates, de sua coragem para o reinício.

4 Edgar Morin. O homem e a morte. Rio de Janeiro: Imago, 1997, p.15.

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O seguro é a alternativa ao caos. Apercebeu-se disso o talento, a vivacidade e o espírito criativo de Antonio Penteado Mendonça, o brasileiro mais inventivo no setor securitário. Ninguém pode dispensar no Brasil de hoje de suas lições provi-das de clareza e tecnicamente precisas. Não é singela a missão de se comunicar com milhões de leitores e de se fazer com-preendido por todos. Pense-se em um Brasil permeado pela heterogeneidade na escolarização, imagine-se um universo em que o analfabetismo funcional acomete razoável parcela da po-pulação, até mesmo aquela provida de formação universitária.

Os ensinamentos de direito securitário ministrados por Antonio Penteado Mendonça não padecem da monotonia tecni-cista professoral, tão característica ao hermetismo forense. Ao contrário, atraem já a partir dos títulos dos artigos veiculados nos maiores jornais do país. A denominação do texto enxuto, preciso e instigante é um ímã ao qual não se consegue resistir.

Antonio Penteado Mendonça familiariza seus leitores com temas em regra restritos a uma comunidade de iniciados. Desmistifica o seguro, recompõe e clarifica seus conceitos, remove equívocos e demonstra a essencialidade de se dispor dessa proteção indispensável na contemporaneidade.

Sua destreza comunicativa se alia ao proveitoso domínio vernacular, e o resultado é um texto de singular fluência atra-tiva. Lê-se com prazer, pois o interesse deflui da abordagem elegante e persuasiva. Conclui-se, a cada leitura, que o seguro é a companhia amorável para mitigar a desdita. Bálsamo para a miserável condição terrena, refrigério disponível ao previ-dente. Remédio para as calamidades das quais ninguém se libera, pois conaturais ao mortal caminheiro do planeta.

Sendas novas e auspiciosas são abertas pelo tirocínio do conselheiro capaz de oferecer as melhores salvaguardas. Não

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há espaço vedado à contratação do seguro, seja em relação às catástrofes naturais, seja no pertinente aos resultantes da fa-libilidade humana. Os imprevistos de toda ordem podem ser cobertos pelo manto protetor do amparo securitário.

O assunto que o tratamento insípido das preleções tradicionais tornava árido e desataviado, resplandece com to-nalidades novas. Dentre as quais não é a de menor relevo a preocupação ética.

Ética, a matéria-prima de que o Brasil tanto se ressente, encontrou o seu lugar nos ensinamentos diáfanos de Antonio Penteado Mendonça. A opção pelo contrato de seguro é alter-nativa ética à inviável fuga das desgraças. Agrega à reanimante convicção de se poder arcar com as procelas, o desafogo de uma postura moral irrepreensível frente aos atingidos. O se-guro é um fator de ataraxia no mundo de tormentos a que a categoria produtiva de bens e de valores está subordinada.

Essa fisionomia de seguro como instrumento harmoni-zador, pacificador, conciliador e a um tempo presentâneo e acessível, deflui da ensinança irresistível de Antonio Penteado Mendonça. É o elemento diferencial preordenado a conferir condensação à promessa constituinte de edificar uma nação fraterna, justa e solidária. A capacidade de assumir responsa-bilidades abrevia esse projeto por tantos considerado utópico.

A distinção dos estudos partilhados por Antonio Penteado Mendonça o credencia a um galardão duradouro no elenco dos doutrinantes verazes e destinados ao reconheci-mento dos coetâneos e dos pósteros.

José Renato Nalini

Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e Presidente da Academia Paulista de Letras.

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A OPERAÇÃO DE SEGURO

O QUE É SEGURO

Ao contrário do que muita gente pensa, a operação de seguro não é uma invenção inglesa, surgida no século 18, nas mesas de um pub chamado Lloyd’s.

Muito pelo contrário, a operação de seguros é uma das mais antigas – e a mais bem-sucedida – forma de proteção social desenvolvida pelo homem. Para se ter uma ideia da idade do conceito por trás desse tipo de contrato, o Código de Hamurabi, uma das normatizações legais mais antigas de que se tem notícia, já trazia entre suas disposições regras de proteção muito semelhantes aos comandos das apólices mo-dernas, variando apenas o objeto a ser protegido. Enquanto hoje o mundo se preocupa com satélites, computadores, riscos ambientais etc., na antiga Mesopotâmia visava-se proteger as caravanas, os camelos e os animais em geral. No mais, até alguns tipos de risco são os mesmos: enchentes, tempestades, roubo de mercadorias, saques, incêndios, tumultos etc., da-quela época até os nossos dias estão entre os riscos que têm rotineiramente seguros à sua disposição.

O conceito básico que norteia toda e qualquer ope-ração de seguro é a repartição de determinados prejuízos

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econômicos que afetam alguns membros de uma determinada sociedade por todos os seus integrantes. Essa regra permane-ce inalterada, desde os tempos da antiga Babilônia. A única diferença substancial entre o passado e o presente é que lá se rateavam os prejuízos causados pela morte de parte dos camelos de uma caravana, e no mundo moderno se rateiam os custos de um satélite que não entrou em órbita, ou do roubo de veículos, ou da responsabilidade civil por um vazamento de material tóxico.

É importante salientar que esse rateio só pode ser feito entre titulares de riscos semelhantes. Não é factível segurar objetos diversos contra riscos diferentes. Assim, a indenização de um seguro de vida tem obrigatoriamente que ser rateada entre os segurados de vida, ao passo que uma indenização por roubo de veículo tem que ser rateada entre os segurados de seguros de automóveis.

Na medida em que a operação de seguro tem na base o rateio dos prejuízos de alguns segurados afetados por sinistros entre a massa total de segurados, é imprescindível que os ris-cos garantidos pela companhia de seguros, em suas diferentes carteiras, sejam semelhantes. Sem isso não é possível chegar a um prêmio estatístico justo, porque os riscos sendo diferentes, sua frequência e o valor das indenizações também o serão.

Nem poderia ser de outro modo, já que um segurado que paga prêmio para ter seu carro garantido contra roubo tem um risco diferente daquele que paga prêmio para proteger-se de danos causados a terceiros em decorrência de sua profissão.

Toda essa quantificação tem na sua origem a lei dos grandes números e a lei das probabilidades, com base nas quais são desenvolvidos os cálculos atuariais que determinam o custo de cada seguro e a contribuição individual de cada

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segurado, para a constituição de um mútuo destinado a fazer frente às indenizações devidas aos segurados que venham a ser atingidos por aquele determinado tipo de risco, para cuja proteção foi criado o fundo comum.

A OPERAÇÃO DE SEGURO – 1

Desde o Código de Hamurabi, na antiga Mesopotâmia, o homem se vale de regras muito próximas às dos seguros atuais para proteger a sociedade organizada dos azares da vi-da e da natureza. A base conceitual do seguro é a repartição dos prejuízos de uns poucos por todos os componentes do grupo, minimizando o impacto individual pela transferência do total das perdas para a coletividade, proporcionalmente à capacidade de cada um suportar custos extras, sem compro-meter sua sobrevivência.

Essa operação é conhecida como mutualismo. Ela é a soma das contribuições proporcionais aos riscos de todos os integrantes de um grupo para fazer frente a sinistros que afe-tem alguns de seus membros, em função de riscos cobertos pelas apólices. Em outras palavras, o mútuo é um grande fun-do, composto pelos prêmios pagos por todos os segurados, destinados a indenizar os sinistros previstos nas apólices, que afetem os integrantes do grupo.

Assim, o negócio de uma seguradora não é correr ris-cos, mas assumir a obrigação de indenizar os sinistros de seus segurados, com base em análises as mais exatas possíveis, para dimensionar o custo de cada garantia oferecida indivi-dualmente, levando em conta todo o grupo. Seguro é massa, é a soma de milhares de contribuições, representadas pelos

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prêmios pagos por milhares de pessoas, para terem seus riscos transferidos para uma companhia de seguros, dentro de deter-minadas condições preestabelecidas e previstas nas apólices.

Para a seguradora, o sinistro individual, desde que co-berto e com prêmio pago, é indiferente, porque o seu negócio é justamente arcar com essas despesas, pagando as indeniza-ções de seus segurados.

Com o aumento da complexidade da atividade econô-mica moderna, as seguradoras passaram a se defrontar com riscos cada vez mais sofisticados e mais difíceis de serem dimensionados e assumidos de forma simples. Quer pelo ta-manho do objeto do seguro, quer pelo tamanho dos sinistros possíveis, quer pela frequência da sua ocorrência, esses riscos passaram a demandar cuidados especiais, que transformaram as seguradoras em empresas altamente especializadas, ca-pacitadas a assumi-los integralmente ou retendo apenas um pedaço mínimo da obrigação de indenizar, de acordo com sua capacidade de retenção e sua política de aceitação de riscos.

Cada tipo de seguro é colocado num mútuo com ca-racterísticas próprias, destinadas a fazer frente aos sinistros daquele tipo de seguro. São os ramos ou carteiras de seguros. É por isso que os seguros de automóveis vão para a carteira de automóveis e os seguros patrimoniais vão para esta carteira. Não seria possível calcular o prêmio correto para um seguro de automóvel e outro de incêndio, aceitos na mesma cartei-ra. São realidades completamente diferentes, que precisam ser tratadas de forma diferente. E como esses riscos são diferen-tes, as seguradoras têm mecanismos diferentes para trabalhar cada um, através de diversas opções.

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A OPERAÇÃO DE SEGURO – 2

Ao decidir atuar numa determinada carteira de seguro, uma seguradora deve ter respostas para uma série de questões extremamente importantes, para que chegue a um final feliz. A primeira delas é se ela conhece o mercado em que pretende atuar, porque, se não o conhecer, os riscos de lançar produtos fora de sintonia com as aspirações dos segurados são grandes, e isso pode inviabilizar o projeto, porque ninguém comprará suas apólices. Mais grave ainda, ao atuar num segmento des-conhecido, a seguradora corre o risco de lançar produtos mal dimensionados ou formulados com base em premissas erra-das, e aí o resultado da operação será, com certeza, o prejuízo, e por um bom tempo, já que as apólices de seguros têm vigên-cia no mínimo anual.

Mas, além disso, é importante a companhia dimensionar qual a participação que ela deseja ter no risco aceito. Se for um risco unitariamente pequeno, com baixa frequência de sinistros e grande potencial de segurados, pode ser interessante retê-lo integralmente. Porém, contratar planos de resseguros pode re-presentar transferência de tecnologia de ponta para a seguradora, além de ser uma tábua de salvação importante para uma empresa que deseja entrar num segmento novo e desconhecido.

Como se vê, as decisões não são fáceis e envolvem variá-veis quase opostas, que, se adotadas de um ou de outro jeito, terão impactos diferentes no resultado da empresa. É por isso que o marketing é – ou deveria ser – uma das principais ativi-dades de qualquer seguradora. Sem um conhecimento amplo do setor visado e o planejamento estratégico adequado para atacá-lo, uma companhia de seguros corre sérios riscos de in-solvência, independentemente do seu tamanho.

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Aliás, justamente por essa gama de possibilidades, o ta-manho de uma seguradora não é tão importante, no momento em que ela aceita um risco. Muito mais importante, especial-mente em riscos de grande porte, é a contratação dos planos de resseguros que garantem o seguro e que são, na realidade, quem fica com o grosso do risco.

Como os limites das seguradoras nacionais não são sufi-cientes para reter riscos do porte, elas são obrigadas a aceitar as condições impostas de fora para dentro, porque quem real-mente retém os riscos, ou seja, quem paga as indenizações, são os resseguradores.

Limite é quanto uma seguradora pode reter de determina-do risco. Se, por um lado, a retenção integral de um automóvel pode ser feita por praticamente qualquer seguradora, a mesma regra pode não valer para os seguros de responsabilidade civil desse mesmo veículo. A retenção da companhia na carteira de responsabilidade civil pode ser menor do que a importância segurada pretendida por um segurado, e, aí, a seguradora é obrigada a transferir o que exceder o seu limite para outra seguradora ou para um ressegurador.

Essa transferência, obrigatória, visa proteger a segu-radora, limitando sua obrigação de indenizar a patamares compatíveis com o que ela pode suportar, sem ficar abalada, em função de seu tamanho.

A OPERAÇÃO DE SEGURO – 3

A principal garantia da solidez do mercado segurador internacional é a sua capilaridade. Na medida em que as com-panhias de seguros são obrigadas a, no mínimo, respeitar os

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seus limites de retenção, grande parte dos riscos acaba sendo transferida para outras companhias que, por também terem limites, os repassam para uma terceira leva de companhias que, da mesma forma que as anteriores, os repassam para uma quarta linha de empresas e assim sucessivamente, até o ris-co ser integralmente colocado, no número de seguradoras e resseguradoras necessário para a sua absorção integral, sem expor nenhuma delas a responsabilidades maiores do que as de sua capacidade operacional.

Dando um exemplo para mostrar como isso funciona, as operações de cessão de risco seriam muito mais sofistica-das, mas semelhantes às do jogo do bicho, onde as bancas pequenas repassam para os grandes bicheiros os valores que, caso muitos apostadores ganhassem, poderiam representar o seu estouro.

As operações de resseguro têm, em princípio, o mes-mo objetivo dos pequenos bicheiros. Todavia, dada a imensa complexidade das atividades econômicas modernas, elas aca-baram se sofisticando para permitir às companhias de seguros e às próprias resseguradoras, não apenas transferirem os seus excedentes de responsabilidade, mas também desenvolverem planos de proteção capazes de permitir uma rentabilidade mí-nima para suas respectivas carteiras, mesmo se afetadas por altas taxas de sinistralidade.

Essa sofisticação faz a capilaridade do mercado atingir patamares quase inacreditáveis para quem não está familiari-zado com a atividade. Por exemplo, um pedaço do seguro do metrô de Moscou, anos atrás chegando ao Brasil através de uma operação de aceitação de risco do IRB-Brasil Resseguros S.A.

Mas se a capilaridade por si só já é uma ferramen-ta fundamental para a preservação do mercado segurador

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internacional, ela não é a única. Além da obrigação de limitar suas responsabilidades, as companhias de seguros têm também o dever de constituir reservas técnicas para fazer frente ao seu negócio, que é pagar sinistros.

Assim, com base nas estatísticas de sinistralidade das diferentes carteiras das companhias de seguros, elas são obrigadas a ter permanentemente separados, em contas espe-ciais, fundos dos quais são sacados os valores necessários para indenizar os sinistros, na medida em que estes vão sendo in-formados pelos segurados.

Como se não bastasse, as companhias de seguros de-vem ter capital e ativos compatíveis com as suas operações, e esses recursos, mesmo não comprometidos com as reservas, são uma garantia adicional da sua capacidade para pagar os seus sinistros.

Num sistema que fatura anualmente 3 trilhões de dóla-res, essas ferramentas são suficientes para preservar a solidez das companhias bem gerenciadas e, consequentemente, a tranquilidade dos segurados, que têm a certeza de receber a indenização de seus sinistros.

SEGURO É NEGÓCIO E CONTRATO

A atividade seguradora não é instituição de caridade. Ela é um negócio, com o objetivo do lucro, por isso tende a ser eficiente e cumprir de forma satisfatória sua missão de proteger e incentivar o desenvolvimento social.

Sendo negócio, a atividade segue as regras inerentes às empresas que se dedicam a fazer negócios, mas, por ser negó-cio de caráter especial, segue, também, regras específicas, que

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a norteiam, fazendo dela um setor regulamentado por normas especiais que interferem para dar desde a forma da constitui-ção das empresas até os parâmetros que determinam quem são os que podem ou não participar, em que abrangência e com que competência.

É assim que no Brasil as companhias de seguros são so-ciedades anônimas, incidindo sobre elas, de forma integral, a legislação societária e fiscal inerente a esse tipo de empresa.

Mas, além de ser obrigatoriamente uma sociedade anô-nima, para que uma empresa possa ser seguradora, ela deve preencher uma série de requisitos impostos por legislação específica que regulamenta o sistema nacional de seguros pri-vados, que determina desde o capital mínimo até a forma de atuação e os ramos em que a companhia, dependendo de sua constituição, pode ou não operar.

Ao contrário da imensa maioria das sociedades anônimas que para iniciar suas atividades necessitam apenas os registros previstos na legislação aplicável a elas, as seguradoras, antes de serem autorizadas a vender suas apólices, precisam, além de se constituírem como sociedades anônimas, provar a subscrição de um capital mínimo determinado por norma legal, obter au-torização de funcionamento junto à SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), definir os ramos de seguros e as unida-des da Federação em que pretende atuar, definir os limites técnicos e operacionais de cada ramo de seguro, aprovar os nomes de seus dirigentes junto à SUSEP, realizar um depósito mínimo em conta vinculada no Banco do Brasil etc.

De acordo com a lei, apenas as companhias de seguros estão autorizadas a aceitar riscos, contratar seguros e vender apólices. Dada a natureza de caráter fortemente social da ati-vidade, elas estão sujeitas a controles muito mais rígidos e a

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uma legislação que vai além da legislação societária empresa-rial normal brasileira.

Uma seguradora, ao fazer um seguro, está se dispondo a cumprir uma obrigação futura, que, em se materializando a si-tuação, se não for integralmente respeitada, pode causar dano de vulto ao segurado que comprou dela uma apólice, imagi-nando se proteger, por estar transferindo para a seguradora a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos decorrentes de sinistros cujos eventos estão previstos e cobertos pelo seguro.

Se uma seguradora deixa de honrar o pagamento de uma indenização devida, o segurado, que pagou adian-tadamente pelo direito de ter essa contrapartida, além do prejuízo direto causado pelo sinistro que o atingiu, fica tam-bém sem ter a quem recorrer para arcar com os custos para a recomposição de seu patrimônio, sendo obrigado a destinar parte de suas reservas – se as tiver – para fazer frente a uma obrigação que havia sido transferida para a companhia de seguros, em virtude de um negócio formalizado através de um contrato.

Daí a importância da participação do poder público na regulamentação e na fiscalização da atividade seguradora, e daí a necessidade de todo negócio de seguro ser feito obriga-toriamente através de um contrato com regras extremamente rígidas, a começar por ter nome: apólice de seguro. Sem que haja uma apólice, não há um contrato de seguro, ou seja, não há uma operação de seguro e, consequentemente, não há a transferência da obrigação de arcar com os prejuízos causados por um sinistro coberto do contratante para a contratada.

O contrato de seguro é um contrato de adesão regu-lado pelo Código Civil em capítulo especialmente dedicado a ele. Essa exclusividade que lhe é dada pela lei pertinente

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não é mais do que a forma prática de se proteger as partes, já que, pelas tipicidades da operação, tanto a seguradora como o segurado podem causar dano ao outro, se não respeitarem os pressupostos básicos e essenciais de um negócio que tem no mutualismo sua base econômica, de onde são sacados os recursos para o pagamento de indenizações decorrentes de eventos futuros, aleatórios, previstos na apólice e que causem prejuízo econômico ao segurado.

Assim, a apólice deve especificar os riscos cobertos, as exclusões, bens sem cobertura e situações de perda de direito à indenização com clareza, nos termos impostos pelo Código de Defesa do Consumidor no que tange aos contratos de ade-são. Feito isso, as condições contratadas devem ser respeitadas para não prejudicar o mútuo.

A RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA

Uma questão interessante para quem estuda os assuntos ligados a seguros é a da responsabilidade da seguradora, ou melhor, das responsabilidades da seguradora, já que, sendo um contrato complexo, o contrato de seguro coloca mais de uma responsabilidade no polo da companhia de seguros.

Entre todas, sem dúvida a mais relevante é a responsabi-lidade contratual de pagar a indenização. Afinal, o pagamento da indenização é a razão de ser do contrato de seguro, sua essência e sua finalidade. Mas a companhia de seguros só é responsável perante seu segurado em função de um contrato, a apólice de seguro, que delimita a extensão dessa respon-sabilidade de acordo com seu clausulado e com os valores envolvidos. Assim, a responsabilidade da seguradora não é

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ampla e irrestrita, nem se confunde com o próprio sinistro ou com o total do prejuízo dele resultante.

Uma companhia de seguros não é em hipótese alguma, dentro das relações geradas pela apólice, responsável pelo sinistro. De acordo com o contrato, ela é responsável pelo pagamento da indenização do sinistro, o que é completamente diferente de responder pelo próprio dano e por seus prejuí-zos. Mais do que isso, ela é responsável apenas dentro dos limites do contrato, ou seja, em função da apólice de seguro a seguradora tem fronteiras definidas, dentro das quais su-as responsabilidades precisam estar claramente colocadas, e a mais importante dessas limitações – até mesmo para defesa do mútuo e dos outros segurados – é a que veda a companhia de indenizar mais do que o previsto na apólice, seja em função de valor, ou de cláusula de garantia do risco ou de exclusão de cobertura.

A ocorrência de um sinistro, ainda que em se tratan-do de um risco em princípio coberto pela apólice, não gera a certeza do pagamento da indenização. Existe toda uma série de variáveis que podem influir positiva ou negativamente no resultado da obrigação de fazer, impondo à seguradora o ônus do pagamento ou liberando-a dessa obrigação.

A lei tipifica a operação de seguro assim: “Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento de um prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados” (Artigo 757 do Código Civil).

Sendo a obrigação da seguradora garantir interesse legí-timo do segurado contra riscos predeterminados, não há que se falar em responsabilidade direta dela pela ocorrência do sinistro. Assim, o sinistro – que é a materialização do risco em

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função da ocorrência do evento previsto na apólice, que gere prejuízo econômico para o segurado – gera uma expectativa de obrigação para a seguradora, condicionada aos demais termos e condições do contrato, que pode se concretizar ou não.

A ocorrência do evento previsto no contrato por si só não implica automaticamente a certeza do desembolso de qualquer valor pela companhia de seguros. Para que haja essa conclusão é indispensável que o evento cause, antes de tudo, um prejuízo econômico ao segurado. Sem a existência da per-da econômica, não há obrigação de indenizar. Na medida em que a seguradora repõe a perda ou o prejuízo, sem que este exista concretamente, não surge a condição contratual fun-damental, que é exatamente pagar os prejuízos econômicos sofridos pelo segurado em decorrência do evento.

Exemplificando, num seguro de vida, a seguradora não é responsável pela morte do segurado; ela responde pelo pa-gamento do valor avençado na apólice, a ser feito para os beneficiários do seguro, no caso da morte dele. Da mesma forma, num incêndio, a seguradora não é responsável pelo fogo ou pelos danos que ele causa; ela responde pela inde-nização dos prejuízos decorrentes deles. E essa situação se repete em todos os outros seguros, especialmente nos seguros de responsabilidade civil facultativa, que antes de tudo são seguros de reembolso, nos quais a seguradora tem a obriga-ção contratual de ressarcir o segurado pelas quantias que for obrigado a pagar a terceiro em função de dano involuntário causado a ele. Todavia, nos seguros de responsabilidade civil a lei impõe algumas exceções e, mesmo a seguradora não sendo nunca responsável direta pelo dano, nessas situações especiais, representadas pelos seguros obrigatórios de responsabilidade, ela pode ser acionada pelo terceiro, vítima do dano causado

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pelo segurado. Mas mesmo nessa situação a responsabilidade da companhia de seguro é contratual, ou seja, ela não se con-funde com a responsabilidade do causador do dano frente à vítima, nem, tampouco, com a origem do próprio dano.

Finalizando, em toda relação de seguro existem sempre dois momentos distintos. O da ocorrência do evento previsto na apólice, que gera determinado prejuízo, e o do pagamento da indenização pela companhia de seguros, que pode ou não cobrir integralmente os prejuízos causados pelo sinistro, nos limites do contrato.

ÉTICA, SEGUROS E TRANSPARÊNCIA – 1

Ao longo das últimas décadas o Brasil vem passando por um processo interessante de resgate dos princípios éticos ne-cessários à construção e manutenção de uma sociedade ativa e mais justa, baseada nos fundamentos essenciais para o funcio-namento da democracia e para a criação de um cenário hábil a dar o suporte à mudança de patamar econômico-social que nos permitirá entrar no seleto grupo dos países desenvolvidos.

Ao contrário do que pode parecer, a explosão de es-cândalos que invariavelmente chocam a opinião pública não significa o aumento incontrolável do crime e da esperteza, mas o primeiro resultado dessa luta da sociedade para moralizar a nação, tanto no público, como no privado.

Desde o impeachment do presidente Collor, que pode ser visto como o marco inicial desse processo, o Brasil vem exigindo de si um esforço fantástico, que já resultou em ações como os processos de cassação de parlamentares por falta de decoro, na identificação de vários setores do crime organizado,

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no repúdio da sociedade a todas as práticas menos claras, em todos os níveis de atuação.

Esse resgate da ética tem claros reflexos na atividade empresarial do país. Por conta dele, e pelo uso – às vezes ex-cessivo – de medidas legais à disposição da sociedade, como o Código de Defesa do Consumidor, diversos setores econômi-cos vão modificando suas posturas, passando a agir, acima de tudo, com mais respeito pelos clientes, consumidores poten-ciais e a sociedade em geral.

É evidente que ainda há muito a ser feito. Estamos co-meçando uma longa marcha e, portanto, ainda existem abusos de todas as ordens, e certamente novos escândalos virão à tona.

Mas os princípios básicos, que foram resgatados pela indignação popular diante de toda sorte de desmandos que eram rotina em nossa vida, já estão consolidados e gerando frutos, como os recalls feitos pela indústria automobilística, os novos clausulados dos contratos de compra e venda, a ex-tensão dos prazos de garantia dos mais diversos produtos, os serviços de atendimento aos clientes etc.

E é aqui que a atividade seguradora tem um problema. Enquanto um fabricante de geladeira, ao vender seu produto, pode mostrá-lo e o comprador pode testá-lo, porque existe um bem físico, de determinado tamanho, cor, peso etc., uma apóli-ce de seguro é um pedaço de papel, com cláusulas e condições que só poderão ser testadas se acontecer o sinistro, o que não é obrigatório, e que, de qualquer forma, só acontecerá no futuro. Quer dizer, seguro não tem test drive. A apólice é comprada no escuro, na confiança, e por isso pode dar chabu, depois de pago o prêmio e na hora em que o segurado mais precisa dela.

Pela tipicidade, a lei que regulamenta o sistema nacional

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de seguros privados, votada em 1966, é provavelmente a primeira lei de defesa do consumidor brasileira. Focada na proteção do segurado em sua relação com seguradoras e cor-retores de seguros, a lei contém uma série de disposições que mesmo em caso de quebra da companhia, garantem o paga-mento dos sinistros.

Mas só uma lei, no Brasil, não é suficiente para obri-gar alguém a fazer alguma coisa. E se o setor de seguros tem credibilidade, e ao longo dos últimos anos cresceu a taxas su-periores ao resto do país, é porque a atividade é séria, ética, e na média cumpre o contratado.

Esta é a melhor forma de atuar. Para que ela se consolide, é só as seguradoras continuarem investindo no treinamento de seus quadros.

ÉTICA, SEGUROS E TRANSPARÊNCIA – 2

Ética só tem sentido como um conceito objetivo. Sem sua aplicação prática, na forma de condução das próprias ações, coerentemente sintonizadas com os padrões morais em que se acredita, não há ética, pelo contrário, neste caso existe uma atitude antiética, e, portanto, reprovável, ainda que de acordo com a posição de determinada maioria. Por isso a apli-cação prática da ética é antes de tudo um ato de boa-fé. Sem boa-fé não há padrão ético que se sustente. E, curiosamente, sem boa-fé não há operação de seguro.

Para alicerçar as atividades seguradora e resseguradora, ampliadas para conter capitalização, planos de saúde priva-dos e previdência privada aberta, há que haver a boa-fé – e de ambos os lados. Vale dizer, segurador e segurado devem,

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obrigatoriamente, respeitar a mais estrita boa-fé na condução do negócio, o que é muito mais abrangente e profundo do que o momento da assinatura do contrato.

Assim, por definição conceitual, a atividade seguradora – na medida em que exige a boa-fé das partes e a boa-fé é o ato que exprime a atitude ética – é essencialmente uma atividade ética, o que, pela análise dos números do setor no mundo, pode ser comprovado pelas somas astronômicas, pagas anual-mente como indenizações cobertas pelas mais diferentes apólices, para os mais diversos riscos.

O exemplo clássico está, sem dúvida, nas indenizações decorrentes do atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, que totalizaram várias dezenas de bilhões de dólares e evita-ram um colapso em Nova York. Mas existem números mais próximos que mostram que o Brasil não é exceção à regra e que aqui a atividade seguradora também é ética e eficiente.

De acordo com estatísticas recentes anualmente aconte-cem 300 mil contenciosos envolvendo seguros. É um número que sem um referencial para comparação pode impressionar, porque é bastante alto. Todavia, se lembrarmos que no Brasil existem mais ou menos 100 milhões de relações de seguros, esse número deixa de ser tão impressionante assim. Supondo que, do total de riscos cobertos, 10% apresentem algum ti-po de sinistro, os 300 mil casos representam apenas perto de 1,5% dos sinistros reclamados, já que é preciso não esquecer que, numa conta de chegada, mais ou menos a metade deles não tem razão na queixa.

Ora, não há como discutir com números, e são eles que provam também que a maioria das operadoras de planos de saúde privados é séria. Num universo aproximado de 50 mi-lhões de usuários, com mais de 150 milhões de procedimentos

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autorizados anualmente, o número de reclamações contra elas é insignificante. Para não falar nos planos de previdência privada abertos, que, mesmo sendo produtos recentes e, por-tanto, menos sujeitos a ter suas falhas expostas, praticamente não têm reclamações ou ações judiciais contra eles.

Como qualquer atividade humana, o setor está sujeito a erros. Ninguém pretende minimizar o impacto de uma in-denização coberta e não paga, nem a tragédia que isso pode representar na vida de uma pessoa. São situações que aconte-cem e, mesmo sendo minoria, podem ser terríveis e por isso devem ser incessantemente combatidas, através de uma busca constante pelo aprimoramento da mão de obra e das rotinas técnicas e operacionais.

A boa-fé na operação de seguro, explicitamente exigi-da pela filosofia e pela lei, não é apenas boa-fé no momento da realização do contrato, nem é uma boa-fé subjetiva. Ela é integralmente objetiva e começa no momento em que a companhia inicia o desenvolvimento de um produto, para só terminar no momento do final da vigência da apólice, tenha ou não acontecido um sinistro.

Dentro desse tempo, e nos limites do contrato, a compa-nhia deve, por ser ética, se comportar com o máximo de lisura e absoluta transparência, interna e externa, em cada momen-to, mesmo porque fazer isso com convicção e profissionalismo é a melhor forma de vender seu peixe e continuar crescendo.

O LUCRO DAS SEGURADORAS

Balanço de companhia de seguro precisa ser lido com mais cuidado do que balanço de fábrica de geladeira ou loja de

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móveis. Pela tipicidade do negócio, a última linha nem sempre representa efetivamente o que aconteceu no ano, e o lucro nela não quer obrigatoriamente dizer que a empresa ganhou dinheiro com sua atividade fim.

A primeira coisa que é preciso ter claro quando se pen-sa numa companhia de seguros é que ela tem duas fontes de receitas. A primeira é o negócio de aceitar riscos e a segunda, a remuneração do capital e das reservas da companhia, que são o dinheiro do acionista e não têm nenhuma relação com a atividade seguradora. Esse dinheiro serve como lastro para a operação, mas sem interferência direta em seu resultado.

Portanto, a primeira providência na análise de um ba-lanço com essas características é separar o que é negócio de seguro do que é remuneração de capital. E isso nem sempre é fácil, dadas as facilidades permitidas pela legislação brasileira para a composição maquiada de um balanço de S.A.

É por isso que uma das melhores formas de se aferir o que aconteceu é ler a linha do imposto de renda. Se a segura-dora está pagando muito imposto, é sinal de que ela ganhou dinheiro, independentemente do que está escrito na última linha, que, nesses casos, evidentemente é bom.

Mas o recurso da linha do imposto sozinho não é suficiente para mostrar com clareza o que aconteceu com o ne-gócio. Ela pode indicar o grosso, mas não disseca a operação.

É verdade que essa, se a seguradora desejar, nunca vai aparecer com toda a clareza, mas existem indicadores que, ainda que com o balanço mascarado, apontam para um qua-dro mais exato do desempenho da companhia.

O primeiro é a conta simples do índice combinado, que, grosso modo, pode ser feita com o abatimento dos sinistros, das despesas administrativas e das despesas comerciais do

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prêmio do período. Se o resultado ficar abaixo de cem pontos é um indicador de que a companhia ganhou dinheiro com o negócio de seguro. Se ficar acima de cem, a indicação, pela ló-gica, seria no sentido contrário, só que isso não é obrigatório.

Comparando com uma atividade mais fácil de ser com-preendida: quando um banco capta dinheiro para a caderneta de poupança, ele toma 100 para devolver 106, mais a variação da inflação. Mesmo tendo que devolver mais do que tomou, o banco ganha dinheiro na operação porque aplica os recursos a taxas mais altas do que os 6% com que remunera a aplicação do poupador. Essa regra se aplica também à atividade segu-radora. A seguradora toma os mesmos cem e os investe, com a diferença de que, ao contrário dos bancos, pode empenhar mais ou menos do que eles.

Vale dizer, as seguradoras podem determinar o preço dos seus seguros para fazer que a conta fique abaixo ou acima dos cem pontos. Como as companhias bem administradas sa-bem com precisão o custo de sua operação, elas podem deixar a soma dos sinistros e das despesas ultrapassar os cem pontos que corresponderiam ao prêmio e ainda assim ganhar dinhei-ro com a aplicação desses recursos no mercado financeiro. Com uma taxa de remuneração de dez por cento ao ano, as seguradoras que tiveram um “índice combinado” de 108 ain-da podem ganhar dinheiro com o negócio de seguro, para não falar na aplicação de seus ativos, que, com as mesmas taxas, têm um retorno invejável em qualquer lugar do mundo.

Outra forma de se aferir o desempenho de uma segura-dora é verificar suas reservas obrigatórias. Se forem altas em relação aos prêmios e principalmente aos sinistros pagos, é mais um bom indicador de que se trata de uma empresa saudável.

E o pior indicador surge quando o balanço mostra que

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o dinheiro dos acionistas está sendo usado para custear a ope-ração de seguro. Nesse caso, independentemente do que diz a última linha, a seguradora está perdendo dinheiro e, pior, está usando o capital dos acionistas para camuflar o seu mau desempenho.