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Referência: ANDREIS, Adriana Maria. Professora, parabéns pela sua nota. Revista Espaços da Escola. Ijuí: Editora da UNIJUI, nº 68, ano XX, jul./dez. 2010, p. 53-54. - PROFESSORA, PARABÉNS PELA SUA NOTA!” Adriana Maria Andreis 1 Levei um susto com a expressão do prestimoso estudante. Logo, porém, busquei nas frases feitas e com fundamento didático-pedagógico, a resposta sempre educativa: - Parabéns para você. A nota é uma conquista sua, resultado de seu aprender. O alegre estudante sem vacilar e com a tranquilidade de quem sabia desde o princípio que o rumo do diálogo seria aquele, replica em tom discursivo: - A nota é sua professora, porque foi você que conseguiu me ensinar! Eu nem consegui curtir o sabor da vitória do suposto ensinamento. Também nem tive tempo de parar para refletir sobre a perspicácia do estudante que demonstrara a importante habilidade de uso do pensamento como planejamento. Instantaneamente, meu olhar se dirigiu aos outros mais de trinta estudantes que constituíam aquele grupo de primeiro ano do Ensino Médio e do qual a maior parte atingira notas inferiores a quarenta por cento. É claro que não fora essa a intenção inicial do estudante que estava feliz com seu aprendizado. Contudo, com a responsabilidade de quem escolhe as situações de aprendizagem e como professora de toda a turma, convoquei-me à reflexão sobre quais estratégias utilizei para significar os conceitos da Geografia. Os demais integrantes da turma preocupados com seus ‘resultados’ conferiam, confrontavam, percebiam onde não acertaram ‘o que a professora queria’ e buscavam saber os porquês dos seus erros. Nem perceberam que eu estava em uma interrogação paradigmática sobre como e o que se aprende, isto é, me questionando sobre como e o que ensino. Naquela manhã de Sol escaldante, no percurso de retorno para casa, no vermelho do semáforo meu pensamento retorna ao cenário e ao conteúdo daquela aula e à forma como encaminhei a ação pedagógica: 1 Professora de Geografia na UFFS, Chapecó/SC. Graduada em Geografia pela URI - Santo Ângelo/RS, especialista em Ensino da Geografia pela UNIFRA - Santa Maria/RS, Mestre e doutoranda em Educação nas Ciências área de concentração em Geografia pela UNIJUI - Ijuí/RS.

-- Professora parabéns pela sua nota

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Referência: ANDREIS, Adriana Maria. Professora, parabéns pela sua nota. Revista Espaços da Escola. Ijuí:

Editora da UNIJUI, nº 68, ano XX, jul./dez. 2010, p. 53-54.

“- PROFESSORA, PARABÉNS PELA SUA NOTA!”

Adriana Maria Andreis1

Levei um susto com a expressão do prestimoso estudante. Logo, porém, busquei nas

frases feitas e com fundamento didático-pedagógico, a resposta sempre educativa:

- Parabéns para você. A nota é uma conquista sua, resultado de seu aprender.

O alegre estudante sem vacilar e com a tranquilidade de quem sabia desde o princípio

que o rumo do diálogo seria aquele, replica em tom discursivo:

- A nota é sua professora, porque foi você que conseguiu me ensinar!

Eu nem consegui curtir o sabor da vitória do suposto ensinamento. Também nem tive

tempo de parar para refletir sobre a perspicácia do estudante que demonstrara a importante

habilidade de uso do pensamento como planejamento. Instantaneamente, meu olhar se dirigiu

aos outros mais de trinta estudantes que constituíam aquele grupo de primeiro ano do Ensino

Médio e do qual a maior parte atingira notas inferiores a quarenta por cento. É claro que não fora

essa a intenção inicial do estudante que estava feliz com seu aprendizado. Contudo, com a

responsabilidade de quem escolhe as situações de aprendizagem e como professora de toda a

turma, convoquei-me à reflexão sobre quais estratégias utilizei para significar os conceitos da

Geografia.

Os demais integrantes da turma preocupados com seus ‘resultados’ conferiam,

confrontavam, percebiam onde não acertaram ‘o que a professora queria’ e buscavam saber os

porquês dos seus erros. Nem perceberam que eu estava em uma interrogação paradigmática

sobre como e o que se aprende, isto é, me questionando sobre como e o que ensino.

Naquela manhã de Sol escaldante, no percurso de retorno para casa, no vermelho do

semáforo meu pensamento retorna ao cenário e ao conteúdo daquela aula e à forma como

encaminhei a ação pedagógica:

1Professora de Geografia na UFFS, Chapecó/SC. Graduada em Geografia pela URI - Santo Ângelo/RS, especialista

em Ensino da Geografia pela UNIFRA - Santa Maria/RS, Mestre e doutoranda em Educação nas Ciências área de

concentração em Geografia pela UNIJUI - Ijuí/RS.

Ao chegar à sala, coloquei o assunto no quadro – que era escala geográfica e

cartográfica - e indaguei sobre o que sabiam e entendiam sobre o tema. Ouvi algumas tímidas

falas dos estudantes, mas, já “sabendo” onde queria chegar, ‘conduzi-os’ de modo que pudessem

construir o conceito referente à escala dos mapas. No decorrer da explicação procurei relacionar

com exemplos de suas vidas, com objetos concretos da sala de aula e com outras áreas do

conhecimento. O grupo, em geral estava atento, ou seja, com intenção de apropriar-se daquele

conhecimento que deveria ser importante porque afinal está nos conteúdos da disciplina de

Geografia.

A questão que me movimentava: se a nota serve de indicativo da aprendizagem, então,

apenas alguns estudantes, aprenderam o conteúdo proposto. Digo, aprenderam porque acredito

terem compreendido a fundamentalidade da escala tanto na vida cotidiana quanto para as

representações escolares. Nesse sentido, penso que esses estudantes relacionaram com outras

instâncias socais e econômicas, e entenderam que se trata da eleição de uma forma de

representação e da ampliação e redução de algo tido como real que se pretende mostrar. Acredito

que por isso é que souberam realizar os cálculos, utilizando os códigos e até mesmo aplicar as

fórmulas matemáticas. Desse modo, entendo que aprenderam porque tiraram notas boas e porque

cada um tentou auxiliar o seu colega a sanar as dificuldades e os erros que cometeram.

Analisando de outro modo, não consegui ensinar escala para a maior parte da turma.

Rememorando a sequência da aula, na minha escolha de como administrar a situação de

aprendizagem, encaminhei a revisão ou o que nós professores gostamos de denominar de

recuperação dos conhecimentos. Nesse momento, outra vez me chama a atenção uma estudante

que eu auxiliava nesse processo:

- Se você tem uma distância real (D) de 7 km que está representada no mapa por 2

cm (d), quanto cada cm está representando (E)?

A graciosa e tímida menina movimenta rapidamente o olhar parecendo querer acertar.

Olha para os colegas, para cima, para baixo, para os lados e por fim começa a falar esperando

minha aprovação:

- Três professora. Não? Dois? Então não sei.

Daí, percebi que a fórmula e a tabuada embora tidas como básicas até mesmo no

pensamento por complexos, para essa estudante de - 15 anos - em processo de abstração,

mostrava-se uma generalização ainda distante. Realizei, então, outras explicações com o auxílio

de colegas que vieram em socorro meu e da estudante.

A persistente buzina do carro atrás, me traz de volta ao trânsito que voltava a fluir com

o semáforo no sinal verde, interrompendo minha autoanálise.

Nessa mesma noite tive um sonho. Caminhávamos, eu e um grupo de estudantes muito

falantes, em uma mata escura e fechada. Dividi o grupo em dois e deixei alguns na escuridão da

noite, no que pareceu ser uma clareira. Ficaram lá por que não conseguiriam nos acompanhar.

‘Seriam um atraso’, pois traziam consigo muitas mochilas e até irmãos menores que puxavam

pelo braço. Segui com o outro grupo por um caminho alternativo, mas era um percurso difícil.

Eles andavam na minha frente, pareciam querer auxiliar para encontrar a saída ou chegar a algum

lugar, para depois buscarmos o grupo que deixáramos na mata.

Gritei então: - Esperem, vou buscar uma lanterna, precisamos de luz.

Pus-me a correr como que voltando para a origem onde poderia estar a solução para

tirar a mim e a aquele grupo perdido na mata escura. Porém, acordei. Queria ter continuado esse

sonho, talvez o sonho me auxiliasse a encontrar alternativas.

Acredito que é pela reflexão, pela leitura, pelo diálogo e pela escrita que podemos

compreender melhor o processo de aprender e assim aprimorar o processo de ensinar.

Compartilho esse acontecimento no sentido de realizar uma autorreflexão e quem sabe auxiliar

os colegas que como eu são atravessados por essas questões e que também estão dispostos a se

interrogar sobre as limitações e as possibilidades educativas.

Essa é uma história real de professora de Geografia. Uma história real que contém um

sonho. Ou será um sonho que contém uma história real?