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5.4. explicação

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epistemologia médica e gnosiologia da medicina

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Fundamentos Epistemológicos da Medicina

8.4. Explicação -

Conceituação Explicativa Luiz Salvador de Miranda Sá Jr.

"O homem moderno tem utilizado a relação (linear) de causa e efeito do mesmo modo como o homem da antiguidade usava os deuses, isto é, para ordenar o universo. Isto não ocorria apenas porque se tratava do sistema mais verdadeiro, mas porque era o mais conveniente". Henri Poincaré

Na evolução do processo cognitivo, depois de descrever e nominar, segue-se a

explicação como parte do processo menta; de apropriação pelo sujeito

cognoscente das propriedades de um objeto material ou conceitual.

Na linguagem comum, a palavra explicar acumula diversos sentidos mais ou

menos convergentes, como: transformar uma coisa desconhecida em

conhecida, tornar inteligível o obscuro; justificar, ensinar, expor, explanar; dar

conhecer a origem, o motivo ou o mecanismo gerador de um processo ou

desenvolvimento; dar satisfação a alguém sobre alguma coisa (explicar-se),

expor o porquê de um acontecimento; e diversos outros análogos a estes. A

explicação das coisas simples deve ser bem mais fácil que a de fatos

complexos. A explicação de um termo se resume e enunciar o que ele significa,

que ideia e coisa ele simboliza.

A explicação de uma condição patológica em um enfermo exige a enunciação de

sua etiologia, dos mecanismos de sua patogenia, o tipo de dano ocasionado e

suas implicações na vida do paciente e das outras pessoas. Explicar um objeto

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material ou conceitual (um construto) é apontar para sua essência.

A essência de um objeto é aquilo que faz com que ele seja o que é.

Na filosofia da ciência, explicar tem sentido um tanto mais restrito e. entretanto,

mais valioso porque, em última análise, a explicação é o objetivo mais

importante do conhecimento científico. Na teoria científica, uma coisa fica

explicada quando se pode reconhecer o que há de essencial nela.

A explicação científica busca estabelecer os nexos entre os fatos e suas origens

e mecanismos e essa busca é o núcleo do procedimento explicativo. E, tendo a

explicação como objetivo, ela se torna o ponto crucial de toda atividade científica

para se libertar do descritivismo.

O descritivismo é a doutrina que limita o conhecimento à descrição domo reação ao racionalismo, que recusa a experiência e os sentidos como fonte do conhecimento.

Do ponto de vista da teoria do conhecimento, em ciência explicar significa

conhecer aquilo que um determinado fenômeno ou objeto tem de essencial, não

de maneira absoluta ou em todas as ocasiões, mas pelo menos naquele

contexto específico em que está sendo cogitado. Neste enfoque cognitivo,

encontra-se ao menos um rudimento de explicação desde a estruturação do

conceito que é construído, justamente, a partir da identificação da qualidade

essencial dentre as que conformam sua descrição. Contudo, neste texto,

emprega-se o termo explicação como um conceito científico porque é com este

sentido que interessa aos propósitos presentes aqui.

Existe um excelente livro de Hegenberg sobre as explicações científicas, onde o assunto está exposto de modo bastante detalhado, mais do que é possível ou necessário aqui.

Em filosofia da ciência consideram-se três sentidos para a explicação científica;

embora, em geral, unicamente o terceiro (denominado semântica lógica)

costume ser reconhecido como uma explicação científica, no sentido com que o

termo está sendo empregado aqui. Neste sentido, a explicação de um objeto ou

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fenômeno transforma sua designação corrente em um termo científico por que,

desde então, definível geneticamente. No entanto, mesmo como conceito

científico, o termo explicar compartilha alguns sentidos convergentes que são

vistos a seguir.

Sentidos do Explicar em Ciência

Em Filosofia da ciência, o termo explicar pode abrigar três sentidos diferentes,

ainda que bastante próximos e estejam frequentemente superpostos:

1. Etapa da investigação científica que consiste em esclarecer a essência de um

objeto ou fenômeno estudado.

2. Processo do desenvolvimento cognitivo que conduz ao esclarecimento do

conteúdo de uma certa unidade sistêmica, da qual os seus elementos possam

ser independentes e diferenciados uns dos outros.

3. Procedimento lógico-metodológico de substituição de um conceito proveniente

do conhecimento comum ou da representação habitual e corriqueira de um

objeto ou fenômeno qualquer, ambos imprecisos, por um conceito científico

exato.

Em Filosofia da ciência, o principal sentido do termo explicação consiste em um

procedimento lógico-metodológico que promove a substituição de um conceito

do conhecimento comum ou da representação habitual e corriqueira de um

objeto ou fenômeno qualquer, ambos imprecisos, por um conceito científico

exato.

Em Medicina, o conceito de explicação (de uma patologia) sempre se confundiu

com a noção de causalidade e o entendimento de seus mecanismos

patogênicos (etio-patogenia). Para os médicos, explicar uma ocorrência clínica

se resume em conhecer sua causalidade e entender os mecanismos

patogênicos pelos quais se formam seus sintomas. Isto, desde a época da

monocausalidade característica do monismo causal aristotélico, A

multicausalidade implícita no condicionalismo. <Almeida, N. Fo., Epidemiologia

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sem Números, Ed. Campus, S.Paulo, 1989, p. 90.>

Na atividade científica, as explicações devem ter as seguintes características: serem restringidas a questões bem formuladas e se referirem a um aspecto bem limitado de uma fato; sendo referidos os dados do explicado e as circunstâncias do procedimento; as premissas devem ser exatas e as generalizações expressas em leis.

Conhecer um objeto qualquer, como uma enfermidade, por exemplo, não se

limita a poder reconhecê-la, isto é, diagnosticá-la com o sentido de lhe atribuir

um nome em função de sua aparência, o que fazem os descritivistas.

Já se viu que no sentido científico, conhecer algo significa principalmente

explicar e prever a existência daquele objeto. Enquanto, no caso da explicação

de uma enfermidade, trata-se principalmente de conhecer sua etiologia, sua

causação. E, ainda no caso particular da explicação de uma enfermidade,

importa igualmente em conhecer os seus mecanismos patogênicos (como são

os mecanismo dos seus danos) e seu prognóstico (a previsão de sua evolução).

O conhecimento da etiopatogenia e do prognóstico são, pois, os dados

essenciais da explicação científica de uma enfermidade, inclusive de uma

enfermidade psiquiátrica. Simplesmente diagnosticar, como sentido de aplicar

um nome não significa conhecer se este diagnóstico não serve para explicar a

enfermidade e apontar para aquilo que ela tem de essencial.

Explicações Dedutivas, Probabilísticas e Genéticas

Existem diversos tipos de explicações científicas, dentre as quais podem ser

destacadas algumas por causa de seu significado especial para a investigação

científica, especialmente no campo do conhecimento médico.

As explicações são, em tudo, análogas às conclusões lógicas e não podem ser

entendidas fora de sua referência.

Tais modalidades de explicação científica são:

explicações dedutivas,

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explicações probabilísticas e

explicações genéticas.

A explicação dedutiva pode ser entendida em diversos planos de significação:

raciocínio imediato, raciocínio descendente que vai do geral ao particular,

derivação do concreto a partir do abstrato. Aqui, estão entendidas como

processo lógico oposto à indução.

Ainda que características da ciência, cada uma destas modalidades de explicação tem sua utilidade manifesta na construção de qualquer tipo de conhecimento, principalmente do conhecimento científico, mas também costumam ser empregadas na elaboração do conhecimento vulgar.

Não se deve pensar que estas modalidades de explicação se oponham ou que se excluam umas às outras. Cada uma delas representa uma possibilidade de explicação a ser empregado quando for mais útil ou mais viável.

As explicações, quaisquer que forem estão sempre associadas a pressupostos teóricos e a estruturas lógicas propostas nas teorias (estejam ou não comprovadas). A explicação situa porque existe um certo objeto ou porque sucede um dado acontecimento.

Uma breve explanação sobre cada um destes tipos de explicação resulta no

seguinte quadro sinóptico dos diferentes tipos possíveis de explicação como

instrumentos do conhecimento científico:

As explicações dedutivas são a metodologia específica das ciências formais,

como a lógica e a matemática, nas quais a explicação se confunde com a

demonstração e o critério de verdade é a coerência interna do raciocínio.

As explicações dedutivas, como sua designação indica, é a maneira de chegar a conclusões inteligentes usando a dedução como processamento lógico-racional.

Desde Aristóteles, tem-se a dedução como modalidade de raciocínio, pelo qual se conclui sobre o particular, a de uma proposição a outra que decorre dela. Para os efeitos de sua aplicação da filosofia da ciência, toda dedução (do latim, deductio) resulta da aplicação das leis da lógica; deduzir consiste na conclusão lógica que decorre da derivação ou demonstração correta de uma afirmação (uma consequência lógica), de uma ou várias outras afirmações, as suas premissas. As consequências se encontram de forma

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encoberta nas premissas e devem ser extraídas delas pela análise lógica.

As explicações probabilísticas substituem as explicações genéticas, quando

estas não forem possíveis, encerrando já um componente importante de

cientificidade. As explicações científicas por excelência são as explicações

genéticas. Isto é verdadeiro em todas as ciências factuais, inclusive nas

aplicações científicas da Medicina. Explicar uma patologia é conhecer suas

causas e seus mecanismos patogênicos. Explicar uma terapêutica é saber

como age um determinado remédio em um doente que apresenta uma

enfermidade determinada e conhecida.

A explicação probabilística ou estatística (na qual as premissas são logicamente

insuficientes para garantir a verdade pelo conhecimento delas mesmas, mas tal

conhecimento pode gerar enunciados que indiquem mais ou menos

precisamente qual o grau de probabilidade de verdade contida nela);

As explicações probabilísticas ou estatísticas. de um modo geral, aplicam a metodologia indutiva para concluir inteligentemente. Diferentemente da dedução, a conclusão pela indução possibilita as generalizações a partir do conhecimento de casos particulares. Esta modalidade de explicação se apóia em técnicas estatísticas de significância, correlação e probabilidade e se presta muito para estudar os objetos, fenômenos e processos naturais (talvez por causa da uniformidade da natureza). As explicações probabilísticas implicam na determinação do grau de probabilidade de um acontecimento (uma explicação ou uma previsão) vir a ocorrer.

A explicação genética (que desvenda uma sequência de acontecimentos que

explicam o desenvolvimento íntimo de um processo ou que determinam a

transformação de um sistema em outro).

As explicações genéticas (de causação) se baseavam na lei da causalidade universal. Isto é, tudo tem uma causa e esta causa pode ser desvendada (a própria explicação genética). Acontece que os físicos, estudando os fenômenos sub-atômicos, concluíram que, naquele nível de existência natural, as coisas não eram bem assim. Ali, além de desaparecerem as partículas e imperando as ondas (como componentes elementares do mundo), também não vigorava a lei da causalidade universal. Foi o bastante para os sábios colocarem em dúvida a etiologia das enfermidades e a causação no resto da natureza...

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Alem das explicações científicas dedutivas, probabilísticas ou genéticas existem

outras possíveis, principalmente com aplicação no campo do conhecimento

comum, mas também para muitos cientistas, existem as explicações finalísticas

(ou teleológicas), pelas quais uma coisa é explicada pela sua finalidade. Na

Antiguidade (principalmente para Platão e Aristóteles) a identificação çou

presunção de um objetivo permitia explicar os fenômenos. E isto se dá como um

mecanismo contrário ao de causa e efeito do mundo natural, na qual a coisa

passada prenuncia o que acontecerá no futuro. 1 Neste processo o que está

para acontecer, o futuro, determina o comportamento presente.

Explicar e Entender

A explicação se completa no entendimento. De fato, a explicação se concretiza e

se completa no entendimento daquilo que é explicado. Explicar e entender são

fenômenos que se completam em sua aparente contradição, não podendo existir

uma sem a outra. Entender significa o processo de perceber as conexões

inteligentes de um acontecimento, dar-se conta do que há de essencial em um

objeto, uma série de fenômenos ou em um processo.

Dar-se conta disso é uma tarefa que exige superar o conhecimento da

aparência. Por isso, em última análise, entender é perceber o significado da

explicação. Como acontece com os processos de ensinar e aprender, só existe

explicação se houver seu entendimento por parte de quem ela é dirigida.

Uma explicação não entendida não é uma explicação, por mais que se deseja,

não passa de uma tentativa de explicar, não se concretiza. Por isto, estes

conceitos formam um par de categorias dialéticas que se mostram fundamentais

na estrutura da teoria do conhecimento, sobretudo naquilo que se refere À

Medicina e à Psiquiatria. Alguma coisa só fica explicada se é entendida e o

entendimento se resume no conhecimento da explicação.

Explicar e entender são conceitos perfeitamente inter-complementares

(categorias dialéticas da psicologia e da teoria do conhecimento, pode-se dizer).1 Hegenberg, L., Explicações científicas, Ed. EPU/EDUSP, S.Paulo, 1973, p. 193.

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As ciências existem porque as pessoas se deram conta de que:

a) que é possível explicar e entender o universo de modo natural e inteligente;

e,

b) que as explicações dos fatos do mundo estão escondidas atrás das

aparências pela quais eles se apresentam antes os sentidos de quem os

observa.

A explicação é um procedimento essencialmente lógico-cognitivo, embora

possa ter motivações e implicações afetivas. Entretanto, tais motivos e

consequências não mudam sua natureza de processo essencialmente lógico,

inteligente.

Entender significa o procedimento ou processo cognitivo de estabelecer as

conexões lógicas entre um fato e suas explicações; conhecer o mecanismo

interno de um processo. O entendimento é o elemento essencial que diferencia

a aprendizagem mecânica do aprendizado racional. Aprende-se mecanicamente

aquilo que não se entende, por carecer de explicação suficiente e isto se

denomina fixação mecânica. Não se deve confundir entender com aprender,

equívoco que muitos cometem. Aprender é fixar, mas não se limita ao

entendimento; porque, embora o entendimento seja indispensável ao

aprendizado racional, a fixação racional exige que, além de entender, haja

esforço e disciplina. Não basta entender para aprender, o entendimento é

apenas o primeiro momento da fixação racional. Aprender significa fixar na

memória aquilo que foi entendido. Não esquecer que a fixação racional é muito

mais eficaz que a mecânica.

É muito importante saber disto porque é comum que uma explicação dada na aula seja perfeitamente entendida, propiciando uma ilusão de aprendizagem, sem que isto tenha ocorrido por faltar fixação daquele conteúdo.

Entender e Compreender

Na maior parte dos reinos da natureza e das ciências que se dedicam a estudá-

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los, as palavra entender e compreender são tidas como sinônimos, e tal

identificação não implica em qualquer prejuízo aparente. Na linguagem comum

também se emprega a expressão entender como sinônimo e equivalente a

compreender, mas estes dois termos se referem a mecanismos psicológicos e a

processos cognitivos diferentes. Enquanto entender significa estabelecer laços

lógicos entre duas proposições, é um processo inteligente; compreender significa

abranger, sentir como o outro que é compreendido, trata-se de um processo

claramente afetivo.

Na Psicologia e na Psiquiatria (bem como deve suceder em toda Medicina), não

se deve confundir as expressões entender e compreender porque aí importa

respeitar sua diferença. Mesmo para a maioria dos cientistas e técnicos de

outras áreas que não a psicológica, e a médica haja costuma de praticar esta

analogia. Contudo, esta prática deve ser evitada na linguagem técnica, porque

indica desconhecimento imperdoável em um médico, um psicólogo, um

pedagogo. Ainda que, para muitos, isto não deva acontecer, ao menos no

terreno das explicações científicas, o conceito de explicação, se opõe e se

completa no de compreensão, como categorias dialéticas. Entender, já se viu no

item anterior, é um processo inteligente do pensamento que permite estabelecer

uma relação lógica entre um fato e suas explicações conhecidas; um processo

cognitivo.

Por seu lado, compreender é um processo basicamente afetivo, embora

costume integrar componentes cognitivos, que é explicado pela dinâmica das

esfera dos fenômenos e processos afetivos da personalidade; manifesta a

relação dinâmica entre o sujeito e suas necessidades. Para os psicólogos e para

os médicos entender e compreender são fenômenos (ou processos) existenciais

diferentes, procedentes de instâncias qualitativamente diversas da

personalidade.

Na verdade, este é um excelente exemplo de como a contaminação do

entendimento do senso comum pode vir a transtornar o raciocínio científico. Em

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textos científicos, jamais se deve empregar os termos entender e compreender

como se fossem sinônimos.

Compreender é uma categoria da psicologia e os cientistas desta área do conhecimento devem preservar este termo para seu emprego específico porque ele tem muita utilidade prática e muitas possibilidades teóricas.

A noção de compreensão tem sentido de forma de apreensão global e mais ou

menos intuitiva e empática da expressão psíquica do outro; uma intuição ou um

mecanismo de identificação de caráter bastante afetivo. A rigor, o termo

compreender significa sintonia afetiva, intuição empática, abranger, ter dentro de

si como uma impressão sintética e completa, com conotação mais de

apreensão, de interpretação e decodificação analítico-cognitiva (entender);

compreender é apreender a explicação intuitivamente. Para Jaspers, os

fenômenos psicológicos podiam ser caracterizados exatamente por sua

compreensibilidade (neste sentido intuitivo-empático) e o que não podia ser assim

compreendido não se poderia explicar por mecanismos ou causas psicológicas.

Para Jaspers, os fenômenos psíquicos deveriam ser explicados (nível

inteligente) e compreendidos (nível afetivo).

A dicotomia que separava explicar de compreender, é bastante posterior a

Jaspers e não tem qualquer apoio lógico ou científico. Reporta-se Às

dificuldades epistemológicas da psicologia subjetivista.

De um ponto-de-vista restrito à área da saúde mental, principalmente porque

interessa à teoria e à prática da psicoterapia e da nosologia clínica, ainda hoje, o

explicar e o compreender se completam como categorias dialéticas, podendo se

prestar a reducionismos. Existem técnicas explicativas e compreensivas de

psicoterapia e abordagem clínica e isto origina diversos conflitos teóricos. No

entanto, é preciso ter presente que muitos conflitos teóricos se originam por

causa da exigência de uma opção entre o explicar e o compreender e esta

exigência de opção é uma falácia.

O verbo explicar se completa perfeitamente no verbo entender. O explicar só se relaciona com o compreender, quando este último é aplicado com seu

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sentido mais restrito de ação de entendimento.

Ninguém precisa escolher entre explicar e compreender, mas todos devem saber o que dizem com estes termos e que fenômenos psicossociais reais eles traduzem.

Na história da ciência, especialmente na da Medicina e da Psicologia, os procedimentos compreensivos têm fornecido uma valiosa contribuição ao avanço do conhecimento sobretudo no fornecimento de sistemas explicativos globais e de possibilidades explicativas que permitam a estruturação de hipóteses que podem comprová-las ou não.

Em qualquer caso, embora não se deva absolutizar ou super-estimar a compreensão como instrumento do conhecimento científico, como fazem alguns psicoanalistas, não se deve igualmente negá-la ou depreciá-la, como alguns empiristas, positivistas e neo-positivistas.

Em Medicina, já foi afirmado e há de ser repetido, entender uma enfermidade

significa basicamente conhecer sua causação (ao menos nos níveis mais

elevados que o sub-atômico), os mecanismos pelos quais são produzidos os

danos patológicos, avaliar a extensão e as consequências da patologia, os

meios para reconhecê-la e os recursos para tratar a pessoa afetada por ela. E,

nestes termos, não se pode negar a necessidade de entender as enfermidades

(que não deve se confundir com compreender o enfermo).

Compreender o enfermo, por sua vez, também é uma necessidade essencial da

assistência médica. ê tão necessário entender a enfermidade quanto

compreender o enfermo. Assim como o processo diagnóstico da enfermidade

tem o enfermo como referência obrigatória, o tratamento do enfermo se reporta,

necessariamente, À sua enfermidade. Nunez 2 afirma com muita razão: A explicação pertence ao domínio da necessidade e da causalidade. A compreensão pertence ao domínio da liberdade, da possibilidade e da valoração. A necessidade é uma região ontológica, a

liberdade é outra...

O conceito de compreensão escapa ao domínio puramente psicológico (até

porque isto não existe), é sempre um conceito psicossocial, encontra-se sujeito

a variáveis biológicas e culturais. O mesmo acontece com a noção do

2 Nunez, F.O. Psicologia médica, Ed. Lopez, Buenos Aires, 1974, p. 61.

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entendimento de uma enfermidade.

Apesar de se saber que as causas (e consequências) das enfermidades podem

ter uma matriz biológica, psicológica ou social, estas estruturas etiológicas não

se apresentam isoladas ou independentes. Em cada caso, é necessário traçar

uma teoria específica para explicar aquela enfermidade, naquele enfermo,

naquelas circunstâncias.

Entender e Interpretar

O entendimento pode resultar de uma interpretação e esta única palavra se

refere a dois processos cognitivos bem diferentes, o que a coloca no eixo de

uma ambiguidade que contra-indica seu emprego como termo científico.

Entender, como já se viu, pode ser definido como o processo cognitivo de

promover a decodificação de um significado; um procedimento ou processo

psicológico eminentemente racional.

Enquanto o termo interpretação costuma ser usado com três sentidos distintos

que se referem a procedimentos cognitivos diversos:

o mesmo que entender;

disposição organizada dos dados de um sistema e

descoberta do significado oculto pelos dados primários de uma descrição ou

explicação.

Em outras palavras, interpretar pode significar entender ou pode significar

compreender (com os dois sentidos que se atribui a estes termos em

Psicologia). Mas também pode significar intuir usando uma teoria como

referência obrigatória.

O primeiro destes sentidos da interpretação é fundamentalmente lógico.

O segundo sentido, encerra o conteúdo heurístico de descobrir o significado dos

fatos narrados através do estudo deles (a hermenêutica).

O terceiro sentido de interpretar, inclui a necessidade do emprego de um

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sistema de referência exterior aos fatos e próprio da subjetividade de quem

opera o procedimento para encontrar sua interpretação; referência externa que

possibilita o procedimento interpretativo. E esta manobra permite que se

corporifique qualquer aventura pseudo-científica ou que consagre qualquer

aberração lógica, desde que suficiente de se transformar em dogma. Por isto,

não se admite a interpretação na atividade científica (embora ela permaneça

tolerada na religião).

O segundo sentido inclui a elucidação do significado dos símbolos, escalas e

outros elementos de referência usados em uma investigação. Neste segundo

sentido, o que interessa neste texto, interpretar significa descobrir o significado

oculto de um símbolo ou um sistema simbólico com mais de um nível de

decodificação; pelos menos um deles aparente e, pelo menos um outro,

subjacente e oculto à apreciação que não conte com a chave de interpretação.

Em psicologia e em psicoterapia, desde Freud, interpretar pode ter este segundo sentido, com alcance muito ampliado, e significa atribuir uma explicação a um certo comportamento a partir de um sistema explicativo aceito a prori como referência para aquela finalidade; de certa maneira, um explicação antecipadamente aceita. Mas também pode ser empregado com o terceiro dos sentidos listados acima.

Como este procedimento não pode ser objeto de verificação empírica, nos dois casos mencionados, por se carecer de metodologia conhecida para isto. Portanto, costuma ser excluído do arsenal dos procedimentos científicos; mas é um importante instrumento para o senso comum, ainda que não possa ser considerado um processo confiável de explicação científica.

Os autores de extração psicoanalítica pretendem, no entanto, que este procedimento, mesmo que não possa ter estabelecida sua confiabilidade, pretendem que ele possa ser validado por seus resultados práticos. O fato, em vez de validar a interpretação é seu fruto. 'A verificação é a cura (Ceriotto). 3

Conceito Explicativo

Um conceito explicativo é um conceito cujo conteúdo essencial ultrapassa os

3 Nuñez, F.O. Psicologia médica, Ed. Lopez Livreros y Editores, Buenos Aires, 1974, p. 69

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limites da descrição e encerra uma explicação. Assim como a explicação

completa a descrição, o conceito explicativo completa o conceito descritivo. E a

origem da coisa estudada é uma das manifestações mais importantes do

procedimento explicativo. O conhecimento da origem de uma coisa é um dos

elementos mais importantes de sua conceituação explicativa. Por tudo isto,

como sucede em todas as atividades científicas, um dos objetivos do

processamento de seus dados é a busca das causas dos fenômenos que

estuda acerca de seu objeto.

A etiologia é justamente a disciplina filosófica dedicada a estudar a causalidade

das enfermidades e os fatores e mecanismos potencialmente capazes de

interferir em seu desenvolvimento. Nas ciências médicas, a etiologia é o ramo

da patologia que tem por objeto o estudo da causação das enfermidades. Uma

enfermidade só pode ser considerada explicada quando seu conceito encerra

sua origem (sua etiologia) e os mecanismos patogênicos que os fatores

etiológicos mobilizam.

A etio-patogenia é a explicação mais importante de uma enfermidade, ao

menos do ponto de vista da Medicina e da atividade prática dos médicos.

Em Medicina, a transformação de um conceito clínico-descritivo em um conceito

explicativo-patogênico é um dos objetivos mais caros de sua atividade científica

que está intimamente relacionada ao conhecimento e à possibilidade

reconhecimento de sua etio-patogenia não apenas com o objetivo de dirigir a

terapêutica, mas para possibilitar a profilaxia. Ao longo do processo da

construção do conhecimento sobre uma enfermidade, o conhecimento da sua

etiologia é a informação que vai permitir que se construa uma síntese da

condição clínica em sua definição científica. O conceito explicativo substitui o

conceito meramente descritivo que antes designava a enfermidade. E a

definição a partir de uma explicação etio-patogênica constitui o fecho da

investigação clínica.

Os dois fenômenos explicativos da patologia mais importantes são: a causa e os

Page 15: 5.4. explicação

mecanismos patogênicos.

Etiologia é o ramo da patologia que estuda as causas e os mecanismos causais

dos fenômenos; também pode significar a causa de uma enfermidade.

A etiologia psiquiátrica é o capítulo da Psicopatologia que estuda as causas da

patologia psíquica e a patogenia estuda os mecanismos determinantes dos

danos e sintomas daquela patologia. Dentre os tipos de fatores etiopatogênicos,

distinguem-se os causais, os predisponentes, os atenuadores, os agravadores e

os desencadeantes.

O primeiro modelo etiológico, o lesional externo, considerava a ação traumática

dos agentes físicos, químicos e biológicos e a resposta imediata do organismo.

O modelo etiológico unilinear e mecanicista estabelecido pela Medicina

positivista do século passado para explicar doenças somáticas (o modelo das

infecções) é um modelo mono-causal, de causalidade quase sempre direta

(aquela na qual se pode estabelecer um nexo primário de causa e feito entre o

estímulo patogênico e a resposta patológica) e muito frequentemente imediato

ou quase imediato.

Seguiu-se a noção de localização e caracterização dos processos patológicos

(inflamação, degeneração) com a descoberta dos processos anátomo-

patológicos.

Atualmente, sobretudo graças à contribuição da epistemologia, da psicologia médica, da sociologia médica, da epidemiologia e de outras ciências naturais e da sociedade, a concepção etiológica evoluiu para um modelo dinâmico de concausalidade. A psiquiatria foi talvez o primeiro ramo da Medicina em que se manifestou esta necessidade cognitiva; nela, há muito se defende um modelo etiológico multi-causal (que não deve ser confundido com a negação da causalidade).

Quase todos os positivistas e muitos neo-positivistas recusam a explicação

como etapa do conhecimento científico. Para eles, a ciência não tem o que

explicar e a atividade científica deve se limitar a descrever. Por isto não existe

uma explicação nominal e outra real.

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Até para alguns deles deve parecer ridícula esta forma de considerar as coisas inexplicáveis, de só pretenderem explicar os seus próprios nomes.

Explicar e Prever

A explicação, enquanto procedimento lógico consiste em estabelecer uma

relação estável entre uma coisa e algum antecedente seu; descobrir o

antecedente de uma coisa conhecida. A previsão resulta do mecanismos lógico

oposto; previsão é o procedimento lógico pelo qual, conhecendo-se o

antecedente, descobre-se o consequente, podendo-se antecipar o que está para

acontecer.

Explicar e prever são duas facetas da mesma operação lógica. De certa

maneira, explicar é prever, porque os dois procedimentos empregam os

mesmos recursos, apenas em sentidos opostos. Por esta razão, diagnosticar (no

sentido de explicar uma enfermidade) é prognosticar (prever sua evolução).