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O modo narrativo “cinema-de- arte” DFCH454 – Linguagem do Cinema e do Audiovisual Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia Prof. Cristiano Figueira Canguçu 1

8. Narração moderna ou "de arte"

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O modo narrativo “cinema-de-arte”DFCH454 – Linguagem do Cinema e do AudiovisualUniversidade Estadual do Sudoeste da BahiaProf. Cristiano Figueira Canguçu

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Cinema de arte?Nem todo filme passado em “cinemas de arte” seguem esse modo cinematográfico, assim como nem todo filme deste modo se restringe a este circuito das salas “de arte”; mas há entre eles uma correlação. Considera-se aqui o “cinema de arte” como um modo narrativo cinematográfico específico, que tem:• Uma existência historicamente definida – principalmente a partir do

Neorrealismo italiano;• Um conjunto de convenções formais (e estilísticas);• E procedimentos de apreciação implícitos.

Os dispositivos estilísticos e os motivos temáticos destes filmes são variados, mas as funções gerais do estilo e da forma são constantes, produzindo-se um modo coerente de discurso cinematográfico.

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Exemplos

Grande parte das produções dos cinemas novos (francês, alemão, brasileiro, etc.) e determinados filmes de diretores:• Federico Fellini: 8 ½, A Estrada da Vida;• Alain Resnais: Muriel, Hiroshima meu amor, A Guerra Acabou;• Ingmar Bergman: Morangos silvestres, O sétimo selo, Persona;• Michelangelo Antonioni: O eclipse, A aventura, O deserto

vermelho;• Vittorio de Sica: Ladrões de bicicletas, Umberto D.;• Roberto Rossellini: Roma: cidade aberta;

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Exemplos (continuação)• Bernardo Bertolucci: A estratégia da aranha, O conformista;• Akira Kurosawa: Rashomon, Sonhos;• François Truffaut: Jules e Jim, O quarto verde;• Eric Rohmer: Minha Noite Com Ela;• Roman Polanski: Faca na água;• Andrei Tarkovsky: O espelho, Nostalgia;• Jean-Luc Godard: Acossado, Viver a Vida;• Pier Paolo Pasolini: Teorema;

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Realismo, autoria e ambiguidade

Enquanto, no cinema clássico, a narrativa motiva a representação cinematográfica, o “cinema de arte” define-se explicitamente contra o modo narrativo clássico:• Em particular, limitando os encadeamentos causais dos eventos.

No modo “cinema de arte”, tais encadeamentos tornam-se mais soltos e tênues.

Dois princípios organizam esse modo cinematográfico: o realismo e a expressão autoral, os quais investem fortemente na ambiguidade e muitas vezes se misturam.

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“Realismos” do cinema-de-arte

O “realismo factual”;• filmado em locações, com luz natural, figurinos não-produzidos; • problemas do mundo real (pobreza e desemprego, “alienação”,

incomunicabilidade, sexualidade);O “realismo psicológico”: • Realismo como complexidade psicológica dos personagens; • Personagens com características e metas inconsistentes, enigmáticas

ou hesitantes; • Em vez de esforços voltados a um objetivo, perambulações pelos

episódios do filme (viagens, idílios, buscas ou biografias) fazendo poucas escolhas (muitas vezes vagas);

• Expressão dos seus estados psicológicos pela fala: contando histórias, sonhos, fantasias e eventos autobiográficos. “Reação, em vez de ação - é um cinema e efeitos psicológicos em busca de suas causas”. 6

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Autoria

O autor como um componente formal do próprio filme “de arte”:

Como o gênero e os astros no cinema comercial, a autoria é uma estrutura que (no lugar do gênero e dos astros) organiza a obra de dentro; Assumindo-se que esse autor tenha mais liberdade criativa que o Hollywoodiano, o autor torna-se a força textual que se expressa ou que comunica algo, uma visão, através do filme; Solicita-se assim leitores competentes, que reconheçam as marcas recorrentes e comparem os filmes na condição de capítulos de uma obra maior.

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Autoria

Consequências comerciais da predominância autoral:Festivais (a alternativa ao sistema Hollywoodiano de distribuição), revistas especializadas e escolas de cinema introduzem os códigos autorais e normas de gosto para os apreciadores;Não é à toa que a política dos autores (Cahiers du Cinéma) ocorreu na aurora do “cinema de arte” – e muito dessa política consistiu em aplicar essas estratégias de leitura a filmes do cinema clássico (John Ford, Alfred Hitchcock, Howard Hakws, Otto Preminger).

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AutoriaComo esse código autoral se manifesta? Através de violações recorrentes das normas clássicas.

Enquanto no filme de detetive o quebra-cabeça é a fábula, aqui o quebra-cabeça é a trama: quem está contando a história? Por que ela é contada assim?

Como conciliar princípios tão divergentes quanto o realismo e a expressão autoral? Através da ambiguidade.

O apreciador pode decidir que um ângulo de câmera é um comentário autoral, enquanto por exemplo o tema narrado é realista. Ou algumas características (a cor estourada em O deserto vermelho) podem ser lidas dos dois modos. Um ideal é o final aberto (Ladrões de bicicletas, Os incompreendidos...), de preferência que faça o espectador “sair pensando” – pois a ambiguidade não acaba com o fim do filme.

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Narração “cinema-de-arte”

Menor redundância na trama:Acontecimentos-chave e mudanças nos motivos e características dos personagens são mostrados en passant;

Lacunas permanentes na fábula:O que realmente se passou em A Aventura em e Rashomon?

A exposição é postergada e apresentada homeopaticamente:Em vez da exposição concentrada no início, conhecemos pouco a pouco (e nunca completamente) os personagens e as situações;

Ausência de deadlines:Evita-se uma resolução clara das hipóteses narrativas;

O paralelismo é mais forte que a causalidade:O filme se assemelha mais a um comentário sobre o mundo que a um mergulho numa estória que se desenrola sozinha.

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