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A memória a curto prazo A memória a curto prazo é o lugar onde se acha o pensamento em andamento, o trabalho cognitivo do momento, onde se retém o mínimo de informação, um número restrito de dados, todo isso por um tempo curto. O número de elementos presentes a reter deve, então, ser limitado. O estudo de George Miller (1956) sobre as limitações da memória a curto prazo mostra que uma pessoa pode reter 7 itens (+-2) durante 15/30 segundos. O tamanho deste item depende do nível de familiaridade da pessoa com o material informacional. Depois deste tempo, a informação será perdida se a pessoa não consegue rapidamente colocá-la na memória a longo prazo. O conhecimento, ou a experiência do tipo de conteúdo, favorecem a passagem da informação da memória a curto prazo até a de longo prazo, isso favorece a retenção prolongada de informações. É muito importante desenvolver um ambiente interativo que prevê que a maiorias das pessoas têm um nível de retenção da informação de mais ou menos 20 segundos. É útil lembrar ao usuário várias vezes ou organizar os pontos importantes da interface para favorecer a passagem das informações da memória a curto prazo para a de longo prazo. Introdução As condições físicas individuais influem bastante no estudo sendo um fator importante para o seu desempenho. Estudos comprovam que a capacidade de absorção de informações e a sua memorização podem variar sensivelmente em decorrência das condições físicas em que se encontra um indivíduo. Como Funciona a Memória? Possuímos duas memórias: a memória de curto prazo e a memória de longo prazo. A memória de curto prazo é aquela que utilizamos para tarefas corriqueiras do dia-a-dia e logo em seguida são esquecidas. Exemplo disso são os números de telefone, que vão para o espaço assim que você acaba de discá-los. Para que você possa acionar um dado uma ou duas semanas depois de tê-lo captado, é preciso convertê-lo em memória de longo prazo. Esse trabalho fica a cargo do hipocampo. Assim que as cenas, os sons, os cheiros etc. são integrados aos circuitos do cérebro, o hipocampo descansa e entra em cena o lobo frontal, estrutura responsável pelo processo de recordação. É ele que traz à tona todas as informações que foram devidamente estocadas. No lobo frontal, que é tão complexo quanto frágil, a memória de curto prazo e a de longo prazo se completam para formar aquilo que chamamos de raciocínio. A Falta de Memória A falta de memória pode ser causada pelo estado de fadiga por conseqüência do excesso de informações e também pela depressão, pela ansiedade e pelo estresse. Uma pessoa com tendência ao baixo-astral, por exemplo, acaba se preocupando mais com o que a está aborrecendo do que com os outros aspectos da vida. Um ansioso tem muita dificuldade para se deter por muito tempo no mesmo

A memória a curto prazo

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A memória a curto prazo A memória a curto prazo é o lugar onde se acha o pensamento em andamento, o trabalho cognitivo do momento, onde se retém o mínimo de informação, um número restrito de dados, todo isso por um tempo curto.O número de elementos presentes a reter deve, então, ser limitado. O estudo de George Miller (1956) sobre as limitações da memória a curto prazo mostra que uma pessoa pode reter 7 itens (+-2) durante 15/30 segundos. O tamanho deste item depende do nível de familiaridade da pessoa com o material informacional.Depois deste tempo, a informação será perdida se a pessoa não consegue rapidamente colocá-la na memória a longo prazo. O conhecimento, ou a experiência do tipo de conteúdo, favorecem a passagem da informação da memória a curto prazo até a de longo prazo, isso favorece a retenção prolongada de informações.É muito importante desenvolver um ambiente interativo que prevê que a maiorias das pessoas têm um nível de retenção da informação de mais ou menos 20 segundos. É útil lembrar ao usuário várias vezes ou organizar os pontos importantes da interface para favorecer a passagem das informações da memória a curto prazo para a de longo prazo.

IntroduçãoAs condições físicas individuais influem bastante no estudo sendo um fator importante para o seu desempenho. Estudos comprovam que a capacidade de absorção de informações e a sua memorização podem variar sensivelmente em decorrência das condições físicas em que se encontra um indivíduo.

Como Funciona a Memória?Possuímos duas memórias: a memória de curto prazo e a memória de longo prazo. A memória de curto prazo é aquela que utilizamos para tarefas corriqueiras do dia-a-dia e logo em seguida são esquecidas. Exemplo disso são os números de telefone, que vão para o espaço assim que você acaba de discá-los. Para que você possa acionar um dado uma ou duas semanas depois de tê-lo captado, é preciso convertê-lo em memória de longo prazo. Esse trabalho fica a cargo do hipocampo. Assim que as cenas, os sons, os cheiros etc. são integrados aos circuitos do cérebro, o hipocampo descansa e entra em cena o lobo frontal, estrutura responsável pelo processo de recordação. É ele que traz à tona todas as informações que foram devidamente estocadas. No lobo frontal, que é tão complexo quanto frágil, a memória de curto prazo e a de longo prazo se completam para formar aquilo que chamamos de raciocínio.

A Falta de MemóriaA falta de memória pode ser causada pelo estado de fadiga por conseqüência do excesso de informações e também pela depressão, pela ansiedade e pelo estresse. Uma pessoa com tendência ao baixo-astral, por exemplo, acaba se preocupando mais com o que a está aborrecendo do que com os outros aspectos da vida. Um ansioso tem muita dificuldade para se deter por muito tempo no mesmo assunto. O estresse, além de atrapalhar a concentração, pode interferir de outras maneiras. Suspeita-se que ele encolha o hipocampo e libere hormônios que danificam as moléculas transportadoras de energia, deixando o cérebro sem força suficiente para operar.

Alimentação e Atividades FísicasA prática de exercícios físicos aeróbicos (levantar pesos, ou outra atividade anaeróbica, não ajuda em nada) é um dos meios mais garantidos de manter uma boa memória. “Eles ativam a circulação do sangue, reduzem o estresse e a ansiedade”. Uma dieta balanceada, com refeições na hora certa, também contribui. Quem costuma estudar logo cedo sem tomar o café da manhã, corre o risco de ter uma memória menos ativa até a hora do almoço.

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O DescansoO sono é um fator muito importante para o aprendizado. Segundo o neurologista Robert Stickgold, da Universidade de Harvard, os dados acumulados durante o dia são armazenados durante o repouso. Durante o período noturno de repouso, o conhecimento adquirido no decorrer do dia é revisto pelo cérebro e armazenado na forma de memória permanente. Portanto, só aprende quem dorme bem. A boa aula deve ter 6 horas de sono por dia, no mínimo. Esse é um dos motivos pelos quais os recém-nascidos dormem quase o dia inteiro _ eles têm muito que aprender. O sono tem diferentes fases e é preciso que elas se repitam várias vezes para que o armazenamento de dados pelo cérebro seja bem-feito. Assim, alguém que dorme 10 horas tem sua habilidade de fixar informações quase dobrada. Da mesma forma, acordar antes de completar 6 horas pode fazer com que se perca tudo o que estava sendo gravado e aprendido até aquele momento.

O LazerO estudo incessante e desesperado pode prejudicar o candidato. Continue a ter horas de lazer. O candidato deve saber dosar o estudo. De nada adianta estudar doze horas por dia se a compreensão é mínima. Procure estudar o máximo que puder, mas com proveito. O tempo varia de pessoa para pessoa. A preparação para concursos requer que você esteja em bom estado emocional, repousado e no auge de suas condições físicas e mentais.A memória a longo prazoA memória a longo prazo apresenta o lado infinito do nosso sistema mnemônico.Este é infinito, mas o acesso desta memória é difícil.Uma maneira de favorecer o acesso a esta parte da memória é organizar a informação. Quanto mais uma informação é fácil de memorizar, mais fácil ao usuário de achá-la e integrá-la.A coerência (ligação obvia entre o significante e o significado) e a consistência (retomada dos mesmos símbolos para ações similares) do sistema simbólico favorecem uma boa memorização e uma transferência fácil dos conhecimentos adquiridos em relação às novas situações. A memória a longo prazoA memória a longo prazo apresenta o lado infinito do nosso sistema mnemônico.Este é infinito, mas o acesso desta memória é difícil.Uma maneira de favorecer o acesso a esta parte da memória é organizar a informação. Quanto mais uma informação é fácil de memorizar, mais fácil ao usuário de achá-la e integrá-la.A coerência (ligação obvia entre o significante e o significado) e a consistência (retomada dos mesmos símbolos para ações similares) do sistema simbólico favorecem uma boa memorização e uma transferência fácil dos conhecimentos adquiridos em relação às novas situações. Voltar

As Ciências Cognitivas Direitos autorais reservados:

este texto foi produzido e publicado por Luiz Carlos Cassano JuniorEsta página é parte integrante de Território Psi

Índice:Dupuy, J.P. (1995). Nas Origens das Ciências Cognitivas.Posner, M.I. (1980). Cognição.Pedro, R.M.L.R. (1996).Cognição e Tecnologia: Híbridos Sob o Signo do Artifício.Tese de Doutorado.Humphrey, N. (1994). Uma História da Mente, a evolução e a gênese da consciênciaDennett, D.(s/d). La conciencia explicada, una teoría interdisciplinarRosenfield, I.(1988). A Invenção da MemóriaLévy,P.(s/d). As Tecnologias da Inteligência,o futuro do pensamento na era da informática

InícioJean-Pierre DupuyNas Origens das Ciências Cognitivas

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Ed. Unesp, 1995.Verum factumO princípio "verum factum" afirma que só é possível conhecer através ação sobre o objeto conhecido: "só podemos conhecer racionalmente aquilo de que somos causa, o que fabricamos" (p.21). A ciência toma para si esse princípio que fundamenta a idéia de modelo, que são esquemas manipuláveis do objeto investigado. As ciências cognitivas, porém, tornam esse princípio o fundamento de todo e qualquer conhecimento, e não só o científico, porque o modelo da mente, ou seja, a sua simulação para torná-la manipulável e cognoscível, é um modelo de simulação. É a simulação da capacidade de simulação da mente. Simular é conhecer no sentido de que é preciso simular para sermos causa do que queremos conhecer, e esta simulação se dá através da construção de modelos que imitam o objeto do conhecimento. No entanto, se o que a mente faz é simular o "ambiente" , todo conhecimento é simulação, seja ele científico ou não. E simular a mente é criar modelos que simulam esse "ambiente" e interagem com ele.Uma forma de testa essa capacidade de simulação de um modelo da mente humana é o teste de Turing. Imagine-se uma sala onde está um observador que será o juiz. Este observador recebe mensagens de uma mulher. Um homem tenta de todas as formas simular as respostas de uma mulher e o juiz que tem acesso somente às mensagens, deve julgar se elas provém do homem ou da mulher. Em seguida este homem é substituído por uma máquina, que tentará fazer o mesmo. Se o juiz não for capaz de distinguir entre as respostas da máquina e as da mulher então está máquina passou no teste, e é um simulador perfeito da mente humana. Observe que neste teste o que a máquina simula não é simplesmente o comportamento da mulher, mas a capacidade de simulação do homem. Ou seja, o melhor modelo da mente seria aquele que é capaz de simular a sua capacidade de simulação.Haveria uma máquina capaz desse comportamento Turing imaginou uma máquina que teoricamente poderia simular o pensamento humano, que ficou conhecida como máquina de Turing. Não se trata efetivamente de uma máquina real, mas de um modelo formal. Ela seria composta de uma fita com marcações e um cabeçote capaz de identificar estas marcações. Dependendo da leitura assim realizada e do estado interno da máquina, o cabeçote altera a marca da fita ou não e passa para a marca seguinte. A máquina processa uma informação e emite uma resposta em função dela e do seu estado interno, realizando operações de cálculo simbólico com as "marcas". Godel já havia demonstrado que a lógica simbólica poderia ser arimetizável, e que pensar poderia ser concebido como uma forma de calcular. Um aspecto fundamental da máquina de Turing é que o seu comportamento não é inteiramente previsível. Dadas certas condições iniciais e iniciada as operações, não é possível saber se estas condições a farão parar ou se ela calculará indefinidamente, considerando como suposta uma fita infinita. O fato de que um comportamento não mecanizável (tal como essa imprevisibilidade, que uma segunda máquina acoplada a primeira e analisando suas condições iniciais não pode superar) pode surgir como efeito de um comportamento mecânico, foi o maior estímulo para se conceber a mente como uma máquina de Turing. Tal possibilidade foi aberta por um modelo formal que não chega nem a ser propriamente um teorema, como enfatiza Dupuy.Surgimento da CibernéticaA cibernética não é uma ciência nova que surge em ruptura com o modelo de ciência da época, mas ao contrário, ela se pretende a vanguarda desse modelo. Ao contrário do que se costuma pensar, a cibernética tinha uma inspiração insterdisciplinar e pretendia reunificar a ciência através desses encontros. Além disso, há nela uma motivação social fruto do pós-guerra, que concebia a personalidade como parte de um anel de causalidade com a cultura, de forma que a compreensão e dominação da primeira poderia contribuir para modificar a segunda. A Psicologia, porém, não era exatamente uma parceira nessa compreensão, mas sim um terreno a conquistar pela física e pela matemática. Possuia uma inspiração nitidamente behaviorista e não mentalista, como é possível demonstrar pela análise de dois artigos publicados em 1943 e que podem ser considerados fundadores da cibernética. O primeiro é de Winer e o segundo é de McCulloch.O artigo de Winer apresenta um conceito fundamental da cibernética: feedback . O que ele pretendia demonstrar era a possibilidade de se conceber um autômato com uma finalidade mecânica, através do retorno da informação de saída à entrada do sistema. Winer procura permanecer dentro de uma metodologia behaviorista no sentido de que descreve o comportamento sem fazer referência aos estados "internos", mas sim ao que pode ser observado. McCulloch, por outro lado, exibe a tese de que o organismo é uma máquina composto de uma rede de neurônios. No entanto, ele não está fazendo uma conceção à "interioridade", mas sim tratando o comportamento dos neurônios de forma objetiva, tal como se faz com o organismo como um todo. O que estes dois artigos fazem é aproximar de uma lado mente é máquina, uma vez que um autômato pode ter "finalidades", e de outro, cérebro e mente, concebendo uma rede de neurônios como elemento suficiente para descrever o comportamento da mente. Uma terceira aproximação possível é entre cérebro e máquina, vislumbrando o cérebro como uma máquina que pensa. São estas aproximações, diz o autor, que darão origem às duas correntes

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mais fortes das ciências cognitivas, o conexionismo e o cognitivismo, ambas concebendo o pensamento como calculo, mas de formas diferentes. O cognitivismo defenderá que pensar é calcular como um computador o faz, utilizando símbolos com uma realidade semântica e de forma serial e lógica (como aliás se pode dizer que fazia a máquina de Turing). Para os conexionista pensar é calcular como uma rede, não de forma serial, mas paralela, e os comportamentos ditos cognitivos emergem como efeitos das interações elementares nessa rede. Diversas posições são possíveis nesse panorama das duas vertentes:

1. Segregação: os dois domínios se excluem. As redes servem para algumas formas de memória associativa, ao passo a cognição atende às funções superiores da mente.

2. Compilação: as redes realizam no nível mais baixo o que os modelos cognitivos definem, tal como um software define o que faz o hardware de um computador.

3. Hibridação: aliança e articulação dos dois modelos sem distinção de níveis. 4. Inclusão: as funções cognitivas emergem das redes neuronais.

Após sua fundação, a cibernética, que inspirou estes modelos da mente como sugere o autor, teve sua existência muito vinculada às conferências Macy, onde seus principais pensadores e muitos convidados discutiam as questões mais relevantes sobre a mente humana. Tais questões contém muitas das discussões que posteriormente se fará nas ciências cognitivas. Vejamos alguns desses temas.

Abordagem continuísta X descontinuísta do Sistema Nervoso. A primeira defendia uma visão analógica do funcionamento e a segunda uma versão digital. Winer defenderá que a diferença entre as duas visões e de grau.

Informação: pode a informação ser definida independentemnte do sentido e da significação ou nãoSignifica verificar se a informação pode ser concebida mecanicamente, sem referência ao sentido.

Totalidades: há várias visões possíveis (que não necessariamente se excluem): 1. Holismo: o todo como um entidade autônoma não derivável dos seus elementos. 2. Artificialismo: as totalidades são efeitos das interconexões das partes e não uma entidade

transcendente. 3. Eliminacionismo: não há totalidades, as categorias "mentais" que a ela fazem referência "nada

designam" (p.172). 4. Teoria Geral dos Sistemas: surgiu a partir das investigações na área da embriologia de P.Wess, e

sustenta que existem interações dinâmicas naturais, das quais os mecanismos artificiais (autômatos) seriam apenas um caso particular.

5. Autonomismo: os organismos apresentam uma coerência interna que não permite que o output seja um mero reflexo do input.

6. Causalidade circular: o todo e os elementos se determinam mutuamente. (Wess). Complexidade: inicialmente defende-se que a complexidade do objeto real é irredutível aos

modelos que dele se faz. Num segundo momento, o próprio modelo matemático do objeto real é visto ele próprio como uma complexidade (algo que escapa a uma simplificação manipulável), diminuindo as diferenças entre modelo e realidade. Von Neuman define um limiar de complexificação, a partir do qual a "estrutura do objeto se torna mais simples do que a descrição de suas propriedades" (p.190). Ou seja, uma estrutura simples pode dar origem a um objeto complexo (como ocorre com a matemática). Este conceito permitirá compatibilizar afirmações inicialmente contraditórias, como por exemplo: (1) mecanismos físico-químicos produzem a vida e (2) a vida é mais complexa do que estes mecanismos.

Cognição, Filosofia e Sociedade As ciências cognitivas podem ser concebidas como uma retomada dos problemas filosóficos acerca da mente humana, com o objetivo de lhes dar uma resposta científica. O que lhes dá uma certa unidade, que nos permite fazer essa referência geral às "ciências cognitivas" é na verdade uma filosofia da mente, conforme defende o autor. Há aí uma herança kantiana na busca do a priori do conhecimento:

"A Inteligência Artificial (...) está a procura das condições formais da atividade cognitiva que são comuns a todos os sistemas capazes de uma tal atividade (...) as condições a priori, necessárias e suficientes, que ao mesmo tempo tornam o conhecimento possível e fundam a objetividade (...)" (p.117).

Colocar as ciências cognitivas como um projeto essencialmente filosófico mostra o quão contraditório é o diálogo truncado que estas ciências tem com a filosofia, e como, apesar de tudo, alguns temas filosóficos permanecem não resolvidos.

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Um destes temas seria o da representação. A simulação da realidade de certa forma representa essa realidade, refere-se a ela (intensionalidade). Se a representação não é o objeto em si então o que ela é As ciências cognitivas tentarão analisar esta questão em termos linguísticos, através das frases que violam a extensionalidade lógica (e referem-se a algo além). Todo o esforço se concentrará em basear a intensionalidade em leis físicas, mas esta visão tem como consequência a perda da eficácia causal dos fatos mentais enquanto tais. Fica-se então entre duas hipóteses: ou um reducionismo fisicalista ou um dualismo mente-corpo, que se faz presente, por exemplo, nas concepções mais modernas de programa (software) e hardware. Para Dupuy todas estas dificuldades decorrem dessa escolha de analisar a intensionalidade como fato linguístico, o que por sua vez decorre de uma má interpretação que os cientistas da mente fizeram da leitura de Brentano. Se tivessem compreendido a fenomenologia, prossegue o autor, veriam que a rede possui já uma característica intensional, que é a dinâmica dos estados atratores. Os atratores são estados para os quais uma rede tende a se estabilizar, mas são ao mesmo tempo produtos dessa própria rede, ou seja, são uma espécie de imanência transcendente, tal como a vê a fenomenlogia.Ora, esta pretensão de desmistificar a mente como algo subjetivo (desconstrução metafísica da mente), ou seja, a idéia de uma mente sem sujeito, era já o projeto cibernético do autômata. Se os conferecistas de Macy tivessem sabido aproveitas os encontros que tiverem com representantes da fenomenologia, como eram os Gestaltistas, poderiam ter avançado na concepção de uma intensionalidade sem sujeito.Outra questão importante, e que faz parte desse projeto de desconstrução metafísica da subjetividade, são as relações entre ciências cognitivas e sociedade. Se o sujeito pode ser concebido como um efeito emergente de uma rede complexa de interações (concepção conexionista), então ele é um quase-sujeito, quer dizer, ele é uma coletividade que manifesta propriedades da subjetividade. O mesmo poderia ser dito da própria sociedade, que exibem comportamentos de quase-sujeitos. Um exemplo seria a votação. Concebe-se que a coletividade "escolhe" (ação de um sujeito) um líder, quando este é um efeito emergente da interação de muitos indivíduos. Este é outro tema com o qual a cibernética esteve as voltas mas que não soube desenvolver (visão cibernética da sociedade como autômato), e que reaparece nas ciências cognitivas.ConclusãoO livro de Dupuy parece ter a seguinte finalidade: demonstrar que a cibernética desde a sua fundação já continha os principais temas e linhas que fariam surgir depois as ciências cognitivas, mas que perdeu as oportunidades que teve de desenvolvê-los, devido a uma certa arrogância ou cegueira dos seus fundadores. Evidentemente é um um julgamento só válido a posteriori. Além disso ele restitui uma outra imagem da cibernética que questiona a "rejeição" que ela sofreu e a imagem que dela ficou, e não esconde seu apreço e nostalgia por essa época.

"Descreví e analisei o fracasso de seus encontros com a biologia (...), com a psicologia; com a fenomenologia (...) Ninguém, porém pode negar o laço de parentesco entre o projeto cibernético e os numerosos e revolucionários empreendimentos científicos e filosóficos que se seguirão(...)" (p.196). "Se a história, heróica e infeliz, da cibernética deve ensinar-nos alguma coisa, é provavelmente que, ao lado do espírito pioneiro, a modéstia, a dúvida razoável e a atenção, nutrida de espírito crítico, à tradição são virtudes indispensáveis à aventura do conhecimento" (p.220).

InícioCognição,Michael I. Posner,Editora Interamericana, 1980.IntroduçãoO livro de Posner, escrito em 1973, é um bom apanhado das pesquisas experimentais realizadas na área da cognição no final da década de 60 e início da de 70. Ele reflete todo o espírito de uma época quanto ao modo de tratar os temas fundamentais da cognição humana. Temos nele os modelos cognitivos de inspiração computacional, no estilo seqüencial, e já alguns experimentos que demonstravam as limitações dessa abordagem. Sua análise histórica inicial mostra as vinculações da cognição com a filosofia, que é um dos traços das ciências cognitivas contemporâneas. Não se vê praticamente nenhuma referência às escolas tradicionais, tais como a psicologia da gestalt e o behaviorismo. Ele marca a virada para o modelo do processamento da informação. De acordo com sua análise histórica dos temas da cognição desde as filosofias até o surgimento da psicologia experimental, Posner acentua dois aspectos básicos: primeiro, as "estruturas de memória usadas para representar a informação", e segundo, as "operações mentais sobre essas estruturas"(p.11). Para facilitar, faremos o resumo de forma esquemática.Síntese GeralA memória pode ser analisado sob dois ângulos: os sistemas e os códigos. Assim:MEMÓRIA

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Organização do input. A maneira como a informação que chega ao sistema é classificada (organização no input), determina sua forma de armazenamento. Uma informação pode ser categorizada através de símbolos verbais (palavras genéricas) e a forma como o ela é categorizada interfere na sua inserção no sistema de memória a longo prazo (células diferentes), e na sua disponibilidade para recuperação (a evocação dependerá de como a informação está categorizada na memória). Alguns experimentos demonstraram que as informações apreendidas num espaço de 2 min são armazenadas numa mesma célula, e que dados simbólicos são agrupados pela similaridade dos seus conteúdos (significados). Assim, a categorização, a proximidade temporal e a similaridade de conteúdos são alguns dos fatores de organização do input que intervêm na forma como são armazenados. Se os itens são armazenados numa mesma célula eles tendem a interferir um no outro (interferência pró-ativa); se estão em células diferentes não há essa interferência (libertação da interferência). Memória ativa e de Longo Prazo. A memória ativa tem uma amplitude limitada de armazenamento e isto é válido tanto para os dados que são extraídos da memória de longo prazo quanto do meio. Alguns experimentos demonstraram que sua capacidade de armazenamento é de 07 a 10 itens não relacionados. Mas se for fornecida ao sujeito uma lista longa de itens, ele tende a ordená-las em categorias, e nesse caso é capaz de memorizar de 03 a 07 categorias. Por essa razão Mandeler (1967) sugeriu que haveriam estruturas hierarquizadas na memória de longo prazo, divididas em categorias cada vez mais gerais e que constituiriam células separadas (grupos de itens interrelacionados por categoria). Tais células porém não tem uma localização anatômica específica. Os dados armazenados na memória de longo prazo seriam inertes por si mesmos, só recebendo alguma dinamização por ocasião das operações mentais neles realizadas, ou, ao contrário, teriam uma dinâmica própria Há três fenômenos que indicam a existência de uma dinâmica própria.

1. Esquecimento: num experimento se apresentam ao sujeito duas listas de itens para serem memorizadas; após 24 horas as listas são relembradas, mas os itens estão misturados. A explicação é de que houve uma fusão das duas células onde cada lista estaria inicialmente armazenada. Quando um item deve ser recuperado na memória de longo prazo e a célula original onde ele foi armazenado se funde a outras, a área de busca se torna maior, e as vezes não é possível recuperar o item. A explicação alternativa para o esquecimento é a simples perda da informação. Luria (1968) examinou um caso de lesão cerebral em que o sujeito apresentava uma memória extraordinária. Ficou demonstrado que essa capacidade estava relacionada ao fato de que as informações mantinham-se armazenadas separadamente. Era a fusão de células que estava perturbada.

2. Reorganização: quando um item novo é armazenado na memória ativa ele é categorizado, mas essa categorização depende do contexto e não só das categorias da memória de longo prazo. Assim a memória de longo prazo pode sofrer reordenações se seus itens forem categorizados de formas diferentes em novas situações onde se apresentem ou sejam evocados.

3. Recuperação: o recuperação de um item memorizado é feita em duas etapas. Primeiro o sujeito reconhece a área (célula) onde o item está localizado, e depois a examina e emite a resposta. Este reconhecimento da área é feito sem esforço, enquanto que o seu exame exige esforço e atenção. A etapa sem esforço demonstra a existência de uma dinâmica própria na recuperação.

Formação das representações e categorias da memória. Examinaremos dois tipos de representação, as icônicas (imagens) e as simbólicas (mais exatamente as palavras), e como elas formam os conceitos ou categorias gerais. A própria idéia de que a memória está organizada em categorias e de que ela possui uma dinâmica própria já sugere que ela não é uma cópia fiel dos dados percebidos. Diz o autor:

"Há muito sabemos (Barlett, 1932, Neisser, 1967) que a memória humana não está organizada para reproduzir exatamente os acontecimentos passados. Ao contrário, desenvolve-se com o propósito de abstrair a forma geral dos acontecimentos e de representá-los de uma maneira que nos permita agir de modo razoavelmente inteligente no futuro" (p.36).

Conceitos Icônicos: as categorias podem ser compreendidas como conceitos. Os conceitos são uma capacidade de responder a uma série de eventos diferentes sob o mesmo rótulo ou ação (Bourne, 1966). Os conceitos icônicos são esquemas de imagens capazes de representar uma variabilidade. Em 1920 Hull demonstrou que a visão de diversos elementos variados levava a uma captação das suas semelhanças, sem que o sujeito se esforçasse para captá-las. Em 1969, Posner fez um experimento no qual forma apresentados aos sujeitos diversas variações de um desenho protótipo, sem que o próprio protótipo fosse apresentado. Quando depois o protótipo foi apresentado junto com outros elementos ele foi reconhecido como se fizesse parte dos elementos previamente percebidos. Assim, tudo se passa como se o sujeito tivesse abstraído o protótipo dos elementos apresentados, tornando-o parte de sua memória. No entanto não é só o protótipo que está armazenado, mas também um conjunto de elementos que são sua variação. O conceito icônico pode ser compreendido como um sistema de traços apreendido a partir da percepção de objetos visuais que possui dois aspectos: uma tendência central (protótipo) e uma fronteira de variabilidade, dentro da qual o

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conjunto de padrões individuais são reconhecidos como sendo representados pela tendência central. Os conceitos icônicos armazenados na memória de longo prazo permitem categorizar o input de forma visual, e permitir recuperação de dados a partir de categorias visuais, como alguns experimentos demonstraram. Portanto, nossa memória não é capaz de recuperar os detalhes de uma percepção visual, mas sim a categoria visual que a representa (os detalhes seriam apenas o suficiente para reconhecer um dado específico como pertencente à fronteira de variabilidade da categoria). A vantagem de um sistema assim é a economia que ele proporciona, pois "pode lidar com uma multidão de experiências individuais sem sobrecarregar a memória" (p.48).Conceitos Simbólicos: os símbolos, ao contrário das imagens, não possuem uma relação direta com o objeto representado, mas sim uma relação arbitrária, o que pressupõe alguma independência do contexto perceptivo.. No desenvolvimento infantil os conceitos icônicos são conquistados mais cedo do que a abstração de atributos dos objetos. Inicialmente a criança forma categorias visuais; a dimensionalização requer a capacidade de separar certas características dos objetos (forma, cor, tamanho). A categorização verbal destas características facilita esse processo, pois ajuda a separar uma dimensão do objeto em relação ao contexto perceptual. Os conceitos se formam de duas maneiras: através do comportamento espectador (estes é o caso do conceito icônico), que não exige esforço do sujeito (espontâneo), e através do comportamento participante, que requer uma ação tal como o teste de hipóteses e a própria dimensionalização (esse é o caso dos conceitos simbólicos). Em experimentos nos quais o sujeito é apresentado a diversos dados e precisa descobrir a coerência das variações (que não se dão em torno de um esquema visual típico), ele tem que formular hipóteses e ir aos poucos confirmando-as ou refutando-as pelos novos exemplos apresentados. Este método de formação de conceitos é limitado pela amplitude da memória ativa, que só pode armazenar um número limitado de hipóteses. Considerando esse limite, o ritmo da tarefa e o uso de recursos artificiais (escrita, por exemplo), pode tornar mais eficiente o comportamento. Há uma forte tendência nos sujeitos em tentar encontrar uma regularidade nos dados apresentados nesse tipo de experimento. Isto ocorre mesmo que os dados sejam simplesmente aleatórios. Esta tendência muitas vezes dificulta a descoberta da regra procurada, pois a formulação de um hipótese errônea interfere na percepção dos novos dados apresentados e interfere no comportamento espectante, diminuindo sua espontaneidade. Estes fatos demonstram que o teste de hipóteses para formação de conceitos tem muitas limitações que não permitem que eles sejam considerados simplesmente como processos racionais ou lógicos.Isto fica ainda mais evidente quando se trata das análises que exigem o julgamento dos dados e uma tomada de decisão. Uma visão objetiva e racional das situações assim apresentadas aos sujeitos revela diversos atributos relevantes para a tomada de decisão, mas os indivíduos simplificam as situações e selecionam apenas alguns atributos. Um exemplo foi a pesquisa realizada com radiologistas, na qual numa análise prévia eles mesmos indicaram todos os atributos necessários para identificar um doença, mas observado os casos concretos, constatou-se que apenas dois desse atributos eram realmente relevantes nas suas decisões. O nome que se dá a esses métodos pragmáticos de julgamento e decisão é heurística. Os atributos selecionados e as decisões tomadas podem atender a outros critérios que não são lógicos, tais como a representatividade de um caso, que se generaliza no julgamento dos demais, ou a disponibilidade de uma informação pela sua facilidade de acesso na memória.Como vimos, as categorias tem um papel importante na estruturação da mente. Há três tipos de estruturas já estudadas que se relacionam aos conceitos simbólicos:

1. unidimensional (são as listas); 2. tridimensional (espaços compostos de três eixos de variáveis, como sexo, geração e

hereditariedade para definir o parentesco); e a 3. hierárquica, que se organiza por categorias, partindo da mais específica para a mais genérica

(exemplo, um canário é um canário se segue a um canário é uma ave, que se segue a um canário é um animal, e cada uma desta associações têm tempos de reações distintos que confirmam essa forma de organização).

No entanto, é difícil saber se estas estruturas mentais preexistem, de forma que o desempenho de um sujeito se deve a uma recuperação sem esforço a partir delas, ou se elas são formadas pelas próprias operações mentais ativadas na recordação. Operações Mentais. Eis a definição de Posner:

"Uma operação mental é uma transformação interna da informação. Tais operações não obliteram as estruturas que existiam antes, mas criam novas estruturas, que podem por sua vez ser codificadas na memória a longo prazo" (p. 79).

No século XVII Descartes definiu a mente opondo-a a extensionalidade da matéria, ou seja, a mente não poderia ser medida, pois não tem extensão. Em 1968 Donders afirma que é possível estudar os processos mentais considerando o tempo necessário para sua execução. Construindo estruturas e fluxogramas das operações mentais, e medindo o

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tempo de reação dos sujeitos a diversas tarefas propostas, seria possível confirmar ou descartar estes esquemas, desde que ele permitissem deduzir as diferenças de tempo de acordo com as complexidades das operações. Foi com este método que se pode criar as hipótese aludidas anteriormente sobre as estruturas mentais. Além do tempo, o espaço, entendido como capacidade disponível na memória ativa, também pode ser considerado uma dimensão das operações mentais.Embora não haja uma lista completa e definitivas das operações mentais que um ser humano é capaz, é possível considerar quatro tipos gerais:

1. Abstração: já vimos alguns exemplos ao examinarmos as formações de conceitos. Já é uma abstração a própria seleção do input e sua categorização. Na comparação de letras, onde o sujeito deve dizer se elas são diferentes ou não, a similaridade física tem um tempo de reação diferente da similaridade do nome (exemplo: Aa, tem o mesmo nome e formas físicas diferentes), o que mostra que o reconhecimento visual se processa de forma independente do reconhecimento simbólico (nome). Porém, as abstrações visuais (conceitos icônicos) interagem com as abstrações simbólicas (palavras). As associações visuais de itens podem ser feitas com ou sem a mediação das palavras, por exemplo. Em pacientes com os dois hemisférios cerebrais separados pode ocorre o reconhecimento visual sem que o sujeito lhe associe o nome correto.

2. Geração: a geração é o oposto da abstração. Significa a localização e emissão de códigos específicos a partir de instruções gerais, enquanto a abstração generaliza a partir de códigos específicos. Em experimentos onde se cria uma expectativa de apresentação de um item visual, o sujeito parece gerar sua imagem, e isto interfere nos resultados medidos.

3. Combinação: além da adição e da contagem de itens, as combinações mais importantes são a conjunção (A e B), a disjunção (A ou B)e a exclusão (ou A ou B). Construindo esquemas sobre como os sujeitos realizam estas operações pode-se deduzir quais tem mais etapas ou menos, e prever os tempos de reações a diferentes tarefas que as envolvam.

4. Seqüência de operações: é a definição de estágios de processamento da informação. Por exemplo, para identificar se um item pertence a uma lista previamente memorizada, é necessário: (a)abstrair a informação percebida e categorizá-la; (b) Buscar na memória ativa as informações necessárias para identificar o item categorizado, reconhecimento sem esforço; ( c) Examinar as informações colhidas, com esforço e (d) gerar uma resposta específica.

Consciência: Posner concebe a consciência como um processador de informação com capacidade limitada. As pesquisas que permitem dizer algo sobre a consciência seriam aquelas que exploram exatamente esses limites. Estudos de atenção e percepção que demonstram a extensão limitada de nossas capacidades, como os de Averbach (1963), que processamos até 07 informações em 10ms por item e acima de 07 passamos a precisar de 300ms (limitação da atenção). Outro estudo foi o de Broadbent (1967) que apresentou dígitos diferentes simultaneamente a cada ouvido dos seus sujeitos, e demonstrou que um canal exclui o outro (a informação fica retida por pouco tempo; se o sujeito não volta sua atenção para o canal, ela se perde). No entanto, outros experimentos demonstram que o ser humano é capaz de processar mais de uma informação simultaneamente, embora essa seja uma capacidade limitada:

"(...) os seres humanos são, na verdade, limitados em sua capacidade de desempenhar tarefas ao mesmo tempo, mas que a limitação não se assemelha ao que seria esperado, caso, de fato, pudessem apenas fazer uma coisa de cada vez. Os seres humanos partilham o tempo bastante bem, sendo a extensão de interferência uma função da dificuldade da tarefa" (p. 112).

Vários indícios indicam a existência de operações mentais que se processam sem o recurso desse processador central limitado que seria a consciência. O reconhecimento de padrões visuais e a recuperação de nomes, por exemplo, podem ocorrer sem esforço. Na verdade a consciência seria um produto dessas operações de recuperação, pois a ativação automática das estruturas aprendidas interfere na percepção e na forma como categorizamos os dados que nos chegam. Relacionando este conceito de consciência como processador de capacidade limitada e a visão do senso comum, pode-se dizer que a consciência esteja bastante vinculada a aprendizagem, porque diante de novos dados não há ainda estruturas a serem ativadas, e as operações que exigem esforço são mais dominantes que as automáticas. Assim a consciência está ligada ao conhecimento e às ações intencionais (com esforço), conforme o senso comum costuma conceber. Uma vez aprendidas e categorizadas as novas informações, elas afetarão a percepção de outras através da recuperação espontânea a que nos referimos acima. Algumas operações mentais são bastante complexas e exigem mais tempo. Isto pode ser explicado considerando os limites da memória ativa. Se a operação em questão exigir o registro de muitas informações ativas, algumas serão esquecidas ou não serão processadas, e o tempo para realizar a tarefa será mais longo. Assim a complexidade de

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algumas operações pode ser devido a essa limitação do processamento, que tem a ver com o conceito de consciência. Sendo um sistema de capacidade limitada, a consciência pode estar sobrecarregada ou subcarregada. Alguns experimentos demonstram que há um nível ótimo de estimulação desse sistema. Se o nível de estimulação estiver acima da capacidade, como se viu, as informações se perdem; se estiver abaixo, produz operações de geração de devaneios que aumentam o nível. Pensamento: Posner o define como a "aquisição de uma nova representação através do desempenho de operações mentais" (p.128). Três situações podem provocar a emergência do pensamento: 1.Um evento externo que se configura como um problema; 2.Um evento interno tal como as dissonâncias cognitivas de Festinger; e 3.A divagação pura e simples. São situações que exigem a aquisição de uma nova representação, e essa representação deve permitir a solução do problema no caso 1 ou a resolução do conflito no caso 2 (no caso 3, embora Posner não se pronuncie a respeito, presume-se que a divagação sirva apenas para manter o nível ótimo de estimulação). Nesses casos o pensamento seria bem sucedido. Aprofundaremos apenas a situação 1:A representação inicial de um problema é um dos fatores mais determinantes de sua possível solução ou não. O código utilizado nessa representação, se visual ou verbal, e as estruturas da memória ativadas pelas informações interferem na forma como essa representação se configurará. A partir daí dois caminhos são possíveis: esta representação pode conter já a solução, dependendo de como foi produzida, ou pode ser necessária a busca de outras informações, seja no meio, seja na memória. Uma série de fenômenos interferem até que a solução seja atingida. Se o sujeito faz hipóteses prematuras sobre o que fazer, ele inibirá uma série de outras associações possíveis que poderiam levar a solução (vimos isso ao falarmos sobre o teste de hipóteses como método de formação de conceitos). Além disso há o fenômeno da fixidez funcional. Em alguns experimentos, um objeto que poderia ser utilizado para resolver um problema, é colocado em diferentes contextos. Se ele aparece apenas visualmente, produz uma série de associações que podem facilitar ou dificultar a sua percepção como um instrumento para a solução (por exemplo, uma rolha presa a uma garrafa). Se além disso ele recebe um rótulo verbal, então outro conjunto de associações se tornam possíveis, e mais uma vez, elas podem atrapalhar ou ajudar a percepção em função do problema (no exemplo anterior, coloca-se um rótulo na rolha, com o código verbal correspondente). Outro obstáculo semelhante que se coloca entre a representação e a solução é o set, que seria uma tendência a repetir uma solução inicial em diferentes situações. Posner comenta: "o pensamento possui uma tendência importante e generalizada para seguir caminhos semelhantes aos que foram recentemente ativados" (p.145), referindo-se a testes dois fenômenos.Sendo necessária a busca de informação adicional, surgem as estratégias de busca, que estão associadas a criação de planos. Normalmente os planos se realizam com esforço e atenção, ou seja, são conscientes, e portanto, utilizam memória ativa e possuem uma carga limitada de informação. Traça-se um objetivo e, de acordo com a representação inicial do problema, são evocadas estruturas da memória de longo prazo e avaliadas as operações mentais que podem ser realizadas com ela. São buscadas também informações no meio. Sobre isso constatou-se que as evidências que são apresentadas mais lentamente e as que aparecem primeiro adquirem maior relevância. Assim, a avaliação de quando um problema está finalmente resolvido depende de vários fatores inerentes ao processo, e não de uma avaliação objetiva (independente do processo).Finalmente, um fenômeno curioso na solução de problemas é a incubação. Muitas vezes, após algum esforço inicial, o sujeito se afasta do problema e subitamente a solução aparece espontaneamente, como se ela estivesse incubada. Muitas explicações foram dadas para tal evento. Durante o período de incubação ocorre o descanso, mas isto por si mesmo não explica satisfatoriamente. Além do descanso, muitas vezes o sujeito tem um prática adicional da qual não se recorda depois (pensamentos esquecidos). Ou talvez, o afastamento momentâneo permita que o sujeito abandone alguma tendência inadequada inicial, e retome a situação percebendo-a de outra forma. E por fim, as vezes durante o afastamento o sujeito se depara com eventos externos casuais que lhe servem de pista. Assim, num experimento onde o balanço de um corda era a solução do problema, o experimentador passeava casualmente pela sala e esbarrava na corda. Nos grupos em que isto foi feito a solução foi encontrada maior número de vezes do que nos outros (o evento casual funcionou como pista, e nem sempre os sujeitos se deram conta disso).

InícioRosa Maria Leite Ribeiro PedroCognição e Tecnologia: Híbridos Sob o Signo do ArtifícioRio de Janeiro, 1996, UFRJ, ECO, Tese de DoutoradoSíntese Geral.A tese defende a idéia de que a passagem do moderno ao contemporâneo se deu através da produção dos híbridos. Os híbridos seriam fenômenos, eventos, ocorrências que misturam natureza e artifício, humano e inumano, vida e

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máquina, sujeito e objeto. Diante dos híbridos duas posturas são possíveis: primeiro, a tentativa de purificá-los e faze-los voltar a um estado onde não há misturas, e a outra é de aceitá-los como tais e com os desafios que colocam. O moderno se caracteriza pela primeira postura, e o contemporâneo, pela segunda.Os híbridos surgem principalmente nas seguintes fronteiras: entre o Homem e os demais seres vivos, entre o Homem e a máquina, entre a vida e os sistemas físico-químicos. A ciência, que é um fruto da modernidade, fez surgir eventos, fenômenos, tecnologias que desafiam as fronteiras entre esses domínios. Exemplos disso seriam, o estudo de sistemas termodinâmicos longe do equilíbrio, que apresentam estruturas complexas, e que possuem características tais como indeterminação, história, pontos de flutuação e escolha, o que os tornam semelhantes a seres vivos. Outro exemplo, os estudos sobre Inteligência Artificial, onde o pensamento é simulado em máquinas de processamento de informação (computadores), que se comportam de forma semelhante ao pensamento humano. Ainda outro exemplo está nos estudos de cosmologia, nos quais o homem aparece como um ser imerso na história de um universo, sem poder se situar fora dele, o que relativiza nosso mundo, e nos coloca no mesmo grau dos demais seres vivos, ou seja, "um esforço de perseveração"(p.116). A tese defende a idéia de que se deve aceitar o desafio colocado pelos híbridos, ao invés de tentar purificá-los. Surge através deles a concepção de uma coletividade onde se inserem objetos, humanos e inumanos, vivos e máquinas, numa rede de articulações, onde embora um mantenha certas diferenças em relação aos outros, estas diferenças deixam de ser essenciais ou de natureza (não há separação, e sim diferença no toque das fronteiras). A tese tenta pensar essa passagem do moderno ao contemporâneo nos estudos ligados ao tema da cognição. As Ciências da Cognição: Na área da cognição, especificamente, as misturas se dão nos seguintes principais nós: cognição e emoção, mente e cérebro, conhecimento humano e de outras espécies biológicas, pensamento e máquina, cognição e tecnologia. Para compreende-los melhor é necessário saber como surgiram as ciências da cognição e como chegaram a estes questionamentos. As Ciências da Cognição surgiram a partir do movimento interdisciplinar "onde se encontram psicologia cognitiva, linguística, neurociências, epistemologia, inteligência artificial, antropologia" (p. 44). A tese portanto não se restringe ao campo da psicologia cognitiva, cuja origem remonta à Wundt, mas parte desse novo campo interdisciplinar emergido na década de 40 nos estudos cibernéticos. A Cibernética foi a primeira tentativa de estudar a atividade mental através da descrição de seus processo em termos de mecanismos e formalismos matemáticos. A teoria da informação e a teoria geral dos sistemas desempenharam um papel importante nesta fase. Foi também neste momento que surgiram os primeiros autômatos capazes de simular o pensamento humano, cujo protótipo foi a máquina de Turing.A partir da década de 50 surge a necessidade de um novo modelo para compreender a mente, que seria o modelo cognitivista. Com o trabalho de Pribram (1960), de inspiração ainda cibernética, começam a surgir modelos baseados na metáfora que os computadores sugeriam, nos quais se imaginava mecanismos capazes de dotar as máquinas de propósito, meios para antingí-la e para verificar se a meta foi cumprida (alças de feedeback, que tornavam circulares as entradas e saídas de um sistema). A solução de problemas passou a ser o modo mais adequado de se estudar a mente. A mente passa a ser concebida como um processador de informações. Assim:

"A consequência desses estudos será a disposição para se tratar o que se passa dentro da mente em termos de representação mental, de modo que a discussão passa a se concentrar em torno de qual o melhor modelo de representação, parecendo indiscutível que este aparato conceitual seja necessário"

Os autômatos progrediram e surgiram os primeiros programas capazes de se comportar de forma inteligente (Inteligência Artificial), e com isso as primeiras simulações do comportamento simbólico humano. A relação entre Homem e máquina não era pensada, porém, em termos estruturais, mas sim funcionais. O computador é capaz de desempenhar as mesmas funções que o cérebro humano, mas não é constituído da mesma forma. Não há uma identidade formal (isomorfismo) entre o hardware da máquina e o sistema nervoso, mas uma identidade funcional, características semelhantes na organização da informação. Daí dizer-se que a IA prima pela simulação, ou seja, as máquinas simulam o pensamento humano, sem possuírem sua estrutura ou forma. A identidade funcional entre o cérebro e o computador levou a uma definição do processo mental como uma "função que se realiza através de um dispositivo material" (p.69).A crítica que deu origem a um terceiro tipo de modelo nas Ciências Cognitivas apontava para dois aspectos. Primeiro, o uso da lógica como um conjunto de regras que se adequaria a explicação do funcionamento cerebral, tais como eram aplicadas nos programas computacionais que serviam de modelo. Segundo, a ênfase na representação como aspecto básico da cognição, o que pressupunha a existência de um mundo exterior independente do sujeito que o conhecia e re-prensentava-o para si.

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As regras lógicas precisavam ser aplicadas sequencialmente. O sistema lógico-computacional utilizavam os estados verdadeiro/falso. Dessa forma era difícil sustentar como um modelo baseado nestes aspectos poderia explicar uma atividade inteligente que exigisse módulos simultâneos em funcionamento, e que, segundo achados das neurociências, possuia uma faixa de frequencia contínua de emissão e não estados ativado/desativado. O novo modelo nascente, batizado de Conexionisto e assim resumido:

"Cada neurônio conectado - nó da rede - é caracterizado por uma variável que representa seu nível de ativação e por uma constante que representa seu limiar. Quando a ativação de um nó ultrapassa seu limiar, ela se propaga para outros nós de acordo com as ligações existentes, podendo os pesos das conexões serem positovos ou negativos. O estado da rede num determinado instante é dado pela configuração das ativações nesse instante e pelos pesos das conexões."

Embora o modelo conexionista da cognição partisse de uma crítica aos limites da lógica computacional, ele forneceu novo estímulo as pesquisas com IA. Simulando as redes neurais, novos programas e estruturas de hardware fundam novas modalidade de Inteligência Artificial mais próximas das capacidades humanas. Permanece todavia a noção de identidade funcional. Vamos agora detalhar dois aspectos da hibridação contemporânea: os limites entre a razão e a emoção, e a fronteira entre o Homem e os demais seres vivos.Razão e EmoçãoSão dois os principais autores nesse tema: A . Damásio (1995, O Erro de Descartes) e Goleman (A Inteligência Emocional). Nos concentraremos no primeiro.Alguns casos clínicos de patologias provocadas por lesões cerebrais, especialmente o de Phineas Gage, em 1848, o qual Damásio retomará, e o de seu próprio paciente, Elliot, demonstram que indivíduos com graves patologias na área da emoção, apesar de manterem inalteradas suas capacidades cognitivas de raciocínio, são incapazes de utilizá-las eficazmente, principalmente quando se trata de tomar decisões. Estes casos sugerem que o processo decisório das pessoas não se sustenta apenas no raciocínio e na análise lógica das opções numa dada situação. Na verdade, se considerarmos o modelo tradicional da lógica, cada decisão a tomar levaria um tempo muito maior de processamento de todas as opções e dados, além de requerer uma memória de trabalho muito maior do que a que possuímos. Para explicar estes dados, Damásio propõe que a emoção e o corpo desempenhem um papel muito mais importante na tomada de decisão do que normalmente se admite. O corpo é representado no cérebro por uma espécie de mapa que o autor chamou de "paisagem corporal". Com base em percepções anteriores, o organismo armazena não um traço mnemônico, mas os meios para sua reconstrução, que são as imagens, representações topograficamente organizadas. O pensamento seria a manipulação dessas imagens, e a paisagem corporal é uma imagem do corpo. A emoção seria uma alteração na paisagem corporal sob um fundo de mapas estáveis do corpo. Tais alterações são processadas e detectadas no sistema límbico, que por sua vez intervém no corpo e produz novas alterações. A percepção dessas mudanças são os sentimentos. Existem emoções primárias, decorrentes de disposições reguladoras inatas, e emoções secundárias, que são adquiridas no processo de socialização, sobre a base das primeiras.Para explicar o papel das emoções nos processos de decisão, o autor definiu os marcadores somáticos, tipos especiais de sentimentos que representam as relações entre uma opção X e seu resultado Y, de acordo com emoções adquiridas durante a socialização. Quando a opção X se apresenta novamente ao organismo são reativados os sentimentos relativos ao resultado Y, que funciona como um aviso automático. No entanto, este processo desencadeado pelos marcadores pode ser consciente ou não (embora seja difícil compreender como o sentimento, definido como percepção, possa ser inconsciente, ou então este tipo especial de sentimento não é exatamente uma percepção, ou possa estar apenas ao nível da emoção). Assim, ao processo lógico do raciocínio na análise de opções se juntam todos os marcadores somáticos que refletem a história e contexto do organismo, conforme as emoções deflagradas na situação de decisão denunciam. Sem estes sinais emocionais, como os casos clínicos demonstram, o indivíduo é incapaz de decidir de forma eficaz. Nesta concepção a subjetividade (ou a mente) não se constitui apenas de representações relativas ao meio e aos objetos, mas também das imagens do corpo no ato de perceber e responder a um objeto. Estas imagens que o organismo produz de si mesmo podem justificar o conceito de um self dinâmico e mutante, tal como é a paisagem corporal e o processo circular que são as emoções. A Cognição como processo vitalA referência principal neste tema é Varela e Maturana, que tentam explicar como é possível que os seres vivos apresentem a autonomia que apresentam. Os seres vivos não são estruturas que simplesmente respondem aos estímulos do meio, eles possuem metas que visam manter seu funcionamento como sistema. Esta busca de perseveração indica uma auto-referencialidade a que os autores chamaram de sistema autopoiético.

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Para explicar estes sistemas é necessário questionar a distinção entre organismo e meio, que seriam, na verdade, duas faces de um mesmo processo. O indivíduo cria um mundo de experiência, que por sua vez afeta o comportamento do indivíduo, gerando uma circularidade. Este mundo da experiência não seria um espelho da realidade objetiva, mas um processo vital para o qual o essencial é a eficácia operacional entre sensores e efetores que permita perpetuar o organismo. Não uma representação do mundo (o que pressupõe uma realidade externa independente), mas uma interpretação que faz emergir aspectos relevantes desse mundo, configurando-a de forma eficaz do ponto de vista vital (o que os autores chamam de enação). A cognição, portanto, não seria um privilégio dos seres humanos, ela está na base cosntitutiva de qualquer ser vivo. A particularidade humana está no fato de que o mundo que construímos está permeado pela linguagem, e é compartilhado com vários indivíduos através da possibilidade comunicativa que esse instrumento cria. Mas assim como o acoplamento com o meio não se dá na forma da representação, o acoplamento entre os organismos ( a comunicação) não é a transmissão de uma mensagem, mas está arraigado na eficácia operacional enquanto perpetuação desses organismos ao se vincularem uns aos outros. Nesse ponto natureza e cultura estão imbricados e a cognição não está nem de um lado nem do outro (é híbrida): ela se insere num contexto biológico, psicológico e cultural muito amplo. Esta concepção aponta para a importância dos fatores comuns e situacionais (o senso comum) na cognição. Ao contrário do que muitos trabalhos em IA tentam fazer, simplificando as situações cotidianas, para compreender o precesso de aquisição de conhecimento é preciso levar em conta estes fatores. Nesta linha há já outros trabalhos em IA:

"O contexto e o senso comum -- nossa história física e social -- deixam de ser, portanto, resíduos a serem progressivamente eliminados do campo do conhecimento, para se converterem na própria essência da cognição criadora, de modo que precisamos incorporá-la, abandonado a idéia (...) de que precisamos nos excluir do mundo para percebê-lo tal qual ele é (p. 146).

ConclusãoA tese de Pedro engloba uma vasta gama de trabalhos na área da cognição e os analisa a partir de uma matriz de diferenciação que lhe permite discriminar ou surpreender as estratégias de purificação como resíduos de modernidade e a busca ou o desejo do fenômeno híbrido como sintoma da contemporaneidade. Nítidamente privilegia os trabalhos de P.Lévy de Dennett como mais característicos dessa contemporaneidade nos estudos da cognição, sem no entanto se identificar com eles. A leitura do seu trabalho provoca uma espécie de vertigem no leitor pouco acostumado com estes temas. Sentimos que nossas fronteiras habituais se perdem, e vemos surgir um vínculo novo com o mundo, as coisas, os seres vivos e o cosmos, que nos coloca num único e mesmo barco, no qual conhecer só pode ser co-mover-se para se ver algo.

InícioNicholas HumphreyUma História da Mente, A evolução e a gênese da consciênciaEditora Campus, 1994.Síntese geral O objetivo de Humphey neste trabalho é criar uma teoria da consciência capaz de ultrapassar todas as dificuldade até então colocadas a este propósito. A principal delas é a alegação de irredutibilidade da vivência subjetiva aos mecanismos neurais. Assim, a experiência do vermelho não pode ser deduzida da frequência de onda da luz e da estimulação do sistema nervoso. Para Humphrey uma teoria completa da consciência não pode prescindir de uma base neural, e, ao mesmo tempo, não pode abandonar a qualidade da experiência subjetiva. O percurso do autor segue um argumento baseado na evolução biológica, desde os seres sem consciência até a emergência desse fenômeno. Parte de uma evidência, que é a própria experiência consciente dos humanos, e, considerando que os primeiros seres não possuiam esta capacidade, pergunta-se como foi possível chegar a esse ponto. Uma existência biológica primária, como uma ameba, já pressupõe uma unidade que se destaca do seu meio, e que é capaz de reagir a ele em função de suas variações e da sua própria sobrevivência. Assim, pequenas variações de luz podem ser relevantes para uma minhoca, e sua sobrevivência pode depender de sua capacidade de diferenciar o claro do escuro. A seleção teria privilegiado essa capacidade de discriminação, e, generalizando, tenderia a preservar os seres com sensibilidade ao meio, pois quanto mais sensíveis maiores seriam suas chances de se adaptar as variações significativas para eles. Tal sensibilidade ao meio, no entanto, pode ser dividida em dois aspectos. O primeiro deles informa ao organismo sobre o que acontece com ele em determinada circunstância, e o segundo lhe informa sobre o próprio meio. O primeiro aspecto me diz "o que está acontecendo comigo" e o segundo "o que está acontecendo lá fora". Para o autor

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estes dois aspectos da sensibilidade podem ser descritos como sensação e percepção respectivamente. Toda sua argumentação posterior depende da possibilidade de demonstrar que, de fato, sensação e percepção são fenômenos distintos. Vale lembrar que a doutrina instropecionista sempre defendeu este ponto de vista. Seu método consistia exatamente em técnicas de instrospecção capazes de separar o conteúdo aprendido da percepção das sensações elementares (cf. Kolher, Psicologia da Gestalt). A Psicologia da Gestalt demonstrou em inúmeros experimentos a artificialidade desta separação (cf, Koffka, Princípios de Psicologia da Gestalt). A proposta de Humphey retoma esta problemática.O autor alega que há fenômenos que se caracterizam pela presença da sensação e ausência da percepção, assim como há outros que demonstram a presença da percepção sem sensação, ou uma mesma percepção criada a partir de sensações distintas.Alguns experimentos têm demonstrado que a cor influencia o comportamento e as emoções de humanos e alguns animais. O vermelho tenderia a provocar excitação e comportamento agressivo, ao passo que o azul estimularia reações contrárias. Nestes casos não é a percepção que está em jogo, mas sim a sensação da cor, independente do objeto ao qual ela esteja vinculada. Num destes experimentos feitos com macacos, viu-se que os animais, podendo escolher entre dois aposentos, um com luz azul e outro com luz vermelha, preferiam o quarto com luz azul. Para determinar se esta reação se dava pela percepção ou pela sensação, Humphey criou o seguinte dispositivo experimental. Primeiro permitiu que os macacos pudessem escolher entre um slide com fundo branco e outro no qual passava um desenho animado, no que constatou que havia preferência pelo primeiro. Depois projetou o filme em vermelho e preto. Se a reação ao vermelho fosse fruto da percepção, ela deveria ocorrer também nesta situação. Se fosse fruto da sensação então a percepção do movimento poderia suplantar a reação. Ocorreu a segunda hipótese. Para confirmá-la, Humphey passou filmes repetitivos até que os animais perdessem o interesse neles. Nessa situação a sensação do vermelho voltou a ser relevante, e os animais preferiram o slide branco. Estes fatos podem ser bem explicados se o prazer/desprazer sensorial for independente do interesse perceptivo.Outro experimento curioso é o que investiga a percepção cutânea. Um aparelho permite que os estímulos luminosos sejam decodificados em termos de sensações táteis, de forma que cada ponto luminoso corresponda a uma área específica nas costas de uma pessoa. Nesta condições, uma pessoa cega é capaz de perceber objetos e até reconhecer pessoas, exatamente como se estivesse vendo, embora não tenha nenhuma sensação visual. Dessa forma, percepção visual e sensação visual seriam coisas distintas. Em alguns casos de lesão cerebral, o indivíduo perde a sensação cinestésica de partes do seu corpo. Nesse caso, ele é capaz de perceber os seu braço, digamos, sem ter a sensação interna dele. Quando isto ocorre o indivíduo é incapaz de reconhecer essa parte do corpo como sendo sua, devido a ausência de algo que lhe informe sobre o que "acontece comigo" vinculado aquele objeto que ele vê "lá fora", que é seu braço.Estes e outros fatos são trazidos pelo autor para defender sua tese de que sensação e percepção são fatores independentes, e para concluir que a consciência se define essencialmente como sensação, ou melhor, que ser consciente e ter sensações. Tais sensações, como vimos, estão vinculadas às emoções e a um senso de identidade, a configuração de um "eu", em oposição a um "não-eu" exterior. Para explicar este aspecto da indentidade associada às sensações o autor faz uma digressão sobre o sentimento de propriedade. Num sentido social, sei que algo me pertence porque posso fazer dele o que bem entender, tenho este direito de por e dispor de algo numa comunidade. No caso do corpo, sei que ele me pertence porque posso movê-lo conforme desejar. Em estudos com gêmeos siameses, verificou-se que as partes do corpo compartilhadas por dois cérebros são vividas como pertencente aquele que é capaz de movê-la. Assim a propriedade está associada a uma ação sobre algo. Nesse caso, como posso saber que uma sensação me pertence? Que ações estariam envolvidas com a sensaçãoQuando desejamos indicar a existência de alguma coisa para outra pessoa podemos apontar diretamente para o objeto, ou então indicar num mapa onde ele se encontra. Quando queremos indicar uma parte de nosso corpo, podemos simplesmente mexe-la para chamar a atenção do outro. Se no entanto, queremos indicar uma parte do nosso corpo para nós mesmos não precisamos sequer mexe-la: basta que eu diga a mim mesmo, esse meu dedo, o que está doendo, por exemplo. Perceba que, nesse caso, preciso indicar uma sensação para identificá-lo para mim. Com bases nestas analogias Humphey argumenta que a sensação contém um ato de indicar. Quando sinto é como se eu indicasse a mim mesmo onde algo está acontecendo comigo e que tipo de sensação é. Seria esta ação indicadora realizada pelo sistema nervoso que me permitiria reconhecer esta sensação como minha, tornando a consciência, consciência de um eu.Esta concepção é acompanhada de um modelo neurofisiologico e de uma evolução biológica. Inicialmente a sensibilidade de um organismo pode significar apenas uma reação local, como ocorre com os organismos unicelulares. Em seguida esta reação local passaria a ser mediada por um centro nervoso, que recebe um estímulo do meio exterior, o registra e emite um estímulo ao local afetado pelo meio, reagindo. Num terceiro momento, o centro

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nervoso não emite um estímulo ao local onde recebeu o input , mas faz uma alça consigo mesmo indicando o local num mapa do organismo. A importância desse último momento está no fato de que esta alça constitua um circuito fechado reverberador, ao estilo das primeiras concepções da Cibernética, e que perdura por um certo período de tempo. A reação que esse sistema cria, portanto, dura, e é essa duração que permite que a reação se torne algo existente, e não um instante fugaz. Tal reação com existência durável, que indica um local no organismo em função da ação do meio é a sensação e a consciência.Os desenhos acima ilustram o que acabou de ser descrito. O primeiro indica o caso de reação local. O segundo uma reação mediatizada pôr um centro. E o terceiro caso sugere uma reação que aponta para um mapa no centro, formando uma alça de reverberação.Com base nessa teoria Humphey também pode explicar a imaginação. Supõe ele que o que interliga percepção e sensação é uma espécie de sistema de verificação. Ao receber uma informação-estímulo do meio, o organismo produz uma sensação e uma percepção, ou seja, indica o que está acontecendo com ele, e o que está acontecendo com o meio. Para verificar se sua percepção está correta, ele compara as inferências perceptivas com os dados sensoriais. A percepção seria como uma elaboração a partir das sensações, e ao final das operações que a constituem haveria a necessidade de verificar se ainda correspondem aos dados de origem, a saber, as sensações. Dessa forma haveria uma ligação entre o sistema perceptivo e o sensorial, ou um centro onde se dariam estas operações comparativas. No caso da imaginação, ocorreria a geração de percepções sem os dados sensoriais de origem. No entanto, ainda assim, tais percepções utilizam os dados sensoriais como se também fossem verificar sua produção nessa ligação com tais dados. A imagem seria exatamente uma produção do sistema perceptivo sem os dados sensoriais, mas que utiliza traços sensoriais para se constituir, traços estes colhidos nessa atividade de verificação que vincula percepção e sensação. O que permite que nós identifiquemos uma imagem sem confundí-la com uma percepção é a ausência de sensações que se mantenham pôr si. A imagem exige que a mantenhamos viva todo o tempo e não tem a vividez da percepção com sensação. Ao adormecer, porém, estamos "livres" dos estímulos sensorias, e nesse caso as produções imaginativas não competem com eles, o que explicaria o realismo dos sonhos.No entanto, se voltarmos ao tema inicial desta resenha, veremos que algo essencial ficou pôr ser explicado. Como esse mecanismo neurofisiológico pode produzir a qualidade de nossa consciênciaão teria Humprey recaído no mesmo reducionismo que pretendia solucionar Primeiramente, para dar conta da variedade qualitativa da consciência, ou mais precisamente, das sensações será preciso explicar como a estimulação de um tecido homogêneo como o córtex cerebral pode gerar sensações tão distintas como as cores, os sons, o gosto, o tato etc. Quando a reação era localizada no órgão atingido pelo meio era possível explicar tais variações pela estrutura do próprio órgão, diferente em cada caso e para cada local estimulado. No entanto, quando a reação se centraliza, tornado a sensação um fenômeno cerebral, esta explicação não mais se sustenta. Humphey alega que há uma espécie de inércia biológica. Na evolução das espécies diversos órgãos e funções se mantém mesmo que já não sejam essenciais a sobrevivência do organismo, como chegaram a ser num determinado momento. Dessa forma, as diversas áreas do córtex correspondentes às antigas estruturas do olho, do ouvido, da pele etc., mantiveram as mesmas formas qualitativas originais, com as devidas alterações que longos anos de evolução não podem deixar de imprimir. Tais alterações mantiveram porém as diferenças essenciais entre os sentidos e as qualidades básicas das sensações.Quanto ao problema do reducionismo, Humphey argumenta que entre o seu modelo explicativo e a consciência há uma identidade necessária. Diz ele que a consciência não é "apenas" esse mecanismo simplesmente porque "não há nada no mundo que não pudesse, se assim o desejássemos, ser novamente descrito de um ponto de vista diverso" (p.237). O que importa é que a identidade entre o modelo e a própria vivência da consciência pode ser entendida como necessária, conforme o próprio autor a define:

"O resultado é que imaginar uma criatura, em qualquer lugar e qualquer tempo, fazendo o que fazemos quando abrigamos sentimentos de dor reverberantes - isto é, imaginar que essa criatura é autora da atividade sensorial e vive no presente ampliado da sensação - é imaginar (se tivermos êxito) que essa criatura é consciente de uma sensação de dor. O lado corporal da equação não deixa sem designação nada que é designado pelo lado consciente e vice-versa." (p.244)

ConclusãoNo meu modo de ver Humprey foi muito bem sucedido no seu propósito. Ele se utilizou igualmente de argumentos experimentais da psicologia, eventos neurológicos importantes, evolução biológica e diversas analogias do senso comum para compreender o fenômeno da consciência. Sua solução final sobre a identidade necessária me pareceu brilhante.

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No entanto, é claro que a sensação de reducionismo é inevitável. Os argumentos biológicos, pôr vezes, parecem fracos, principalmente o apelo à inércia para explicar a variedade modal das sensações. De qualquer forma seu trabalho trás uma nova visão da consciência e pode inspirar novas pesquisas. Nota-se ainda o que Pedro (1996) acentuou como operação de purificação. Humprey delineia o fenômeno da consciência aos seres vivos até uma certa escala. Exclui as máquinas, embora a lógica o levasse a admiti-lo. E o faz com um argumento surpreendente. As máquinas não possuem a história biológica que nós possuímos, de forma que se elas puderem ser conscientes não o serão jamais como nós o somos, com a qualidade da nossa consciência, que, como vimos, se constitui pela inércia biológica. A possível impressão de que podem desempenhar o que as mentes humanas também fazem se deveria ao fato de os computadores serem criados por mentes humanas, e não pôr uma capacidade intrínseca sua. È uma frase estranha para um momento onde a simulação não é "apenas" simulação, mas própria a essência da mente e do conhecimento. Observações

Para o autor parece que a história biológica nunca poderá ser imitada por um autômato artificia. O que seria nessa concepção o pensamentoParte da consciência ou algo fora delaAssim como

a percepção, o pensamento não seria essencial para um ser consciente (sinto, logo existo, e não penso, logo existo).

Nesta visão a consciência não seria algo intencional. Somente a percepção aponta objetos externos; as sensações constituem um eu, uma identidade.

Só haveria eu em seres conscientes, formado pelas sensações que fazem fronteira com o meio externo. Esse eu seria algo integrado, um todo configurado, ou múltiplas sensações poderiam formar diferentes experiências de identidade Esse eu, enfim, não teria qualquer comando sobre as operações mentais, seria um efeito dessa reverberação neuronal e não um sujeito. Ou a ação de indicar o faz já sujeito das sensações, embora não sujeito da mente

O autor pressupõe a existência de mapas sensoriais, onde se daria a indicação que é a sensação. Será que ele imagina um "centro perceptivo" e um "centro sensorial" como localizações anatômicas no cérebro No entanto, de acordo com Edelman (cf. Rosenfield, 1988) os mapas cerebrais existem, mas não são permantentes. E além disso, a visão conexionista sugere que os fenômenos cognitivos emergem de uma massa de neurônios conectados em rede, o que dificulta qualquer noção localizacionista.

Início Daniel Dennett La conciencia explicada, una teoría interdisciplinar Ed. Paidós Introdução. O livro de Dennett está dividido em três partes. Na primeira ele descreve os fenômenos que pretende explicar, de acordo com a vivência subjetiva (mas não resiste a explicá-los já neste momento como resultado de certas características dos órgãos receptores), e define um método para estudá-los. Na segunda, ele desenvolve sua teoria da consciência, chamada teoria da Versões Múltiplas. E na terceira parte ele retoma diversos problemas filosóficos e experimentos mentais propostos por filósofos para respondê-los com base na teoria por ele desenvolvida. A Metáfora. Na introdução do livro Dennett propõe um experimento mental, no qual um grupo de cientistas malvados retiram o cérebro de uma pessoa e tentam simular toda a realidade num laboratório. A dificuldade com a qual estes cientistas se deparam é que, mesmo supondo que fosse possível simular todos os estímulos ambientais excitando diretamente o cérebro, seria impossível prever que movimento corporais o sujeito decidiria fazer para prever como se configurariam estes estímulos na sua percepção. Num segundo experimento mental o autor dá a solução. Num jogo popular, uma pessoa sai da sala enquanto o grupo combina um código, onde cada pergunta feita deve ser respondida com sim ou não dependendo da última letra da última palavra, devendo-se respeitar apenas o não contradição das respostas. O perguntador deve descobrir um suposto sonho que um dos participantes do grupo teria contado. Na verdade o sonho não existe, e será criado pelo próprio perguntador com suas formulações, e a casualidade das respostas sim e não do grupo. A solução para os cientistas é então a seguinte: o próprio sujeito dos movimentos corporais deve ser o criador das percepções que acompanham seus movimentos. Assim, toda a dificuldade de "previsão" desaparece, desde que as alucinações sejam obra do próprio "perguntador", e as repostas não precisam ser mais complexas do que casuais sim e não, respeitando-se apenas algum princípio capaz de resolver contradições e conflitos. No final do livro é possível perceber a importância desses experimentos mentais. Eles antecipam sua teoria.

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O Método. Para estudar a consciência é possível adotar diversos pontos de vista. O primeiro deles seria o do próprio observador (primeira pessoa, eu), que equivale a introspecção. No entanto, as chances de que o observador interno esteja iludido é grande, e além disso ele não é um observador neutro. O outro extremo seria a negação total da própria experiência. O autor quer criar um método de observação neutra da consciência, sem cair no extremo da negação nem no subjetivismo da introspecção. Ele intitula seu método por heterofenomenologia, querendo dizer que é uma forma de estudar a fenomenologia da consciência de um ponto de vista externo (terceira pessoa). A fonte básica de informação seria o discurso do sujeito. A partir dele se pode reconstruir a experiência tal como é descrita por quem a vivência. No entanto, como observadores neutros, devemos nos furtar a fazer suposições apressadas sobre a realidade dessa vivência. Assim, o fato do sujeito dizer que vê cores de matizes diferentes, ter um fluxo de consciência initerrupto etc. será considerado como tal, mas não como necessariamente algo real. O método seria semelhante a uma análise literária. Através de uma obra literária é possível delinear traços de personalidade de um personagem, mostrar o mundo e o contexto social onde ele está inserido, verificar correlações históricas com as cidades ou locais onde a história se passa etc. Todo um mundo é configurado pela obra e no entanto não se pode dizer que sejam reais. A ficção possui um certo status que nos permitie descrevê-la, estudá-la, correlacioná-la com a realidade etc., sem no entanto deixar de ser ficção. Da mesma forma, o sujeito da consciência será tratado como um novelista, sendo que a realidade de sua ficção ficará suspensa (entre parênteses, para retomar uma expressão hursserliana).Uma outra comparação que poderia ser feita seria com os estudos antropológicos de crenças. Ao estudar, digamos, as crenças de uma tribo num Deus das selvas chamado Fenhomo, o antropólogo pode delimitar todas as suas características, seus poderes, como ele é cultuado, qual sua origem etc. E fará isso perguntado aos membros da tribo que possuem estas crenças. Não deve, porém, em nenhum momento, julgar se Fenhomo existe ou não existe. Pode até mesmo encontrar algo que existe, que não é exatamente como os membros da tribo acreditam que seja, mas que poderia explicar suas crenças. No entanto, nem por isso ele deve tentar convencê-los de que estão enganados. Da mesma forma pode ocorrer com a investigação da consciência.A Teoria das Versões Múltiplas. Para demonstrar sua visão, Dennett analisa um experimento feito com o fenômeno phi, o movimento aparente que deu origem à Psicologia da Gestalt no início do século. Mas desta vez o experimento foi realizado com uma variante: as luzes piscam em seqüência, mas num dado momento insere-se luz de uma cor diferente. O sujeito percebe o movimento aparente, como antes, mas vê um ponto luminoso que se move e muda a cor gradualmente, desde o inicio. A dificuldade é explicar como é possível que um evento físico possa interferir numa percepção anterior a ele. O autor demonstra com esse exemplo que existem dois tipos de explicações: as orwelianas e as estalinianas . A explicação orweliana dirá que o sujeito percebe primeiro o estímulo tal como ele é fisicamente, mas que depois esta primeira versão é abandonada e editada de forma diferente, surgindo uma segunda versão que é a percepção definitiva. Ou seja, primeiro os estímulos chegam a consciência, e depois são negados, revistos e esquecidos, dando origem a uma segunda versão. A explicação estaliniana dirá que os estímulos recebem uma versão diferente antes de atingirem a consciência, ou seja, são modificados na sua origem, e não há portanto uma percepção primeira e verdadeira: o sujeito já percebe em primeira mão a segunda versão. Nos dois casos, o que se pressupõe é que exista um processo em andamento e que, num determinado momento, que pode ser antes ou depois conforme a versão adotada, algo ocorre e o estímulo se torna consciente. Tudo se passa como se houvesse um lugar onde se dará a cena da consciência, uma espécie de palco em que se apresentará uma versão a uma suposta testemunha. Pode ser a versão original seguida de uma segunda, ou pode ser desde o início a versão adulterada. É justamente esta suposição de um teatro da consciência, que ele chama de Teatro Cartesiano, que autor quer questionar.Para Dennett, sempre que se recorre a essa idéia teatral da consciência na verdade não se está explicando nada. A explicação transcorre até o instante milagroso em que um impulso nervoso, em nada diferente dos demais, se torna consciente. Sua visão alternativa para o experimento em questão é a seguinte: não existe uma via nervosa simples entre o estímulo detectado e a sua percepção, e não é necessário postular nenhum momento específico ou local determinado onde um impulso nervos se torne consciente. Basta admitir que o cérebro produz muitas versões a partir de uma única situação estimuladora, e que algumas dessas versões são adotadas, enquanto outras são abandonadas. O critério para essa decisão pode ser tão simples como os "sim" e "não" do jogo do sonho que discutimos acima, respeitando alguns princípios para resolução de conflitos entre versões contraditórias. Mudando o momento em que se busca um conteúdo consciente é possível descobrir novas versões para o mesmo fenômeno. Através dessa seleção vai-se construindo uma narrativa (tal como no jogo), que é a que o sujeito emite finalmente. Assim, o tempo dessa narrativa não tem que ser igual ao tempo físico de recepção dos estímulos ou de condução dos impulsos nervosos. O importante, nessa explicação, é que ela não precisa recorrer ao Teatro Cartesiano para dar conta da narrativa do sujeito no experimento, e ela não pressupõe um momento mágico e especial onde algo se torna

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consciente. A consciência depende de como se faz a sua sondagem, ou seja, da formulação da pergunta, que é a própria narrativa que se constituirá.A Máquina Virtual. Dennett faz uma análise da evolução biológica da cosnciência. Desde a formação dos primeiros organismos vivos se pode supor que o ambiente tenha ganhado aspectos "bons" ou "maus" de acordo com a contribuição ou não para a sobrevivência desses organismos. No entanto, para explicar a consciência tal como ela existe hoje, é preciso explicar como a plasticidade do cérebro humano se tornou um aspecto relevante para sua sobrevivência. Se um indivíduo de uma espécie nasce com uma configuração genética vantajosa ele terá mais chances de sobreviver que os demais. As chances de que esta configuração se espalhe para os demais membros da espécie serão pequenas, a não ser que eles possam aprender a nova habilidade conquistada. Sendo assim, aqueles indivíduos que possuem uma configuração próxima a desejada terão uma aprendizagem mais rápida e se tornarão mais adaptados. Se não houvesse a aprendizagem tal proximidade teria uma valor nulo de sobrevivência. Assim, a plasticidade do sistema nervoso cria uma nova pressão evolutiva, pois selecionará aqueles indivíduos que nascem com uma configuração que lhe facilite o aprendizado de certas características. A plasticidade interage com o aspecto genético. A estes dois fatores evolutivos (o genético e o que diz respeito a aprendizagem, que interagem) se acrescenta um terceiro: o cultural. Pressupondo o aparecimento da linguagem num dado momento, a evolução cultural se torna possível através dos memas, um conceito extraído do zoólogo R.Dawkins, que o definiu assim:

"una unidad de transmisión cultural, o una unidad de imitación (...) Ejemplos de memas son: tonadas o sones, ideas, consignas, modas en cuanto a vestimenta, formas de frabricar vasijas o de construir arcos. Al igual que los genes se propagan en un acervo génico al saltar de un cuerpo a outro mediante los espermatozoides o los óvulos, así los memas se propagan en el acervo de memas al saltar de un cerebro a outro(...)(citado por Dennett, p. 214).

Os memas tem um poder replicador independente do fato de serem prejudiciais ou não à espécie humana. Dessa forma é que o racismo, por exemplo, pode ter um alto efeito reprodutor nos cérebros humanos, o que o torna de difícil extinção. Tal como os gens, os memas buscam sua perpetuação, e tendem a diminuir as forças que impedem sua reprodução, mas eles só podem existir em algum meio físico, tal como o cérebro humano, ou a linguagem, a escrita etc. Seu poder replicador independe da veracidade ou falsidade do seu conteúdo, de forma que uma teoria pode estar certa ou errada, sem que isso interfira na sua capacidade de se recriar em muitos cérebros. Um mesma pode fazer uso de nosso cérebro para existir, se reproduzir e passar a outros meios, mesmo que nós mesmos não estejamos de acordo com seu conteúdo. No entanto, isto só ocorre porque nosso cérebro já está povoado de outros memas que recebemos durante nossa formação. Os valores, o bem, a verdade, a beleza, enfim toda essa rede de memas que constitui nossa cultura nos foi passado através da educação (a família, a escola), e se alojou em nosso cérebro. Além disso, certas práticas de autoestimulação, tais como falar e ouvir a própria voz, desenhar e ver o desenho, que se tornaram aos poucos hábitos internalizados (falar consigo em silêncio, produzir imagens para si), também alteram e produzem memas em nosso cérebro. Para Dennett, esta inserção de memas numa massa de neurônios de extrema plasticidade equivaleria a uma espécie de programação. Na linguagem dos programadores de computador, um programa é uma espécie de máquina virtual que se acopla ao hardware, ou seja, o aspecto concreto da máquina. A criação dos memas na evolução da espécie humana, que está intimamente ligada a criação da linguagem, teria provocado a possibilidade de otimizar a plasticidade cerebral. Tal como no computador, a máquina virtual tem o objetivo de fazer uma interface entre os circuitos (leia-se neurônios) e o meio, selecionando os processo adequados a serem ativados de acordo com a situação. Tal máquina virtual teria, como uma de suas principais funções, criar uma seqüência dentro das múltiplas versões criadas, assim como uma máquina de von Newman (uma das primeiras concepções do computador moderno, que era seqüencial). Assim como hoje se tenta transformar a máquina seqüencial de von Newman numa máquina capaz de realizar tarefas paralelas, a máquina virtual da consciência tentaria resolver o problema inverso: seqüencializar uma poderosa máquina de múltiplas tarefas, que é o cérebro e sua plasticidade. Dessa forma, desde as primeiras etapas do desenvolvimento infantil um complexo de memas existentes na cultura (memosfera) se replica em nosso cérebro, e cria hábitos mentais, um conjunto de regularidades que funciona como um encadeamento seqüencial. Em seguida, através dos hábitos de autoestimulação se fazem ajustes eventuais nesse programa (kluges, na linguagem informática). Dennett resume sua tese:

"La conciencia humana es por sí misma un enorme complejo de memas (o, para ser exactos, de efectos de memas en el cerebro) cuyo funcionamiento debe ser equiparado al de una máquina virtual << von neumanniana>> implementada en la arquitetura paralela del cerebro, la cual no fue disenada para este tipo de actividades. La potencia de dicha máquina virtual se ve enormemente potenciada por los poderes subyacentes del hardware orgánico sobre el que corre; sin embargo, al mismo tiempo, muchas de sus características más curiosas y, especialmente, sus

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limitaciones, pueden explicarse como subporductos de los kluges que hacen posible esta curiosa pero efectiva reutilización de un órgano que ya existía com nuevos fines". (p.223).

Com base nesta concepção o autor examina diversos modelos de arquitetura cognitiva que poderiam servir a essa idéia. Os sistemas de produção, como o ACT de J. Anderson (1983) seria um deles. Haveria uma memória de trabalho, que se conecta ao mundo exterior e uma memória de produção, na qual circulam diversas operações que examinam o conteúdo da primeira. Estas operações estariam na forma SE-ENTÃO, de maneira que atendida uma condição (SE) na memória de trabalho, executa-se uma operação (ENTÃO). Diversas operações entram em ação simultaneamente, e uma série de critérios resolvem os conflitos criados. Estes sistemas porém, na visão do autor, ainda são por demais idealizados. Na mesma linha ele avalia a proposta de Edelman (1989) e o conexionismo (PDP, Parallel Distributed Processing), indicando suas limitações. Para ele, a maior dificuldade no momento em se criar modelos cognitivos adequados ao cérebro é a de conceber elementos que desempenhem mais de uma função específica. A ausência de um modelo claro e definitivo que simule sua visão não o impede de enunciar sua tese com todas as letras: "qualquer coisa que possua dicha máquina virtual como su sistema de control es consciente en todos los sentidos, y es conciente porque posee esa máquina virtual"(p. 294).A Consciência e o Eu. Uma vez definida a teoria das Versões Múltiplas e da máquina virtual, Dennett passa a analisar uma série de fenômenos da consciência para explicá-los sem recorrer ao Teatro Cartesiano. Sua conclusão final será de que em todos os casos os aspectos mais característicos da consciência tal como a narra o sujeito em primeira pessoa, são ilusões produzidas pela máquina virtual. A Plenitude. Um dos exemplos mais impressionantes diz respeito a vivência de um contínuo e de uma presença do mundo na consciência. Percebo meu mundo vivido como um todo contínuo, povoado de objetos, cores etc. No entanto, pode-se demonstrar que só há nitidez no centro do campo visual, enquanto nas perifierias não se pode discriminar nenhum detalhe. Uma carta de baralho colocada na periferia do campo visual, sem que o sujeito mova seus olhos, não pode ser distinguida de outras. Num experimento, coloca-se o sujeito com a cabeça fixa diante de um texto numa tela de computador. É possível ler o texto sem nenhum dificuldade. Porém, as palavras estão sendo constantemente alteradas por um mecanismo que detecta o movimento dos olhos e apaga a palavra que está prestes a ser lida, substituindo-a por outra. Assim, a continuidade do texto é uma ilusão provocada pelo permanente e ligeiro movimento dos olhos, sem que seja detectada as modificações que estão em andamento. Da mesma forma, a "presença" do mundo é ilusória; não passa de sucessivos flashs ultra rápidos submetidos a uma narrativa seqüencial do sujeito, que é em última instância uma ficção. Não há portanto propriamente falando uma fenomenologia, embora, apesar de tudo, pareça haver.A Qualidade. No que diz respeito às qualidades da consciência, tal como as cores, por exemplo, Dennett lembra que não há percepção da cor independente das reações emocionais do organismo que as percebe. Para demonstrá-lo ele nos propõe um experimento mental. Imagine-se que se faça uma operação num sujeito na qual os estímulos referentes a cada cor, originados na retina (que possui sensores diferentes para cores diferentes), sejam invertidos. Nesse caso, porém, as reações às cores não estariam ainda invertidas, de forma que se o vermelho provoca irritabilidade, agora seria o azul quem a provocaria. Completa-se a operação invertendo-se mais uma vez as vias, desta vez aquelas que levam a estas reações. Assim, o estímulo que seria visto como azul é agora visto como vermelho, e este provoca as mesmas reações que provocaria em outra pessoa. Esta modificação das reações às cores de fato ocorre, não como nessa operação, mas através de uma progressiva adaptação do sujeito às novas condições impostas, como foi demonstrado em diverso experimentos de inversão ou alteração da imagem retiniana. Continuando o experimento mental, imagine-se que uma pessoa rejeite a cor azul porque lhe lembra um grave acidente que sofreu. Após a intervenção cirúrgica sugerida e a plena adaptação das reações às novas condições o azul é visto como amarelo, provocando a mesma rejeição associada a lembrança do acidente. Mas não seria mais possível saber se isto se deve a que "tal como recordamos el accidente, el coche era amarillo -- exatamente del mismo color que esse objeto horrible que ahora está ante nosostros -- o se debe a que, tal como recordamos el accidente, el coche era azul -- exactamente del mismo color que esse objeto horrible que ahora está ante nosotros" (p.407). Com isso ele quer demonstrar que a qualidade da cor percebida não pode ser separada do conjunto das reações que o organismo tem a ela, e que se todas estas reações forem invertidas, então o narrador não terá nenhuma convicção para falar de uma qualidade que se manteria antes dessas reações. Não há esse momento anterior no qual os qualia aparecem na consciência para depois virem as reações a eles (que seria o próprio Teatro Cartesiano novamente). A qualidade percebida é um efeito de ficção narrativa dessas reações.Um experimento realizado invertendo, pelo uso de óculos, as imagens retinianas confirma essa explicação. Depois de algum tempo de prática os sujeitos eram capazes de se adaptar a esta nova condição (o mundo aparecendo todo invertido), de forma que eram capazes até de esquiar. Ao se perguntar a esses sujeitos se o que faziam era colocar o mundo de novo na posição correta ou se tinham se acostumado com a situação invertida, eles diziam que a pergunta era imprópria, tanto mais quanto mais adaptados estivessem. Ou seja, na medida em que as reações iam se alterando

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pela adaptação os sujeitos eram menos capazes de responder se viam as coisas como viam antes ou se viam diferente, mas se acostumavam. Não existe, portanto, uma única representação do mundo no cérebro (que se mantém ou se inverte), mas múltiplas maneiras que dependem das reações e dos hábitos. Há uma razão biológica para que seja assim: na evolução da espécie humana se criou um sistema de detecção de indícios importantes do meio, de forma que as cores só existem e são encantadoras para os observadores que dela precisaram alguma vez para sua sobrevivência.O Eu. A formação do ser vivo já contém um rudimento de identidade ao diferenciá--lo do meio. Muitas espécies aumentam estes limites biológicos construindo aparatos que facilitam suas trocas com o meio (são exemplos a teia da aranha, a casa do caracol), de forma que seu fenótipo se torna ampliado. Em alguns casos estes fenótipos ampliados incluem outros organismos. Assim como estas espécies, o Homo sapiens também constrói "teias" que constituem sua identidade para além de seus limites biológicos naturais. Só que nossa espécie utiliza a linguagem e tece teias de discursos, capazes de representar-nos e a nosso ambiente. O próprio ambiente não contém simplesmente "alimento y cobijo, enemigos con los que aparearnos, sino palabras, palabras, palabras" (p.428). Desse meio é que provém os memas que nos constituirão. A forma com que nos protegemos, nos defendemos e nos preservamos é narrando histórias, mas não existe um centro narrativo, e admitir este centro seria retornar ao Teatro Cartesiano. O discurso se produz em múltiplas versões, das quais algumas são selecionadas e outras não de acordo com o contexto onde são criadas. Não há um codificador central que cria uma mensagem e depois a traduz para uma linguagem, que então seria articulada pela fala (um modelo proposto por Levelt, Speaking, 1989). Conseqüentemente o eu não é a origem dessas narrações, mas o seu produto. A audiência do discurso é que atribui uma unidade às narrações e postula um "centro de gravedad narrativa" (p.429), tal como os físicos pressupõem o centro de gravidade de um objeto que facilita o cálculo das forças. A diferenciação que fazemos entre o "eu" e o "corpo" pode ser explicada considerando que a esfera das narrações não coincide com a esfera física. Uma demonstração dramática disto pode ser encontrada na análise dos casos de Transtorno de Personalidade Múltipla (TPM), que o autor investigou pessoalmente. Um mesmo corpo pode conter mais de um eu, cada qual com suas narrações, suas histórias e sua biografia. Diante de situações extremamente dolorosas os indivíduos criam um limite que os separa delas ("isto não acontece comigo"), produzindo distintas narrativas num mesmo corpo. A diferenciação entre uma situação onde não existe um eu e outra onde existe não pode ser, portanto, radical, deve haver um contínuo entre os dois extremos, que foi percorrido pela evolução biológica (da ausência de eu deveríamos admitir a existência de quase-eus, múltiplos eus etc.).O eu não é idêntico ao corpo, ele é um complexo de narrações que é tecido junto à comunidade. Assim, a morte do corpo, que está vinculado a este complexo, não nos leva a desprezar completamente o eu, pois tendemos a preservar nossas crenças como uma parte importante do nosso meio. Mas a teoria de Dennett, como ele mesmo admite, é, de certa forma, um ataque a crenças muita arraigadas. Ele se justifica dizendo que muitas dessas crenças que protegemos são extremamente prejudiciais. Conclui:

"Pensamos, por ejemplo, que es preciso dedicar recursos para conservar las imaginarias perspectivas de una posible vida mental renovada de las personas en estado de coma profundo, mentras no hay recusos para mejorar la situación desesperada, y muy real, de los más pobres Los mitos sobre la santidad de la vidai o de la consicencia, son un arma de doble filo. Puede que sean útiles para levantar barreras (contra la eutanasia, contra la pena de muerte, contra el aborto, contra el comer carne) a fin de impresionar a los que tienen imaginación, pero al precio de provocar una hipocresía ofensiva o un autoengano redículo entre los más ilustrados" (...). "Mi explicación de la consciencia dista mucho de ser copleta (...) La verdade es que todo lo que yo he hecho no es más que sustituir una familia de metáforas e imágenes por outra (...) Así que no es más que uns guerra de metáforas, me dirán ustedes, pero las metáforas no son <<solo>> metáforas; las metáforas son herramientas de pensamiento". (465-6).

Observações Só me surpreende a forma condescendente com que o materialista Dennett trata o conceito tão

vago de mema: uma unidade com capacidade de replicação, mas que se constitui de representações encarnadas num meio físico. O que as dotam dessa capacidade reprodutora, esta força, como se fossem algo vivo que busca a sobrevivência, e que não tem relação com seu conteúdo

Ao contrário de Humphey, Dennett não admite a realidade das sensações, nem muito menos sua relevância para a consciência. São exatamente os fenômenos do pensamento, da percepção e também das sensações que precisam ser explicados como conteúdos da consciência.

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Israel RosenfieldA Invenção da MemóriaNova Fronteira, 1988.Traços mnemônicos e localizacionismoO autor passa em revista diversos casos clínicos neurológicos descritos desde o século XIX por pesquisadores como Broca, Giraudeu e Déjerine, nos quais a suposição da existência de traços mnemônicos fidedignos restringiram a plena compreensão dos fatos observados. Muitos destes fatos sugeriam a existência desses traços, e que eles tivessem uma localização específica no cérebro. A outra visão do funcionamento cerebral contestava estes traços e as funções psíquicas como tendo localização cerebral (escola holística), e ficou enfraquecida por estes fatos. Com bases nesses casos foram criados modelos do cérebro, como os de Wernicke e Lichthein, em 1874, nos quais haveriam diversos centros, com localizações cerebrais, responsáveis pelo aspecto motor da fala, o aspecto auditivo, as ligações entre os centros et. Com esses modelo, a lesão em cada um dos centros explicaria os sintomas observados clinicamente.O autor, revisando tais casos e modelos demonstra como inúmeros detalhes relatados ficaram sem explicação, os quais poderiam ser analisados se os modelos levassem em conta o contexto das operações mentais em questão. Para o autor essa dificuldade se deve ao fato de que tais modelos não questionam a existência dos traços mnemônicos fixos. O eixo das críticas de Rosenfield está no tema do reconhecimento. A hipótese dos traços mnemônicos fidedignos explica tal fenômeno afirmando que só reconhecemos algo comparando com um traço anteriormente armazenado do mesmo objeto. No entanto, argumenta o autor, em momento algum um "objeto" (coisa ou pessoa) é dado à percepção da mesma maneira que o foi num instante anterior. Como então seriamos capazes de reconhecê-lo com bases num traço fixo da memória Inúmeros fatos atestam que nossa capacidade de reconhecimento é independente da identidade dos estímulos ou de sua localização cerebral, de forma que essa capacidade pressupõe uma categorização e generalização de casos particulares. Em décadas mais recentes (60 e 70), ao contrário do que se poderia esperar, estas suposições localizacionistas ainda estão presentes. Embora não se defenda exatamente a localização anatômica, ainda assim se concebem módulos funcionais separados e com princípios distintos para diferentes operações mentais, com etapas que se sucedem. Exemplo disso é o modelo de Marschall e Newcombe concebido em 1973, no qual os módulos de registro visual, processamento semântico, processamento fonológico e processamento articulatório se vinculam num fluxograma para explicar a leitura em voz alta realizada por uma pessoa. Ainda mais recentemente o mesmo problema e as mesmas suposições não questionadas estão presentes nos modelos de Inteligência Artificial feitos para simular o sistema visual humano. Um desses modelos foi idealizado por Marr, a partir de 1970. Marr teve o mérito de reconhecer a importância do fator biológico da adapatação no sistema visual, diferente para cada espécie. No seu modelo da visão humana, os estímulos visuais são processados até deduzirem um imagem tridimensional do objeto (pois seria esta a meta biológica mais relevante para nossa adaptação), sem recorrer a qualquer imagem pré-estabelecida (traço mnemônico fixo). Porém, o reconhecimento de uma forma percebida só pode ser feito a partir de uma memória permantente. Além disso o processamento é feito numa sequência de módulos pré-determinados.Outra tentativa foi o "processador de distribuição paralela" (PDP), que são redes de nós, os quais podem estar ativados ou desativados, capaz de simular o reconhecimento de letras e palavras. Ele opera em três etapas: o nível das características da letra; o nível das letras e o nível das palavras. Cada estímulo apresentado à máquina cria um padrão de nós ativado/desativado, e um etapa estimula a outra. No entanto, as palavras que o simulador reconhece precisam ser pré-programadas em sua memória. Conclui o autor:

"Ela [a máquina PDP] não é realmente capaz de categorizar novas informações. Em vez disso produz os ajustes mais adequados, com base em informações previamente armazenadas, e, portanto faz exatamente o que os localizacionistas do século XIX afirmavam ser a essência do reconhecimento" (p.164).

A teoria de EdelmanA prosopagnosia é uma deficiência neurológica onde o sujeito é capaz de reconhecer um rosto como tal, mas não saber de quem é o rosto. Aparentemente, nesses casos o sujeito reconhece categorias gerais e não objetos específicos, circunstanciais. Um caso de um engenheiro ferroviário que apresentou um lapso de memória de longos anos demonstra como seus esquecimentos eram na verdade uma desarticulação dos fatos. Na presença de colegas de trabalho ele era capaz de recordar algumas coisas. Os famosos flashsbacks relatados por Penfield eram fragmentos de memória ordenados de acordo com a situação contextual da estimulação do córtex dos sujeitos, e não traços fixos localizados em cada ponto estimulado. Estes fatos demonstram mais uma vez a importancia do contexto e das

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categorias para o reconhecimento e a lembrança, e questionam a idéia de traços mnemônicos localizados no cérebro. Edelman proporá uma teoria capaz de dar conta destes fatores.Em 1972, Edelman ganhará o prêmio Nobel ao demonstrar que o vírus invasor do organismo seleciona alguns anticorpos pré-existentes, contrariando a tese de que o anticorpo se amolda ao vírus. No sistema imunológico é o contexto (ambiente) que determina a configuração dos anticorpos.Na embriologia ele explicará porque organismos geneticamente idênticos podem desenvolver morfologia diferentes, descobrindo as moléculas de adesão celular (MAC). Existem diversos tipos de MAC's que funcionam como uma espécie de cola. A produção dessas molécula é determinada geneticamente, mas elas agiram sobre as células, aderindo-as, de acordo com a posição que elas ocupem num determinado momento do desenvolvimento do embrião. Dessa forma, cada grupo de células, dependendo da "cola" que receberam para se formar, criaram tecidos diferenciados. Esse mesmo raciocínio Edelman aplica aos neurônios.Diferentes MAC's criariam diferentes grupos neuronais, que seriam sensíveis a estímulos diferentes. Durante o desenvolvimento do embrião se formariam esses grupos e se fixaria o padrão das ligações neuronais. Após o nascimento a exposição aos estímulos do meio ativaria alguns grupos e outros não, de acordo com sua especificidade. Os grupos estimulados teriam suas ligações fortalecidas e se tornariam mais competitivos frente aos demais grupos, podendo até integrar novos neurônios. Dessa forma se formariam os mapas cerebrais, ou seja, grupos de neurônios que representam tipos específicos de estimulação ao corpo do organismo. Tais mapas, no entanto, não seriam fixos. Um exemplo pode esclarecer o processo. Num macaco alguns grupos neuronais são ativados pela estimulação do dorso do animal e da palma da mão. Porém, tais grupos respondem mais aos estímulos da palma do que do dorso, de forma que eles se tornam uma representação da palma. Mas se as ligações com a palma forem lesadas, a estimulação do dorso não terá com quem competir pelos grupos de neurônios, e se tornará a estimulação dominante desses grupos. Nesse caso, os mesmos grupos representam agora um outro mapa cerebral. Dessa forma é possível explicar as variações observados nos mapas cerebrais dos macacos, o que seria inexplicável se cada parte do cérebro correspondesse permanentemente a uma parte específica da estimulação do corpo. Os mapas e os grupos de neurônios se comunicam entre si através de nervos que percorrem ambas as direções (reentradas). Por isso alguns grupos podem assumir o papel de comparação ou integração das informações provenientes de outros grupos, abstraindo e categorizando tais informações. Veja-se o exemplo da coruja. Para localizar um animal que corre a coruja analisa as disparidades dos sons que chegam ao ouvido esquerdo e direito. Há grupos neuronais sensível aos sons de cada ouvido, e outros que agrupam as informações de cada um, categorizando a disparidade. Outros grupos são sensíveis aos estímulos visuais, mas há reentradas entre estes e os grupos auditivos. Dessa forma se integram as informações visuais e auditivas que por sua vez interagem com os grupos que mapeiam as ações motoras. Há portanto diversos níveis de abstração das informações primárias, que são as fornecidas pelos sentidos. A informação de que movimentos a coruja deve fazer para pegar sua preza se dá através de todo uma configuração de mapas neuronais, e não está localizada em nenhum mapa determinado. A cada momento as informações abstratas são retornadas, através das reentradas, às informações sensoriais. São pois os estímulos sensoriais que ordenam os mapas. Por essa razão quando dormimos os mapas são ativados desordenadamentes, o que explicaria os sonhos, ou as lembranças fragmentadas. Nesta visão o reconhecimento de um objeto e a recordação de uma lembrança dependem do contexto, pois é o contexto quem seleciona quais grupos neuronais serão ativados, e consequentemente que categorias estarão em ação. A recordação portanto não é fidedigna; ela varia de acordo com a situação onde se dá. O reconhecimento é possível porque um objeto novo apresentado aos sentidos ativa diveros grupos e produz categorizações e abstrações, fortalecendo os grupos ativados. Ao vê-lo novamente estas categorias e configurações são reativadas num novo contexto. Para confirmar sua teoria, Edelman e Reeke construíram um autômato que simula esse processo de percepção, o Darwin II. A teoria de Edelman é uma teoria da percepção, mas Rosenfield acredita que seja possível generalizá-la para outras funções mentais tais como a linguagem por exemplo.

InícioPierre Lévy,As Tecnologias da Inteligência,o futuro do pensamento na era da informática.Editora 34.Síntese GeralA obra de Lévy pode ser dividida em três partes. Na primeira delas ele define o conceito de Hipertexto. Na segundo ele analisa três situações de interação entre tecnologia e conhecimento que configuram contextos distintos, nos quais

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a comunicação oral, a escrita e o computador condicionam diferentes concepções do conhecimento, da memória e da inteligência. Na terceira parte ele delimita o campo da ecologia cognitiva.A relação entre o sentido da mensagem e o contexto não são unilaterais. Numa visão clássica, cada palavra recebe seu sentido de acordo com o contexto onde se insere. Num exemplo do próprio autor, a palavra "maçã" pode num contexto ser a "maçã de Newton" e num outro a maçã que tentou Adão a cometer o pecado original. Em cada caso, as associações evocadas são totalmente diferentes. Assim, nesse modo de ver, o contexto define o sentido da palavra. Mas é possível conceber uma relação diferente, pois cada palavra de certa forma evoca um contexto, associado-se a muitas outras palavras, criando toda uma rede de significados ao seu redor. A comunicação não seria então apenas a transmissão de uma mensagem ou informação, uma vez que a própria informação emitida produz um contexto, e consequentemente, um sentido. O hipertexto é exatamente esse universo de significação em rede que cada palavra coloca em ação quando é emitida. Mas o autor não quer limitar o conceito às palavras, e sim ampliá-lo a qualquer situação onde exista significação. Tais redes de significação ou hipertextos possuem certas características comuns. Primeiramente são mutáveis e instáveis. Segundo, as conexões são heterogêneas, podendo incluir sons, palavras, imagens, sensações etc. Terceira, ele tem uma organização fractal, ou seja, cada parte sua pode gerar uma nova rede. Quarto, suas transformações dependem de fatores externos a ele. Quinto, a proximidade condiciona os caminhos percorríveis na rede, e sexto, não há um centro específico, mas múltiplos centros possíveis.Lévy usará este conceito para compreender inúmeros fenômenos e os mais variados. A memória humana pode ser concebida como uma rede, que é excitada num ponto e gera toda uma gama de associações as mais diversas de palavras, imagens, odores etc. No computador inúmeros programas educativos, de pesquisa, de navegação etc. funcionam como hipertextos, onde cada ponto abre diversas opções para outros aspectos relacionados a ele. Mas o principal uso do conceito será na concepção da técnica como um hipertexto. Contando a história do computador, o autor demonstra como inúmeros fatores estiveram envolvidos nessa criação, e como pequenos detalhes fizeram modificar o rumo dos fatos. O computador aos poucos passou de um instrumento puramente manuseado por especialistas para se tornar algo de uso geral, o que implicava na criação de uma interface amigável com o usuário, que contornasse todos os conhecimentos especializados para operá-lo. Ao mesmo tempo o próprio computador age no sentido de alterar o contexto onde ele foi criado, gerando novas relações, disciplinas, formas de inteligência etc. O que autor quer demostrar é que a técnica não pode ser compreendida como algo isolado, mas sim como mais um elemento de uma enorme rede que ele batizou de "sociotécnica", e que teria as mesmas características de um hipertexto. Assim, o uso da técnica não pode ser separado de sua criação. Usar uma técnica é já colocar em jogo uma significação dela, é produzir um sentido, um contexto, tal como usar uma palavra, que é ela própria, aliás, uma forma de técnica. Diferentes instâncias, eventos, de modalidades diversas estão conectados contribuem para a configuração dessa rede, são, desde a criação de algo, formas de uso:

"Não há, portanto, a técnica de um lado e o uso de outro, mas um único hipertexto, uma imensa rede flutuante e complicada de usos, e a técnica consiste exatamente nisto (...) Abertamente ou não, a questão do bom ou mau uso se coloca de maneira singular a cada instante do processo técnico. Não em algum a posteriori do uso, mas desde o começo sem origem da cadeia dos artifícios, começo impossível de ser achado, semelhante à hipotética primeira palavra do hipertexto cultural, que já é sempre uma narrativa de uma narrativa, o comentário, o julgamento ou a interpretação de um texto precedente."

Em uma rede dessa natureza a "técnica", se é que se pode falar dela separadamente, interage com as atividades humanas de forma intrínseca. Exemplo disso seriam os groupware, nos quais um grupo de indivíduos conectados em uma rede de microcomputadores fazem discussões e registram seus argumentos sobre determinado tema. Cada aspecto do debate abre opções com comentários, críticas, idéias etc. formando um hipertexto que corresponde ao saber do grupo, e que pode ser acessado por todos. Os groupware alteram significativamente o conteúdo e a forma dos debates humanos. Outro aspecto importante dessa interação diz respeito ao conhecimento: as técnicas não são apenas instrumento do conhecimento (exemplo: microscópio, computador etc.), mas são fonte de metáforas para modelos de compreensão do mundo. O uso da cera e da escultura estariam na base das noções de conteúdo e forma; as noções de investimento e recalque em psicanálise estariam relacionadas as atividades comerciais e hidráulicas, e assim sucessivamente. As técnicas participam da inteligência de forma ativa.Essa tese da rede sociotécnica como hipertexto será plenamente desenvolvida na segunda parte da obra, onde ele ilustrará sua existência em diferentes momentos da história. Como vimos, esses momentos são basicamente três, o oral, o escrito e o informático, mas eles não se excluem, antes se superpõem alterando apenas a ênfase dada a cada um.

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O tempo da oralidade se caracteriza principalmente pela ausência de uma tecnologia capaz de reter as informações de forma objetiva, ou seja, qualquer forma de permanência passa pela memória humana. Considerando inicialmente os limites dessa memória pode-se correlacionar seus aspectos básicos com as formas de conhecimento desse pólo da oralidade. Assim, a memória humana é limitada sob dois aspectos. Primeiro ela só pode reter uma informação a curto prazo repetindo ou ensaiando essa informação diversas vezes. Segundo, a retenção de informação a longo prazo implica na transformação do dado e não na sua reprodução original. Por isso, nas sociedades onde esse pólo predomina só pode haver tradição e conhecimento através da narrativa, que se repete a cada geração, e do rito, que preserva um saber modificado. O tempo vivido é circular porque se repete, e ao mesmo tempo é uma deriva, pois não há um referencial fixo a partir do qual se vislumbre o passar do tempo.Com a ênfase no pólo da escrita toda esta configuração vai se alterar. Enquanto na oralidade os parceiros da comunicação compartilhavam hipertextos próximos, pois deveriam estar presentes um para o outro nesse ato, na escrita isto não é mais necessário. Agora o hipertexto do autor pode ser completamente diferente do leitor, de forma que a comunicação escrita passa a ter uma preocupação de universalidade e objetividade, e não mais de se adaptar a uma circunstância específica e um ouvinte singular. Por outro lado, o receptor precisa interpretar a mensagem, que não foi necessariamente emitida para ele, e além disso foi produzida em outro contexto. Há uma boa dose de objetivação do saber e da memória no texto, a tal ponto que se torna possível separar indivíduo e saber. Por isso a forma de conhecimento típica desse pólo será a teoria, a interpretação e a busca de uma verdade universal. O tempo da escrita é um tempo que deixa vestígios, ao contrário da deriva oral, o que lhe permite se instituir como acumulação e progresso.O terceiro pólo se centra nas tecnologias de digitalização da informação (pólo informático-mediático). Nesse caso chegamos ao auge da objetivação da memória, mas apesar disso não se radicaliza o distanciamento entre emissor e receptor, pois os atores da comunicação digital estão todos conectados em rede, e dividem cada vez mais um mesmo hipertexto. Consequentemente, a preocupação pela universalidade e objetividade tendem a declinar, e as mensagens não se produzem mais visando uma durabilidade. Quer dizer, a memória, apesar de objetivada, está também profundamente dinamizada. O tempo desse pólo é o tempo "real", ou pontual, onde o que conta é a imediatez, a novidade, a mudança. O que está em jogo é muito mais a eficácia de uma comunicação do que sua veracidade e universalidade. O conhecimento não prima mais pela teoria e a interpretação, mas sim a criação de modelos de previsão eficazes na manipulação do real, ou seja, a simulação do real.Lévy preocupa-se em demonstrar que um pólo não é melhor do que o outro, nem representa um avanço nem uma perda a passagem de uma ênfase a outra. As mudanças que surgem a partir de novas tecnologias devem ser entendidas como emergência de novas possibilidades até então ocultas, e enfraquecimento de outras até então dominantes. Além disso, não há para ele uma relação causal entre tecnologias e conhecimento, mas sim uma relação condicional: as primeiras condicionam o segundo, limitam suas possibilidades e lhe abrem outras, mas a história que a partir disto se faz é ainda assim indeterminada.Nessa história há inúmeros atores envolvidos, e é necessário explicitar como eles se articulam. Assim, na terceira parte do livro o autor se pergunta:

"(..) qual a relação entre o pensamento individual, as instituições sociais e as técnicas de comunicação Será mostrado que estes elementos heterogêneos articulam-se para formar coletividades pensantes homens-coisas, transgredindo as fronteiras tradicionais das espécies e reinos. Nesta terceira e última seção, esboçamos o programa da ecologia cognitiva que se propõe a estudar estas coletividades cosmopolitas." (p. 133)

A idéia da ecologia cognitiva pressupõe a possibilidade de uma coletividade pensante, não só de homens mas também de coisas. A primeira dificuldade é justamente conceber este pensamento coletivo. Para fundá-lo o autor relembra pesquisas sobre a cognição humana nas quais se demonstra a pluralidade da mente, a independência entre operações mentais e consciência, e finalmente sua vinculação com tecnologias externas a ela. Utiliza uma metáfora biológica emprestada de Dan Sperber, na qual as representações longe de pertencerem aos indivíduos, estariam distribuídas numa população, tal como os vírus em relação aos organismos. O meio de propagação seriam as mentes humanas e "as redes técnicas de armazenamento, transformação e transmissão das representações" (p.138). Haveria assim uma espécie de "seleção cultural", na qual este meio selecionaria uma forma de distribuição e de equilíbrio e enfraqueceria outras. Tenho a impressão de que a idéia de uma ecologia cognitiva se alimenta desta metáfora mais do que desejaria confessar, apesar de Lévy ressaltar suas limitações.Aquilo que poderia dotar o indivíduo de um privilégio enquanto entidade pensante é questionado pelo autor. Assim, o distanciamento sujeito-objeto, a unidade do indivíduo em oposição a pluralidade do social, a consciência e a razão, são colocadas em cheque para demonstrar que nada no indivíduo desautoriza conceber que um coletivo pense. Como já comentamos, o indivíduo e em particular seus processos cognitivos não são uma unidade ou um todo harmonioso, mas sim uma coletividade de neurônios em rede (modelo conexionista da cognição), ou módulos

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diversos e em conflito e que resultam no pensamento. A consciência não comanda as operações mentais, mas é profundamente limitadas, já tendo sido demonstrado diversas operações que ocorrem a sua revelia. E, finalmente, o indivíduo, por si mesmo, não é um ser racional. Alguns experimentos em psicologia cognitiva demonstram que, se deixado sem nenhum recurso tecnológico a mão, tal como a escrita, suas recordações e raciocínios estão longe de ocorrem de forma lógica. Como vimos, a teorização, e agora poderíamos dizer, a razão, não são concebíveis sem uma vinculação com tecnologias da inteligência que se acoplem a memória e aos outros processos cognitivos da mente humana. Dessa forma, as redes sociotécnicas, formadas por homens e coisas podem ser concebidas como entidades pensantes. O fato de não serem unificadas, de não possuírem uma consciência ou uma sede da razão, não são mais suficientes para contra-argumentar essa tese. Conclui assim o autor:

"O sujeito cognitivo só funciona através de uma infinidade de objetos simulados, associados, imbricados, reinterpretados, suportes de memória e pontos de apoio de combinações diversas, Mas estas coisas do mundo, sem as quais o sujeito não pensaria, são em si produto de sujeitos, de coletividades intersubjetivas que as saturaram de humanidade. E estas comunidades e sujeitos humanos, por sua vez carregam a marca dos elementos objetivos que misturam-se inextrincavelmente à sua vida, e assim por diante, ao longo de um processo em abismo no qual a subjetividade é envolvida pelos objetos e a objetividade pelos sujeitos." (p.174).

Em seguida, Lévy defini o que talvez seja o conceito central que lhe permite pensar esta rede sociotécnica : a interface. Originado na informática, ele sugere uma transcodificação de um fluxo de informação que passa entre meios heterogêneos. Generalizando para outros campos, num meio tão heterogênio como o das redes sociotécnicas, toda passagem, articulação, contato seria da ordem da interface. Não haveria na verdade nada que não fosse passagem, não haveria uma entidade ou ser que não pudesse ser considerado como um canal entre dois outros seres, que por sua vez também o seriam para outros, e assim ao infinito. Esta é a consistência ontológica das redes: um puro devir que dissolve as substâncias "as definições imutáveis e as pretensas determinações para devolver os seres e as coisas à fluidez do devir" (p. 184).Conclusão: cognição e política.Na conclusão do seu livro Lévy enfatiza a questão política. Ao longo do percurso realizado esta articulação com o tema político sempre esteve presente. Arrisco dizer que o maior mérito de sua análise reside justamente em não desvincular os temas da psicologia cognitiva, da informática, das tecnologias e das ciências dos conflitos e lutas políticas:

"Nesta conclusão, nosso propósito consiste antes de mais nada em designar as tecnologias intelectuais como um terreno político fundamental, como lugar e questão de conflitos, de interpretações divergentes (...). Em que medida certos projetos, certos atores singulares conseguirão desviar de seu destino espetacular a grande rede digital para qual convergem progressivamente a informática, as telecomunicações, a edição, a televisão, o cinema e a produção musical Ela irá escapar às visões imediatistas racionalizadoras e utilitárias Poderemos lançar-nos à procura de outras razões que não as do lucro, outras belezas que não as do espetáculo (...) Esta proposta é libertadora, já que, se por trás da dinâmica contemporânea das ciências e técnicas se esconderem não mais a razão e a eficácia (...), mas sim uma infinidade de razões e processos interpretativos divergentes, então não será mais possível, de direito, excluir a tecnociência da esfera política."(p.187).(...) A integração plena das escolhas técnicas no processo de decisão democrática seria um elemento chave da necessária mutação da política (...) a instituição contemporânea do social se faz tanto nos organismos científicos e nos departamentos de pesquisa e desenvolvimento das grandes empresas quanto no Parlamento ou na rua. (...)Não alimento nenhuma ilusão quanto a um pretenso domínio possível do progresso técnico, não se trata tanto de dominar ou de prever com exatidão, mas sim de assumir coletivamente um certo número de escolhas. De tornar-se responsável, todos juntos. O futuro indeterminado que é o nosso neste fim de século XX deve ser enfrentado de olhos abertos." (p.195-6).

Não é atoa portanto que se pode correlacionar a visão de autor com o projeto político de Deleuze e Guatarri. Ele mesmo os cita para reafirmar a idéia da molecularidade em oposição a molaridade. Sua análise da sociedade é evidentemente molecular, rompe as fronteiras definidas molarmente, tais como as que separam ciência e técnica do processo político. Ele intitula sua proposta de "Tecnodemocracia", querendo dizer que a técnica não pode ser excluída dos processos de decisão coletiva, uma vez que ela está mergulhada na existência de todos nós. Ele quer enfatizar também que não há determinações e previsões que a ciência possa fazer com base em seus métodos impessoais, uma vez que ela participa de uma rede de interfaces de inúmeros atores. Além disso, a Tecnodemocracia não exclui os outros seres vivos, sua abrangência é a própria Terra. As decisões mais triviais envolvem uma extensa

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gama de atores de todas as modalidades. Se somos nós que pensamos (e aqui está implícita toda a rede sociotécnica), então somos nós quem temos de nos responsabilizar e escolher.Observações

Levy não questiona a legitimidade das decisões coletivas democráticas, muitas vezes feitas através do voto. Que significado tem o voto numa rede de interfaces tão ampla Dupuy (1995) mostra como as sociedades são concebidas como quase-sujeitos, nos quais as interações dos diversos atores individuais dão origem a um nível de complexidade que os supera, assim como o indivíduo é um quase-sujeito diante das redes neuronais. Admitindo a hipótese do pensamento coletivo resta desenvolver a idéia de uma democracia, ou melhor, de uma forma de decisão coletiva legítima que leve em conta toda a complexidade desse quase-sujeito coletivo, e isso de uma forma concreta, propriamente política, e não acadêmica.

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