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A BATALHA DOS MÉTODOS Marlene Carvalho

ApresentaçãO Gestar Ii Palestra

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A BATALHA DOS MÉTODOS

Marlene Carvalho

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Numa rua de um subúrbio, uma menina, sentada à porta de casa, olhava um livro ilustrado. Perto dali havia uma escola normal e passavam muitas jovens que se preparavam para ser professoras.

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Uma delas parou com o livro nas mãos e disse:

-Que gracinha!-Me conta a história?-Não, primeiro você tem que

aprender a ler. Quer que eu te ensine? Olhando o título, a jovem apontou:

-A, o, e, u, i, o. Não, assim não. Melhor assim: a,e,i, o, u.

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A criança olhou desconsolada e pediu novamente para ouvir a história. A futura professora não desistiu.

-Veja, é fácil: a com i faz ai! Como você fala quando sente uma dor. E e com u faz eu! E apontava para o próprio peito, dizendo: eu, ai! Eu, ai!

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Um pouco assustada, a criança desviou o olhar e abriu o livro. A normalista aborreceu-se e foi para aula de Métodos e técnicas de alfabetização contar para a professora que tinha encontrado uma pobre criança que era um caso típico de falta de prontidão para a leitura.

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Logo depois passou outra jovem e perguntou:

-O que você está lendo?-Não sei ler. Me conta a história?-Vou ensinar você a ler. Como é seu nome?-Betinha.-Não, isso é seu apelido. Como é seu nome?A menina pensou um pouco e olhouDesolada para o livro:-Me conta a história?-Só se você me disser seu nome-Elisabete Maria de Oliveira.-Ah, bom. Então vamos ver.

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Puxando um caderninho da bolsa, a moça escreveu Elisabete e deu à criança.

-Aqui está o seu nome:ELISABETE. Vamos ver apontando com o dedinho. Apontando as nove letras, a menina leu: E-li-sa-be-te Ma-ri-a de O-li-vei-ra.

A jovem ficou embatucada e anotou a resposta para ir perguntar como interpretá-la à professora de psicogênese da língua escrita.

-Tchau, querida! Outro dia eu te ensino, ok?

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Não demorou muito, passou outra jovem simpática e a criança lhe pediu:

-Me conta a história! -Que gracinha! Eu conto se você me

responder umas perguntas. A criança olhou ressabiada. -Você já sabe as letras do alfabeto? -Não. -Você conhece as famílias silábicas? -Quê? -Deixa pra lá. Me diga uma palavra que

começa com pa. Por exemplo: pato, papai, palácio.

-Rei, princesa. -Quê?

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-Palácio, rei, princesa.A futura professora suspirou. Saiu

dali muito triste, achando que a menina era muito bonitinha, mas não tinha discriminação auditiva.

Daí a meia hora, passou um professor de gramática, cansado e meio calvo, andando devagar. A menina resolveu tentar a sorte.

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- Me conta a história? - Não é assim: fale de novo: conta-me

a história. -Hum? -Conta-me a história eu disse. -mas eu não sei ler. -Não, não é você que deve contá-la.

Aliás, minha pobre criança, você nem sabe falar.

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A menina fechou o livro com força e fez uma careta de nojo para o gramático. Ele respondeu:

-Atrevida! Analfabeta! Iletrada! Anômala! Anojosa! Anacoluto! E retirou-se, muito satisfeito de possuir um vasto vocabulário para qualificar a pirralha.

Passou um tempinho, veio pela calçada uma professora de sociolinguística, com seu gravador a tiracolo, e a menina resolveu tentar a sorte:

-Tia, me conta a história?

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Fala de novo meu bem, disse a professora e ligou o gravador. Estava fazendo uma pesquisa sobre dialetos das classes populares do subúrbio do Rio, de modo que não podia perder a chance de gravar a fala de uma criança.

-Que que é isso? - Um gravador. Vou gravar o que você

falar. Vamos conversar. Quantos anos você tem?

-Me conta a história? Depois eu conto. Converse um pouco

comigo.

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-Quero a história.-Você me conta uma história. Eu

gravo, depois passo tudo para o papel, pego a sua história e aí...

Mas a professora não pode concluir: a menina já estava longe, pulando num pé só, fora do alcance da pesquisadora.

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Na esquina, encontrou o vendedor de cocadas que fazia ponto perto da escola normal. Pouco movimento, tarde parada. O vendedor olhou para a menina com o livro e perguntou:

-Já leu esse livro?

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Não, lê pra mim? Disse a menina sem muita esperança de ser atendida.

-Hum, deixa eu ver. O rapaz abriu o livro. Foi lendo

devagar, como possível, pois tinha aprendido a ler mal e mal há muito tempo atrás.

-Era uma vez, uma menina chamada Chapeuzinho Vermelho. Um dia, a mãe dela cha-cha-mou-a e disse...

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A menina deu um suspiro de prazer e sentou no muro da escola para ouvir a história. Lá dentro, alguém dava aulas sobre métodos de alfabetização.