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Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás – IFITEG THERESIENSTADT E O VOO DA ÚLTIMA BORBOLETA Nelci Bilhalva Pereira Goiânia 2010

Artigo de concluso final

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Page 1: Artigo de concluso final

Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás – IFITEG

THERESIENSTADT E O VOO DA ÚLTIMA BORBOLETA

Nelci Bilhalva Pereira

Goiânia

2010

Page 2: Artigo de concluso final

Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás – IFITEG

THERESIENSTADT E O VOO DA ÚLTIMA BORBOLETA

Nelci Bilhalva Pereira

Orientador: Dr. Márcio Pizarro Noronha

Artigo apresentado como conclusão do Curso de Pós Graduação em Cinema e Educação

do Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás – IFITEG.

Goiânia

2010

Page 3: Artigo de concluso final

Dedico aos que foram vítimas de

injustiça e de intolerância, em especial

àqueles que foram imolados nos campos

de concentração e extermínio nazistas.

Page 4: Artigo de concluso final

AGRADECIMENTOS

Ao Orientador Prof. Dr. Márcio Pizarro, pelo incentivo e confiança.

Aos meus filhos que, com muito carinho e apoio, não mediram esforços para que eu

concluísse mais uma etapa de minha vida.

Page 5: Artigo de concluso final

“Nós, que sobrevivemos aos Campos, não somos

verdadeiras testemunhas. Esta é uma ideia incômoda

que passei aos poucos a aceitar, ao ler o que outros

sobreviventes escreveram – inclusive eu mesmo,

quando releio meus textos após alguns anos. Nós,

sobreviventes, somos uma minoria não só minúscula,

como também anômala. Somos aqueles que, por

prevaricação, habilidade ou sorte, jamais tocaram o

fundo. Os que tocaram, e que viram a face das

Górgonas, não voltaram, ou voltaram sem palavras.”

Primo Levi

Page 6: Artigo de concluso final

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

8

1.1 Contextualização do filme “A Última Borboleta”:

Da Guerra ao Tempo Recente

9

1.2 O Campo de Theresienstadt e o filme “A Última Borboleta”

11

2. Contextualização Histórica - O Antissemitismo e o Holocausto

15

3. O Testemunho e o filme “A Última Borboleta”

19

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

26

REFERÊNCIAS

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Page 7: Artigo de concluso final

RESUMO E ABSTRACT

RESUMO: O artigo busca no Antissemitismo Moderno, do Século XIX, as origens do

Nazismo de 1933 até 1945 e que contribuiu para o genocídio em massa de judeus, com a

criação dos campos de concentração e de extermínio. A base de análise para o tema foi o

filme “A Última Borboleta” de Karel Kachyna e demais testemunhos oculares.

PALAVRAS – CHAVES: antissemitismo, holocausto, Theresienstadt, “A Última

Borboleta”.

ABSTRACT: The article search on Modern Anti-Semitism of the nineteenth century, the

origins of Nazism from 1933 until 1945 and which contributed to the mass genocide of

Jews, with the creation of concentration camps and extermination camps. The basis of

analysis for the theme was the movie “The Last Butterfly” of Karel Kachyna

and other eyewitness.

KEY - WORDS: anti-Semitism, Holocaust, Theresienstadt, "The Last Butterfly”.

Page 8: Artigo de concluso final

8

THERESIENSTADT E O VOO DA ÚLTIMA BORBOLETA

Nelci Bilhalva Pereira*

1. INTRODUÇÃO

A arte está ligada, segundo Marcuse, a uma percepção de mundo voltada para a

emancipação da sensibilidade, da imaginação, e da razão em todas as áreas da subjetividade e

objetividade, pois o mundo da arte está centrado no princípio de uma realidade diferente. Uma

realidade que comunica verdades, que não são comunicáveis em nenhuma outra linguagem,

pois ela possui uma dinâmica revolucionária capaz de transformar a consciência daqueles que

modificam o mundo, incompatível com a coerção política e psíquica1. E, dentro das demais

formas de arte, a sétima arte ocupa um status relevante, em uma sociedade audiovisual como

a nossa, pois promove uma interação, seja entre os espectadores, ou entre os espectadores e o

filme contribuindo para a formação cultural e educacional das pessoas.

Ao apresentar as minhas escolhas, tanto pelo objeto de estudo, que é o Holocausto

como pelo Cinema, acredito como historiadora que não devemos ter somente a preocupação

com relatos históricos, e com a sua veracidade ou com as construções narrativas que

pretendem reconstituir um passado que existiu, mas de dar voz aos sujeitos históricos, aos

testemunhos, as provas, pois segundo Vidal-Naquet, este é o alimento do historiador, poder

velar e montar guarda. E este alimento do historiador, não deve ficar fechado em si mesmo,

deve extrapolar para a nossa prática pedagógica e política, a partir do momento que podemos

compartilhar e denunciar a outros atores sociais, sobre o conhecimento histórico e “não

esquecer de lembrar” momentos tão bárbaros e cruéis, como foi o genocídio dos judeus

durante a dominação nazista. E o cinema acaba interagindo e contribuindo na produção destes

saberes, devido a sua natureza eminentemente pedagógica e através da sua reprodutibilidade

técnica possibilitando que o conhecimento atinja uma imensa gama de pessoas.

Além disso, uma das funções dos filmes, segundo Fredric Jameson (1995), é a

_______________________ *Graduada em História pela Universidade Católica de Goiás – UCG, especialista em História Cultural pela

Universidade Católica de Goiás – UCG e em História do Brasil: Local, Regional e Nacional pela Universidade

Federal de Goiás – UFG.

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fascinação irracional, é o arrebatamento que nos convida a contemplar o mundo como se fosse

um corpo nu, e a única maneira de pensar o visual é compreender a sua emergência histórica.

E os filmes são uma experiência física e como tal devem ser lembrados, armazenados em

sinapses corpóreas que escapam à mente racional. E é acreditando nesta função do filme e na

emergência histórica, no seu sentido literal, que optei pela escolha do filme “A Última

Borboleta” para este artigo.

Esta escolha ocorreu por motivos diversos: primeiramente pelo seu teor histórico, que

é o Holocausto, pois me alio a muitos que consideram o genocídio dos judeus, umas das

maiores catástrofes de toda a história da humanidade e, por isso sempre foi meu objeto de

estudo de interesse, buscando mais conhecimento e compreensão, sem nenhuma justificativa

plausível para esta barbárie. Em segundo, pois é a arte, no caso especial, a mímica (arte de

expressar os pensamentos e os sentimentos através de gestos) denunciando o que ocorreu

durante a dominação nazista. E também pela estética do filme, pois apesar do filme ter um

caráter de denúncia, este não escancara de uma forma agressiva e explícita este período tão

cruel. E, me reportando a Jameson, ele está armazenado nas minhas sinapses corpóreas, pois

apesar de tê-lo assistido há tempos, ficou gravado na minha memória como um dos mais belos

e emocionantes filmes que assisti.

1.1 Contextualização do filme “A Última Borboleta”: Da Guerra ao Tempo Recente

O século XX é visto por muitos pensadores como sendo o século mais violento e

terrível da história humana, um século de massacres e guerras, em que se destruíram todas as

ilusões e os ideais2, pois foi cenário de duas grandes guerras mundiais, onde padeceram

milhões de pessoas. E, após Hiroshima e Nagasáki, a humanidade passou a viver sob o temor

da energia atômica, apesar de todos os esforços das grandes potências e do Tratado de Não

Proliferação das Armas Nucleares, em diminuir os seus riscos. No entanto, o séc. XX foi o

cenário, até então, único na história da Humanidade, que foi o Holocausto, o genocídio em

massa de judeus nos campos de concentração e de extermínio da Alemanha Nazista. Adorno,

em seu artigo “Educação pós Auschwitz” se manifesta que “para a educação, a exigência que

Auschwitz não se repita é primordial”, pois “milhões de homens inocentes – especificar e

regatear os números, é indigno do homem - foram sistematicamente assassinados”, pelo

simples fato de serem judeus3.

Page 10: Artigo de concluso final

10

Todos estes crimes contra a humanidade deixaram o mundo estarrecido, logo após o

término da Segunda Guerra Mundial e dividido através da Guerra Fria, sendo que a maioria

dos países do Leste Europeu ficou sob a área de influência do socialismo soviético. E, sob

esta área de influência ficou a Tchecoslováquia4, pátria do diretor Karel Kachyna, diretor da

película “A última Borboleta”. A trajetória deste cineasta está intimamente ligada a história

de seu país. Em 1938, os alemães anexaram à região de Sudetos (região montanhosa da

Tchecoslováquia) onde habitavam minorias alemãs e, em 1939 o restante do país. Kachyna,

como muitos adolescentes durante a ocupação nazista da Tchecoslováquia foi forçado a

trabalhar em uma fábrica alemã.

O país foi liberto pelos soviéticos no término do conflito, tornando-se sua área de

influência, consolidada plenamente após o Movimento da Primavera de Praga, em 1968.

Segundo Demétrio Magnoli5, no início da década de 1980, as reformas políticas (Glasnost) e

econômicas (Perestroika) de Mikhail Gorbatchev, minaram as bases do Império Vermelho,

enfraquecendo os seus fundamentos: Estado-Partido e, assim contribuindo para que toda a

‘cortina de ferro’ ficasse abalada, culminando com a queda do Muro de Berlim no dia 9 de

novembro de 1989 e novos ares de liberdade e de democracia espalharam-se por todo o Leste

Europeu.

E a Tchecoslováquia foi imediatamente atingida com toda a euforia democrática que

revisitava a Europa, euforia até então somente vista com o término do segundo conflito

mundial. A “Revolução de Veludo”, assim denominada por ter promovido mudanças sem

violências, derrubou o velho regime nos finais de 1989. E, em julho de 1991,o dissidente,

escritor e teatrólogo Václav Havel foi eleito presidente, dando andamento as reformas

econômicas e políticas, em especial com a liberdade de expressão.

Parte da filmografia de Karel Kachyna6 foi liberada após a “Revolução de Veludo”,

pois esta apresentava um mundo em que os ideais socialistas de ‘povo’, os partidários e os

comunistas eram desafiados e os seus adversários retratados como seres humanos e, assim

ultrapassou os limites de restrições impostos pelo governo, chegando até mesmo a ser vigiado

pela KGB, após Primavera de Praga de 1968. “A Última Borboleta”, lançado em 1991, teve

uma produção compartilhada entre a França, Inglaterra e Tchecoslováquia, reflexo do clima

existente na Europa, que era a necessidade de integração entre as nações do Ocidente e do

Leste Europeu.

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Esta integração ficou visível na composição de várias nacionalidades dos atores da

película. Em sua maioria, o elenco foi composto de atores tchecoslovacos, principalmente o

núcleo das crianças. O ator Tom Courtenay (ganhador do Oscar, como ator coadjuvante, em

1965, no Filme: Dr. Jivago), que viveu o mímico Antoine Moreau, de nacionalidade britânica,

a Brigitte Fossey, que representou a Vera, a guardiã das crianças, francesa, Freddie Jones,

inglês, que deu vigor ao personagem, Karl Rheinberg, responsável pela orquestra de

Therensienstadt e Josef Kerm, tchecoslovaco, um dos músicos do Bar.

Este elenco pluriétnico e geopoliticamente distribuído, realmente só foi possível pelo

clima favorável de integração e liberdade pós-acontecimentos de 1989, pois no período da

“Cortina de Ferro”, tanto na URSS e em toda a sua área de influência, como no caso do

cinema tcheco, toda a produção cinematográfica não era privada, mas totalmente estatizada,

onde os artistas, diretores e técnicos eram funcionários do Estado. O Estado regulava a

produção (investimentos, quantidade de filmes), determinando ou autorizando os temas a

serem tratados como na distribuição.

Como o cinema era estatizado, o Estado não estava preocupado com os lucros

propriamente dito, mas somente com o ressarcimento do investimento e a possibilidade de

ampliação da produção, porque não havia uma relação de mercado, o prosseguimento da

produção não dependia diretamente da acolhida que o público dava aos filmes. A divulgação

da ideologia oficial do Estado era primordial, portanto não estava intrínseco ao gosto do

espectador.

No entanto, o cinema nacionalizado não conseguiu isentar “as tensões entre os setores

de produção e os organismos estatais, que diretores tentaram driblar as limitações do sistema,

e este sistema pode até, em determinados momentos, produzir filmes com que grande parte do

público se identificasse”7. Estas tensões estiveram presentes, como já citado na produção

cinematográfica de Karel Kachyna.

1.2 O Campo de Theresienstadt e o filme “A Última Borboleta”

Segundo Karel, “a película nunca será uma obra de arte se não espelha a verdade,

contudo, algo que pode lutar de outras maneiras para expressar o pensamento mais sublime”8.

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12

E é dentro visão que o filme “A Última Borboleta” se produz. Adaptado do primeiro romance

“Les enfants de Terezin” de Michael Jacot, publicado em 1974.

A história acontece em 1944, na Europa ocupada pelos alemães nazistas, sobre um

artista mímico francês, Antoine Moreau. Ele era um ator que mesmo em uma época de

sombras, como foi o período da II Guerra Mundial (1939-1945), conseguia provocar risos e

amor, através de sua arte. Vigiado pela Gestapo (polícia política alemã), devido as suas

apresentações satíricas sobre Hitler e pelo envolvimento de sua namorada Michelle com a

Resistência Francesa. Antoine foi arrancado da Paris idílica, apesar de ocupada e forçada a ir

para a “Cidade dos Judeus” a fim de fazer um show para as crianças e para os observadores da

Cruz Vermelha, que iriam fazer uma visita à ‘Cidade Modelo dos Judeus’, devido às inúmeras

denúncias de maus-tratos e extermínio dos judeus pelos nazistas.

De acordo com os alemães, Hitler doou generosamente uma cidade aos judeus, uma

cidade de intensa expressão e manifestação cultural, pois havia uma grande concentração de

artistas como: músicos, cantores, dançarinos, atores de teatro como também uma cidade das

crianças. O filme mistura ficção e “realidade”, pois a “cidade modelo dos judeus” localizava-

se na cidade de Terezin (pelos alemães, denominada de Theresienstadt), na Tchecoslováquia

(hoje, na República Tcheca).

Segundo Ecléa Bosi, que faz um relato apaixonado sobre Terezin, após a sua visita,

em 1999, a uma exposição ao Centro de História da Resistência e da Deportação de Lyon

dedicado ao campo de Therezin (assim chamado pelos que nele viveram). Terezin era um

município tcheco com 3.498 habitantes que foram evacuados por Heydrich para a implantação

do Gueto. Era um campo – gueto, que existiu durante três anos e meio, entre 24 de novembro

de 1941 e 9 de maio de 1945.

Durante sua existência, serviu a determinados propósitos, como: campos de trânsito

dos judeus tchecos para os centros de extermínio, campos de concentração e trabalhos

forçados em campos alemães na Polônia ocupada, na Bielo Rússia e nos países bálticos.

Também servia como um campo de trabalho para os judeus idosos deportados da Alemanha,

Áustria e da Tchecoslováquia, que haviam prestado serviço militar no passado ou teriam sido

uma celebridade nacional nas artes ou em outras formas da vida cultural. No entanto, Terezin

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13

não era nem um gueto, nem um campo de concentração, pois tinha características

identificáveis de ambos, mas na realidade seria como uma “solução”, ou melhor, um “campo

de montagem”, pois serviu com uma importante função, que era de propaganda.

O campo de Theresienstadt serviu para ocultar a deportação dos judeus da Alemanha,

que seriam declarados publicamente, reinstalados à Leste, onde executariam trabalhos

forçados. Como seria improvável que judeus idosos poderiam ser utilizados em trabalhos

forçados, Theresienstadt ocultou a natureza das deportações, pois era mostrada como uma

“cidade SPA”, onde os judeus alemães idosos poderiam “aposentar-se” em segurança.

Podemos perceber o espanto de Ecléa Bosi, ao afirmar que após inúmeros

depoimentos sobre sobreviventes do Gueto de Varsóvia e dos Campos de Concentração,

“nada vira de semelhante à propaganda de Terezin, ao artifício que divergia em tal grau de

realidade”9 . A cidade abrigava velhos do Reich, cientistas reconhecidos, artistas famosos,

judeus mutilados durante a guerra de 14 e condecorados pelo exército alemão. Enfim,

personalidades cujo desaparecimento inquietaria o mundo civilizado. No entanto, esta cidade

maquiada defrontou-se com cifras assustadoras, pois desde 1941, começam a chegar

comboios repletos de deportados. E com o tempo, de acordo com BOSI (2003) foram

“encerradas no campo 139.654 pessoas. Dessas 33.430 vão morrer ali, 89.934 são deportadas

para o Leste onde 83500 pereceram”. Com o tempo a superpopulação engendrou penúria e

doenças em grau extremo. A ração quotidiana média era insuficiente, se bem que os

trabalhadores braçais e as crianças recebiam porções suplementares. Aos velhos eram dadas

quantidades menores e eles rondam as latas de lixo em busca de comida.

A cidade de Eichmann - responsável pela “solução final”- recebeu a visita de inspeção

dos membros da Cruz Vermelha Internacional para avaliar as condições dos prisioneiros em

23 de junho de 1944. “Naquele dia, os membros da Cruz Vermelha ouviram um magnífico

Requiem de Verdi cantado pelo Coral de Theresienstadt. Os teatros representaram duas peças

de Shakespeare. Nos programas de ópera, a ‘Carmem’, a ‘Tosca’, a ‘Flauta Mágica’ e uma

ópera para crianças composta por um autor do Gueto”10. “As diversas orquestras, os conjuntos

de Jazz e de música de Câmara impressionaram bem os visitantes. Os esportes eram muito

praticados, sobretudo o voleibol e o futebol (...) ”11. E nesse dia, os visitantes tiraram fotos e

ganharam um álbum de aquarelas pitorescas sobre esta “cidade normal” de província.

Page 14: Artigo de concluso final

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E através de um depoimento do médico da Cruz Vermelha, este “não observava

nenhum ríctus nos rostos, não encontrava no seu bolso sequer um bilhetinho enfiado às

pressas, os internos nada fizeram que despertasse suspeita.” No entanto, esta cidade doada aos

judeus pelos nazistas, criada para a propaganda foi “aparelho de extermínio fosse ela habitada

por artistas, ou sábios ou rabinos, ou velhos soldados ou crianças”12. E, em torno de quinze

mil crianças passaram por Terezin e, aproximadamente, noventa por cento destas crianças

pereceram em campos de extermínio13.

O filme “A Última Borboleta” descortina esta maquiagem, pois aos poucos o mímico

Antoine Moreau deparou-se com a realidade macabra deste “SPA paradisíaco”. Quando na

sua chegada e a apresentação a cidade, por um oficial alemão, este faz um comentário sobre

os judeus do campo: “_ Suínos! Minha família está sob ataque em Berlim, mas nenhuma

bomba caiu aqui... como pode atuar para porcos?”. Antoine, aos poucos, vai percebendo como

as pessoas tinham a noção clara sobre a sua situação e os seus destinos, devido as suas falas,

“_as coisas não desaparecem aqui, somente as pessoas”, “_ aqui cada dia é precioso.” “_ Olhe

para mim, odeio piolho, odeio sujeira; mas coço e tenho mau cheiro. Então eu sonho e sonho

em tocar Dvorák”.

Quando o artista começou a organizar a apresentação à Cruz Vermelha, na escolha das

crianças tem de estar consciente que deve elaborar uma lista excedente, “talvez uma lista de

cem nomes, mas não se importe se não puderem comparecer. Serão deportadas hoje ou

amanhã para o Leste, ou depois de amanhã...”, porém “há um grupo de reserva, pois o show

deve continuar”. Os nomes da lista, de certa forma, estavam temporariamente poupados dos

trens de gados que os levariam para os campos de extermínio e as câmaras de gás14.

Sobre os horrores da guerra e o extermínio de judeus determinados pelos nazistas e a

apatia e indiferença das pessoas, questionamentos vieram à tona, ‘_Quantas pessoas há em

Paris? Quantas pessoas há na Europa? Como todas elas podem deixar que este pesadelo

aconteça?’ E apesar das inúmeras derrotas que os alemães já vinham sofrendo, as pessoas do

Gueto tinham a consciência do significado de Theresienstadt, tanto para a Alemanha Nazista

como para Eichmann, quando Karl Rheinberg justificou esta importância,_Eichmann15 diz

que esta cidade é o maior front agora, o maior front. E ele normalmente sabe o que diz.

Page 15: Artigo de concluso final

15

2. Contextualização Histórica - O Antissemitismo e o Holocausto

Os judeus, ao longo de sua história, sempre foram acusados de terem um apego

extremado pela sua religião e as suas tradições e, por isso foram perseguidos e,

posteriormente quase totalmente eliminados nos campos de concentração e de extermínio

nazistas, durante o período da II Guerra Mundial. No século XIX, o antissemitismo vai

revestir-se de uma nova roupagem, pois vai ser apoiado de várias teorias racistas e usado

como um instrumento de poder por partidos políticos e por Estados Nacionais. As

superstições religiosas que floresceram no período da Idade Média, vão persistir numa era de

ideias modernas, progressos científicos e de movimentos de libertação nacional. “Pois a

insistência dos judeus em suas observâncias religiosas singulares nunca deixou de provocar

receio e desconfiança entre os cristãos, que ainda se achavam inclinados a encarar os judeus

como negadores da verdadeira fé.”16 Ao mesmo tempo, que se concedia aos judeus a tão

sonhada oportunidade de se tornarem cidadãos e poderem participar integralmente na vida

social e econômica, ao seu redor, de se assimilar na sociedade não judaica.

Além disso, a emergência dos movimentos nacionalistas ganhando força e atração

contribuiu para que os judeus fossem cada vez mais destacados “como um povo internacional,

identificado e agrupado por uma religião, uma língua e um conjunto de escritos”17, mas ao

mesmo tempo em que professavam lealdade ao país em que se achavam domiciliados e que

não mediam esforços para se assimilarem, ansiavam por um lar próprio, devido a estas

contradições. E esta era a imagem dos nacionalistas, que nenhum judeu poderia ser fiel ao

país que vivia. O surgimento do movimento sionista, que expressava o sentimento dos judeus

de terem sua própria pátria, também se fez presente, principalmente na voz de Theodor Herzl,

porém estas questões por ora não serão levantadas.

O importante a ser enfatizado é que o moderno antissemitismo que se desenvolveu na

Europa e, particularmente na Alemanha veio da teoria do racismo, exposta de forma

pseudocientífica por historiadores e antropólogos “de que os seres humanos pertencem a

diferentes grupos raciais, cada grupo possuindo uma aparência particular e uma fonte

linguística comum. O racismo alemão nasceu do mito “ariano”, segundo o qual as línguas

romanas, germânicas e eslavas podiam ser reduzidas a uma fonte ariana comum; o passo

seguinte foi atribuir à raça ariana um tipo físico único, o do nórdico louro, de olhos azuis18. E,

Page 16: Artigo de concluso final

16

por isso, os alemães, devido a sua pureza racial tinham o direito de reivindicar uma inerente

superioridade sobre os judeus, que tinham uma estatura baixa, cabelos negros e olhos escuros.

Muitos contribuíram para a divulgação destas ideias racistas como o Conde Joseph Gobineau,

um diplomata francês, que deduziu que “toda a civilização começou com a raça ariana, cujos

representantes eram encontrados somente na Europa Central”, “podemos explicar a

decadência do povo alemão pelo fato de estar agora exposto sem defesa à penetração do

judeu”, segundo o eminente compositor Richard Wagner.19

Segundo Abba Eban (1973), a obra-prima do racismo alemão foi escrita por um inglês

renegado, Houston Stewart Chamberlain sob o título “Os Fundamentos do Século XIX”,

traçou uma impressionante documentação sobre a raça ariana, onde até Jesus foi por ele

transformado num ariano, e os judeus eram considerados uma raça sem valor, cuja missão era

contaminar a corrente racial alemã e “produzir um bando de mestiços pseudo-hebreus, um

povo sem a menor dúvida degenerado física, mental e moralmente.” E, na França, Edouard-

Adolphe Drumont, um antissemita fervoroso, “revelou” uma conspiração internacional por

parte dos judeus e maçons para destruir a cristandade e obter o controle do mundo, revelação

sob a égide de Deus, e manifestou-se favorável em qualquer ocasião a perseguição aos judeus

e de acordo com as palavras de um de seus próprios discípulos: “Aquilo que Drumont

proclamou, Hitler realizou”. E, deixaram os judeus da Europa, perplexos, pois “tais opiniões,

de início, repetidas cautelosamente, e refreadas pelas restrições civilizadas da lei e ordem,

tornar-se-iam em anos anteriores o grito de guerra de todo um sistema social, e no século XX

causariam a mais terrível erupção de ódio em toda a história humana”20.

Aqui e ali, se percebia os resquícios do antissemitismo do séc. XIX, porém não havia o

pressentimento de uma tempestade violenta. No entanto, esta tempestade invadiu a Europa e

arruinou a vida de uma geração, quando Adolph Hitler, assumiu o poder na Alemanha de

1933 a 1945, período de doze anos e quatro meses, pois o tema central de sua ideologia era a

ausência de uma base comum para toda a humanidade, quando declarou que toda cultura

humana, todos os resultados da arte e ciência era produto da raça ariana. E, que o homem

ariano, com todas as suas características: forma de crânio, cor de pele e variedade de sangue

era superior ao homem não nórdico, e que este estava mais próximo de animais do que da raça

humana e, suprimir e destruir o homem não nórdico era um destino elevado, a ser seguido

Page 17: Artigo de concluso final

17

com disciplina e sacrifício até o extremo fim. Ao homem não nórdico, leia-se judeu, deveria

ser eliminado21.

E, para isso, uma série de leis foi aprovada, excluindo toda e qualquer possibilidade dos

judeus ganharem a vida, na Alemanha. Em 1935, com a promulgação das leis de Nuremberg,

os judeus foram excluídos da área de cidadania, privados de sua condição de alemães e

acabaram com qualquer contato físico entre os judeus e a raça superior. E, de acordo com

Abba Eban, ao fim de 1935, uns 8000 judeus alemães haviam cometido o suicídio; 75000

haviam emigrado e outros assediavam consulados estrangeiros a fim de conseguirem vistos de

saída para qualquer lugar ao sol que lhes pudessem conceder asilo, porém os países não

haviam previsto situações como essa. E, com isso, viram-se desamparados e perplexos com as

medidas tomadas pelo Terceiro Reich, que não causava uma comoção e desaprovação da

sociedade alemã, como também um estranho silêncio dos líderes mundiais. E de acordo com,

Andrea Lombardi:

“Há certamente uma responsabilidade específica alemã em relação ao

antissemitismo. Mas o genocídio foi realizado na quase total indiferença da

opinião pública ocidental e dos governos aliados, ou melhor, graças a esta

indiferença, pois as informações sobre o genocídio circulavam publicamente.

É impressionante a lista de informações e artigos sobre a realização do

genocídio, publicadas durante a Segunda Guerra Mundial em revistas e diários

– entre eles a Newsweek e o New York Times. Houve até encontros de

delegações judias com o presidente americano Roosevelt e com o primeiro-

ministro britânico. Se o nazismo carrega a responsabilidade completa da

monstruosa decisão de aniquilar as populações de origem judaica, os governos

aliados e a opinião pública ocidental tornaram-se, no mínimo

corresponsáveis”22.

E assim, a máquina nazista, principalmente após 1939, vai colocando em prática os

planos de eliminação total dos “não nórdicos”, tanto no território alemão como nos territórios

ocupados, promovendo as deportações para os guetos e, posteriormente aos campos de

concentração e extermínio (de morte) como: Chelmmo, Belzec, Sobibor, Dachau,

Theresienstadt, Treblinka, e o devastador Auschwitz-Birkenau, quando no auge das

deportações chegou a cifras abomináveis de levar para as câmaras de gás, cerca de 6000

pessoas/dia23.

Page 18: Artigo de concluso final

18

“Para que Auschwitz não se repita, assim reza o novo imperativo categórico proposto

por Adorno. Este imperativo, longe de nos transformar em estátuas de sal presos ao passado,

quer antes mobilizar a lembrança solidária com as vítimas, a memória das esperanças não

cumpridas e as injustiças ainda pendentes de ressarcimento contra tudo aquilo que continua

produzindo dor e sofrimento e aniquilando os indivíduos”24. Este novo imperativo, segundo

Zamora, é “um olhar agudo para as catástrofes do presente, um olhar implacavelmente crítico

de suas causas e solidariamente compassiva com suas vítimas. Já não há lugar nem para a

inocência nem para o desconhecimento ante o horror da história”, seja aqui, na América

Latina, ou na África, ou na Ásia, ou em qualquer canto da Terra.

O testemunho sobre as experiências vividas nos campos de concentração e de

extermínio nazistas veio logo após o término do conflito, de 1945 a 1949, com a instalação do

Tribunal de Nuremberg, que levou a julgamento os responsáveis pela Shoah (em hebraico,

catástrofe), isto é, o genocídio de seis milhões de judeus, considerado como um dos maiores

crimes contra a humanidade. No entanto, esta necessidade de narrar depara-se com a

dificuldade de encontrar palavras, a linguagem, pois “a experiência traumática é, para Freud,

aquela que não pode ser totalmente assimilada enquanto ocorre”25.

Os exemplos de “eventos traumáticos são batalhas e acidentes: o testemunho seria a

narração não tanto destes fatos violentos, mas da resistência à compreensão dos mesmos”26.

A dificuldade da narração e mesmo a incredulidade sobre o que ocorreu nos “campos de

morte” era previsto pelos próprios nazistas, que após as sucessivas derrotas militares tentaram

apagar os rastros de sua ignomínia. Um dos sobreviventes do Holocausto, Primo “Levi,

lembra a fala de um SS aos prisioneiros narrada por Simon Wiesenthal.

“Seja qual for o fim da guerra, a guerra contra vocês nós ganhamos ninguém

estará para dar testemunho, mas, mesmo que alguém escape, o mundo não

lhes dará crédito [...]. Ainda que fiquem algumas provas e sobreviva alguém,

as pessoas dirão que os fatos narrados são tão monstruosos que não merecem

confiança: dirão que são exageros e propaganda aliada e acreditarão em nós

que negaremos tudo, e não em vocês. Nós é que ditamos a história dos Lager

[campos de concentração]”27.

Page 19: Artigo de concluso final

19

3. O Testemunho e o filme “A Última Borboleta”

O conceito de testemunho, segundo Seligmann-Silva (2003), desloca o “real” para uma

área de sombra e testemunha-se, via de regra, algo de excepcional e que exige um relato. Esse

relato não é só jornalístico, reportagem, mas é marcado também pelo elemento singular do

“real”. Nos testemunhos, a partir de Auschwitz, a questão do trauma assume uma dimensão e

uma intensidade inaudita, pois redimensionamos a relação entre a linguagem e o real, não

mais na existência ou não da realidade, mas na nossa capacidade de percebê-la e de

simbolizá-la. A maioria das narrativas testemunhais sobre a Shoah ocorreram muito tempo

depois dos eventos, alguns até mesmo a décadas, em decorrência dos traumas, da necessidade

premente de tentar esquecer, no entanto “aquele que testemunha ‘sobreviveu’ – de modo

incompreensível - à morte: ele como que a penetrou”.

Contudo, apesar do trauma, há uma necessidade dos sobreviventes do Holocausto, de

narrar o ocorrido e este gesto é justificável pelo impulso de se livrar da carga pesada da

memória do mal passado; como dívida de memória para com os que morreram; como um ato

de denúncia; como um legado para as gerações futuras e também como um gesto humanitário

na medida em que o testemunho serviria como uma memória do mal. Os eventos narrados são

apresentados como exemplo negativo e tem o objetivo de prevenir, de alguma maneira, a

repetição deste tipo de terror. As narrativas tem uma tendência de se concentrar bem mais no

período vivido nos guetos ou nos campos de concentração do que nos períodos ocorridos

antes ou depois do evento, segundo análise de Seligmann.

Para Seligmann (2003), “o testemunho possui um papel de um grupo de pessoas –

antes de mais nada, em se tratando da Shoah, dos próprios judeus – que constroem a sua

identidade a partir dessa identificação com essa “memória coletiva” das perseguições, de

mortes e dos sobreviventes. Na “era das catástrofes” a identidade coletiva tende a se articular

cada vez menos com base na “grande narrativa” dos fatos e personagens heroicos e a enfatizar

as rupturas e as derrotas. Daí também a atualidade do conceito de testemunho para articular a

história e a memória do ponto de vista dos “vencidos”. O testemunho funciona como o

guardião da memória. (...) A riqueza e a força do Judaísmo advém do fato de ter

compreendido que a memória só existe no duplo trilho do passado e do presente.”

Page 20: Artigo de concluso final

20

A Última Borboleta não é um filme, como Adorno denominou o “cinema de papai”,

àquele que os consumidores querem, ou, talvez, mais exatamente: que ele lhes torna acessível

um cânone inconsciente daquilo que eles não querem, ou seja, algo que seria diferente daquilo

com que costumam ser tratados. Ele não assume as regras das grandes produções, como

simples mercadoria e de grande impacto, com grandes aparatos tecnológicos e que “atua

analogamente ao ramo dos cosméticos quando elimina rugas dos rostos, (...) e que as

imperfeições na cútis de uma bela garota tornam-se um corretivo da imaculada tez da estrela

consagrada”28.

Ao fazer uma analogia com “A Lista de Schindler” de Steven Spielberg (1993), que

também traz a angustiante realidade dos “campos de morte” nazistas, e que trouxe elementos

de “grande produção”, com enormes aparatos tecnológicos, grandes cenários e tomadas de

cenas, uma “direção e elenco de peso hollywoodiano” e um poderoso marketing atuando para

a divulgação do filme com uma frase de efeito “Aquele que salva uma pessoa, salva o mundo

inteiro”, percebemos que a película de Karel Kachyna, não disponibiliza destes aparatos, tanto

de cenários como de tomadas de cenas, pois a maioria do elenco de atores era da

Tchecoslováquia, e sem salários hollywoodianos. No entanto, a sua estética recorre “a uma

forma de experiência subjetiva, com a qual se assemelha apesar da sua origem tecnológica, e

que perfaz aquilo que ele tem de artístico”29 Pois conseguiu “ir para o drama” apresentando

um mal inominável e de brutalidade como o campo de Theresienstadt, sem banalizar “o real”,

pois é quase uma metáfora para o valor da imaginação, em face da angústia e do terror, não

diminuindo de forma nenhuma, o seu significado. Além disso, apresenta um testemunho

denúncia sobre a vida das pessoas no “campo”, pelo número significativo das crianças.

No livro autobiográfico de Ruth Klüger30, ela faz um relevante testemunho sobre a sua

estadia no campo de Theresienstadt (de setembro de 1942 a maio de 1944), quando chegou ao

campo tinha doze anos de idade, onde as crianças tinham aulas regulares, apesar de ser

expressamente proibidas pela administração alemã do campo, pois o intelecto judeu era

considerado um perigo, isto tornava o aprendizado bem mais atraente, e “professores

primários e universitários se alegravam quando reuniam em torno de si um grupo de crianças

às quais podiam transmitir algo de belo sobre a cultura europeia. Mas quando se anunciava

uma inspeção alemã, aquelas poucas folhas de papel impresso desapareciam, e algumas vezes,

quando os soldados uniformizados apareciam inesperadamente, corríamos a toda velocidade

Page 21: Artigo de concluso final

21

para nos dispersar e sempre o fizemos a tempo”. A professora Vera, que no filme era a

“guardiã das crianças”, assemelha-se a este relato, pois era a responsável pelo aprendizado e

proteção das crianças e tentava fazer com que as suas vidas se tornassem menos intolerável.

A vida das pessoas, na película, girava em torno do medo de serem deportadas para os

campos do Leste e também na busca desenfreada de conseguir alimentos, mesmo que fosse

através de barganha. Antoine Moreau, o artista mímico “cooptado” pelos nazistas, um gentio,

pois não era judeu, vivenciou esta realidade logo ao chegar ao campo (Theresienstadt),

quando uma de suas malas, contendo o seu aparato de apresentação, foi roubada pelas

crianças a fim de ser barganhada para conseguir batatas. E, quando Moreau perguntou o que

gostariam de fazer, depois que saíssem do campo, tanto os adultos como as crianças

responderam, que gostariam de tomar banho e comer o que quisessem. Também visualizamos

cenas de horror, de pessoas magérrimas, desdentadas e que muitas chegaram à loucura devido

a fome.

Ao dar o seu testemunho sobre a fome e o medo das deportações, Ruth Klüger faz uma

narrativa dilacerante:

“Theresienstadt significava os transportes para o Leste e estes ocorriam em

intervalos imprevisíveis, tal qual catástrofes naturais. Esta era a moldura da

estrutura mental de nossa existência, este ir e vir de pessoas que não tinham

poder sobre si mesmas, sem nenhuma influência sobre o destino que lhe

impunham, e nem mesmo sabiam se ou quando voltariam a ser donas de si

mesmas algum dia. Sabiam apenas que objetivo era hostil. (...) Foram as

primeiras semanas de fome, pois em Viena eu tivera comida suficiente. Pouco

se pode dizer sobre a fome crônica: ela está presente, e o que sempre está

presente torna-se monótono ao contar. Ela enfraquece, corrói. Assume um lugar

no cérebro que, de resto, deveria ser reservado para pensamentos. Batíamos o

leite magro com o garfo até fazer espuma, um passatempo prazeroso. Podíamos

levar horas e horas. Não sentíamos pena de nós mesmas, ríamos muito,

brincávamos e armávamos travessuras, achando que éramos mais fortes do que

as crianças “mimadas lá de fora”. (...) A comida era uma preciosidade e, por

isso, o pão tornou-se uma unidade de valor. Para mim, até hoje é um assombro

que pão seja tão barato. Minha mãe logo trocou sua aliança de casamento por

pão, sem qualquer celeuma”31.

Page 22: Artigo de concluso final

22

Ao ler a narrativa de um testemunho tão marcante como o de Ruth Klüger e o Dossiê

Memória de Ecléa Bosi, nota-se que Karel Kachyna com o seu filme A última Borboleta,

concorda com Adorno (1986), quando este se manifesta que “no filme, o componente

irredutível dos objetos é, em si, um signo social, (...) por isso a estética do filme, graças à sua

posição em relação ao objeto, ocupa-se de forma imanente com a sociedade. Não há estética

do filme, nem que seja puramente tecnológico, que não contenha em si a sua sociologia, e o

signo mais latente acontece quando faz um resgate da memória com o intuito de que não caia

no esquecimento”, pois para ele, como já citado anteriormente ‘a película nunca será uma

obra de arte se não espelha a verdade’.

E é sobre a necessidade de espelhar a verdade, que Kachyna explora grande parte de

sua narrativa, quando o Antoine Moreau, um mímico francês acostumado às grandes plateias

parisienses, vai percebendo, aos poucos, que ele terá de montar uma farsa para os

representantes da Cruz Vermelha, que ele terá de mascarar uma realidade, que é cruel,

inacreditável, abominável e ao mesmo tempo, deve permanecer na obscuridade. Que ele deve

apresentar com a sua arte, a mímica, uma peça teatral, de preferência, um conto de fadas, ou

A Bela Adormecida ou João e Maria dos Irmãos Grimm, para entreter os representantes da

Cruz Vermelha como toda a “comunidade do campo”.

Apesar da chegada do mímico ser visto por todas as pessoas, como a salvação, devido

à oportunidade de participarem da apresentação e da plateia, possibilitando assim, não

somente conseguir umas 250 grama a mais de manteiga, algumas batatas, mas a maior

conquista, que será protelar por algumas horas ou dias à deportação para os campos do Leste.

Antoine, indignado com o que cotidianamente presenciava naquele caos, onde muitas pessoas

desapareciam, mesmo integrando o seu grupo, resolveu mudar a versão dos Irmãos Grimm,

sobre a peça escolhida, João e Maria.

No conto infantil de João e Maria (Hansel e Gretel) de Jacob e Wilhelm Grimm, as

crianças que estavam perdidas na floresta e que se tornaram prisioneiros da bruxa,

conseguiram escapar do forno que ardia, para assá-los, a fim de serem servidos como jantar,

não sem antes, conseguirem jogá-la na fogueira. Antoine decidiu trilhar um caminho

diferente, numa atitude desesperada de acabar com as deportações, entendendo que deveria

tirar a maquiagem, de que aquele campo era um centro de intensa atividade cultural e que

Page 23: Artigo de concluso final

23

todas as pessoas, apesar do cenário de guerra mundial, viviam bem acomodadas, em suas

casas devidamente pintadas e limpas.

No dia, tão aguardado, as ruas lavadas e brilhando, crianças brincando nos balanços

com suas mães felizes ao seu lado e os representantes da Cruz Vermelha, atentos a tudo que

lhes era apresentado, eis que surgiu aquela arte diferente, do artista mímico mais aplaudido na

Europa, falando com o silêncio, se postando em frente a um tabuleiro de formas quadradas e

bem coloridas, mostrou o inferno a sua plateia estarrecida, as crianças dentro de uma imensa

caixa metálica e sendo lançadas pela bruxa, pouco a pouco, para um forno ardente escaldante

que as consumia. A verdade estava despida e revelada.

Para Adorno, “o sujeito que se cala não fala menos, através do silêncio; pelo contrário,

diz mais do que quando fala”, e a arte do personagem Antoine Moreau do diretor Karel

Kachyna, demonstrou isso na apresentação do seu tabuleiro, onde na linguagem dos símbolos,

é “uma superfície com quadrados, losangos ou retângulos alternados, em positivo-negativo

(branco, negro) ou cores diferentes, tem relação simbólica com a dualidade de elementos que

apresenta uma extensão (tempo) e, por isso, com o destino”. E, foi exatamente, os dois lados

da moeda, de um lado, o “SPA”, o aconchego, o centro cultural, onde fluía a arte, com toda a

sua magnitude e do outro, os guetos, os campos de trabalho, os campos de concentração e, por

fim, os campos de extermínio com suas câmaras de gás, o destino selado pelo Estado Nazista,

aos desvalidos de Theresienstadt.

A questão da dualidade (os dois lados da moeda) presente no filme, em um Estado

Totalitário, se encontrava totalmente desfigurada, pois tudo estava centrado na figura do

Estado, todas as instâncias, fossem políticas, econômicas, sociais e culturais. Todas as

oposições e divergências estavam literalmente anuladas, visto que em um Estado Totalitário

todo o organismo social tem uma imagem comum. E é esta imagem comum que também

determinava a política e estética unidas em um só corpo, ou seja, “Tudo no Estado”.

Hitler, desde Mein Kampf, costumava dizer que a arte era o produto da grandeza

política nacional. Segundo LENHARO (1990), arte e política eram concebidas por ele como

uma única e mesma coisa e a elas fazia constantes referências, como termos quase

intercambiáveis, o que significava claramente uma estetização da política. No Congresso do

Page 24: Artigo de concluso final

24

partido, em 1936, Hitler afirmou serem a arte e o Estado produtores de uma força criadora –

“a vontade autoritária”, ou “o poder político de criar formas”. Povo e nação unificados

constituíam atributos necessários para que essa vontade criasse, simultaneamente, as formas

do Estado e as formas artísticas. E é dentro desta estetização da vida política, que o Nazismo

se apropriou de todas as manifestações artísticas, e principalmente do cinema, visto como um

elemento essencial à política como espetáculo e propaganda.

Porém, a arte é o antídoto contra a barbárie, pois ela leva a pensar, a ver e a refletir. E

pensar e refletir são o contrário de obedecer. E é nesta encruzilhada, que se encontrava o

artista, dentro do Estado Nazista, entre pensar e obedecer, aderir ou rejeitar uma coisa já

posta. E tendo consciência que independentemente da sua escolha, certamente seria um

caminho sem volta.

O cinema nos agracia com três produções cinematográficas inesquecíveis, o filme “A

Última Borboleta” que está sendo apresentado neste artigo, de Karel Kachyna; o Pianista de

Roman Polanski, uma coprodução da Alemanha, Reino Unido e Polônia, 2002, adaptado do

livro homônimo de Wladyslaw Szpilman, contendo uma envolvente história da saga deste

pianista judeu-polonês, separado de sua família pelos nazistas, levado para o Gueto de

Varsóvia e depois de esconderijo em esconderijo, numa fuga insana pela sua sobrevivência,

ficou privado de sua arte, a música, enquanto assistia a total destruição da cidade de Varsóvia

e o Mephisto de Istvan Szabó, uma coprodução da Alemanha, Hungria e Áustria, 1981, e

nestas produções, o artista esteve dentro de um lugar comum, na Alemanha Nazista, tomando

posições diferenciadas.

O filme O Mephisto, adaptado do livro homônimo de Klaus Mann, traz como

narrativa, a história de um ator de teatro, Hendrik Höfgen, que não se interessava por política,

somente se dedicando a sua carreira. Porém, com a emergência do Nazismo, ele aproveitou a

oportunidade para interpretar peças teatrais de propaganda nazista. Em “A Última Borboleta”

e o “O Pianista”, os protagonistas viram-se no olho do furacão, em uma busca incessante pela

sobrevivência, muitos vezes privados de sua arte, porém sempre conscientes do papel da sua

arte, que era de dar a palavra às vítimas e não compactuar com a dominação hitlerista.

Page 25: Artigo de concluso final

25

Notamos nestes filmes, mais uma vez uma realidade concreta, e os atores sociais se

percebendo em uma encruzilhada. De um lado, Mephisto, que ao aderir ao Nazismo, em

busca de poder e sucesso, viu-se em uma teia onde precisava sobreviver em um mundo onde a

ideologia do mal, passou a ser o seu pior pesadelo, ele mesmo em dado momento se

questionou, “o que querem de mim, eu sou apenas um artista”, e que o verdadeiro preço da

alma de um homem, vai se transformando, no seu caso, na medida mais desprezível de todas,

preço alto em troca de sucesso e prestígio, se transformando em um dos mais expressivos

artistas do Nazismo, onde a sua arte foi totalmente desfigurada, servindo apenas como

expressão de poder, de instrumento de propaganda e de incitamento ideológico.

E de outro lado, o pianista Szpilman, onde a sua arte serviu para amenizar e suavizar a

vida das pessoas no caos da fome, da miséria e da loucura instalado no Gueto de Varsóvia e

frente ao oficial alemão, com suas mãos emagrecidas pela fome, conseguiu dedilhar a Balada

No.1, em Sol Menor, op. 23, de Chopin, pela sua sobrevivência. E Antoine, na sua tentativa,

quase insana, escancarou as cortinas da realidade de Theresienstadt, apesar de toda

maquiagem, de todo o espetáculo montado pelos alemães, de que naquele lugar fluía a arte,

em todas as suas instâncias. Ambos acreditaram que o artista não pode abdicar de sua

responsabilidade, pois segundo Marcuse, a arte tem um caráter afirmativo, pois está engajada

ao lado de Eros, que afirma imperativamente os instintos de vida em sua luta contra a

opressão social e instintual32 e que a arte tem um princípio de realidade diferente, de

comunicar verdades e estas verdades advém de sua práxis política. E na sua práxis política, o

artista estará sempre se confrontando na luta entre o Bem e o Mal e as suas escolhas na

vigência de Estados Autoritários, onde os indivíduos não tem voz, a sua arte estará sempre em

uma encruzilhada, ou seja, à adesão ou à negação.

Page 26: Artigo de concluso final

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NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

1 MATOS,1993, p.110 2 A visão de alguns pensadores sobre o século XX: Isaiah Berlin (filósofo, inglês), “Vivi a maior parte do

século XX, devo acrescentar que não sofri privações pessoais. Lembro-o apenas como o século mais

terrível da história”, René Dumont (ecologista, francês), “Vejo-o apenas como um século de massacres e

guerras”, Willian Golding (escritor, inglês), “Não posso deixar de pensar que este foi o século mais

violento da história humana" e Yehudi Menuhim (músico, inglês), “Se eu tivesse que resumir o século XX,

diria que despertou as maiores esperanças já concebidas pela humanidade e destruiu todas as ilusões e

ideais”. (HOBSBAWM, 1995, p. 11-2) 3ADORNO, 1986, p. 33-4. 4A Tchecoslováquia nasceu da destruição do Império Austro-Húngaro, no encerramento da Primeira Guerra

Mundial. O novo Estado, entretanto, constituía uma unidade artificial, pois agrupava dois povos - os

tchecos e os eslovacos - separados por distintas tradições políticas e culturais. Esta divisão se manteve

durante grande parte do séc. XX e somente após os ventos democráticos, que invadiram a Europa com a

Queda do Muro de Berlim isto foi possível, quando em 1993 em uma separação pacífica e negociada,

surgiram as repúblicas Tcheca e Eslovaca. 5 MAGNOLI, 1994, p.26-7. 6 Após a Revolução de Veludo, Kachyna retornou ao seu cargo de professor da Academia de Cinema de

Praga, que havia perdido com a sua demissão, após o Movimento da Primavera de Praga (movimento

reformista, liderado por Alexander Dubcek e sufocado duramente por tropas soviéticas). Filmes como:

Funny Old Man (1969) e The Ear (1970) foram finalmente liberados. Disponível em:

<http://www.secondrundvd.com/release_more_ear. php>. Acesso em: 26 de Abril de 2010. 7 BERNARDET, 2000, p. 69. 8 Disponível em < http://www.filmreference.com/Directors-Jo-Ku/Kachy-a-Karel.html>. Acesso em: 27 de

Abril de 2010. 9 BOSI, 2004, p. 84. 10 Ibidem, p. 81. 11 Ibidem, p. 81-2. 12 Ibidem, p. 84. 13 As crianças foram uma das maiores vítimas do caos que ocorreu durante a dominação alemã, na Europa.

Alguns filmes mostram a inocência e muitas vezes a infância deixada para trás.

A vida é bela de Roberto Benigni, Itália, 1997. Um filme ficcional que tem como narrativa, um pai judeu

extremamente amoroso, que é levado para um campo de concentração, juntamente com o seu filho. E para

que seu filho não percebesse os horrores do campo, o levava a acreditar que eles estavam participando de

um jogo e sempre que se mantivesse bem escondido, ele ganhava pontos, no jogo. O seu pai queria de todas

as formas, protegê-lo, pois as crianças não permaneciam nos campos e sempre eram as primeiras a serem

eliminadas.

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27

O Menino do Pijama Listrado de Mark Herman, EUA e Inglaterra, 2008. Adaptado do livro homônimo de

John Boyne traz como narrativa a história ficcional de um menino de oito anos, extremamente entediado

por ter mudado para uma nova casa, longe de sua Berlim, uma casa de campo, sem quaisquer diversões.

Tudo ao seu redor é um grande mistério, nem mesmo sabia sobre as atividades de seu pai. E em suas

investidas para desvendar os mistérios, fez amizade com um menino de pijama listrado _ prisioneiro do

campo de concentração comandado por seu pai _ e esta amizade lhe trará consequências devastadoras.

Os Anjos da Guerra de Yurek Bogayevicz, EUA, 2001. Um filme ficcional, narrando à história de menino

judeu de 11 anos, que os seus pais veem-se obrigados a deixá-lo com uma família, em uma fazenda, para

que não fosse descoberto pelos nazistas. Sozinho, vivendo o medo de que sua origem judia viesse a ser

descoberta, inclusive aprendendo as orações cristãs, viveu momentos de angústia, pela sua sobrevivência. 14 No filme “A Lista de Schindler” de Steve Spielberg, EUA, de 1993, o seu “herói” Oskar Schindler,

conseguiu salvar, através de uma lista de 1200 nomes, trabalhadores judeus de sua fábrica de esmaltados,

por uma boa soma em dinheiro por cada um deles, do comandante Amon Goeth, para impedir que fossem

enviados para Auschwitz. O filme foi adaptado do livro Schindler’s Ark de Thomas Keneally, renomeado

posteriormente de Schindler’s List, baseado na história real de Oskar Schindler, um empresário ganancioso

polonês que conseguiu enriquecer com o trabalho escravo judeu, durante a II Guerra Mundial, porém se

redime, salvando-os da morte certa, nos campos de extermínio. 15 Adolf Eichmann foi o responsável por toda a logística de extermínio de milhões de pessoas, em

particular, de judeus, denominado de “Solução Final”. No término da Guerra, conseguiu fugir de um campo

de prisioneiros e, refugiando-se na Argentina, em 1950, com o nome de Ricardo Klement. Foi reconhecido

e capturado pela Mossad (serviço secreto de Israel) em 1960, levado a julgamento em Israel, e sentenciado

à morte em 1962. O seu julgamento foi descrito no livro “Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a

banalidade do mal” de Hannah Arendt. 16 EBAN, 1973, p.237-8.

17 Ibidem, p. 240. 18 Ibidem, p. 242. 19 Ibidem, p. 243. – Wilhem Richard Wagner (1813-1883), alemão - compositor, maestro, teórico musical,

ensaísta, poeta e considerado como um dos maiores compositores da música erudita. No campo de

concentração de Sobibor, todos os deportados, quando de sua chegada eram recepcionados com a sua

música. 20 O Filme “Um violinista no telhado”, de Norman Jewison, EUA, de 1971, é um filme sobre uma família

judia que vivia numa aldeia ficcional de Anatevka, na Rússia, e que foi surpreendida por um decreto do

Czar, sendo obrigada a abandonar tudo o que lhes pertencia e ir embora definitivamente do lugar onde

viviam. O filme nos remete a uma das manifestações violentas de antissemitismo, nos finais do século XIX,

ocorrida na Rússia Czarista, com os chamados pogroms, onde todos os judeus-russos foram obrigados a

uma emigração maciça para outros países, por determinação expressa do Czar, causando enormes protestos

da comunidade internacional.

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28

21 O Filme “Os Últimos rebeldes”, de Thomas Carter, EUA, de 1993, destacou um grupo de três jovens

amigos, Peter, Arvid e Thomas, apaixonados pela música e o ritmo do Swing, um movimento considerado

subversivo, na Alemanha, pois a maioria dos compositores e músicos era de origem judaico-americana e

dos guetos do Harlen. A amizade tão consistente destes jovens, de repente viu-se abalada pela ideologia

nazista, onde toda a cultura e a arte estavam centradas na cultura ariana, em detrimento das demais.

22 A Dinamarca, não aceitou entregar seus judeus, quando de sua ocupação, em 1940, pois os considerava

parte integrante da sociedade civil e, com esta ajuda permitiu que 98% dos judeus dinamarqueses fossem

salvos, fugindo para a Suécia, país neutro.

O Livro “O Testemunho dos Justos – sobreviventes do massacre nazista contam suas histórias”, de Hugo

Schlensinger, descreve inúmeros relatos de anônimos que apesar de todos os perigos e de todas as

adversidades conseguiram salvar muitas vidas. O filme A escolha de Sofia, de Alan J. Pakula, EUA, 1982

adaptado do romance homônimo de William Styron (1979) do mesmo título, demonstrou que as escolhas,

muitas vezes foram dramáticas, quando uma mãe polonesa, cujo pai era antissemita, foi obrigada a escolher

em Auschwitz, entre um dos seus filhos que deveriam morrer. O documentário O longo caminho para casa

de Mark Jonathan Harris, 1998, produzido pelo Centro Simon Wiesenthal, instituição especializada nos

estudos do Holocausto, documenta a jornada dos milhares de sobreviventes do Holocausto, entre 1945 e 48,

três anos em que os judeus deixaram os campos de refugiados da Europa para fundar o Estado de Israel, e

como o antissemitismo, mesmo diante das cenas dantescas do genocídio promovido pelos nazistas, ainda

continuava presente na sociedade mundial. 23 Auschwitz-Birkenau, localizado no sul da Polônia, considerado o símbolo do Holocausto, perpetrado

pelo Estado Nazista. Considerado o maior e o mais terrível dos campos de extermínios. Em suas câmaras

de gás e crematórios, cerca de 1,1 milhão de pessoas perderam suas vidas - 15 mil soviéticos, 21 mil

ciganos, 70 mil poloneses e 1 milhão de judeus. O documentário Auschwitz: A fábrica de morte do Império

Nazista V. 1 e 2, uma coprodução BBC/KCET Hollywood / escrito e produzido por Laurence Rees /

Dirigido por D. Sutherland D. Siebert e M. Balazova, 2005 contém um extenso estudo sobre a dinâmica do

campo de extermínio, desde a escolha do local, criação, a corrupção dos nazistas devido aos lucros

inimagináveis (com a espoliação dos deportados), os assassinatos em série e a libertação dos prisioneiros

pelos aliados, com fotografias e imagens da época, relatos de prisioneiros sobreviventes e com entrevistas

de carrascos nazistas. 24 ZAMORA. Educação depois de Auschwitz, p.20. 2 5 SELIGMANN-SILVA, 2003, p.48. 26 Ibidem, 2003, p.48. 27 Primo Levi (1919-1987), judeu-italiano, escritor que escreveu memórias, contos e poemas, no entanto,

ficou mais conhecido sobre os seus trabalhos sobre o Holocausto, por ter sido um prisioneiro e sobrevivente

de Auschwitz-Birkenau. Seu livro É isso um Homem, é considerado um dos mais importantes trabalhos

memorialistas do séc. XX. Simon Wiesenthal (1908-2005), judeu-polonês, ativista dos direitos humanos,

porém mais conhecido como “caçador de nazistas”. Seu trabalho foi responsável pela captura e prisão de

1100 criminosos nazistas e costumava dizer que “não existe liberdade, senão houver justiça”.

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28 ADORNO. Notas sobre o filme, p.101. 29 ADORNO. Notas sobre o filme, p.102. 30 Filmes Autobiográficos:

Fuga de Sobibor – O Campo do Inferno, de Jack Gold, EUA e Inglaterra, 1987, traz como narrativa a

única fuga de prisioneiros de um campo nazista, Sobibor. Adaptação do livro de Richard Rashke, Fuga de

Sobibor. Considerado um dos campos mais secretos, situado a leste da Polônia, em 14 de outubro de 1943,

ocorreu à fuga de mais de 300 dos 600 prisioneiros. O livro de Stanislaw Szmajzner, Inferno em Sobibor –

a Tragédia de um adolescente, também contribuiu para a composição desta fuga. Szmajzner foi

responsável pelo reconhecimento de Gustavo Franz Wagner, chamado de “O Carniceiro de Sobibor”, em

1978, que estava radicado e escondido, aqui, no Brasil.

O Pianista de Roman Polanski, França, Alemanha, Reino Unido e Polônia, 2002, foi adaptado do livro

homônimo de Wladislaw Spilmann, contendo uma envolvente história da saga deste pianista judeu-

polônes, que se viu separado de sua família pelos nazistas, levado para o Gueto de Varsóvia e depois

trocando de esconderijo em esconderijo, numa fuga insana pela sua sobrevivência, enquanto assistia a total

destruição da cidade de Varsóvia.

Os Filhos da Guerra de Agnieszka Holland, Alemanha, França e Polônia, 1990. Adaptado do livro Europa,

Europa do judeu-alemão Solomon Perel. Toda a família Perel obrigou-se a emigrar para Lodz (Polônia) em

1935, devido às perseguições nazistas. Com a ocupação da Polônia, Solomon teve que esconder sua

identidade, principalmente por ser circuncidado, procedimento que o identificava como judeu. No entanto,

na sua fuga, com documentos falsos, Josef Perjell, depois de viver em um orfanato russo, em Grodno, por

falar fluentemente alemão e ser confundido como um ariano foi enviado para fazer parte da Juventude

Hitlerista, em Berlim. A luta pela sobrevivência, fez com que: “eu criei uma divisão dentro de mim e

tornei-me realmente Josef”, afirmou o autor.

O Diário de Anne Frank, de George Stevens, EUA, 1959. Este filme foi uma adaptação do Diário de Anne

Frank, um dos livros mais lidos mundialmente. Anne Frank e toda a sua família se esconderam em um

sótão com outra família, em Amsterdam, após a invasão alemã a Holanda. Todas as angústias, medos,

conflitos da idade e de esperanças de Anne, foram confidenciadas ao seu maior amigo, seu diário “A

Kitty”. 31 KLÜGER, 2005, p. 80-1-2. 32 MATOS, 1993, p.110-11

Page 30: Artigo de concluso final

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