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0 fUNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS DEPARTAMENTO DE ZOOTECNIA E DESENVOLVIMENTO RURAL AS IMPLICAÇÕES DA LEI DA AGRICULTURA ORGÂNICA NO ATUAL PROCESSO DE CERTFICAÇÃO PARTICIPATIVA DA REDE ECOVIDA DE AGROECOLOGIA GISA GARCIA FLORIANÓPOLIS, NOVEMBRO DE 2008

"As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

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Trabalho de Conclusão de Curso - Gisa Garcia, CCA/UFSC, 2006

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Page 1: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

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fUNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

DEPARTAMENTO DE ZOOTECNIA E DESENVOLVIMENTO RURAL

AS IMPLICAÇÕES DA LEI DA AGRICULTURA ORGÂNICA

NO ATUAL PROCESSO DE CERTFICAÇÃO

PARTICIPATIVA DA REDE ECOVIDA DE

AGROECOLOGIA

GISA GARCIA

FLORIANÓPOLIS, NOVEMBRO DE 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

DEPARTAMENTO DE ZOOTECNIA E DESENVOLVIMENTO RURAL

AS IMPLICAÇÕES DA LEI DA AGRICULTURA ORGÂNICA

NO ATUAL PROCESSO DE CERTFICAÇÃO

PARTICIPATIVA DA REDE ECOVIDA DE

AGROECOLOGIA

Monografia apresentada como requisito

parcial para obtenção de grau de

Engenheiro Agrônomo no Curso de

Agronomia do Centro de Ciências

Agrárias da Universidade Federal de

Santa Catarina.

ACADÊMICA: GISA GARCIA

PROFESSOR ORIENTADOR: VALMIR LUIZ STROPASOLAS

FLORIANÓPOLIS, NOVEMBRO DE 2008

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Agradecimentos

Aos meus pais, Heloisa e Tita, por me proporcionarem esta formação.

Ao meu companheiro Gustavo pela força prestada e a todas as revisões pontuais.

Ao querido professor Valmir pela excelente orientação.

E a toda galera do Cepagro por me deixarem participar dessa família.

O meu muito obrigada!!!!

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Lista de Abreviações

AAO – Associação de Agricultura Orgânica

ANA – Articulação Nacional de Agroecologia

AO – Agricultura Orgânica

CEPAGRO – Centro de Estudo e Promoção da Agricultura de Grupo

COAGRE – Coordenação de Agroecologia

CODEX – Codex Alimentarius

CPorgs – Comissão da Produção Orgânica

ECOVIDA – Rede Ecovida de Agroecologia

GAO – Grupo de Agricultura Orgânica

AFOAM – International Federation of Organic Agriculture Movements (Federação

Internacional dos Movimentos da Agricultura Orgânica)

INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial

IN 06 – Instrução Normativa n° 06 publicada pelo MAPA em janeiro de 2002

IN 07 – Instrução Normativa n° 07 publicada pelo MAPA em maio de 1999

ISO – International Organization for Standardization

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

OAC – Organismo de Avaliação da Conformidade

ONGs – Organizações não Governamentais

OPAC – Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade

SFA – Superintendência Federal de Agricultura

SISOrg – Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade

SPG – Sistema Participativo de Garantia

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

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SUMÁRIO

1. Introdução .................................................................................................................... 05

2. Delimitação do Tema .................................................................................................. 07

3. Formulação do Problema ........................................................................................... 09

4. Hipóteses ...................................................................................................................... 09

5. Objetivo Geral ............................................................................................................. 09

5.1 Objetivos Específicos ............................................................................................. 10

6. Justificativa ................................................................................................................. 10

7. Metodologia ................................................................................................................. 11

8. A Agricultura Agroecológica ..................................................................................... 14

8.1 Histórico ................................................................................................................. 15

8.2 Importância ............................................................................................................ 17

8.3 Produção e Comercialização ................................................................................... 19

8.4 Certificação ............................................................................................................. 21

9. A Rede Ecovida de Agroecologia e o Núcleo Litoral Catarinense .......................... 22

9.1 Histórico ................................................................................................................ 22

9.2 Caracterização ....................................................................................................... 24

9.3 Funcionamento ...................................................................................................... 26

9.4 A certificação participativa em rede da Ecovida .................................................... 28

10. A Lei da Agricultura Orgânica ................................................................................ 32

10.1 Sistema Participativo de Garantia ......................................................................... 35

10.1.1 Histórico ..................................................................................................... 35

10.1.2 Caracterização ............................................................................................ 37

10.1.3 Funcionamento ........................................................................................... 39

11. Resultados e Discussões ............................................................................................ 44

11.1 A Lei 10.831 na Rede Ecovida de Agroecologia .................................................. 44

11.1.1 Criação do Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade ........ 44

11.1.2 Rastreabilidade ........................................................................................... 46

11.1.3 Elaboração do Estatuto Social e do Manual de Procedimentos Operacionais

para a Conformidade Orgânica ...................................................................................... 48

11.2 Avanços com a aplicação da Lei 10.831................................................................ 51

11.3 Desafios da Rede Ecovida com a aplicação da Lei da Agricultura Orgânica ....... 52

12. Considerações Finais ................................................................................................. 55

13. Referências Bibliográficas ......................................................................................... 57

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1. Introdução

As denominadas “agriculturas alternativas” surgiram a partir da década de 20

como contraposição a euforia produtivista desencadeada pelos achados de Liebig1, o

qual foi o responsável por introduzir a prática da adubação com fertilizantes sintéticos.

A partir desses achados o modelo de agricultura se desenvolveu com a proposta de

domínio técnico industrial. No decorrer das décadas, e até hoje, esse modelo de

agricultura resultou numa vasta degradação ambiental e social. As “agriculturas

alternativas” se fundamentaram no decorrer desse processo e estabeleceram diversas

linhas de pensamento, como: a agricultura biodinâmica, agricultura biológica,

agricultura de baixos insumos, permacultura e agroecologia.

Segundo Hecht (2002) o termo agroecologia surge na década de 70 como uma

ciência multidisciplinar, envolvendo diversas áreas entre elas, as ciências sociais,

políticas e ambientais. Buscando, também, a aplicação direta de seus princípios na

agricultura, na organização social e no estabelecimento de novas formas de relação

entre sociedade e natureza.

Neste trabalho não se pretende esclarecer os conceitos das diferentes linhas de

“agricultura alternativa”. A agricultura alternativa abordada aqui será a chamada

Agroecologia, esta que é a fundamentação dos princípios e objetivos da Rede Ecovida

de Agroecologia, onde foi desenvolvida esta pesquisa.

A Rede Ecovida de Agroecologia é um espaço de articulação de diversas

organizações sociais do Sul do Brasil que acreditam e lutam por uma mesma causa:

desenvolver uma agricultura que respeite o ambiente, o homem e a mulher através da

solidariedade e da cooperação. Os membros da Rede definiram que seus produtos são

“ecológicos” pois, vão além das normas técnicas de produção vegetal, animal e

processamento, respaldando, ainda, a inclusão e equidade social, a solidariedade, o

associativismo, a valorização cultural, a autonomia das comunidades locais e o respeito

aos ecossistemas. 1   Justus  Von  Liebig   tornou-­‐se  grande  cientista  e  um  dos  maiores  professores  de  química  em   todos  os  tempos.   Seus   experimentos   possibilitaram   a   criação   de   fertilizantes   químicos,   sabão,   explosivos   e  alimentos  desidratados.  Aplicando  princípios  da  química  na  produção  de  alimentos,  chegou  à  conclusão  que   as   plantas   alimentícias   cresceriam  melhor   e   teriam  maior   valor   nutritivo   se   fossem   adicionados  elementos  químicos  na  mínima  quantidade  adequada  ao  seu  cultivo.  Deste  modo,  von  Liebig  chegou  à  famosa   fórmula   NPK,   iniciando   a   era   dos   fertilizantes   químicos.   Extraído   do   sítio  http://scienceworld.wolfram.com/biography/LiebigJustusvon.html  no  dia  16  de  novembro  de  2008  

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Por definição, produto orgânico é aquele que foi produzido sem o uso de

produtos sintéticos e sem a utilização de espécies geneticamente modificadas. Neste

trabalho, os chamados “produtos orgânicos” serão tratados como sinônimos de

“produtos ecológicos”, ambos oriundos de uma agricultura limpa e sem a utilização de

insumos químicos, no entanto, com a diferença que os “ecológicos” são produzidos num

sistema que além de visar a qualidade e a pureza dos seus produtos, considera também,

as questões sociais, culturais e ambientais envolvidas no processo.

É através da “marca-selo Ecovida” que se simboliza a identidade e a proposta da

Rede. Essa “marca-selo” é dada aos produtos, por meio da avaliação da conformidade

participativa, ou seja, a garantia da qualidade dos produtos é dada de forma conjunta,

com a participação de diversos atores membros da Rede.

A agricultura orgânica vem ganhando cada vez mais espaço no mercado, e

cresce à medida que a preferência dos consumidores aumenta. Adquirir alimentos

saudáveis e que, além disso, foram produzidos com meios que respeitam o ambiente,

está se tornando um hábito comum para a população em geral. Para esse consumidor a

necessidade de uma garantia da qualidade do produto é imprescindível, seja ela gerada

através da confiança direta do agricultor-produtor ou por uma marca-selo. É por esse

motivo, mais a pressão dos países importadores de produtos orgânicos do Brasil, que

nosso país começou no ano de 1994 a discutir uma regulamentação para a agricultura

orgânica. Hoje a Lei está pronta e prestes a entrar em vigor. A Lei n° 10.831, de 23 de

dezembro de 2003, foi regulamentada pelo decreto 6.323 de 27 de dezembro de 2007.

Esse trabalho teve como um dos objetivos estudar a Lei da Agricultura Orgânica,

somente no que diz respeito às diretrizes para avaliação da conformidade2, e

especificamente, os Sistemas Participativos de Garantia3. Estes foram incluídos na Lei

por reinvindicação de vários movimentos sociais engajados na defesa dos direitos dos 2   Segundo   o   Instituto   Nacional   de   Metrologia,   Normalização   e   Qualidade   Industrial   (INMETRO),  Avaliação  da  Conformidade  é  o  “processo  sistematizado,  acompanhado  e  avaliado,  de  forma  a  propiciar  adequado  grau  de  confiança  de  que  um  produto,  processo  ou  serviço,  ou  ainda  um  profissional,  atende  a   requisitos   pré-­‐estabelecidos   em   normas   e   regulamentos   técnicos   com   o   menor   custo   para   a  sociedade”.  

3     Segundo   a   Lei   10.831   de   23   de   dezembro   de   2003,   regulamentada   pelo   decreto   6.323   de   27   de  dezembro   de   2007,   Sistema   Participativo   de   Garantia   “consiste   em   um   conjunto   de   atividades  desenvolvidas  em  determinada  estrutura  organizativa  regida  por  princípios,  normas  de  organização  e  de  funcionamento,  visando  assegurar  a  garantia  de  que  um  produto  (termo  que  inclui  produto,  processo  ou  serviço)  atende  a   regulamentos   técnicos  da  agricultura  orgânica  e  que   foi   submetido  a  uma  avaliação  participativa  da  conformidade”.  

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pequenos produtores, objetivando garantir meios legais que permitam a avaliação da

conformidade através de formas mais adequadas às particularidades de cada região.

A regulamentação dos Sistemas Participativos de Garantia é de fundamental

importância para o processo de certificação participativa que a Rede Ecovida de

Agroecologia vem trabalhando desde o final dos anos 90 no Sul do Brasil. E a partir do

momento em que a Lei entrar em vigor, a Rede Ecovida terá que se normatizar e

formalizar todos os registros legais exigidos.

A pesquisa desse trabalho teve como objetivos específicos identificar e analisar

os pontos de mudança no processo de certificação participativa da Rede Ecovida

decorrentes dessa nova legislação, possibilitando contribuir no processo de avaliação e

efetivação das mudanças a serem implementadas no sistema pela Rede.

Para fins dessa pesquisa, buscou-se referências bibliográficas do assunto em

artigos, revistas, livros, periódicos e documentos internos. Outra fonte de informação

utilizada foi a observação participante em diversas atividades promovidas pela Rede

Ecovida e pelo Núcleo Litoral Catarinense4. No âmbito de rede ocorreu a participação

em reuniões da coordenação geral, e no âmbito de núcleo, ocorreu a participação em

visitas de certificação, reuniões da coordenação regional.

A partir da análise dos dados verificou-se que as implicações da Lei da

Agricultura Orgânica na Rede Ecovida ocorrerão somente em caráter operacional. A

operacionalidade está baseada numa extensa documentação, que é exigida pelo

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para normatização de

todas as organizações que desejam realizar a avaliação da conformidade.

2. Delimitação do Tema

O mercado de produtos orgânicos teve um crescimento acentuado nos últimos

anos e, a cada dia, mais produtores deixam de cultivar convencionalmente para cultivar

organicamente. Segundo Paulus (2000), tal mudança é decorrente do questionamento da

agricultura implantada a partir da “Revolução Verde”5, que gera uma dependência

4  A  Rede  Ecovida  é  formada  por  Núcleos  Regionais,  é  nesse  espaço  que  acontece  a  articulação  regional  dos   membros   da   Rede.   Os   núcleos   são   a   principal   unidade   funcional   da   organização   (Caderno   de  Formação  01,  2007).  

5   Revolução   Verde   refere-­‐se   à   invenção   e   disseminação   de   novas   sementes   e   práticas   agrícolas   que  permitiram   um   vasto   aumento   na   produção   agrícola   em   países   menos   desenvolvidos   durante   as  

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tecnológica e econômica dos pequenos produtores às empresas que comercializam os

insumos e sementes, além de promover práticas de manejo que se revelam

insustentáveis em termos ambientais.

Ao mesmo tempo, o consumidor também se tornou mais exigente no que diz

respeito à qualidade do alimento consumido, mostrando-se cada vez mais interessado

sobre a forma na qual os mesmos são produzidos (KUNESKI & KARAM, 2004).

A produção orgânica é uma nova linha de se fazer agricultura, portanto, é

necessário elaborar mecanismos de controle de qualidade destes produtos, desde os

estágios iniciais de produção até os finais, de revenda. Mecanismos que garantam

confiabilidade e seriedade sobre os produtos que recebem a denominação de

“Orgânicos”, para que assim os consumidores saibam exatamente que tipo de produto

estão adquirindo e o mais importante, em que condições de cultivo ele foi produzido. O

mercado de exportação também foi outro fator que exigiu a formulação de uma

legislação no país para que a qualidade de seus produtos fosse reconhecida nos países

importadores, que já apresentam uma legislação pertinente. Em decorrência, as

principais organizações que trabalham com o tema construíram ao longo de 9 anos as

diretrizes para a produção e avaliação da conformidade orgânica. O texto do decreto de

regulamentação e as instruções normativas referentes à lei da agricultura orgânica estão

prontos e aguardam a aprovação do governo para entrar em vigor. Para os que

pretendem comercializar seu produto como “orgânico” torna-se necessário adequar-se

às normas de produção, assim como buscar um organismo de avaliação da

conformidade. Estes, também, terão de se adequar e funcionar de acordo com normas

num prazo de 2 anos a partir da vigência da tal lei.

A Rede Ecovida de Agroecologia – ECOVIDA funciona de uma forma

descentralizada e está baseada na criação de Núcleos Regionais. O Núcleo reúne

membros de uma região com características semelhantes, o que facilita a troca de

informações e a certificação participativa em rede. Esta, por sua vez, é realizada por

meio de atores (produtores, processadores, comercializadores e simpatizantes), que

ligados ao Núcleo avaliam todos os fatores pertinentes ao que se considera uma forma

agroecológica de se produzir e através desse estudo garantem o atestado de

conformidade da produção. A certificação é só um dos objetivos da ECOVIDA, que tem

décadas  de  60  e  70.  De  uma  forma  crítica,  a  "Revolução  Verde",  proporcionou  através  destes  'pacotes'  agroquímicos  a  degradação  ambiental  e  cultural  dos  agricultores  tradicionais  (MOREIRA  2000).  

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como prioridade a construção de um novo modelo de agricultura e de sociedade, sendo

este baseado nos princípios da solidariedade, da cooperação e do respeito ao meio

ambiente. Então, o certificado gerado, deve ser a expressão, o reflexo e a imagem de um

processo de certificação desenvolvido com base na credibilidade, fruto da participação

efetiva dos diversos atores e setores integrantes do processo.

Como todas as certificadoras existentes, participativas ou não, a ECOVIDA terá

que se normatizar até o prazo estabelecido pelo governo. Para isso, se faz necessário um

estudo da lei para que possíveis mudanças e adequações ocorram no processo de

certificação garantido por ela.

3. Formulação do Problema

A Lei da Agricultura Orgânica está prestes a entrar em vigor. Num prazo de dois

anos (a partir da vigência) a normatização deverá ser realizada em todas as entidades

responsáveis pela avaliação da conformidade de produtos orgânicos. Que mudanças,

então, deverão ser feitas no processo de certificação participativa da Rede Ecovida de

Agroecologia visando a adequação à nova legislação?

4. Hipótese

A Lei da Agricultura Orgânica foi construída com a contribuição efetiva das

organizações civis e dos movimentos sociais vinculados à agroecologia. A Rede

Ecovida, como organização, teve intensa participação na elaboração dessa lei,

principalmente no que diz respeito à avaliação da conformidade orgânica. Nesse

sentido, parte-se da hipótese que muitas exigências implícitas nesta nova legislação já

haviam sido internalizadas no processo de organização, nos princípios e nos

procedimentos construídos ao longo da história pela Rede Ecovida. Mesmo assim,

algumas mudanças quanto à estrutura e aos procedimentos básicos no sistema

participativo de garantia serão necessários para a Rede Ecovida se adequar à nova lei.

5. Objetivo Geral

O presente trabalho teve como objetivo identificar e analisar as implicações

decorrentes da aplicação da Lei da Agricultura Orgânica (Lei n° 10.831 de 23 de

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dezembro de 2003, regulamentada pelo decreto n° 6.323 de 27 de dezembro de 2007)

no processo de certificação participativa da Rede Ecovida de Agroecologia. O Núcleo

Litoral Catarinense da Rede Ecovida de Agroecologia é utilizado como caso referência

para as análises realizadas neste estudo.

5.1 Objetivos Específicos

1) Interpretar o Anexo IV da Lei da Agricultura Orgânica (Lei n° 10.831), que trata das

Diretrizes para o procedimento de avaliação da conformidade em sistemas participativos

de garantia;

2) Identificar e analisar os pontos de mudança no processo de certificação participativa

da Rede Ecovida de Agroecologia, decorrentes da nova Legislação;

3) Contribuir no processo de avaliação e efetivação das mudanças a serem

implementadas no sistema de certificação participativa da Rede Ecovida de

Agroecologia.

6. Justificativa

Do ponto de vista ambiental, a preocupação com a preservação e recuperação da

natureza, no campo e na cidade, é fundamental. Seja com uma agricultura sem

agrotóxicos e sem organismos geneticamente modificados, ou buscando a minimização

na produção do lixo urbano. Do ponto de vista do consumidor, o comércio justo propõe

o acesso mais amplo possível à informação sobre a origem do produto, o que inclui

quem o produz e o processo produtivo adotado (GUSSON, 2006).

Ao se analisar as questões relacionadas aos circuitos de comercialização de

alimentos sob uma visão alternativa, como é a idéia proposta pelos grupos de

agricultores feirantes, o que basicamente se pretende fazer é encurtar as distâncias e

aumentar o diálogo e a participação das partes envolvidas. Espera-se, assim, a criação

de uma consciência agroecológica do público urbano, para que em conjunto com os

grupos de agricultores, venham a se constituir as primeiras centrais de distribuição de

alimentos agroecológicos (SAGAZ, 2006). A Rede Ecovida de Agroecologia é uma

realidade desse tipo de sistema, em que se promove a proximidade

agricultor/consumidor estabelecendo uma relação de confiança e garantia dos produtos

consumidos. A exigência de normas de produção orgânica, assim como a

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regulamentação da avaliação de sua conformidade, surgem a partir de exigências do

mercado nacional e de países importadores de produtos orgânicos. Os Sistemas

Participativos de Garantia, ou SPG´s, entram nesse contexto de garantias como uma

alternativa à certificação por auditoria (ou de terceira parte), a qual, segundo Santos

(2002) se mostra limitante à agricultura familiar (uma realidade no Sul do Brasil). Sua

conformidade é composta por organizações, produtores, consumidores, agroindústrias e

simpatizantes. Segundo Silveira (2008), o SPG foi uma conquista através de muitas

lutas dos movimentos sociais defensores da agroecologia, em que a participação da

Rede Ecovida foi de fundamental importância para o questionamento do monopólio no

processo de garantia do produto.

As adequações previstas no Decreto n° 6.323 de 27 de dezembro de 2007 para

todas as pessoas físicas ou jurídicas que produzam, transportem, comercializem ou

armazenem produtos orgânicos devem ser efetivadas no prazo de 2 anos a contar de sua

publicação. A ECOVIDA aspira a construção de uma legitimidade perante à sociedade

em relação a seriedade do trabalho desenvolvido pela entidade. Para a continuidade de

seus valores, será necessária sua legalização junto ao Ministério da Agricultura,

Pecuária e Abastecimento (MAPA) que deve ser buscada perante os conselhos e

comissões da Associação Ecovida.

7. Metodologia

O Estágio de Conclusão de Curso que fundamenta a elaboração deste trabalho,

foi realizado numa Organização não-governamental denominada Centro de Estudos e

Promoção da Agricultura de Grupo (CEPAGRO) durante o período de agosto a outubro

do ano de 2008.

O CEPAGRO é uma instituição que apóia o desenvolvimento da agricultura nas

pequenas propriedades, viabilizando a permanência das famílias de agricultores no meio

rural. Algumas atividades desenvolvidas por essa instituição são: formação, assessoria e

acompanhamento dos grupos; promoção de relações institucionais; promoção da

Agroecologia, incluindo as questões de gênero e economia solidária; articulação

política, em relação à formulação de políticas públicas e mobilização e organização

comunitária. É nesse contexto que o CEPAGRO também atua como organização do

Núcleo Litoral Catarinense da Rede Ecovida de agroecologia, onde o objetivo central é

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a promoção da agroecologia na região, além de implantar a certificação participativa

dos produtos ecológicos e incentivar o comércio ético e solidário.

O estágio teve como escopo desenvolver um estudo da nova legislação, no que

diz respeito à certificação, e especificamente avaliar as interferências e influências desta

nova lei no processo de certificação e organização da Rede Ecovida.

Na primeira etapa do estudo analisaram-se dois pontos em relação à certificação:

o que a Lei da Agricultura Orgânica outorga, e os princípios defendidos pela Rede

Ecovida de Agroecologia.

O estudo procurou avaliar as duas situações através de uma pesquisa qualitativa,

fundamentada num estudo de caso. Segundo Triviños (1987), o estudo de caso permite

estabelecer comparações entre dois ou mais enfoques específicos, o que dá origem aos

estudos comparativos de casos, além de permitir avaliar uma conseqüência (mudanças)

decorrente de um ato (a lei), num segundo objeto analisado (Associação Ecovida e

Núcleo Litoral Catarinense). O enfoque comparativo enriquece a pesquisa qualitativa,

especialmente se ele se realiza na perspectiva histórico-estrutural. Com isso em vista,

um estudo do processo de formação e organização da ECOVIDA foi de fundamental

importância, uma vez que se buscou como objetivo analisar mudanças em sua

caracterização. Em geral, esta linha de investigação segue os passos do método

comparativo, em que se avalia, descreve, explica e comparam-se os fenômenos

estudados (TRIVIÑOS, 1987).

Para o desenvolvimento do estudo, buscaram-se referências do assunto em

diversos materiais como documentos, periódicos, livros, dissertações e revistas. A

pesquisa bibliográfica teve por objetivo conhecer as diferentes contribuições científicas

disponíveis sobre o tema (SEVERINO, 1993).

Ainda fez parte do estudo a observação participante nas diversas atividades

realizadas pela ECOVIDA, tanto de âmbito regional (Núcleo Litoral Catarinense)

quanto de âmbito geral (ECOVIDA - SC, PR e RS). A observação participativa é um

tipo especial de observação, na qual o observador deixa de ser um membro passivo e

pode assumir vários papéis na situação do caso em estudo, elem de participar e

influenciar nos eventos em estudo e, ainda, prover certas oportunidades para a coleta de

dados que permitem ao investigador acesso a eventos ou informações que não seriam

acessados por outros métodos (BRESSAN, 2000). Para reforçar, Almeida (1989)

destaca algumas vantagens nesse método, como: as observações se tornam mais

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verdadeiras no seu contexto natural e adquire-se um conhecimento muito pessoal das

reações dos membros do grupo.

A observação participativa, no âmbito do Núcleo, aconteceu em visitas de

certificação, reuniões com conselho de ética e comissão de coordenação, elaboração de

pareceres e relatórios das visitas, e ainda a participação no Encontro Ampliado do

Núcleo Litoral Catarinense. Essa última atividade aconteceu nos dias 17, 18 e 19 de

junho de 2008 na sede do Projeto Gaia Village em Garopaba/SC, envolvendo todos os

membros do Núcleo permitindo, assim, uma real idéia da organização e funcionamento

de uma rede de agricultores, comercializadores e simpatizantes. As visitas de

certificação ocorreram no dia 22 de abril de 2008, sendo realizadas em 2 propriedades

dos municípios de Garopaba e Paulo Lopes. No final desse mesmo dia, o conselho de

ética e comissão de coordenação se reuniu para discutir e levantar eventuais dúvidas

sobre o processo de certificação em rede e definir agendas para os próximos encontros e

visitas. Outra reunião foi organizada para formalizar um novo conselho de ética e uma

nova comissão de coordenação, onde foi apresentado aos novos membros todo o

funcionamento e organização da ECOVIDA, e como acontece o processo de

certificação participativa em rede. No dia 5 de setembro tive a oportunidade de

presenciar uma reunião acontecida em Jaraguá do Sul/SC, onde foi realizado o cadastro

desse novo grupo interessado em entrar para o mercado de produtos orgânicos. No

decorrer da reunião os presentes ficaram conhecendo todos os princípios que envolvem

a produção ecológica. No que se refere à Ecovida, abrangendo os três Estados do Sul do

Brasil, esta associação possibilitou-me a participação em 2 plenárias envolvendo

representantes de cada Núcleo e a Coordenação Geral. A primeira aconteceu nos dias 26

e 27 de fevereiro de 2008 no Núcleo Alto Vale que tem como sede a organização Centro

de Motivação Ecológica e Alternativas Rurais (CEMEAR) localizada no município de

Presidente Getúlio/SC. Foram discutidos assuntos pertinentes à Lei da Agricultura

Orgânica e assuntos relacionados a questões como finanças e andamentos de projetos

desenvolvidos. A segunda aconteceu em Chapecó no Centro de Estudos do Movimento

das Mulheres Camponesas (MMC) nos dias 21 e 22 de outubro de 2008 e foram

abordados assuntos como Soberania Alimentar, planejamento para o Encontro

Ampliado a ser realizado em meados do próximo ano, gestão de um projeto

recentemente aprovado que visa contribuir com a Rede para todo o processo de

“mudanças” decorrentes da Lei da Agricultura Orgânica, e principalmente o parecer do

Grupo de Trabalho Sistema Participativo de Garantia (GT-SPG). Tal grupo foi formado

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na reunião que aconteceu em fevereiro com objetivo de aprofundar os conhecimentos da

Lei e, a partir daí, analisar as implicações da mesma no interior da Rede.

Para a interpretação dos dados foi utilizada a análise de conteúdo de Almeida

(1989), em que os dados são baseados no referencial teórico pesquisado, nas

observações participantes e na própria visão da pesquisadora. A partir daí, iniciou-se o

trabalho de análise, a partir dos dados organizados e ordenados.

8. Agricultura agroecológica

O debate conceitual em torno da agroecologia está sempre em curso, talvez

porque os autores não pretendam apresentar um conceito definitivo do termo, pois, a

agroecologia procura reunir e organizar contribuições, buscando referências em diversas

áreas do conhecimento humano como as Ciências Naturais e Sociais.

O Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores Rurais (CEPAGRI) está

localizado na região do Contestado/SC, e em toda a sua trajetória tem contribuído

ativamente na difusão dos princípios da agroecologia, defendendo-a como uma

alternativa muito mais adequada à realidade da agricultura familiar. Essa organização

em 1998 conceituou, junto a seus participantes, a agroecologia como:

“Processo de produção de alimentos e produtos em conjunto com a

natureza, onde os agricultores e agricultoras desenvolvem suas

atividades protegendo o ambiente e sem depender dos “pacotes

tecnológicos” com seus caros e degradantes insumos industriais. A

agroecologia visa qualidade de vida e não somente as sobras

financeiras. É a base para o desenvolvimento sustentável que inclui os

aspectos sociais, ambientais e econômicos, envolvendo as dimensões

políticas, técnicas e culturais, em processos educativos adequados,

onde os trabalhadores e trabalhadoras assumem o papel principal e

aumentam seu poder de intervenção na sociedade, de forma

organizada” (Cepagri, 1998).

Page 16: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

15

Ana Primavesi6 resume agroecologia, em uma entrevista à revista Globo Rural

(2008), como: “trabalhar a agricultura de forma sustentável, ou seja, ecologicamente

sustentável, socialmente justa e economicamente viável” (Sítio Globo Rural, 2008).

Miguel Altieri é um dos principais pesquisadores científicos da agroecologia no

mundo. É um estudioso muito respeitado diante da comunidade científica, assim como,

da comunidade seguidora da agroecologia. Seu conceito de agroecologia é:

“Ciência ou a disciplina científica que apresenta uma série de

princípios, conceitos e metodologias para estudar, analisar, dirigir,

desenhar e avaliar agroecossistemas, com o propósito de permitir a

implantação e o desenvolvimento de estilos de agricultura com

maiores níveis de sustentabilidade. A agroecologia proporciona então

as bases científicas para apoiar o processo de transição para uma

agricultura "sustentável" nas suas diversas manifestações e/ou

denominações” (2002).

8.1 Histórico

A história da agricultura no Brasil está seguindo os mesmos passos da história

do “Velho Mundo”. Ainda com todo esse conhecimento histórico, o país deixou-se

levar pelos pensamentos guiados pelo modelo industrial com o objetivo de se chegar ao

tal “progresso”. No período colonial houve no Brasil todo o tipo de exploração possível,

desde humana até ambiental. A partir daí o sistema não mudou, muito pelo contrário, só

se intensificou. A conseqüência não poderia ser diferente da já conhecida história da

Europa: recursos naturais esgotados, solos inertes, perda de variabilidade genética

vegetal, recursos hídricos contaminados e uma severa desigualdade social (COELHO,

1998).

6   Pioneira   da   agroecologia   no   Brasil,   Ana   Primavesi   ensina   há  mais   de   60   anos   que   é   possível   aliar   a  produção   de   alimentos   à   conservação   do  meio   ambiente.   Nascida   de   uma   família   de   agricultores   no  vilarejo  de  St.Georgen  Ob   Judenburg,  no   sul  da  Áustria,  Ana  Primavesi   cursou  Agronomia  em  Viena  e  casou-­‐se  com  um  colega  de  profissão.  No  final  da  segunda  guerra,  quando  os  soviéticos  ocuparam  parte  do  país  e  começaram  a  confiscar  as  propriedades  rurais,  decidiram  vir  para  o  Brasil.  Desde  aquela  época  Ana  Primavesi   já   contestava  as   técnicas   estabelecidas,   procurando   se  orientar  pelos   sinais  que  o   solo  oferece.   Revista   Globo   Rural   acessado   no   sítio  http://revistagloborural.globo.com/GloboRural/0,6993,EEC500416-­‐1641-­‐1,00.html   no   dia   17   de  novembro  de  2008.  

Page 17: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

16

Foi no início do século 20 que a agricultura marcou pela euforia produtivista

gerada a partir dos achados de Liebig, o qual foi o responsável por introduzir a prática

da adubação com fertilizantes sintéticos (EMBRAPA, 2006). Com o passar dos anos o

modelo de agricultura se desenvolveu com a proposta de domínio técnico industrial. No

período pós-guerra essa tecnificação se estendeu até os países subdesenvolvidos que

praticavam uma agricultura de baixo ou sem uso de insumos externos. Essa

transferência de tecnologia dos países desenvolvidos justificava a forte escassez de

alimento decorrentes do longo período de guerra. Aí surgiu o discurso que acompanhou

a implantação da Revolução Verde: racionalização e tecnificação da agricultura a fim de

acabar com a fome no mundo. Mesmo com certo aumento na produtividade gerada pela

Revolução Verde, observou-se nos países subdesenvolvidos a construção da estrutura

fundiária e o aumento dos latifundios, uma vez que os pequenos agricultores não

conseguiram financiar os gastos necessários para acompanhar a Revolução. Também se

criou uma dependência tecnólogica dos países subdesenvolvidos para com os

desenvolvidos, das indústrias de fertilizantes, monopólio das sementes, além de muita

poluição, sobretudo causada pelo pesticida DDT, hoje de uso proibido

(KHATOUNIAN, 2001).

Coelho (1998) ainda conclui que a revisão desse sistema agrícola só se deu,

realmente, no final do século passado pelo principal motivo: o esgotamento das

energias, hoje denominadas de não-renováveis. A essa fase o autor chama de era da

“agricultura sustentável”, onde já é bem visível o crescente uso de práticas

conservacionistas, mobilização científica quanto ao uso de energias “renováveis”,

preocupação quanto à agricultura familiar, entre outros.

A agroecologia entra na história como uma busca em estabelecer estilos de

agricultura menos agressivos ao meio ambiente e, capazes de proteger os recursos

naturais, conservar o meio ambiente, além de serem mais duráveis no tempo, tentando

fugir do estilo convencional de agricultura. Ela proporciona as bases científicas e

metodológicas para a promoção de estilos de agriculturas sustentáveis, tendo como um

de seus eixos centrais a necessidade de produção de alimentos em quantidades

adequadas e de elevada qualidade biológica, para toda a sociedade. Ainda reconhece a

existência de uma “relação estrutural de interdependência entre o sistema social e o

sistema ecológico (a cultura dos homens em coevolução com o meio ambiente)”

(ALTIERI, 2002).

Page 18: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

17

Para Assis (2006) os sistemas de produção agroecológicos, ao integrarem

princípios ecológicos, agronômicos e socioeconômicos, surgem como possibilidade

concreta de implementação de um processo democrático de desenvolvimento rural

sustentável a partir de uma ação local, no qual os agricultores têm condições de assumir

a posição de atores principais. Em contrapartida dependerá de mudanças profundas do

paradigma de desenvolvimento vigente na sociedade contemporânea, ou seja, entre

outros aspectos, na elaboração de estratégias de desenvolvimento fundamentadas nos

eixos local e regional.

Campanhola (1998) ainda reforça que, na adoção dos princípios agroecológicos,

os pequenos produtores agropecuários apresentam características que lhes conferem

uma vantagem em relação aos grandes produtores. Entretanto, há necessidade do poder

público estabelecer políticas compensatórias que estimulem e viabilizem a incorporação

da agroecologia pelos pequenos produtores, assim sendo, serviços como os de

assistência técnica e extensão rural públicos terão que incorporar, validar e praticar os

princípios da agroecologia.

8.2 Importância

Segundo Caporal e Costabeber (2000), a agroecologia é entendida como um

enfoque científico destinado a apoiar a transição dos atuais modelos de

desenvolvimento rural e de agricultura convencional, visto que são insustentáveis, para

formas de desenvolvimento rural e de agriculturas sustentáveis. Para Altieri (2002), as

agriculturas sustentáveis trazem consigo uma visão holística que considera no termo

sustentabilidade, as dimensões ecológicas, econômicas, sociais, culturais, políticas e

éticas.

Nessa ótica, Costabeber et al. (2000), cita que “as pretensões e contribuições da

agroecologia vão muito além dos aspectos meramente tecnológicos ou agronômicos da

produção, incorporando dimensões mais abrangentes e complexas que incluem tanto

variáveis econômicas, sociais e ambientais, como variáveis culturais, políticas e éticas

da produção agrícola. Estas são condições importantes quando se tem em conta as

possibilidades de transição da agricultura convencional para estilos de produção com

base ecológica”.

O mesmo autor afirma que atualmente os campos da pesquisa e experimentação

em agroecologia se concentram mais nos aspectos tecnológicos da produção

Page 19: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

18

agropecuária. Dentro desse foco, a agroecologia se manifesta através de práticas

voltadas para a conservação ambiental, como, por exemplo, o uso da compostagem, da

adubação verde, do manejo ecológico dos solos, rotação de culturas, controle biológico

integrado de pragas e doenças, conservação genética da diversidade de espécies, e

conservação e uso racional dos recursos naturais. Todas essas práticas de manejo dos

sistemas agrícolas visam, também, o aproveitamento dos recursos existentes nas

propriedades, o que proporciona aos agricultores uma forma ambientalmente saudável e

rentável de produção, com a geração de produtos de qualidade, que melhoram a vida

tanto dos agricultores quanto dos consumidores.

As práticas agroecológicas podem ser vistas como práticas de resistência da

agricultura familiar7 ao processo de exclusão do meio rural e homogeneização das

paisagens de cultivo. Segundo Costabeber e Campanhola (2000), as práticas

agroecológicas se baseiam na pequena propriedade, na mão de obra familiar, em

sistemas produtivos complexos e diversos, adaptados às condições locais e em redes

regionais de produção e distribuição de alimentos. O autor ainda enfatiza que a

diversificação de culturas é uma forma de garantir a segurança alimentar e a geração de

renda aos agricultores. O cultivo diversificado e em diferentes épocas do ano gera vários

ciclos de colheita proporcionando, assim, riscos menores de perdas totais da produção.

Desse modo, essa propriedade familiar não está tão vulnerável aos fatores bióticos e

abióticos que possam implicar na quantidade e na qualidade da produção, ao contrário

das monoculturas. Com relação a geração de renda, uma propriedade com as

características citadas acima, por desenvolver várias atividades, exige uma maior

demanda de mão-de-obra, o que assegura aos membros da família trabalho e

remuneração. Além disso, oferece oportunidade de emprego a trabalhadores sazonais

durante as épocas de maior necessidade como os períodos de colheita.

7  Na  legislação  brasileira,  a  definição  de  propriedade  familiar  está  consignada  no  Inciso  II  do  artigo  4°  do  Estatuto   da   Terra,   estabelecido   pela   Lei   n°   4.504   de   30   de   novembro   de   2004,   com   a   seguinte  redação:”propriedade   familiar:   o   imóvel   que,   direta   e   pessoalmente   explorado   pelo   agricultor   e   sua  família,   lhes   absorva   toda   a   força   de   trabalho,   garantindo-­‐lhes   a   subsistência   e   o   progresso   social   e  econômico,  com  área  máxima  fixada  para  cada  região  e  tipo  de  exploração,  e  eventualmente  trabalhado  com   a   ajuda   de   terceiros”.   São   considerados   agricultores   familiares   os     pequenos   agricultores,  agricultores   tradicionais,   pescadores   artesanais,   indígenas,   quilombolas,   ribeirinhos,   assentados   de  reforma   agrária   e,   mais   recentemente,   agricultores   urbanos.   Informação   extraída   do   sitio  wwww.agricultura.gov.br/legislação  acessado  no  dia  15  de  novembro  de  2008.  

Page 20: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

19

Conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,

1996), existem no Brasil 4,2 milhões de estabelecimentos familiares. A agricultura

familiar ocupa 70% da mão-de-obra do meio rural, possui 30% das terras e recebe

menos de 20% dos créditos. Responde por 40% do valor da produção agropecuária e

produz quase 60% dos alimentos consumidos no país. Com base nessas informações, os

programas de desenvolvimento rural do Governo Federal estão fundamentando um

novo direcionamento ao promover a agroecologia como um modelo de agricultura

correspondente à realidade do pequeno produtor.

8.3 Produção e Comercialização

A produção a partir da agricultura familiar possibilita gerar renda, oportunizar

trabalho, ampliar a oferta de alimentos, bem como contribuir para o desenvolvimento da

comunidade.

Mas, para alcançar essas metas deve-se entender e respeitar a particularidade das

características locais e a cultura das populações ou comunidades que vivem numa dada

região ou ecossistema. Logo, a estratégia tecnológica deve ter como foco a construção

de agriculturas sustentáveis dentro de uma sociedade também sustentável (CAPORAL;

COSTABEBER; PAULUS, 2006).

“A Agroecologia tem a potencialidade para constituir a base de um novo

paradigma de desenvolvimento rural sustentável” (CAPORAL; COSTABEBER;

PAULUS, 2006). A alfabetização ecológica seria a chave para se chegar ao caminho de

uma mobilização da sociedade quanto à “novas” idéias a respeito da natureza, ao

próximo e ao uso racional dos recursos naturais (RODRÍGUES, 2005). É importante,

então, proporcionar um espaço de articulação entre agricultores, organizações, entidades

de assessoria, consumidores e simpatizantes para se construir e fortalecer o

conhecimento das bases da agroecologia. Esses espaços podem ser aproveitados para

realização de trocas de experiência, a qual proporciona aos participantes mais um

campo de conhecimento.

A agroecologia apregoa a comercialização baseda no comércio justo e solidário,

a qual, segundo a International Federation of Alternative Trade (IFAT), visa a “parceria

comercial”, baseada em diálogo, transparência e respeito, buscando uma maior eqüidade

no comércio. Ele contribui para o desenvolvimento sustentável, por meio de melhores

Page 21: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

20

condições de troca e garantia dos direitos para produtores e trabalhadores

marginalizados.

Neste contexto fundamenta-se a comercialização baseada em circuitos curtos, ou

seja, a venda direta em feiras ou em domicílios. Essa opção proporciona inúmeras

vantagens tanto para os agricultores quanto para os consumidores. Sagaz (2006) listou

algumas dessas vantagens no quadro a seguir:

AGRICULTOR:

O agricultor estabelece o preço final no seu

produto, pois não há interferência do

intermediário.

O preço recebido é geralmente maior do

que o pago pelos intermediários.

As vendas são à vista.

Permite conhecer os hábitos do

consumidor e estabelecer, com ele,

relações de confiança e amizade.

Fidelidade da clientela.

A venda por encomenda é uma maneira de

se conquistar a confiança e a simpatia do

consumidor.

Importante espaço de divulgação dos

trabalhos realizados pelos Grupos.

Resgate da auto-estima do agricultor, que

se sente respeitado enquanto cidadão.

CONSUMIDOR:

Aquisição de produtos frescos.

Conhece quem produziu o alimento que esta

comprando.

Tem atendimento pessoal, com troca de

idéias e informações.

Possível encomenda de produtos

personalizados, que dificilmente encontrará

em outro local de venda.

Acesso a diferentes variedades dos produtos

comerciais.

Proximidade e identificação com o

agricultor.

FONTE: SAGAZ 2006

É essencial para viabilizar a consolidação da agroecologia fatores como a

estruturação dos processos de agregação de valor e de comercialização solidária. Por

esses mecanismos, os agricultores valorizam seus produtos, os consumidores ajudam a

desenvolver o mercado local, e juntos estabelecem relações comerciais, a qual ambos

garantem seus direitos através da construção do respeito e confiança.

Page 22: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

21

8.4 Certificação

Para melhor entendimento do conceito de “certificação”, é importante esclarecer

antes o conceito de “avaliação da conformidade”. Esta, por sua vez, está baseada na

sistematização de um processo acompanhado e avaliado, e que tem como finalidade

determinar, direta ou indiretamente, que um produto, processo, pessoa ou serviço atende

aos requisitos técnicos especificados. Os requisitos técnicos são itens ou critérios

definidos em uma norma técnica, regulamento técnico ou outro documento de

referência, como as diretrizes de uma legislação. O objetivo em se avaliar a

conformidade é informar e proteger o consumidor, seja quanto à saúde, segurança e

meio ambiente, propiciar a concorrência justa, estimular a melhoria contínua da

qualidade, facilitar o comércio internacional e fortalecer o mercado interno (INMETRO,

2008). Existem cinco modos de avaliação da conformidade segundo Grizante Júnior e

Bastos (2003): ensaio, inspeção, declaração do fornecedor, etiquetagem e certificação.

Para fins desse trabalho, as avaliações da conformidade abordadas serão

especificamente a certificação e a declaração do fornecedor. A pesquisa se desenvolve

a partir do processo de avaliação da conformidade realizada pela Rede Ecovida, este que

está fundamentado na geração de credibilidade de seus produtos através das relações

estabelecidas, formais ou informais, entre produtores e consumidores e/ou através da

organização de base e das relações em rede. O trabalho ainda irá argumentar que a

avaliação da conformidade por certificação não condiz com realidade do público

interessado que compõe a Rede Ecovida.

Segundo o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade

Industrial (INMETRO), certificação, então, consiste num procedimento de avaliação da

conformidade onde um organismo de 3ª parte (independente da produção e do consumo)

atesta por escrito que determinado produto, processo ou serviço está de acordo com as

normas ou regulamentos pré-estabelecidos.

O INMETRO define que a declaração de conformidade do fornecedor refere-se a

um conjunto de procedimentos estabelecidos e reconhecidos, a qual o próprio

fornecedor utiliza quando declara que o seu produto ou serviço está de acordo com uma

norma ou especificação técnica. É, portanto, de responsabilidade do fornecedor (aqui

entra, então, o papel do agricultor-produtor) a garantia do produto ou serviço estar de

acordo com suas declarações.

Page 23: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

22

Dentro dos princípios da agroecologia a geração de credibilidade é construída a

partir da relação que o produtor (que ao mesmo tempo é fornecedor) desenvolve com o

consumidor. Esse tipo de garantia é uma proposta baseada em diálogo, transparência e

respeito, que busca maior eqüidade das partes do comércio. Isto contribui para o

desenvolvimento sustentável, por meio de melhores condições de troca e garantia dos

direitos para os produtores/fornecedores e consumidores.

Portanto, o selo de avaliação da conformidade de um alimento orgânico fornece

ao consumidor muito além da certeza de estar levando para a casa um produto isento de

contaminação química. Garante também que esse produto é o resultado de uma

agricultura capaz de assegurar qualidade do ambiente natural, qualidade nutricional e

biológica de alimentos e qualidade de vida para quem vive no campo e nas cidades. Ou

seja, o selo de "orgânico" é o símbolo não apenas de produtos isolados, mas também de

processos mais ecológicos de se plantar, cultivar e colher alimentos.

9. A Rede Ecovida de Agroecologia

9.1 Histórico

A Rede Ecovida de Agroecologia teve sua formação inicial pelas organizações

não governamentais e organizações populares, que se identificaram pela luta de uma

mesma causa: o respeito pelo ambiente, a solidariedade, a cooperação, o respeito às

diferenças, o resgate da cultura local, a valorização dos seres humanos e da vida.

Segundo Santos (2000) tal junção se idealizou formalmente no ano de 1998

numa audiência pública realizada na Assembléia Legislativa, em Florianópolis/SC, com

a presença de mais de 130 pessoas entre entidades de assessoria, agricultores, poder

público e sociedade civil. O último levantamento em 2005 contabilizou uma

composição de 2438 famílias de agricultores organizados em 272 grupos, associações e

cooperativas; 28 ONG’s; 6 cooperativas de consumidores; 16 comercializadoras;

processadores e diversos profissionais, distribuídos pelos estados de Santa Catarina,

Paraná e Rio Grande do Sul.

Ao longo de 30 anos, essas organizações vêm seguindo e, também,

fundamentando um modelo de agricultura alternativa ao modelo produtivista oriundo da

“Revolução Verde”. Este se vem mostrando insustentável em termos sócio-econômicos

e ambientais, levando-se em consideração a realidade da estrutura fundiária do Sul do

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23

Brasil baseado em pequenas propriedades (PREZOTTO 2005). O modelo alternativo

apregoa os princípios da agroecologia. Altieri (2002) conceitua Agroecologia como:

“Uma ciência que emprega metodologias para estudar as relações em

agroecossistemas e avaliá-los. Como parte deste sistema, as questões

humanas e sociais são fundamentais, do ponto de vista técnico, ela

trabalha com princípios e não receitas” (2002).

Fundamentados nesses princípios, entidades de agricultores familiares,

processadores e comerciantes de produtos ecológicos, instituições de assessoria, ONG’s

e organizações de consumidores motivaram o surgimento da Rede Ecovida de

Agroecologia, que se desenvolve e evolui através da integração de todos esses atores.

Diante dessa trajetória de sensibilização que culmina com a formalização e constituição

da Rede em 1998 inicia-se um novo formato de organização de um movimento

agroecológico no Sul do Brasil: A Rede Ecovida de Agroecologia. Como resultado

desse envolvimento, construiu-se os princípios do movimento, que segundo o Caderno

de Normas de Organização e Funcionamento (2001) são:

1) Ter como base a agroecologia para o desenvolvimento sustentável;

2) Trabalhar com agricultores e agricultoras familiares e suas organizações;

3) Ser orientada por normativa própria de funcionamento e de produção;

4) Trabalhar na construção de mercado justo e solidário;

5) Garantir a qualidade do processo por meio da certificação participativa.

Nesse processo, os objetivos de cada ator envolvido se resumem em:

1) Desenvolver e multiplicar as iniciativas em agroecologia;

2) Estimular o trabalho associativo na produção, comercialização e consumo de

alimentos ecológicos;

3) Articular e tornar disponíveis informações entre as organizações e pessoas;

4) Aproximar de forma solidária agricultores e consumidores;

5) Estimular o intercâmbio, o resgate e a valorização do saber popular;

6) Ter uma marca/selo que expresse o processo, o compromisso e a qualidade.

Page 25: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

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Ao longo das experiências providas apartir da constituição em rede, a Ecovida

sempre esteve aberta a mudanças para o aprimoramento de seu trabalho. Uma mudança

estratégica foi a organização da Rede em Núcleos Regionais a partir do final do ano de

2000 e início de 2001. Nesta modificação, alguns passos e atividades foram sugeridos e

socializados às regiões para um melhor desenvolvimento das ações (SANTOS, 2005).

O Núcleo Litoral Catarinense se concretizou na Rede Ecovida de Agroecologia,

como representante do espaço geográfico de mesmo nome, no dia 18 de dezembro de

2002 com a participação de 11 organizações filiadas. Hoje o Núcleo ampliou sua

atuação para mais 07 grupos, tendo filiadas atualmente 18 organizações rurais e urbanas

espalhadas pelos municípios catarinenses de Laguna, Garopaba, Paulo Lopes, Palhoça,

Florianópolis, Alfredo Wagner, Ituporanga, Imbuia, Itajaí, Joinville e Jaraguá do Sul.

Atualmente três entidades de Assessoria também fazem parte do Núcleo, sendo elas o

CEPAGRO – Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo, IPAB – Instituto

Austro-brasileiro de Permacultura e a Fundação 25 de Julho de Joinville. As

processadoras estão representadas pela Naturama Sucos de Babosa e Dom Natural e os

pontos de vendas são: a Associação Eco e o Quintal da Ilha em Florianópolis.

Nestes 6 anos de existência, o Núcleo promoveu intercâmbios entre os grupos e

com outros Núcleos da Rede Ecovida, trocas de experiências e informações, trocas de

produtos, oficinas técnicas, formações, e principalmente o fortalecimento do movimento

em rede da Agroecologia no Litoral Catarinense e no Sul do Brasil. Segundo dados do

Cepagro de 2007, os resultados das atividades desenvolvidas pelo Centro foram

positivas. A promoção da agricultura agroecológica de grupo motivou os agricultores

com relação ao campo, e oportunizou a geração de renda na venda de seus produtos

ecológicos, na qual tem um preço diferenciado no mercado. Tal mobilização teve como

resultado a criação de 5 feiras distribuídas pelos municípios de Florianópolis, Palhoça,

Garopaba e Itajaí.

9.2 Caracterização

A Rede Ecovida de Agroecologia abrange um espaço estabelecido pelos Estados

de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. A Rede é um espaço informal e sem

estrutura legal, a base de sua composição é: agricultores familiares ecologistas e suas

organizações (associações, cooperativas, etc.); organizações de assessoria em

agroecologia (ONGs); consumidores e suas organizações (Associações de moradores,

Page 26: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

25

cooperativas de consumo, etc.); pessoas e organizações comprometidas com a

agroecologia, e processadores e comerciantes de alimentos agroecológicos (pequenas

empresas).

Segundo o caderno de formação 01, a Rede Ecovida de Agroecologia se

organiza através de espaços de interação e dinâmicas locais e regionais de forma

participativa e não hierarquizada. Tal forma de organização estimula a responsabilidade

e o protagonismo coletivos. São espaços e dinâmicas organizativos da Rede: a

organização local, os núcleos regionais, a coordenação geral, a plenária de núcleos na

Rede, a plenária de núcleos nos estados e o encontro ampliado.

A Coordenação Geral e as Coordenações Estaduais, segundo documento da

Rede de 2000, apresenta o objetivo de facilitar o funcionamento de todo o processo,

tendo como atribuições específicas em manter atualizadas as informações, motivar e

subsidiar os núcleos regionais e organizações membros, bem como representar e

defender a Rede. Ainda no mesmo documento, menciona-se que a Coordenação Geral

ou Ampliada é formada por: coordenador geral, coordenador de certificação,

coordenador técnico e de formação, coordenador de informação e comercialização, e

coordenador tesoureiro. A coordenação deverá contemplar a representatividade dos

estados que compõem a rede, ou seja, cada estado terá um coordenador estadual

(atualmente 1 em SC, 1 no PR e 1 no RS).

Os atores que compõem a Rede são organizados de acordo com regiões

geográficas, conhecidos como Núcleos Regionais (NR), como se fossem “nós”. Os

núcleos são a referência e o corpo efetivo da rede em cada região. Têm a função de

facilitar o trabalho de acordo com dinâmica e atividades próprias (regimento), manter e

disponibilizar as informações necessárias à rede, manter atualizados os cadastros dos

integrantes, indicar e aprovar a adesão de novos membros, colher e analisar as

informações referentes à certificação dos membros do núcleo, recolher anuidades, etc.

Por sua vez, os NRs são constituídos por Grupos, na qual são formados a partir de

comunidades, e outras organizações como de consumidores e de assessorias (SANTOS

2004).

O NR Litoral Catarinense apresenta uma estrutura de organização dividida por

um Conselho de Ética e uma Comissão de Coordenação. A primeira se torna

responsável pela avaliação da conformidade, e a segunda é composta por um

representante de cada Grupo e tem a função de intermediar o Conselho e os membros

dos Grupos.

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26

Do ponto de vista jurídico, a Rede Ecovida mostra-se informal. Sendo uma

associação criada para responder pela certificação perante os órgãos competentes

quando for obrigada a tal. A Associação Ecovida de Certificação Participativa respalda

o processo gerado e desenvolvido nos núcleos regionais (SANTOS 2004).

9.3 Funcionamento

O Documento de Normas da Rede ilustra a articulação entre os atores sociais

envolvidos. Visando atender essas normas, a rede busca trabalhar com princípios e

objetivos bem definidos e tem como metas fortalecer a agroecologia em seus mais

amplos aspectos, disponibilizar informações entre os envolvidos e criar mecanismos

legítimos de geração de credibilidade e garantia dos processos desenvolvidos por seus

membros.

Seu funcionamento é totalmente descentralizado e se fundamenta na constituição

de núcleos regionais. Os núcleos reúnem todos os membros de uma região que contenha

características similares, que possam facilitar o intercâmbio de informações, que

viabilizem o processo de certificação participativa e facilitem a comunicação e o

encontro dos membros.

Os núcleos têm liberdade para conduzir suas ações e o processo de certificação,

desde que sigam os princípios e normas de produção, processamento e certificação da

Rede. Segundo Santos (2005), as normas de produção da Rede foram construídas

participativamente em encontros com grupos de agricultores e organizações. Elas

tomaram como base a IN 07 (Instrução Normativa nº 07 publicada pelo MAPA em maio

de 1999) que, por sua vez, foi concebida por acúmulos históricos de algumas

certificadoras da IFOAM (International Federation of Organic Agriculture Movements)

e do CODEX (Codex Alimentarius). Orienta-se que cada núcleo elabore seu regimento

interno de funcionamento, mas é fundamental a existência de um Conselho de Ética,

que mais que cumprir a função de fiscais, atuam como promotores do processo de

intercâmbio entre seus membros. Já a Comissão de Coordenação realiza o papel de uma

ponte entre as questões que são discutidas em plenárias gerais e regionais, e os membros

de seus grupos.

Para fazer parte da Rede Ecovida, os interessados (seja

pessoa/grupo/organização) devem ser indicados por pelo menos três membros atuais da

Rede (associados). Sua aprovação é tarefa do próprio grupo e núcleo. Já a aprovação de

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27

adesão de um novo núcleo na rede é tarefa do encontro ampliado com aprovação por

consenso ou por, no mínimo, 2/3 dos delegados presentes. As pré-condições para adesão

são:

• Que a pessoa ou organização esteja em concordância e pratique os princípios da rede;

• Que a pessoa ou nova organização preencha a ficha cadastral definitiva após

aprovação;

• Que o processo de produção, beneficiamento, armazenamento e transporte seja

acompanhado tecnicamente por pessoas e/ou entidade(s) de assessoria membro(s) da

rede;

• Que os produtores, processadores e comerciantes participem, obrigatoriamente, de

processo de formação em agroecologia respaldado pela rede, sendo facultativo aos

associados consumidores;

• Para a oficialização da adesão, deve-se realizar o pagamento do valor integral da

anuidade.

A instância máxima das decisões da Rede se realiza no Encontro Ampliado

(Assembléia Geral) duas vezes ao ano. Nesse espaço acontece o intercâmbio entre os

núcleos e as regiões, promovendo a produção e discussão de todos os documentos

referentes ao funcionamento e ao processo de certificação da Rede, entre outros

assuntos. Entre os encontros ampliados são realizadas plenárias que tem como função

preparar o Encontro Ampliado, encaminhar as decisões deste e deliberar sobre os pontos

que, por qualquer motivo, não tenham sido abordados no Encontro Ampliado ou que se

mostram de caráter urgente como: novas definições no panorama nacional sobre a

certificação ou projetos da Rede Ecovida. Para representar a Rede nos mais diversos

fóruns e encontros, bem como deliberar sobre os pontos em aberto ou indicados pelas

instâncias acima citadas, existe a Coordenação Política-Operacional ou simplesmente

coordenação. Esta é formada por três representantes de cada estado do Sul.

Na ocorrência de descumprimento das normas estabelecidas, o Conselho de

Ética do Núcleo Regional deverá ser acionado, para que avalie o caso e emita um

parecer. Caso seja confirmado tal descumprimento as sanções, segundo a cartilha do

Grupo de Agricultura Orgânica são: interrupção imediata do certificado e do uso dele;

encaminhamento de orientação para as modificações nos procedimentos de produção ou

beneficiamento, conforme o parecer do Conselho de Ética; aquele que perdeu o

Page 29: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

28

certificado Ecovida reaverá o mesmo quando solicitar ao núcleo regional sua nova

certificação e ficar comprovado o cumprimento das normas, em especial as mudanças

propostas anteriormente; a reincidência no descumprimento das normas será avaliada

pelo Núcleo.

9.4 Certificação Participativa em Rede da Ecovida

A Rede Ecovida denomina Certificação Participativa o processo de geração de

credibilidade que pressupõe a participação solidária de todos os segmentos interessados

em assegurar a qualidade do produto final e do processo de produção. Este processo

resulta de uma dinâmica social que surge a partir da integração entre os envolvidos com

a produção, consumo e divulgação dos produtos ecológicos. A Certificação

Participativa realizada pela Ecovida pode ser definida, conforme diz o caderno de

formação 01, como “um processo de geração de credibilidade em rede realizado de

forma descentralizada, respeitando as características locais, que visa aprimorar a

Agroecologia e assegurar a qualidade de seus produtos através da participação,

aproximação e compromisso entre os agricultores, os técnicos e os consumidores”.

É importante mencionar que a palavra “certificação” segundo a Legislação da

Agricultura Orgânica se refere à avaliação da conformidade a partir de um inspetor ou

uma terceira parte sem vínculos com a parte a ser avaliada. A Rede quando denominou

sua avaliação da conformidade como “certificação” participativa (anteriormente à

Legislação da Agricultura Orgânica) não teve implícita nessa definição a presença de

uma terceira parte envolvida, e sim, o atestamento de vários atores quanto a

conformidade avaliada.

É a palavra do agricultor e de sua família o pressuposto inicial que gera a

credibilidade no processo de certificação participativa. A seriedade do trabalho

desenvolvido por essa família é garantida pelo seu grupo, que está literalmente à sua

volta. O grupo, por sua vez, tem seu trabalho confiado pelo conselho de ética os quais

constituem o núcleo regional. É desta forma que todos os produtos deste núcleo são

confiados pelos demais núcleos, que possuem em comum às normas de produção e

funcionamento.

Segundo Santos (2005), assim como as normas de produção, as normas de

certificação foram produzidas de maneira participativa visando ser mais simplificadas e

gerais possíveis, a fim de poder nortear o trabalho como um todo com as devidas

Page 30: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

29

adequações peculiares à prática da produção ecológica de acordo com a região e o

contexto em que está inserida. Assim, os núcleos regionais, em sua atuação, possuem

um papel importante na compreensão e prática dos princípios agroecológicos. Segundo

Santos (2005):

“A principal característica da Certificação Participativa é que ela

prescinde da figura do inspetor como o maior responsável pela

credibilidade, fato este marcante em processos por auditoria. Isto

acontece, pois a Certificação Participativa é composta por uma série

de instrumentos capazes de propiciar, simultaneamente, a verificação

do cumprimento das normas e o aperfeiçoamento do processo

produtivo através de mecanismos como: organização de base dos

agricultores fazendo parte de um grupo ou associação; proximidade

com os consumidores – através da venda direta e das visitas às

propriedades; acompanhamento técnico – por parte de alguma

organização de assessoria ou pessoa capacitada na área; controle

interno – realizado periodicamente pelos outros membros do grupo e

“olhar externo” – realizado por um conselho de ética formado por

pessoas não ligadas ao empreendimento ou organização a ser

certificada”.

Segundo a Cartilha do Grupo de Agricultura Orgânica a Certificação Participativa em

Rede (CPR) está concretizada em:

1) Garantia entre agricultores;

2) Relação próxima entre agricultores e consumidores (venda direta e visita às

propriedades);

3) Acompanhamento técnico pela assessoria;

4) Olhar externo do Conselho de Ética do núcleo regional.

É dentro de cada núcleo regional que a certificação participativa em rede é

desenvolvida. O processo é reconhecido mutuamente entre os demais núcleos que,

interligados, estabelecem a Rede Ecovida. Isto permite a circulação de informações e

mercadorias entre os núcleos, aumentando a credibilidade dentro e fora da Rede,

alimentando constantemente todo o processo. De maneira simplicada o quadro a seguir

caracteriza o processo da CPR:

Page 31: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

30

Quadro I: Certificação Participativa em Rede e suas características.

Espaço -

abrangência

Público de

trabalho

Mecanismo de controle Denominação da

fase

1. Propriedade

Agricultor(es)

Curso(s), normas, acompanhamento, croquis, planos de conversão, etc.

Formação, Informação e Compromisso

2. Organização ↓

Grupos

Associações Cooperativas

Comissão de ética, visitas alternadas, reuniões, pactos

de responsabilidade, intercâmbios, suspensões.

Auto-fiscalização Auto-regulação e

3. Núcleos Regionais ↓

Organizações que compõem

a Rede em certa região

Conselho de ética, formação periódica,

participação de consumidores, suspensões,

representatividade.

Responsabilidade

Mútua e

“Olhar externo”

4. Associação

Ecovida10

Conselhos e comissões

Conselho de Certificação, Conselho de Ética e Comissão Técnica.

Legal

Fonte: SANTOS, 2002.

O Núcleo Litoral Catarinense realiza a CPR baseada nas normas de certificação

estabelecidas de forma participativa pelos atores da Rede Ecovida. Conforme a

peculiaridade da região, a CPR é procedida com algumas características especiais, mas,

sempre seguindo os princípios estabelecidos pela Rede Ecovida. O estatuto da rede

propõe um modelo a partir do qual os núcleos se baseiam para definir sua forma

específica de certificação participativa. A seguir podemos verificar, na observação da

pesquisadora, os passos seguidos pelo processo de certificação desenvolvido pelo NR

Litoral Catarinense:

1) O agricultor familiar deve fazer parte de uma organização (grupo, associação,

cooperativa) a qual se integra à Rede Ecovida pela indicação de dois membros no

núcleo regional que se identifica com suas características. Este acaba sendo o NR mais

próximo;

Page 32: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

31

2) A oficialização da adesão deste novo integrante se dá pelo acompanhamento

técnico de uma pessoa ou organização já pertencente à Rede. Quando há a aprovação

pelo núcleo, preenche-se uma ficha e efetiva-se o pagamento da anuidade.

3) Se o novo integrante ou organização deseja um certificado para utilização do

selo em seus produtos, ele deve requerer ao seu núcleo o preenchimento do formulário

de certificação. Este é feito por unidade produtiva e conta com a visita à propriedade e

auxílio ao preenchimento de alguns membros do conselho de ética, geralmente estes são

os técnicos da organização responsável pelo núcleo. Os formulários são entregues ao

conselho de ética para avaliação.

4) A visita de certificação propriamente dita é agendada com antecedência para que

todo o conselho de ética possa participar. É imprescindível a presença do conselheiro do

grupo a qual pertence o solicitando da visita. Geralmente realiza-se duas visitas num

dia, uma pela manhã e uma pela tarde. Assim, otimiza-se o dia e o deslocamento dos

membros do conselho, que muitas vezes é de grande distância.

5) Ao final de cada visita são reunidos todos os participantes, inclusive o

responsável pela propriedade a ser certificada. Neste momento, os conselheiros relatam

o que foi visto, segundo um roteiro de visita sugerido que permite visualizar as

atividades da propriedade e relacioná-las com as normas de produção da Ecovida. Caso

esteja nos conformes a certificação é emitida naquele momento, e caso não, todos os

conselheiros poderão sugerir adequações. O produtor, então, estabelece um prazo para

que todas as sugestões de adequações sejam realizadas. A partir desse momento marca-

se uma nova visita de certificação.

6) Um conselheiro se responsabiliza em escrever o relatório referente à visita

(mesmo se não certificada) e encaminhar para os demais conselheiros.

7) A partir desse relatório, o mesmo conselheiro emite um parecer da visita de

certificação e o certificado de propriedade ecológica, que num segundo momento é

entregue ao produtor ou organização certificada juntamente com selos requeridos;

8) Paralelo a todo esse processo há o acompanhamento de membros do conselho,

geralmente técnicos, no período de conversão ou adequação da propriedade. O produtor

ou organização também participa de intercâmbios com outros grupos e até mesmo

outros núcleos. Isto permite um ‘olhar externo’ constante e ajuda a aprimorar o processo

e a troca de experiências entre os agricultores e consumidores.

Page 33: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

32

Atualmente a Certificação Participativa em Rede desenvolvida pela ECOVIDA,

de forma que se encontra, aproxima-se mais do participativo do que do conceito de

certificação, ou seja, ela constitui-se num Sistema Participativo de Garantia, com

principal objetivo de Formação, a certificação seria a conseqüência. Assim, o trabalho

para a construção deste sistema com reconhecimento legal foi uma grande conquista da

Rede junto com outras organizações de movimentos sociais.

10. A Lei da Agricultura Orgânica

“Divina na origem e tradicionalmente ditada por soberanos ou reis, a lei – pedra angular da

organização de todas as sociedades humanas – foi dessacralizada e passou a ser promulgada por

representantes do povo. Lei é a norma jurídica vigente numa coletividade.”

Lei é a norma jurídica vigente numa coletividade. Pode-se defini-la como regra

de direito provida da autoridade legítima do Estado. Denomina-se Direito o conjunto de

normas, amparadas por uma força social organizada, que regula as relações sociais.

Norma é o enunciado no qual se prescreve uma conduta. Quando tem caráter jurídico é

acompanhada de uma sanção, imposta pela sociedade.

Para melhor compreensão do texto, resolve-se esclarecer o significado de termos

técnicos referentes a esse assunto. Segundo o vocabulário de princípios gerais

determinados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, entende-se por Avaliação

da Conformidade por “exame sistemático do grau em que um produto, processo ou

serviço atende aos requisitos especificados”, Certificação por “modo pelo qual uma

terceira parte dá garantia escrita de que um produto, processo ou serviço está em

conformidade com os requisitos especificados”, e Credenciamento por “modo pelo qual

um organismo autorizado dá reconhecimento formal de que um organismo ou pessoa é

competente para desenvolver tarefas específicas”.

A iniciativa do Ministério da Agricultura em disciplinar a produção orgânica no

Brasil é verificada a partir de pressões de produtores, exportadores e certificadoras para

acessar outros mercados como o da Comunidade Econômica Européia que já possui

uma regulamentação da Agricultura Orgânica (AO). Para isso, o País necessitava de um

sistema de normas e de certificação oficial que respaldasse os produtos orgânicos.

As primeiras discussões da regulamentação da agricultura orgânica no mundo

tiveram início na União Européia em 1985. A partir daí iniciou-se a construção para

Page 34: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

33

normas de produção vegetal e seu processamento, com publicação em 1991. Já as

normas para acreditação de certificadoras foram publicadas só em 1997. Em 1999

complementou-se com a publicação das normas para produção animal. Outros países, a

partir de 1990, também começaram a discutir a regulamentação da AO, como EUA e

Japão.

O debate para tal necessidade no Brasil iniciou em 1994 com a criação de uma

Comissão e as primeiras discussões entre o poder executivo e ONG´s. Várias

organizações foram chamadas para construir a nova lei, mas até 1997 não conseguiram

chegar a um consenso. Foi aí que entrou a participação de organizações que já

trabalhavam com o tema agricultura orgânica, onde em 1999 apresentaram uma

proposta ao Ministério da Agricultura que, após colocada em consulta pública e

recebido poucas modificações, foi publicado na forma de Instrução Normativa (IN 07)

no mês de maio do mesmo ano. A partir daí define-se o sistema orgânico de produção e

diz que, para que um produto possa ser comercializado como orgânico, deve ser

certificado.

O caráter compulsório da certificação para se comercializar produtos ditos

“orgânicos” gerou mais uma discussão e divergências entre as organizações integrantes

do histórico movimento orgânico brasileiro. Se por um lado todos viam importância na

existência de uma legislação que servisse de apoio e promoção da AO no país, alguns

viam a certificação como desnecessária, ou voluntária. Além disso, outros defendiam

diferentes formas de garantir a qualidade orgânica, e ainda alguns só defendiam a

certificação por meio de auditoria. Nessa discussão o consenso que se chegou foi que a

certificação seria prevista na normativa, mas que poderia ser realizada de acordo com as

particularidades regionais, ou seja, adequada metodologicamente à realidade onde seria

desenvolvida. Segundo Santos (2005) essa decisão permitiu que desenvolvessem,

simultaneamente, os critérios relativos à AO através dos conceitos, premissas,

características, bem como os mecanismos inerentes aos sistemas de garantia, ou seja, da

certificação “por auditoria” e de geração de credibilidade.

Na mesma IN (07) estava previsto a formação de um Colegiado Nacional e

Colegiados Estaduais a fim de implementarem a IN através do credenciamento dos

organismos de certificação, do acompanhamento e fiscalização dos trabalhos realizados

e do fomento da AO. O trabalho foi desenvolvido e os colegiados (com forte decisão do

Colegiado Estadual de São Paulo) lançaram a IN 06. Esta era burocrática, confusa e

inspirada nas normas privadas da Ifoam (International Federation of Organic

Page 35: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

34

Agriculture Movements – Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura

Orgânica) e da ISO, que previa exclusividade para os mecanismos de avaliação da

conformidade por auditoria, contrariando a IN07 que diz: “as certificadoras adotarão

formas mais adequadas de acordo com as particularidades das regiões onde atuam”.

É nesse ponto que diversas organizações e sociedade civil se juntam e formam o

Grupo de Agricultura Orgânica (GAO) com o objetivo de trabalhar na construção de um

marco legal da AO através da retomada do princípio do consenso e da defesa das

iniciativas de pequeno porte, seja de certificação, organização ou produção. O Grupo

conseguiu reconhecimento pelo Senado e se comprometeu a apresentar tudo que fosse

proposto pelas reuniões. Assim, teve-se a possibilidade da construção de uma lei

condizente com os interesses coletivos. Nessa luta o GAO conquistou que a IN 06 não

entrasse em vigor, e ainda propôs um texto que se tornou a base para a Lei 10.831 de

dezembro de 2003. Dentro de todo o desenvolvimento da construção da Lei da AO, os

movimentos sociais de Agroecologia estavam fortemente representados diretamente

pelo GAO. Este construiu uma proposta de avaliação da conformidade com base nos

trabalhos desenvolvidos pela Rede Ecovida (chamado de certificação participativa),

bem como a criação de instrumentos de reconhecimento mútuo entre “certificação”

participativa e por auditoria.

Durante todo esse processo de construção das diretrizes para avaliação da

conformidade, organizações representatativas de certificadoras (terceira parte)

ganharam na proposta de definição de “certificação”, que segundo a Lei ficou como:

“modo pelo qual uma terceira parte dá garantia escrita de que um produto, processo ou

serviço está em conformidade com os requisitos especificados”. Visto isso a

“certificação participativa” ficou erroneamente nomeada, pois ela tem uma proposta de

geração de credibilidade que consiste num processo de garantia que se dá através das

relações estabelecidas, formais ou informais, entre produtores e consumidores e/ou

através da organização de base e das relações em rede, e não somente por um inspetor.

Outra grande conquista foi a legalização da comercialização direta de produtos

orgânicos não avaliados por uma conformidade. Esse tipo de comercialização de

produtos orgânicos é uma excessão dentro da lei (uma vez que ela outorgou a

compulsoriedade da avaliação da conformidade para o uso da nomeação “orgânica”). A

principal razão da existência desse artigo dentro da lei foi legalizar aquele pequeno

agricultor a continuar a comercializar diretamente com o consumidor, onde nesse

espaço se controe uma relação de confiança entre ambos e certa fidelidade, além de

Page 36: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

35

eliminar a função dos atravessadores que muitas vezes minimizam o valor do produto.

Mesmo sem a avaliação da conformidade propriamente dita, esse produtor deve

realizar um cadastro junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

(MAPA) através de uma Organização já acreditada pelo Comitê de Produção Orgânica

Estadual (Cporg-UF). Este cadastro permitirá ao MAPA um certo controle através do

rastreamento. Consta no Anexo 1, referente ao Glossário da Lei n° 10.631, a definição

de venda direta como “a relação comercial entre o produtor e o consumidor final, sem

intermediários, aceitando-se a presença de prepostos, desde que sejam membros de sua

família, inseridos no processo de produção, ou outros produtores que façam parte da sua

própria estrutura organizacional”.

Com todas essas questões levantadas durante a construção da Lei da Agricultura

Orgânica no Brasil e a história do mesmo assunto no mundo, construiu-se uma

percepção que existe uma diferença considerável entre a agricultura orgânica familiar e

a agricultura orgânica de grande escala.

Por fim, o Decreto 6.323 de 27.12.2007 regulamentou a Lei Federal 10.831 de

23.12.2003 que dispõe sobre a Agricultura Orgânica no Brasil apresentando três

modelos para comercialização segundo a ótica da garantia da qualidade. Os dois

primeiros, venda com certificação por auditoria e venda direta do produtor ao

consumidor, são originários da Lei Federal e o terceiro modelo, o Sistema Participativo

de Garantia - SPG foi introduzido pelo texto do Decreto.

10.1 Sistema Participativo de Garantia

10.1.1 Histórico

Os primeiros países a disciplinarem a Agricultura Orgânica foram da União

Européia, seguidos por EUA e Japão. Todas apresentavam a obrigatoriedade da

certificação para os que queriam ingressar no chamado mercado de produtos orgânicos.

Com o passar dos anos a demanda de serviços de certificadoras aumentou, assim como

o sistema de certificação se aperfeiçoou, criando novas exigências e sofisticando os

procedimentos. Se de um lado o mercado agradeceu pelas regras mais claras (de seu

ponto de vista), do outro, os pequenos agricultores não puderam se adaptar a estes

novos procedimentos e exigências. Meirelles (2007) destaca alguns empecilhos sofridos

pelos pequenos produtores, como: metodologia inadequada (muitas vezes inflexível e

Page 37: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

36

burocrática), dependência dos agricultores e consumidores a uma entidade prestadora de

serviços, altos custos da certificação de terceira parte e a obrigatoriedade por parte do

produtor orgânico de pagar para acessar o direito de estar no mercado de produtos

orgânicos. Santos (2002) ainda destaca alguns problemas no processo de avaliação da

conformidade por auditoria como: exigência à extensa documentação, resistência à

adequações, pouco adequado à agricultura familiar, sobrevalorização do inspetor, alto

custo, centralização da certificação e direcionamento para interesse do mercado.

É neste contexto que surgem alternativas para viabilizar a inclusão destes

produtores em sistemas de qualidade orgânica de seus produtos. Assim, os Sistemas

Participativos de Garantia (SPG) surgem a partir do vazio deixado pela certificação hoje

internacionalmente reconhecida como Certificação de Terceira Parte.

É sabido desses fatos, que movimentos sociais de agroecologia, se uniram

através da formação do GAO, para inclusão na lei de Sistemas de Avaliação da

Conformidade condizentes à realidade vivida pela agricultura orgânica do Brasil. Um

dos argumentos desse grupo foi os dados do Instituto de Planejamento e Economia

Agrícola de Santa Catarina (Icepa) de 2001/02, onde se identificou que, dos 706

produtores considerados orgânicos, apenas 35% (247) eram certificados e destes, apenas

32% (79) por auditoria. Santos (2005) considerou as seguintes conclusões:

● que a AO é incipiente, pois apenas 0,35% da agricultura catarinense foi considerada

orgânica. É uma realidade que mostra a necessidade de uma legislação adequada que

pode e deve prever mecanismos de apoio ao desenvolvimento do setor.

● se a AO é incipiente, a certificação é mais ainda, onde apenas 35% das iniciativas são

certificadas. Fatores como custos altos, não obrigatoriedade da certificação, mercados

alternativos, entre outros, podem estar entre as causas.

● processos participativos de garantia chegam a 68% das iniciativas consideradas

certificadas. Uma realidade que pode estar indicando uma metodologia de garantia da

qualidade mais adequada social e economicamente pode ser um mecanismo importante

de inclusão dos pequenos agricultores no panorama da AO certificada.

Um exemplo dessa situação aconteceu na história de uma organização francesa

chamada Natureza & Progresso, surgida da década de 70 com intuito de promover a

agricultura ecológica e comércio ético e solidário. A disciplinação da agricultura

orgânica na França veio logo depois e obrigou a separar a certificação de produção da

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37

assessoria técnica. Tal imposição do governo, fez com que a Organização criasse uma

certificadora, que com o tempo, começou a girar muito dinheiro e se desligou da parte

da organização responsável pela assistência técnica. Essa certificadora se chama Ecocert

e tem filiais no Brasil atuando como terceira parte no processo de avaliação da

conformidade. Na época a Organização não viu isso como um problema, ou que

pudesse descaracterizar seus princípios de formação. Os resultados dessa história

levaram com que Organizações Sociais do Brasil tomassem iniciativas que não as

permitissem de seguir esses mesmos caminhos.

Todos os debates relacionados com elaboração da Lei da Agricultura Orgânica

tiveram como apoio os padrões internacionais já estabelecidos. Mas o Brasil tem um

diferencial que é os SPG´s, uma conquista dos movimentos sociais de Agroecologia.

O decreto 6.323 da Lei 10.831 aprova no artigo 1 a definição de sistemas

participativos de garantias: “os SPGs consistem em um conjunto de atividades

desenvolvidas em determinada estrutura organizativa regida por princípios, normas de

organização e de funcionamento, visando assegurar a garantia de que um produto

(termo que inclui produto, processo ou serviço) atende a regulamentos técnicos da

agricultura orgânica e que foi submetido a uma avaliação participativa da

conformidade.”

10.1.2 Caracterização

Um SPG tem formação básica pelos Membros do Sistema e pelo Organismo

Participativo de Avaliação da Conformidade (OPAC).

Os Membros do Sistema são pessoas físicas ou jurídicas, que formam um grupo

composto por fornencedores ou colaboradores. Entende-se por fornecedores os próprios

produtores, distribuidores, comercializadores, transportadores e armazenadores. Já os

colaboradores são representados por organizações de consumidores, técnicos,

organizações públicas ou privadas, ONGs e organizações de representação de classe.

Talvez esse seja o real significado do “participativo” dentro do SPG, uma articulação e

envolvimento de vários atores com o principal objetivo comum de promover a

agroecologia, e também garantir coletivamente a seriedade de seus produtos e relação

de trabalho.

O OPAC é a representação jurídica do SPG e assume todas as responsabilidades

formais pelo conjunto de atividades desenvolvidas. Sua composição se baseia em uma

Page 39: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

38

Comissão de Avaliação e um Conselho de Recursos. Ambos são compostos por

representates dos Membros do Sistema do SPG, mas que não poderão ocupar os dois

cargos ao mesmo tempo. Dentro da união de organizações através da formação de

Redes, onde abrange milhares de participantes, é de se questionar se uma representação

jurídica seria suficiente para demandar todos os encargos burocráticos exigidos pelo

MAPA, ou se cada organização teria condições de sustentar um OPAC. Neste último

caso, talvez gera-se uma descaracterização do conceito Rede, uma vez que ela promove

a construção de diretrizes e princípios participativamente. O OPAC, ainda, deve possuir

um estatuto social que caracterize suas atribuições e, um regimento interno que explicite

sua organização, funcionamento participativo e como se responsabiliza pelo SPG. Que

segundo a Lei tal regimento deve ter no mínimo:

1. critérios para composição ou escolha dos membros da comissão de avaliação e

conselho de recursos do OPAC;

2. requisitos mínimos de participação direitos e deveres dos membros;

3. periodicidade das reuniões e assembléias de membros;

4. informações, registros e documentos que o produtor deverá manter na unidade de

produção.

5. itens mínimos do roteiro de visita de verificação e visita de pares: as visitas de pares

devem ser registradas e assinadas; deverá ser estabelecido um modelo mínimo de

relatório de visita de pares; deverá ser definida a periodicidade mínima para a visita de

pares; todos os membros devem ser visitados dentro da periodicidade definida no

regimento interno;

6. itens mínimos do relatório de visita;

7. mecanismos de controle utilizados nos intervalos entre as visitas de verificação;

8. sistemática de controle para atividades de avaliação mais complexa;

9. itens mínimos do plano de manejo;

10. instrumentos para rastreabilidade a serem utilizados pelos fornecedores;

11. procedimentos relativos às análises laboratoriais;

12. procedimentos para a análise de recursos e reclamações;

13. sanções e penalidades;

14. composição mínima de membros para se caracterizar um SPG e exigências mínimas

de funcionamento;

15. quorum mínimo de membros para deliberação nas assembléias.

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39

Quanto as funções, todos os atores envolvidos sempre terão como base de

objetivo contribuir para geração de credibilidade. Os colaboradores, também, assumem

a responsabilidade solidária pelos produtos avaliados. Os fornecedores assumem a

função de solicitar a avaliação da conformidade de seus produtos; deverão fornecer as

informações necessárias, com os detalhes e com a freqüência estipulados pelo SPG e

solicitados pelo OPAC; atender as orientações preventivas e providenciar a correção das

não-conformidades de acordo com a comissão de avaliação; e garantir individualmente

pelos seus produtos e solidariamente pelos produtos do grupo. Enquanto o OPAC se

responsabiliza em ser o representante legal do SPG perante os órgãos competentes,

assume a responsabilidade legal pela avaliação da conformidade, emitirá documentos

relativos ao funcionamento do SPG, organizará e guardará os registros e documentos

relativos à avaliação da conformidade, e ainda apontará as não-conformidades

acrescentando sua obrigação em propor ações preventivas e corretivas necessárias aos

fornecedores.

10.1.3 Funcionamento

O funcionamento de um SPG é um tanto sistemático, metódico. A lei

literalmente disciplinou o sistema participativo de garantia, e a agricultura orgânica

como um todo. Pode-se dizer que os sistemas participativos de garantia tem os mesmos

princípios e objetivos da então certificação participativa em rede, porém este último

tinha uma certa maleabilidade na demanda de registros e documentos, o que não

acontecerá quando a lei se tornar uma obrigação.

Primeiramente, para se tornar um membro do SPG, o interessado deve

apresentar um documento assinado que o encaminhará ao OPAC. Esse documento

deverá conter a manifestação de interesse em aderir o SPG, seus dados cadastrais

solicitados pela OPAC (no caso de fornecedores acrescenta-se dados da unidade de

produção), e uma declaração de que conhece e cumpre as regras de funcionamento de

uma SPG. O grupo avaliará a documentação e registrará em documento sua aceitação,

para então gerar um contrato entre o novo membro e a OPAC, devidamente assinado.

A avaliação da conformidade nos SPGs dar-se-á por meio de 3 etapas: 1°)

Solicitação da avaliação da conformidade, 2°) verificação por meio de revisão de pares,

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40

3°) decisão a ser tomada na instância adequada. Na etapa de revisão por pares8, poderá

haver a participação de outras partes que representem diferentes interesses, como

consumidores e técnicos. A revisão de pares é o mecanismo utilizado pelos SPGs para

verificar a conformidade dos fornecedores com dinâmicas que garantam o efetivo

controle social. Essa visita ou revisão deve ser registrada em documento contendo

informações quanto ao cumprimento do regulamento da Produção Orgânica e constará

em ata de reunião de membros. No caso dessa visita ser realizada em produtor que

possui Atestado de Conformidade e ser constatado descumprimento do regulamento da

Produção Orgânica, o grupo organizado solicita à comissão de Avaliação uma visita de

verificação.

As avaliações da conformidade têm como objetivo e dever realizar as

orientações preventivas em relação aos regulamentos da produção orgânica, identificar

as não-conformidades, assessorar os fornecedores para a resolução das não-

conformidades e para o aperfeiçoamento dos sistemas produtivos, e promover a troca de

experiência entre os participantes. Esses andamentos poderão ser realizados através de

oficinas, capacitações e intercâmbios, permitindo ao agricultor/produtor “ecologizar”

cada vez mais sua propriedade. Na opinião de Santos (2004) quando um produtor e sua

família optam pela agricultura orgânica ou pela ecológica ou agroecologia apenas pelas

práticas ou pela melhor comercialização, as coisas não mudam de fato, melhoram num

primeiro momento, mas voltam e ainda por cima desmotivadas. As mudanças de fato

têm de vir da maneira de pensar e viver. Os intercâmbios além de promoverem as trocas

de experiência, permitem que o produtor vivencie outras realidades fazendo muitas

vezes ele refletir sobre suas atividades em sua propriedade e até no seu modo de pensar

e viver.

Para um membro solicitar uma visita de avaliação da conformidade deve

mencionar ao grupo a que pertence, e este deve solicitar a visita à OPAC. Para isso, o

grupo deverá fazer uma solicitação por escrito ao OPAC especificando o escopo

pertinente, acompanhado do plano de manejo e do documento do fornecedor atestando

ciência e cumprimento do regulamento orgânico.

8  Segundo  a  Lei  nº  10.831,  de  23  de  dezembro  de  2003,  regulamentada  pelo  decreto  nº  6.323,  de  27  de  dezembro  de  2007,  entende-­‐se  por  visita  de  pares  “quando  pessoas  que  integram  o  mesmo  SPG  avaliam,  por  meio  de  visitas,  o  cumprimento  de  critérios  e  práticas  de  produção”.  Documento  extraído  de  www.agricultura.gov.br  acessado  no  dia  7  de  outubro  de  2008.    

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41

Num momento anterior à visita, os responsáveis deverão ser previamente preparados, a

fim de que os envolvidos disponham de informações suficientes para realização da

mesma. Um roteiro é, também, previamente elaborado. Durante a visita propriamente

dita, os responsáveis por ela deverão ter acesso a todas as instalações, aos registros e

documentos da unidade de produção e, também, qualquer área de produção não-

orgânica. As visitas de verificação da conformidade têm caráter objetivo e não

discriminatório, devendo, então, se relatar casos não cobertos pela regulamentação. Por

fim, um relatório é redigido abrangendo os requisitos pertinentes ao regulamento

técnico da produção orgânica e aos critérios do SPG. Quanto a freqüência de visitas,

esta deverá se no mínimo uma vez por ano, ressalvo para as atividades mais complexas

como cultivos ou criações de vários ciclos anuais, processamento com produção

paralela9 e extrativismo sustentável orgânico, que necessitam de uma dinâmica de

controle mais freqüente. A comissão de avaliação pode decidir sobre a necessidade de

análises laboratoriais para subsidiar a decisão da conformidade, elas deverão ser

realizadas em laboratórios credenciados por órgãos de âmbito federal.

A decisão sobre a avaliação da conformidade será tomada pela comissão de

avaliação do OPAC em reunião específica juntamente com o fornecedor visitado e pelo

grupo que este integra, e registrando em ata os assuntos pertinentes à visita. Em fim,

chega-se ao documento final, que é o de Aprovação/Renovação da Conformidade

orgânica do produtor, assinado solidariamente pelos membros do grupo. Um atestado é

emitido pelo OPAC e entregue ao fornecedor aprovado.

Caso a visita de verificação ateste alguma não-conformidade a decisão sobre a

penalidade e medidas corretivas será tomada em reunião, após a visita de avaliação da

conformidade, pela comissão de avaliação do OPAC, pelo produtor visitado e pelo

grupo que este integra. A decisão sobre a penalidade e medidas corretivas constará em

documento próprio ou na ata da reunião e será avalizada e assinada solidariamente pela

Comissão de Avaliação e pelos membros do grupo presentes.

O avaliado terá o direito à recorrer às decisões da comissão num prazo de trinta

dias da data da reunião que definiu as penalidades previstas, caso não recorra, as 9  Segundo  a  Lei  nº  10.831,  de  23  de  dezembro  de  2003,  regulamentada  pelo  decreto  nº  6.323,  de  27  de  dezembro  de  2007,  produção  paralela  é  a  produção  obtida  onde,  na  mesma  unidade  de  produção  ou  estabelecimento,  haja  coleta,  cultivo,  criação  ou  processamento  de  produtos  orgânicos  e  não-­‐orgânicos.  Documento  extraído  de  www.agricultura.gov.br  acessado  no  dia  7  de  outubro  de  2008.  

 

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penalidades serão devidamente aplicadas. As ocorrências deverão ser registradas em

documento próprio definido no Regimento Interno.

O Recurso requerido pelo avaliado será analisado pelo Conselho de Recursos

num prazo de trinta dias. Mesmo o conselho ratificando ou não a decisão da Comissão

de Avaliação, o avaliado será penalizado, mas no segundo caso, ele deverá adotar as

medidas corretivas decididas por esse Conselho. Tal decisão deverá ser registrada em

documento.

Em seqüência à decisão do Conselho de Recursos, a Comissão de Avaliação

deverá realizar visitas para acompanhamento do cumprimento das penalidades e

correção das não-conformidades. Esta última será atestada pela Comissão e registrada

em documento. No caso de não haver correção das não conformidades a Comissão de

Avaliação reavalia as penalidades previstas pelo Conselho de Recursos e registra a sua

decisão.

Na existência de denúncias e reclamações nas internas de um SPG, estas deverão

ser encaminhadas ao Conselho de Recursos pelos membros do SPG e da Comissão de

Avaliação e serão avaliadas pelo mesmo Conselho e Comissão acrescido do grupo

organizado, aos quais compete a apuração dos fatos. Mas só o Conselho de Recursos irá

tomar as medidas corretivas e penalizações, encerrando com a decisão registrada em

documento.

Para as denúncias oriundas da sociedade, externa ao SPG, serão encaminhadas à

Comissão de Avaliação. Para casos de denúncias e reclamações de ordem geral ou que

se refiram as não-conformidades será feita a apuração dos fatos mediante visita de

verificação realizada pela Comissão de Avaliação e diante da decisão penalidades e

medidas corretivas poderão ser requeridas. Isto se aplicará com elaboração de

documento de registro da avaliação e apuração dos fatos, assim como de verificação do

cumprimento das medidas corretivas e das penalidades.

Um atestado de Avaliação da Conformidade tem validade de um ano a partir da

data de sua emissão. Para renová-lo faz-se necessário um novo processo de avaliação da

conformidade, que será realizado antes do vencimento da validade do atestado. O

cancelamento do Atestado de Conformidade Orgânica do produtor procede-se com

encaminhamento de um documento emitido pelo OPAC ao MAPA.

A participação dos membros do SPG em todas as atividades referentes ao

Sistema Participativo de Garantia é fundamental para o sucesso de todo o processo. A

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omissão de participação levará a possível exclusão do membro questionado. O alerta é

dado pelo grupo e decidido pelo OPAC.

Quanto à rastreabilidade, o OPAC definirá os instrumentos a serem utilizados

pelos fornecedores para rastrear e possibilitar a identificação da origem de seus

produtos.

O regimento interno do OPAC deve estabelecer as sanções e penalidades para os

fornecedores.

As informações geradas no processo de avaliação da conformidade serão

públicas, excetuando-se os casos que requerem confidencialidade, como pedido

explícito do fornecedor ou determinação legal. Durante todas as etapas do processo de

Avaliação da Conformidade o OPAC assegurará, através das reuniões regulares, que

cada fornecedor membro do grupo no SPG tenha o acesso às versões atualizadas dos

regulamentos técnicos aplicáveis, descrição completa dos processos de avaliação da

conformidade e recursos, em linguagem acessível, documentos atualizados que atestem

por escrito a situação da conformidade do fornecedor, e estes têm o direito a cópias dos

relatórios de verificação da conformidade e de qualquer outra documentação

relacionada à avaliação da conformidade.

O SPG poderá mobilizar recursos entre seus membros e em fontes financiadoras

públicas e privadas para sua condução e para o desenvolvimento da agricultura

orgânica. Esses subsídios poderão garantir recursos financeiros para as mais diversas

atividades promovidas por um SPG, seja pela realização de oficinas de capacitação ou

pela promoção de espaços de articulação entre os envolvidos, visando, assim, a

socialização e trocas de experiências.

Na questão de exportação de produtos orgânicos certificados por Processo

Participativo de Garantia, o país importador deverá ter reconhecimento da equivalência

do SPG, o órgão oficial responsável do país exportador deve fornecer registro formal

dos OPACs credenciados por ele. No caso de países sem o reconhecimento da

equivalência do SPG, os OPACs deverão ser credenciados no órgão competente.

Atualmente são pouco países que reconhecem o SPG como uma avaliação da

conformidade, entre eles, estão o Chile, Bolívia, Costa Rica e agora o Brasil.

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11. Resultados e Discussões

11.1 A Lei 10.831 na Rede Ecovida

Desde as primeiras mobilizações do Governo em querer disciplinar a Agricultura

Orgânica no Brasil, a Rede Ecovida se mostrou interessada em participar e construir

junto as propostas de Lei. No momento em que se definiu a compulsória em avaliar a

conformidade do produto orgânico, e sendo que o único sistema de avaliação

reconhecido era pela terceira parte10, diversas organizações representativas da

agricultura familiar buscaram tomar mais “voz” dentro do Governo. Essas organizações

tinham conhecimento que o sistema de avaliação da terceira parte não condizia com

suas realidades. O sucesso desta importante tarefa foi incluir na lei a realidade da

agricultura orgânica no país, seja ela realizada por agricultores familiares motivados por

uma filosofia de vida, ou patronais motivados meramente por interesse econômicos.

Embora a Lei da Agricultura Orgânica tenha sido construída com a participação

de movimentos sociais de Agroecologia, ela também teve a participação de outros

interesses das mais diversas organizações, seja governamental, do setor privado ou na

sociedade civil. A elaboração da Lei gerou um ambiente onde nem sempre o consenso

foi fácil.

11.1.1 Criação do Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade

A Lei da Agricultura Orgânica obrigará as entidades de avaliação da

conformidade11 a definirem certas estruturas. A criação de uma pessoa jurídica é uma

delas. Tal estrutura recebe o nome de Organismo Participativo de Avaliação da

Conformidade (OPAC), a qual é responsável por assumir as atividades desenvolvidas

10  Segundo  a  Lei  nº  10.831,  de  23  de  dezembro  de  2003,  regulamentada  pelo  decreto  nº  6.323,  de  27  de  dezembro   de   2007,   a   Terceira   Parte   é   sinônimo   do   processo   de   avaliação   da   conformidade   por  certificação,   ou   seja,   a   avaliação   é   feita   por   um   fiscal   através   de   inspeções   e   auditagem.  Documento  extraído  de  www.agricultura.gov.br  acessado  no  dia  7  de  outubro  de  2008.  

11     Segundo   o   Instituto   Nacional   de   Metrologia,   Normalização   e   Qualidade   Industrial   (INMETRO),  Avaliação  da  Conformidade  é  o  “processo  sistematizado,  acompanhado  e  avaliado,  de  forma  a  propiciar  adequado  grau  de  confiança  de  que  um  produto,  processo  ou  serviço,  ou  ainda  um  profissional,  atende  a   requisitos   pré-­‐estabelecidos   em   normas   e   regulamentos   técnicos   com   o   menor   custo   para   a  sociedade”.  

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dentro do Sistema Participativo de Garantia (SPG). Então, essa criação exigirá que um

cadastro de pessoa física (CPF) se torne responsável pelo registro. Segundo o

entendimento de um dos membros da coordenação da Rede, essa seria uma das

estruturas não interessante à organização, pois poderá abalar a Rede nas questões de

tomadas de decisão.

Tal CPF assumiria uma grande responsabilidade perante o Governo o que muitas

vezes implicaria em tomadas de decisões precipitadas e certamente essa pessoa se

colocará num patamar acima da Rede. Esta, por sua vez, estaria se descaracterizando,

visto que sua hierarquia é horizontal, ou seja, existe a divisão de “funções”, mas as

construções e decisões são tomadas participativamente. O desafio seria não tornar o

OPAC a questão mais importante dentro da Rede. De um modo geral a estrutura OPAC

seria subordinada a uma não-estrutura que é a Rede, na medida em que esta se articula

de forma virtual. Isso é visto por seus membros como incógnita no desenrolar do

processo.

A Rede Ecovida é organizada em núcleos regionais, onde a regionalidade

caracteriza, de certa forma, semelhanças na cultura dos membros envolvidos. Isso

permite uma melhor dinamização no desenvolvimento das atividades realizadas por ela.

Então, num primeiro momento, parece lógico que a criação dos OPAC´s se dê a partir

de cada núcleo regional, pois os mesmos possuem um maior controle dos registros de

seus grupos, além disso, ainda facilitaria o levantamento dos documentos exigidos pela

lei. Fazendo uma análise das características de cada núcleo regional vê-se que essa

alternativa não teria sucesso. Pois há uma peculiaridade muito grande entre os núcleos

regionais, principalmente quanto à disponibilidade de projetos de parceira através dos

quais eles podem obter os subsídios para a realização das atividades desenvolvidas no

processo. Neste caso, nem sempre o núcleo regional teria condições de gerar todos os

recursos necessários ou manter uma dinâmica de atividades entre seus membros.

A produção resultante desses núcleos regionais também apresenta

particularidades. A agricultura de subsistência, bem como a produção visando o

abastecimento dos mercados locais é, na maioria dos Núcleos, a realidade

predominante. Há, no entanto, aqueles com produção excedente, que além de suprirem o

mercado local, tem ainda condições de enfrentar o mercado a longa distância,

oferecendo mercadorias sem que haja um elo de contato mais próximo entre produtor e

consumidor.

Page 47: "As implicações da lei da agricultura orgânica no atual processo de certficação participativa da Rede Ecovida de agroecologia"

46

Visto essas observações, constata-se que no caso dos núcleos regionais que

possuem uma demanda de produção que possibilita a comercialização à longa distância,

a necessidade de uma avaliação que ateste a qualidade de seus produtos torna-se

indispensável. Enquanto outros núcleos com produção menor, não teriam essa urgência

em avaliar sua conformidade, uma vez que, a lei permite a comercialização direta (como

através de feiras) sem a tal avaliação.

A questão da criação dos OPAC´s está ainda em processo de discussão entre os

membros da coordenação. Para alguns, ela deve ser criada em número menor, como um

OPAC por estado. A partir do momento em que o volume de trabalho ultrapassar sua

capacidade de gerenciamento, ela vai se dividindo e criando outras OPAC´s com as

mesmas responsabilidades. Na lógica seria mais fácil criar OPAC´s que fechá-las. Outro

membro deixa sua opinião bem clara:

“Minha opinião, que está aberta, acho difícil a gente criar um OPAC

que vá se subordinar a virtualidade que a Rede opera hoje. Tenho prá

mim que isso possa exigir da gente uma certa institucionalização da

Rede(...) acho que ela (a lei) pode nos contaminar e nos obrigar a

destruir o nível de institucionalização também da Rede. E tomo isso

como exemplo: os espaços sociais. Eles são muito bons em manterem

suas estruturas subordinadas ao movimento como um todo, mas o

movimento é muito menos virtual que a Rede Ecovida. É muito mais

institucionalizado com suas instâncias, e essa força dessas instâncias

não permite questões cooperativas. Eu tô achando que esse jeito que a

gente (coordenação) leva a Rede, meio que virtual quase frouxa, de

uns vem na reunião, outros não(...) não vai dar conta de supervisionar

uma estrutura que vai se estruturar, que vai ter um cara que vai dizer -

faz a coisa certa que é meu CPF que está aí”.

11.1.2 Rastreabilidade

Segundo a norma NBRISO2200512 da Associação Brasileira de Normas

Técnicas, a rastreabilidade de um produto é a forma pela qual se tem o controle

12   NBRISO22005   Rastreabilidade   na   cadeia   produtiva   de   alimentos   e   rações   -­‐   Princípios   gerais   e  requisitos   básicos   para   planejamento   e   implementação   do   sistema,   disponível   em   em  http://www.abnt.org.br/default.asp?resolucao=1024X768  no  dia  08  de  novembro  de  2008.    

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histórico do mesmo, desde a sua origem até suas etapas finais de comercialização. A

rastreabilidade é realizada por meio de registros que identificam todo o percurso

realizado por este produto, descrevendo os processos aos quais ele foi submetido,

incluindo, os aspectos bióticos e abióticos que o envolveram, durante a sua produção.

A mesma norma ainda esclarece que esses registros, de uma maneira geral, são

emitidos pelos produtores, pelas organizações fiscalizadoras e pelos fornecedores, e tem

como objetivo, permitir o acesso ao máximo de informações referentes às condições de

produção, processamento, armazenagem e transporte de um determinado produto. De

um modo mais simples, rastrear é manter os registros necessários para identificar e

informar os dados relativos à origem e ao destino de um produto.

Na estrutura da Rede, a rastreabilidade foi um assunto bastante discutido e sua

sistematização já foi, inclusive, iniciada. Sua efetivação, porém, só não teve

continuidade por não existir um motivo urgente em sua funcionalidade. Talvez a

principal razão seja que a rede fomente principalmente a comercialização direta, uma

prática realizada pela maioria dos produtores membros. A comercialização direta

permite que não haja intermediários entre produtor e consumidor, visto que o próprio

produtor vai garantir a origem de seus produtos diretamente ao seu destino final.

Mas agora é o momento de retomar esse assunto, pois a lei da Agricultura

Orgânica já está pronta e exigirá que o SPG responsável tenha um controle formal de

todos os produtos comercializados sob sua avaliação de conformidade.

O atual estatuto da rede diz que cada núcleo regional é responsável por garantir

o histórico que define a trajetória a qual um determinado produto foi submetido. É no

núcleo regional que ocorre a relação máxima de proximidade entre seus membros, e este

contato permite que todos conheçam, mesmo que de maneira informal, os processos

produtivos e administrativos e as transações comerciais realizadas. Sendo assim,

justifica-se a competência do núcleo regional em gerir de forma mais adequada esses

históricos, pois essa relação mais estreita possibilita um maior conhecimento das

questões associadas à comercialização destes produtos permitindo a dinâmica e a

transparência ideais para o funcionamento de um sistema de redes.

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A Seção VI, do anexo IV, da Lei 10.83113, trata da formalização dos documentos

necessários ao rastreamento dos produtos analisados pela comissão de avaliação e

registrados pelo OPAC.

O OPAC é o organismo que representa juridicamente o SPG e que, portanto,

deverá definir os procedimentos para emissão das declarações de transação comercial,

ele mesmo poderá emitir tais documentos, ou os fornecedores sob seu controle. Quando

a unidade de produção emite algum documento de transação comercial, ela deve prestar

contas ao OPAC.

O artigo 28° do anexo IV, da Lei 10.83114 lista os itens obrigatórios que deverão

estar presentes nos registros das declarações de transação comercial: o nome do

vendedor; o nome do comprador; a data de venda; a data de sua emissão; descrição clara

dos produtos, sua quantidade e, quando relevante, a qualidade e a época de produção ou

colheita; números de lote e outros tipos de identificação (marcas) dos produtos;

referência ao documento fiscal de venda; a indicação do OPAC responsável pela

garantia de conformidade do produto; a declaração da unidade de produção e de

comercialização de que o produto foi produzido de acordo com os regulamentos

técnicos aplicáveis; e informações sobre controle de matérias-primas e qualquer outra

garantia necessária.

11.1.3 Elaboração do Estatuto Social e do Manual de Procedimentos Operacionais

para a Conformidade Orgânica

A Lei prevê na normatização de um SPG que seu OPAC apresente um Estatuto

Social e um Manual de Procedimentos Operacionais para a Conformidade Orgânica.

São esses documentos que servirão de referência para toda a funcionalidade do sistema

participativo de garantia.

Um estatuto se resume em um conjunto de regras que tem como objetivo ordenar

uma atividade para posteriormente regulamentá-la. Quando está especificado como

Social, o estatuto relatará as partes que definem a sociedade, no caso a sociedade

13    Lei  nº  10.831,  de  23  de  dezembro  de  2003,  regulamentada  pelo  decreto  nº  6.323,  de  27  de  dezembro  de  2007.  Documento  extraído  de  www.agricultura.gov.br  acessado  no  dia  7  de  outubro  de  2008.  

14  Lei  nº  10.831,  de  23  de  dezembro  de  2003,  regulamentada  pelo  decreto  nº  6.323,  de  27  de  dezembro  de  2007.  Documento  extraído  de  www.agricultura.gov.br  acessado  no  dia  7  de  outubro  de  2008.  

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Ecovida. O Estatuto Social da Rede Ecovida terá sua fundamentação a partir das

disposições da legislação, para assim, ter em documentos as bases de sua organização.

Estão incluídos nesse estatuto assuntos como a denominação da sede e sua

duração, os princípios e objetivos, regulamentação dos associados, órgãos diretivos e

patrimônios e recursos financeiros. Como a Rede é uma organização formalizada há

quase uma década, foi de fundamental importância ter desenvolvido um estatuto para

garantir a integridade de sua atuação ao longo desses anos. Dessa maneira, esse estatuto

deverá sofrer algumas atualizações a fim de se normatizar à lei e poder servir como

documento, de acordo com o exigido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento (MAPA).

O nome da organização é uma dessas atualizações. Se hoje ela se chama

Associação Ecovida de “Certificação Participativa” deverá ter sua nomenclatura

alterada para Associação Ecovida de “Avaliação Participativa da Conformidade”.

Uma vez que a palavra “certificação”, conforme a lei define como uma avaliação da

conformidade através de uma terceira parte. Quem certifica, nesse caso, é um fiscal por

meio de inspeção e auditagem, o que não corresponde ao método proposto pelo sistema

participativo de garantia (SPG).

Já os órgãos diretivos deverão passar por uma reformulação, mas provavelmente

continuarão muito parecidos com o que são atualmente. Essa reformulação é decorrente

da demanda dos mais diversos documentos exigidos pela lei.

Na atual gestão da Rede, segundo o Caderno de Formação 01 (2007), esses

órgãos são compostos por uma coordenação geral, que por sua vez é formada pelo

coordenador geral, coordenador de certificação, coordenador técnico e de formação,

coordenador de informação e comercialização, e coordenador tesoureiro. Visando uma

melhor distribuição dos encargos administrativos, os órgãos diretivos deverão ser

otimizados para garantir uma melhor distribuição das tarefas entre seus membros.

Ainda, novos cargos deverão ser criados para se incumbirem das tarefas administrativas

e gerenciar os documentos que a lei exigirá.

Um Manual de Procedimentos representa as noções essenciais acerca de uma

técnica. Ele deve conter, então, as regras que ditarão as bases da funcionalidade de um

organismo. É nesse documento que se definirá a forma pela qual será avaliada a

conformidade da produção orgânica dos membros da Rede Ecovida, assim como

detalhar a documentação que deverá ser gerada durante o processo de avaliação da

conformidade, definindo o(s) responsável(is) pela sua guarda e posse.

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O Caderno de Formação (2004) da Rede é o documento que representa um

Manual de Procedimentos, porém, seu conteúdo é simplificado para ser de fácil

compreensão, visto que seu destino é informar e esclarecer de maneira didática os

agricultores a respeito dos procedimentos de produção orgânica. Para a normatização à

Lei, a Rede terá que formalizar esse documento, além de incluir diretrizes mais amplas

que não foram incluídas no Caderno de Formação (2004).

O Manual deverá esclarecer a geração e posse de informações, registros e

documentos por parte do agricultor (família), do grupo e do OPAC.

Os procedimentos relativos à análise laboratorial é outro ponto a se incluir, a

seção II da lei 10.831 prevê que “as análises devem ser executadas por laboratórios

credenciados por órgãos oficiais de âmbito federal e, no caso de inexistência de

credenciamento, a aprovação dos laboratórios deverá ser submetida ao MAPA”.

O Manual deve ainda, mencionar procedimentos para análise de recursos e

reclamações, como prevê a seção III da lei 10.83115 “denúncias e reclamações de não

conformidades por parte dos fornecedores serão encaminhadas à Comissão de

Avaliação para apuração dos fatos e adoção dos procedimentos previstos no Manual de

Procedimentos do OPAC”.

A atual coordenação geral da Rede Ecovida vêm se reunindo a quase um ano

para discutir a legislação pertinente à agricultura orgânica no Brasil. Nessas reuniões

são colocadas e discutidas várias opiniões e sugestões de cada membro da coordenação.

Nesse momento o estatuto social e o manual de procedimentos operacionais para

conformidade orgânica estão sendo concretizados com a colaboração de todos os

envolvidos na coordenação. O encontro ampliado da Rede (reunião que envolve todos

os membros dos três estados) será a instância em que ocorrerá a aprovação desses dois

documentos. É o momento em que todos os participantes poderão contribuir com

sugestões nesses documentos já pré-escritos pela coordenação da Rede Ecovida.

Segundo alguns membros da atual coordenação da Rede, existe um certo

desconforto no fato da mesma ser formatada pela lei, e ao mesmo tempo, mostram-se

preocupados em crescer de modo anárquico seguindo os passos atuais. Preocupam-se

ainda com a imagem que a Rede passa para outras organizações parceiras como a Via

15  Segundo  a  Lei  nº  10.831,  de  23  de  dezembro  de  2003,  regulamentada  pelo  decreto  nº  6.323,  de  27  de  dezembro  de  2007.  Documento  extraído  de  www.agricultura.gov.br   acessado  no  dia  7  de  outubro  de  2008.  

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Campesina e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF),

principalmente em relação aos seus esforços para se adequar à Lei.

De fato, confirma-se nesses pontos que a Lei da Agricultura Orgânica faz

exigência de uma extensa documentação para legalizar a produção orgânica no país.

Todos esses registros demandados, e a obtenção dos dados que os compõe, vão exigir

da Rede Ecovida mais disposição para concretizar sua legitimação perante o MAPA.

A Rede tem pela frente o desafio de buscar um nível maior na sua organização

interna, organização esta que permita a sua adequação à Lei que brevemente entrará em

vigor.

Toda a logística dispendida no processo de levantamento dos documentos e

registros necessários para que isto aconteça deve ser encarada pelos membros da Rede

com uma visão esclarecida e consciente. De que a longo a prazo este procedimento de

regulamentação traga avanços e resultados que venham ao encontro dos anseios dos

produtores orgânicos e não o contrário. Que através dessa sistematização os produtores

orgânicos consigam reconhecimento do seu sistema de produção e, assim, também

agregar valor positivo aos seus produtos.

11.2 Avanços com a aplicação da Lei da Agricultura Orgânica

Hoje o Brasil disciplinou a agricultura orgânica e está prestes a praticar suas

diretrizes, e além de definir o que é Agricultura Orgânica, a lei 10.83116 afirma, como

resultado das lutas por um comércio mais justo, que ela deve visar ao “fomento da

integração efetiva entre agricultor e consumidor final de produtos orgânicos, e o

incentivo à regionalização da produção desses produtos orgânicos para os mercados

locais”.

Movimentos sociais vinculados à agroecologia que participaram no processo de

construção da lei 10.831 defenderam junto ao MAPA propostas para que não se

excluam os pequenos agricultores no mercado de orgânicos. Essa exclusão se daria pela

obrigatoriedade de avaliar a conformidade de seus produtos através de um único método

16  Segundo  a  Lei  nº  10.831,  de  23  de  dezembro  de  2003,  regulamentada  pelo  decreto  nº  6.323,  de  27  de  dezembro  de  2007.  Documento  extraído  de  www.agricultura.gov.br   acessado  no  dia  7  de  outubro  de  2008.  

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baseado no sistema de inspeção e na auditagem, este que, por sua vez, não considera a

realidade do pequeno agricultor.

É nesse contexto que o anexo V da lei 10.831 foi elaborado, e tem como título:

“Regulamento Técnico para Controle Social na Venda Direta de Produtos Orgânicos

sem Certificação”. Os agricultores familiares que praticarem a comercialização em

venda direta deverão se vincular à organizações de controle social, cadastradas no

MAPA ou em outro órgão fiscalizador conveniado, da esfera federal, estadual ou

distrital. Dessa forma, os pequenos produtores asseguraram o direito de manter o

comércio direto de seus produtos sem a necessidade de se submeter a uma avaliação de

certificação, pois o método utilizado para garantir a qualidade de sua produção poderá

ser realizada através do Sistema Participativo de Garantia (SPG).

O Sistema Participativo de Garantia é um sistema de avaliação da conformidade

voltado à realidade da agricultura familiar no Brasil. Ele foi reconhecido pelo MAPA

como um tipo de avaliação da conformidade assim como o sistema por certificação. O

selo de produto orgânico emitido por esses dois sistemas tem a mesma credibilidade,

permitindo assim, que os produtos da agricultura familiar estejam em todos os tipos de

mercado, mesmo aqueles de longa distância, possibilitando a expansão dentro do

mercado nacional.

Mesmo que a Rede promova a comercialização de curtas distâncias por vários

motivos, o reconhecimento dos SPG´s pelo MAPA foi um grande avanço para aqueles

agricultores que junto às cooperativas de comercialização, vendem seus produtos para

mercados distantes. O selo emitido pelo SPG será uma forma de garantia para o

consumidor de que aquele produto está nos conformes do processo de produção

orgânica, e que tem além do valor nutricional, o respeito pelo ambiente e pela sua forma

de produção.

11.3 Desafios da Rede Ecovida com a aplicação da Lei da Agricultura Orgânica

A Ecovida é uma rede que congrega articulações de várias organizações sociais,

com a finalidade de promover os princípios e os objetivos da agroecologia. Essas

organizações são independentes entre si, mas dependentes de subsídios gerados a partir

de parcerias formadas com fundações públicas e privadas.

Esses subsídios geram os recursos financeiros necessários para garantir a

funcionalidade da organização, desde a manutenção das atividades administrativas e

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53

burocráticas, bem como, as atividades realizadas diretamente no campo, como o auxílio

técnico e teórico ao agricultor, até a comercialização dos produtos. As organizações que

se baseiam em cooperativas de comercialização são imprescindíveis para a continuidade

do trabalho no campo, uma vez que elas estão em defesa do bem estar econômico e

social de seus associados, proporcionando ao produtor um certo conforto financeiro.

Essas organizações vêm passando por dificuldades desde que o governo federal

estabeleceu as novas regras para prestação de contas sobre os recursos financeiros

obtidos para a execução de projetos sociais. Segundo Singer (2008) essa atitude do

governo federal veio em resposta ao crescente número dessas Organizações Não

Governamentais (ONG´s), com esta expansão também surgiram muitas ONG´s falsas,

criadas para se apoderarem, em proveito próprio, de parte das verbas destinadas às

políticas públicas. Com isso, as organizações sérias enfraqueceram-se e os principais

atingidos foram as camadas menos favorecidos da população, por sinal, as que mais

dependem de serviços gratuitos de saúde, educação e assistência social.

É de fundamental importância, então, a existência dessas parcerias para garantir

a continuidade das atividades realizadas pela Rede Ecovida, seja como organização

ligada à comercialização direta sem avaliação da conformidade, seja como um sistema

participativo de garantia. O desafio agora é que as organizações que formam a Rede se

adaptem ao novo sistema de prestação de contas imposto pelo governo, para que assim

possam continuar a realizar suas atividades através de recursos federais.

Frente a esse assunto, a Secretaria da Agricultura Familiar do Ministério do

Desenvolvimento Agrário (SAF/MDA) recentemente abriu edital para o apoio a

certificação de grupos de agricultores familiares para mercados de produtos e serviços

orgânicos. Segundo o sítio do MDA, essa assistência tem como objetivo apoiar a

adequação de grupos e empreendimentos de agricultores familiares às exigências das

legislações que definem a produção orgânica do Brasil.

Além do desafio de manter parcerias que contribuam com subsídios para

funcionalidade da Rede, esta terá outra grande tarefa, que é a de interar todos os

membros da Rede a respeito da forma de funcionamento de um sistema participativo de

garantia. A organização geral da Rede deve, antes de tudo, se “capacitar” no assunto,

com objetivo de chegar a um discurso comum, para que, assim, cada membro da

coordenação possa repassar as deliberações tomadas para o núcleo regional o qual

representa. Mas caberá aos núcleos regionais organizar seus participantes e oferecer

oficinas de capacitação, adaptando-as à singularidade de cada grupo que os compõe.

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54

Outro grande desafio da Rede Ecovida, e de todas outras organizações que

exerçam o sistema participativo de garantia, é o reconhecimento internacional diante

desse processo de avaliação da conformidade. Este, por sua vez, é formalizado e

reconhecido somente por alguns países, como Chile, Bolívia, Costa Rica e agora o

Brasil, ficando de fora os principais países importadores como os da Europa e da

América do Norte.

O reconhecimento do sistema participativo de garantia, por parte desses países,

permitiria incluir os produtos oriundos da agricultura familiar no mercado internacional,

principalmente àqueles que praticam o extrativismo sustentável de especiarias, que de

certa forma, se encaixam no conceito de produto orgânico. Esses produtos estão cada

vez mais ganhando nicho no mercado internacional, sendo a avaliação da conformidade

o grande empecilho para exportação. Tal problema faz com que as famílias procurem

uma avaliação da conformidade reconhecida internacionalmente (aquelas por auditoria),

que na maioria das vezes não se encaixa na realidade desse pequeno produtor. Esse

desafio, muitas vezes, faz com que o agricultor desista dessa atividade ou entregue seus

podutos a atravessadores.

O reconhecimento internacional dos SPG´s é uma conquista, por parte dos

interessados, bem possível de ser fundamentada. A principal argumentação é que a Lei

da Agricultura Orgânica tem como base normas ditadas pela Ifoam, que é uma

Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica respaldada no

assunto, e que legislações de diversos países também se baseiam por elas. Então, as

organizações vêm a frente o desafio em defender este ponto: que a avaliação da

conformidade dada participativamente é tão garantida quanto a dada por um fiscal.

Talvez, este seja um desafio prestes a ser conquistado, dependendo somente do

fortalecimento e da articulação das organizações sociais interessadas.

Para a Rede Ecovida definir bases concretas de sua atuação e conceito, é de

suma importância o fortalecimento da articulação entre as organizações que a compõem.

Segundo um membro da coordenação da Rede Ecovida, a falta dessa articulação

prejudica a capacidade de problematizar e priorizar assuntos na qual se buscaria um

discurso parecido e afinado sobre as opiniões em que Rede responderá.

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12. Considerações Finais

Desde o início da formação da Rede Ecovida, a articulação entre seus

participantes foi um fator determinante para o aperfeiçoamento da organização da

Associação. Diversas já foram as formações da Rede até se chegar a atual estrutura.

Nesse momento, a coordenação da Rede, vem estudando sua normatização

perante a Lei da agricultura orgânica e diversas são as sugestões de seus membros. O

principal questionamento por parte dos participantes da coordenação é a preocupação

quanto aos rumos que os SPG´s tomarão, se eles se tornarão orgãos avaliadores da

conformidade, assim como as certificadoras, e dessa maneira, estarão entrando no ramo

do agronegócio, que trata das questões relacionadas à agricultura somente pelo ponto de

vista econômico, ou, se manterão a atual proposta da Rede Ecovida, que preza muito

mais pelas relações humanas às econômicas.

A partir da vigência da lei, a Rede já deverá ter definida a sua posição quanto a

este assunto, se busca uma adequação as normas exigidas, para então, poder emitir selos

de conformidade e funcionar como uma estrutura de garantia e apoio à comercialização

dos produtos orgânicos, ou, se segue o caminho do desenvolvimento e aprimoramento

dos princípios da Agroecologia, colocando-se à parte dos processos burocráticos

necessários para legalizar o comércio de seus produtos. Porém, só o tempo mostrará, em

função das decisões tomadas no presente, quais os ajustes finais necessários para

aperfeiçoar a organização da Rede Ecovida, considerando sua pluralidade e também a

singularidade dos seus núcleos regionais.

A presente pesquisa teve como um dos seus objetivos, contribuir no estudo para

a Rede Ecovida se normatizar à lei. Esse estudo de caso permitiu a pesquisadora

perceber quais as modificações que a Rede deverá sofrer com a aplicação da lei. A

partir do estudo do Anexo IV da Lei 10.831, que trata das diretrizes para o

procedimento de avaliação da conformidade em sistemas participativos de garantia,

pode-se perceber que os pontos de mudança relacionados são, em sua maioria, de

caráter operacional. Dentre eles estão: a criação de uma pessoa jurídica denominada de

Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade (OPAC), determinar diretrizes

para a garantia de rastreabilidade de um produto, a elaboração de um Estatuto Social e

de um Manual de Procedimentos Operacionais para a Conformidade Orgânica. Quanto

aos objetivos e princípios da Rede, estes permanecerão os mesmos, permitindo a Rede

continuar seu trabalho de construção popular da agroecologia, instruindo e orientando

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todos os envolvidos no amplo processo que envolve a produção de alimentos

agroecológicos.

A coordenação da Rede Ecovida já vem a algum tempo se conscientizando e se

mobilizando no que diz respeito às mudanças que sua estrutura sofrerá quando a Lei da

Agricultura Orgânica entrar em vigor. Até esse momento os estudos e as discussões

relacionados à normatização continuam entre os membros coordenadores da Rede

Ecovida, e nos próximos meses eles devem formalizar o novo modelo de administração

que a Associação Ecovida seguirá.

A Rede, além de cumprir o compromisso de se normatizar perante a Lei, deve

construir com todos os membros participantes o discurso de que o sistema participativo

de garantia é um sistema de avaliação da conformidade tão confiável quanto o por

certificação. Muito além de somente garantir a conformidade de um produto, o SPG

preza também pelo aspecto social, pela participação ativa de seus membros e pela

responsabilidade solidária entre todos os envolvidos.

Embora os SPGs tenham princípios fundamentais comuns entre si, a forma de

operação deles varia de acordo com as necessidades das comunidades locais. Deve se

destacar que mesmo em um sistema como o da Rede Ecovida, o foco continua sendo o

do consumo direto e local. Existe, porém, entre os SPGs, aqueles que desejam acessar

nichos de mercado internacional, e existem vários sinais de que a Ifoam (International

Federation of Organic Agriculture Movements – Federação Internacional dos

Movimentos de Agricultura Orgânica) reconhece a importância dos SPGs nas relações

de consumo local e direto, mas não como um sistema voltado à exportação. Segundo a

revista Agriculturas v. 5 - n° 2 de junho de 2008, recentemente a Ifoam publicou uma

série de sugestões para orientar ONGs e governos na promoção de SPGs. Suas idéias

incluem a construção da credibilidade desses sistemas por meio da criação de mercados

locais, pela viabilização de melhores condições de acesso aos mercados urbanos pelos

produtores, e outras iniciativas.

A legitimação dos SPGs representa uma oportunidade para o movimento

orgânico novamente ocupar seu espaço e apoiar o consumo local e, ao mesmo tempo,

fortalecer os laços comunitários, a economia e o meio de vida rural.

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57

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