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Trabalho de Conclusão de Curso - Giullia dos Anjos
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
BACHARELADO EM HISTÓRIA
Trabalho de Conclusão de Curso
BRINCANDO DE ARQUEOLOGIA EM PELOTAS:
História e Arqueologia Pública na Charqueada Santa Bárbara
(RS – Brasil)
Giullia Caldas dos Anjos
Pelotas, 2012
GIULLIA CALDAS DOS ANJOS
BRINCANDO DE ARQUEOLOGIA EM PELOTAS:
História e Arqueologia Pública na Charqueada Santa Bárbara
(RS – Brasil)
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Instituto de Ciências
Humanas da Universidade Federal de
Pelotas, como requisito parcial à
obtenção do título de Bacharel em
História.
Orientador: Prof. Dr. Lúcio Menezes Ferreira
Pelotas, 2012
Agradecimentos
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao meu orientador, Prof. Dr.
Lúcio Menezes Ferreira, que desde o início da graduação vem me
acompanhando e me convidou para participar do projeto O Pampa Negro, em
2010. Agradeço por confiar em mim na hora de mudar completamente meu
trabalho e acreditar neste projeto. Agradeço, também, por todas as
oportunidades proporcionadas desde o início da faculdade. Enfim, ao longo
desses quatro anos de convivência, com certeza mereces minha gratidão pela
presença, confiança e, também, é claro, pela amizade.
À FAPERGS (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio
Grande do Sul) que, através da concessão da bolsa de Iniciação Científica,
permitiu a realização desta pesquisa.
Agradeço, ainda, aos professores pesquisadores do LÂMINA, em
especial ao Prof. Pedro Sanches, Prof. Bruno Sanches, Prof. Jaime Mujica,
Prof. Diego Lemos Ribeiro e Prof. Cláudio Carne, os quais, de uma forma ou de
outra, colaboraram ao longo deste trabalho e lograram estabelecer um ótimo
ambiente de trabalho.
Aos colegas de equipe do LÂMINA, em especial à Marta, Estefânia,
Letícia, Luiza, Anelize, Lidorine, Eurico e Gil pelo apoio, motivação e
companheirismo nesses quase dois anos de convivência.
Agradeço à minha companheira de campo, Andressa Domanski, por
todas nossas discussões teórico-metodológicas que deram fruto a esse
trabalho. Tu bem sabes o quão importante fosses pra tudo isto aqui.
Agradeço às diretoras e à supervisora da Escola Estadual de Ensino
Fundamental Incompleto Sagrado Coração de Jesus por haverem me recebido
de braços abertos durante a realização do projeto. E agradeço, especialmente,
aos alunos das turmas 4ºA e 4ºB por serem tão interessados e carinhosos ao
longo de todas atividades.
Aos colegas da primeira turma de Bacharelado em História da UFPel,
pela amizade e parceria ao longo dessa nossa caminhada, pelos nossos
grupos de estudos que tanto nos salvaram frente às provas. Agradeço
especialmente aos colegas Rodrigo Dal Forno (“póvo") e ao Victor Gomes
(nariz) por terem sido grandes amigos ao longo dessa jornada.
Agradeço aos bons professores que tive, em especial à Prof.ª Elisabete
Leal que muito auxiliou para que este trabalho fosse realizado. À Prof.ª Ana
Klein por tentar me tranquilizar tantas vezes na reta final.
Agradeço ao professor – e amigo – Bruno Sanches, por vir discutindo e
reelaborando este projeto de forma a sempre buscar melhorar. Sou grata pelas
conversas, sugestões, enfim... Valeu!
Agradeço à minha família, por serem minha base. Agradeço
especialmente à prima Carol por uma vez ter me dito “não te preocupa, quando
menos esperares, a ideia surgirá e saberás exatamente com o que trabalhar”.
À minha tia Karen, por ser essa parceiraça até na faculdade e me ajudar
sempre.
A meus maninhos do coração e de tanto papo, Gisa e Mano, para quem
sempre busco dar o melhor exemplo. Amo vocês incondicionalmente!
À minha querida amiga Paula Mesquita (panqueca), por desde o início
vibrar comigo e torcer por mim.
Agradeço às minhas avós e professoras, vó Elisa e vó Lelene. À minha
querida amiga Marlene, obrigada por ser está avó fantástica e moderna.
Obrigada por me incentivar sempre! À minha pequeninha avó Elisa, obrigada
por cuidar sempre de mim, por me mimar com minhas comidas preferidas, e
me introduzir no mundo das letrinhas. Não tens nem ideia do quão valioso isso
foi pra mim. Vocês duas foram também as responsáveis por esse trabalho
estar aqui, minhas eternas professorinhas.
Agradeço ao meu namorado Paulo (“Pr”), por toda paciência com meu
delicado jeitinho de ser ao longo desses quase quatro anos. Só tu, com esta
paciência que sabe-se lá de onde vem, pra me dar tanto apoio, carinho, amor e
compreensão nos meus maiores momentos de tensão. Tu, com essa santa
paz, me fizestes aguentar o tranco por tantas vezes, e me fizestes te amar,
cada dia mais.
Por fim agradeço a quem me deu a vida, meus amados e “capanheiros”
pais. A meu papito, Flávio Sacco dos Anjos, por toda sabedoria, teimosia e
discussões intermináveis sobre meus trabalhos e projetos. Só tu sabes o quão
produtivas elas foram pra mim. À minha querida mamis, minha general e
guardiã, Nádia Velleda Caldas, pelo poder conciliador e paciência. És minha
guerreira e mulher de fibra, meu exemplo e meu apoio. A vocês dois, meus
queridos companheiros de tantas viagens, que nosso tripé nunca se abale.
Agradeço a vocês por me ajudarem a desenvolver cada frase, cada parágrafo e
mais que tudo, por vir desde sempre acompanhando meus singelos passos
com o maior apoio e aplauso.
Resumo
ANJOS, Giullia Caldas dos. BRINCANDO DE ARQUEOLOGIA EM PELOTAS: História e Arqueologia Pública na Charqueada Santa Bárbara (RS – Brasil). 2012. 94f. Trabalho de Conclusão (Bacharelado em História), Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas.
O projeto “Brincando de Arqueologia em Pelotas” se insere no marco de uma pesquisa mais ampla, intitulada “O Pampa Negro: Arqueologia da Escravidão na região meridional do Rio Grande do Sul (1780-1888)”, coordenado pelo Prof. Dr. Lúcio Menezes Ferreira. Nosso estudo corresponde a uma experiência de Arqueologia pública levada a cabo entre os meses de outubro e novembro de 2011, com alunos e professores da Escola Estadual de Ensino Fundamental Incompleto Sagrado Coração de Jesus, a qual foi escolhida justamente por situar-se nas imediações da Charqueada Santa Bárbara, onde atualmente concentram-se as escavações arqueológicas de O Pampa Negro. A metodologia envolveu atividades realizadas em cinco encontros que incluíram elaboração de desenhos, visita ao Sítio e simulação de uma escavação arqueológica. Nessa intervenção, inspirada nas premissas da Arqueologia pública, buscou-se entender como os alunos percebiam esse campo e no que consistia o trabalho do arqueólogo, além de investigar seu entendimento sobre a Charqueada em questão. Também foram realizadas entrevistas com as professoras no intuito de analisar o que conheciam a respeito da história local e sua relação com a escravidão e quais materiais utilizavam para trabalhar estes temas em sala de aula. Os resultados a que chegamos apontam para a importância da Arqueologia pública no sentido de estabelecer diálogos com as comunidades implicadas. Dessa forma, buscando, a partir desta primeira experiência, entender as representações que as comunidades e grupos sociais têm acerca da Arqueologia, do patrimônio cultural e, particularmente, do passado escravista pelotense. Palavras-chave: História de Pelotas, Escravidão, Arqueologia Pública, Ações
Educativas
Abstract
ANJOS, Giullia Caldas dos. BRINCANDO DE ARQUEOLOGIA EM PELOTAS: História e Arqueologia Pública na Charqueada Santa Bárbara (RS – Brasil). 2012. 94f. Trabalho de Conclusão (Bacharelado em História), Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas.
The project “Brincando de Arqueologia em Pelotas” has been articulated in the
framework of a broader research, so-called “O Pampa Negro: Arqueologia da
Escravidão na região meridional do Rio Grande do Sul (1780-1888)”. The
present study corresponds to a Public Archaeology experience undertaken
between October and November of 2011 with students and teachers of the
Escola Estadual de Ensino Fundamental Incompleto Sagrado Coração de
Jesus, which has been chosen precisely because is located nearby the
plantation of jerked beef called Santa Bárbara, where the archaeological
excavations of the O Pampa Negro project are concentrated now. The
methodology has involved activities conducted in five meetings that included the
elaboration of drawings, visit to the Site and the simulation of an archaeological
excavation. Is this intervention, inspired in the premises of Public Archeology,
we attempted to understand how students perceive this field and how they
represent the archaeological work and the plantation of jerked beef itself. Also,
interviews were conducted with the teachers in order to analyze what they knew
about the local history and its relation with the slavery and which materials they
used to work these issues in the classroom. The results that we reached point
to the importance of Public Archaeology in order to establish dialogues with the
communities involved. Thereby, we are seeking from this first experience,
understand the representations that communities and social groups have about
the archeology, cultural heritage and, particularly, of the slave past Pelotas.
Key-words: Pelotas’s history, Public Archaeology, Slavery, Educational Activities
Lista de Abreviaturas e Siglas
APERS – Arquivo Público do Rio Grande do Sul
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CRM – Cultural Resource Management
E.E.E.F.I.S.C.J. – Escola Estadual de Ensino Fundamental Incompleto Sagrado
Coração de Jesus
FAPERGS – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul
ICH – Instituto de Ciências Humanas
ICOMOS/ICAHM – International Council on Monuments and Sites/International
Scientific Committee on Archaeological Heritage Management
LÂMINA – Laboratório Multidisciplinar de Investigações Arqueológicas
PRONAPA – Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas
ROPA – Register of Professional Archaeologists
SAA – Society for American Archaeology
SOPA – Society of Professional Archaeologists
SPHAN – Serviço Histórico e Artístico Nacional
UFPel – Universidade Federal de Pelotas
Lista de figuras e Boxes
Figura 1 – Mapa ilustrativo da localização das Charqueadas ...................... 21
Figura 2 – Vista frontal da residência de Antônio José Gonçalves Chaves
pela margem direita do Arroio Pelotas ....................................... 25
Figura 3 – Naturalidade dos escravos traficados na Província de São
Pedro do Rio Grande do Sul ....................................................... 29
Figura 4 – Divisão dos escravos por ocupação ............................................ 30
Figura 5 – Imagem da principal construção remanescente .......................... 47
Figura 6 – Localização da Sesmaria de Santa Bárbara (1817) .................... 48
Figura 7 – Estruturas da propriedade de José Vieira Vianna (1854) ............ 49
Figura 8 – Localização da E.E.E.F.I.S.C.J.................................................... 51
Figura 9 – Primeira visita da turma 4ºB da E.E.E.F.I.S.C.J. ao Sítio da
Charqueada Santa Bárbara, novembro de 2011 ........................ 54
Figura 10 – Primeira visita da turma 4ºA da E.E.E.F.I.S.C.J. ao Sítio
Charqueada Santa Bárbara, novembro de 2011 ........................ 55
Figura 11 – Simulação de escavação com a turma 4ºB da E E.E.E.F.I.S.C.J.,
novembro de 2011 ...................................................................... 55
Figura 12 – Simulação de escavação com a turma 4ºA da E.E.E.F.I.S.C.J.,
novembro de 2011 ...................................................................... 56
Figura 13 – Simulação de escavação com a turma 4ºB da E.E.E.F.I.S.C.J.,
novembro de 2011 ...................................................................... 56
Figura 14 – Desenho A desenvolvido no primeiro encontro .......................... 58
Figura 15 – Desenho B desenvolvido no primeiro encontro .......................... 58
Figura 16 – Distribuição dos desenhos do primeiro encontro quanto à
presença de cena de escavação ................................................ 59
Figura 17 – Frequência de elementos identificados nos desenhos do primeiro
encontro ...................................................................................... 59
Figura 18 – Desenho C desenvolvido no quarto encontro ............................ 60
Figura 19 – Desenho D desenvolvido no quarto encontro ............................ 60
Figura 20 – Distribuição dos desenhos do quarto encontro quanto à cena
representada .............................................................................. 61
Box 1 – Legislação de preservação dos recursos culturais e naturais nos
Estados Unidos como suporte para a discussão de proteção do
patrimônio arqueológico ............................................................. 37
Box 2 – Alguns apontamentos relevantes sobre a relação entre Arqueologia
e a sociedade nos Códigos da SAA, SOPA e ROPA ................. 39
Box 3 – Planejamento metodológico do projeto Brincando de Arqueologia
em Pelotas .................................................................................. 66
Sumário
Introdução ................................................................................................... 11
1 As charqueadas pelotenses: historiografia e escravidão .................. 15
1.1 A origem do núcleo charqueador pelotense ........................................... 19
1.2 A charqueada como espaço de produção .............................................. 22
1.3 O escravo e a produção de charque ...................................................... 26
2 Arqueologia pública ................................................................................ 33
2.1 Surgimento do Campo ........................................................................... 34
2.2 Arqueologia pública no Brasil e perspectivas atuais .............................. 40
3 Projeto “Brincando de Arqueologia em Pelotas” ................................. 45
3.1 Estância e Charqueada Santa Bárbara .................................................. 46
3.2 Metodologia ............................................................................................ 40
3.3 Alcances, limitações e desafios de uma experiência em Arqueologia
pública .................................................................................................. 57
3.3.1 Análise dos desenhos produzidos ....................................................... 57
3.3.2 Alguns desafios e limitações ............................................................... 62
Considerações finais ................................................................................. 67
Referências ................................................................................................. 69
Apêndices ................................................................................................... 76
Anexos ........................................................................................................ 81
Introdução
O presente estudo articula-se a uma pesquisa mais ampla, intitulada “O
Pampa Negro: Arqueologia da escravidão na região meridional do Rio Grande
do Sul (1780-1888)”, coordenada pelo Prof. Dr. Lúcio Menezes Ferreira, desde
2009. Um dos principais objetivos do projeto é instituir uma linha de pesquisa
formal sobre a Arqueologia da escravidão na região meridional do Rio Grande
do Sul, especialmente em Pelotas, tendo em vista que esta cidade concentrou,
em alguns períodos do século XIX, a maior parte da população de escravos
africanos durante a expansão e desenvolvimento da indústria charqueadora1.
Foi a partir do Projeto O Pampa Negro, desenvolvido pela equipe
Laboratório Multidisciplinar de Investigações Arqueológicas (LÂMINA), do
Instituto de Ciências Humanas (ICH) da Universidade Federal de Pelotas
(UFPel), que surgiu o interesse em realizar intervenções nos moldes da
Arqueologia pública. Partindo desse pressuposto, foram pensadas duas formas
de ação. A primeira compreende um trabalho com as comunidades do entorno
do Sítio arqueológico através de etnografia, enquanto que a segunda forma de
ação visa o trabalho com as escolas circundantes ao Sítio. O recorte de
realidade a que se refere o presente trabalho de conclusão de curso
compreende justamente essa segunda vertente nos moldes da Arqueologia
pública. É concretamente através de atividades desenvolvidas com estudantes
do 4º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual de Ensino Fundamental
1 Foi graças a este projeto que obtive a Bolsa de Iniciação Científica, financiada pela
FAPERGS (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul) durante o período 2010/2011, o que me permitiu participar com mais fôlego na pesquisa e mais diretamente no tema.
12
Incompleto Sagrado Coração de Jesus (E.E.E.F.I.S.C.J.), situada nas
proximidades2 da Charqueada Santa Bárbara, que lançaremos mão desse
enfoque.
Feitos estes esclarecimentos iniciais a respeito da pesquisa mais ampla,
onde se insere o presente projeto, é importante destacar quais os objetivos que
norteiam este trabalho de conclusão e de que forma ele foi realizado. Nesse
sentido, é mister afirmar que nosso projeto se baseia nas premissas da
Arqueologia pública. Sendo assim, o que se busca aqui é demonstrar que é
imprescindível ponderar que os arqueólogos têm a incumbência de não ficarem
restritos às suas instituições de trabalho. Segundo Renfrew & Bahn:
os arqueólogos têm o dever, tanto a seus colegas, como a seu público em geral, de explicar o que fazem e por quê. Isto significa, sobretudo, a publicação e difusão de seus conhecimentos de forma que os outros investigadores disponham dos resultados e o público, que geralmente pagou pelo trabalho, ainda que indiretamente, possa
desfrutá-los e compreendê-los (2007, p. 504) 3.
Diversas experiências de arqueólogos têm mostrado que o envolvimento
das comunidades é fundamental, sendo que “a razão última para nossa ação é
trabalhar para e com tais públicos” (FUNARI; OLIVEIRA; TAMANINI, 2008, p.
131). Com o objetivo de buscar a inserção das comunidades em nossa
pesquisa é que se estrutura esta monografia.
A análise do surgimento da Arqueologia pública nos remete à importância
da participação destas populações como agentes ativos ao longo dos
processos de investigação arqueológica. Todo esse trabalho visado pela
Arqueologia pública e comunitária busca permitir “o entendimento dos
sentimentos e interpretações das comunidades diante das pesquisas”
(FERREIRA, 2011, p.30), viabilizando sentimentos de pertencimento, tendo em
vista que o patrimônio cultural pode ser visto como uma gama de
representações e ligações entre o passado e o presente.
O que se pretende aqui é compreender quais eram as ideias dos alunos
a respeito de Arqueologia, História e Patrimônio Cultural anteriormente às 2 A Escola está sediada no que anteriormente fora uma casa de residência na Rua Anchieta nº
812, que foi adaptada para comportar a Escola, e dista 650m do prédio remanescente da antiga Charqueada Santa Bárbara. Devemos salientar que, no geral, seus alunos são oriundos de famílias de baixa renda. 3 Todas as traduções foram feitas pela autora.
13
atividades e o que se pode perceber ao final dos encontros. Neste momento,
as análises a respeito das percepções e representações dos alunos e alunas
sobre o passado escravista pelotense não puderam, por estarmos ainda no
início do trabalho, ser aprofundadas. Tal análise será realizada num segundo
momento, ao trabalhar com outras escolas, pois durante as atividades com os
alunos da E.E.E.F.I.S.C.J. a questão escravista não foi contemplada pelos
alunos. Percebemos que eles se fixaram mais sobre os temas que envolvem
representações diversas do patrimônio, conforme o concebem, além da
Arqueologia e o cotidiano do trabalho arqueológico. Visa-se, então, entender de
que forma se dá a representação de Arqueologia, quais são os elementos que
emergem nos trabalhos realizados com os alunos e a eficiência dessas
iniciativas.
Cabe aqui explicitar o modo através do qual desenvolveremos tal
imersão. Como objetivo geral, esta monografia pretende analisar as
percepções dos alunos do 4ª ano do Ensino Fundamental acerca de temas que
envolvem: o que é Arqueologia, o que faz um arqueólogo e o que consideram
patrimônio cultural. Para tanto, foi necessário partir de dois objetivos
específicos. Em primeiro lugar, analisou-se a historiografia regional e local
sobre a escravidão, principalmente no estado do Rio Grande do Sul e Pelotas,
além do processo de formação da referida cidade e da antiga Estância Santa
Bárbara. Em seguida, foi feita, também, uma revisão bibliográfica a respeito de
Arqueologia pública.
Com efeito, será necessário abordar, no primeiro capítulo desse trabalho
de conclusão, uma síntese historiográfica visando trazer elementos a respeito
da formação de Pelotas, retomando a historiografia sobre a escravidão na
cidade, assim tratando sobre o trabalho nas charqueadas e, principalmente,
traçando um histórico da charqueada em foco, antiga Estância Santa Bárbara.
Além disso, buscarei igualmente discutir a relação entre o que a historiografia
produz, ou seja, o que sai da academia e o que chega às escolas e de que
forma são absorvidos tais conhecimentos pelos alunos.
No segundo capítulo, trarei os conceitos deste estudo. Sendo assim,
buscarei analisar o surgimento do campo da Arqueologia pública, em meio a
14
qual cenário é concebido e quais são os interesses que o permeiam. Além
disso, aqui se buscará tratar sobre as formas pelas quais o campo de estudo
foi se desenvolvendo com o passar do tempo e quais são os instrumentos em
que ele tem se apoiado desde seu início até atualmente.
O terceiro capítulo reunirá os elementos empíricos deste trabalho. Sendo
assim, apresentarei o projeto de intervenção realizado com duas turmas de 4º
ano do Ensino Fundamental na E.E.E.F.I.S.C.J. Além disso, discutirei os
resultados obtidos com o projeto através de desenhos que foram realizados
pelos alunos, apresentando os elementos referentes a sua concepção de
Arqueologia e percepção do patrimônio cultural. Por fim, tecerei algumas
considerações finais a fim de discutir a eficácia deste tipo de projeto de
intervenção e o papel do pesquisador para com as comunidades.
1 As charqueadas pelotenses: historiografia e escravidão
Falar da história e da formação social de Pelotas é falar de charqueadas,
de gado, de sal e, sobretudo, de escravidão. O que é recorrente em boa parte
da aproximação que se faça sobre esse tema. Todavia, desde que comecei a
tomar contato com este assunto, ainda nos tempos de ensino fundamental,
recordo-me de uma questão que me inquietava. Por que razão nossos livros
didáticos, ao falarem da escravidão no Brasil, pouco ou quase nada
mencionavam a respeito do modo como esse processo se desenvolveu no Sul
do Brasil?
Lembro das aulas de história e de como a questão da escravidão se
resumia a uma associação imediata com os grandes ciclos econômicos do
nordeste e sudeste (açúcar e café especialmente), mas raramente se fazia
alusão a outros vínculos igualmente importantes, como o caso do apogeu da
produção saladeril no Rio Grande do Sul. Que fatores conspiram para
conformar um quadro que permanece até hoje no ensino da história local?
Ainda criança lembro, também, de meus pais comentarem um outro fato que
me parece igualmente intrigante. Na Pelotas dos grandes casarões, da
aristocracia do charque4 e da opulência, vicejam imagens iconográficas dos
que construíram essa riqueza e a história política desta cidade, traduzidas em
estátuas como as do maragato, do colono, dos grandes personagens, mas,
paradoxalmente, a única referência ao negro se resume ao negrinho do
pastoreio referida na clássica obra de João Simões Lopes Neto (NETO, 1998).
Há, por certo, razões que contribuem para que essa realidade se apresente, as
4 Carne salgada em mantas produzida nas charqueadas – estabelecimentos associados com
estâncias destinadas à pecuária – onde se extraíam diversos produtos, dentre eles o charque, sebos, couros secos, línguas, chifres, cascos, graxas, ossos queimados, etc.
16
quais, não obstante sua importância para compreender o quadro social de
Pelotas, ultrapassam, em muito, os limites desse trabalho.
Esta seção tem como ponto de partida esse aspecto, assim como outras
questões que pretendo desenvolver simultaneamente à tarefa de analisar a
produção historiográfica sobre escravidão no Rio Grande do Sul, e,
principalmente, em Pelotas. Os primeiros trabalhos historiográficos que
decidiram abordar o cotidiano da sociedade escravista são apontados por
Maestri (2006), sendo escritos no século XIX, especialmente por memorialistas
locais e viajantes5. Tradicionalmente, boa parte dos rio-grandenses aponta os
louros da história do Estado como sendo fruto do esforço do trabalhador livre
(especialmente luso-brasileiros e ítalo-germânicos) (MAESTRI, 2006, p. 222).
Isso se deve, principalmente, “à construção idealizada do passado rio-
grandense” (SANTOS, 1991, p. 131), através das primeiras obras
historiográficas que enalteciam a participação do homem-livre e se baseavam
em ideias cientificistas, positivistas, e de determinação da sociedade pelo meio
e pela raça (MAESTRI, 2006, p. 223). Fato este que se percebe, por exemplo,
em narrativa da viagem de Auguste de Sant-Hilaire em 1821, onde diz que “os
negros são naturalmente pouco ativos, quando livres só trabalham o suficiente
para não morrerem de fome” (apud MAESTRI, 2006, p. 227). Porém, até
mesmo o naturalista francês mudou um pouco de opinião, segundo Maestri
(2006), ao ver o “trabalho com rudeza” dos cativos que trabalhavam nas
charqueadas do Sul.
Nesse sentido, é interessante apontar a posição de Dreys quanto ao
trabalho na charqueada. Para este viajante francês, o trabalho mais exigente
não era “pesado”. Ali os negros seriam bem vestidos e alimentados – ou seja,
bem tratados –, sendo apenas obrigados a ter um bom comportamento e a um
serviço “usual”. Sendo assim, Dreys defendia a escravidão num intuito de livrar
o cativo de entregar-se “às misérias e aos vícios” (apud MAESTRI, 2006, p.
228). É claro que devemos ter em mente que estes relatos são marcados por
toda uma conjuntura. Porém, apesar de termos de ponderar todas essas
5 Destes trabalhos do século XIX, destacam-se: Anais da Província de São Pedro por José
Feliciano Fernandes Pinheiro, em 1819; Memórias ecônomo-políticas sobre a administração pública do Brasil, por Antônio José Gonçalves Chaves, em 1822; Notícia descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul, por Nicolau Dreys, em 1839; além da obra do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, em sua Voyage à Rio Grande do Sul (Brésil), de 1821.
17
questões, devemos perceber o quão importantes foram essas obras e o quanto
contribuíram para podermos lançar mão de alguns aspectos importantes de
outrora que são abordados por estes escritores.
Maestri elenca autores6 que fazem parte do que ele chama de “A
Geração de 1880”, marcados pelo determinismo geográfico e racismo científico
e que assinalam nesse momento o surgimento de uma “narrativa orgânica”
sobre a formação social sulina (2006, p. 229). Já no início do século XX, são
importantes para compreender essa linha tradicional-conservadora, os
intelectuais Rubens de Barcellos e Jorge Salis Goulart, que, a partir de suas
obras Esboço da formação social do Rio Grande do Sul, de 1955, e A formação
do Rio Grande do Sul, de 1927, mantêm a posição tradicional a respeito da
sociedade rio-grandense, afirmando sua pureza étnica e origem latifundiário-
pastoril, com destaque à participação dos imigrantes na formação social do
Estado. É elucidativa essa posição no livro de Goulart, pois ele retoma “os
mitos da democracia e produção pastoril sem trabalho, aos quais agregou a
proposta do caráter benigno da escravidão do destino excelente do Sul devido
à ‘pureza étnica’” (MAESTRI, 2006, p. 235).
Um giro foi dado na produção historiográfica a respeito da escravidão no
Rio Grande do Sul a partir das décadas de 1960 e 1970. Nesse contexto,
merece destaque a tese de Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e
escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio
Grande do Sul, publicada em 1962. O autor buscou realizar uma crítica aos
trabalhos precedentes, assim como destacar a importância da escravidão no
Estado, criticando a “democracia pastoril” e a visão tradicional da “escravidão
benigna” (MAESTRI, 2006, p. 239). Porém, segundo Maestri, a mudança
substancial se deu a partir da década seguinte (1970). Nesse momento, além
da transformação na ótica da escravidão, este mesmo tema passa a crescer na
historiografia brasileira, embora alguns, no Rio Grande do Sul, ainda se
utilizassem da historiografia tradicional7.
6 São eles: Alcides Mendonça Lima (História Popular do Rio Grande do Sul, de 1882); Joaquim
Francisco de Assis Brasil (História da república rio-grandense, de 1882); e João Cezimbra Jacques (Costumes do Rio Grande do Sul, de 1883). 7 Fazem parte desse conjunto, trabalhos como os de Cláudio Moreira Bento, O negro e
descendentes na sociedade do Rio Grande do Sul de 1976; Verônica Aparecida Monti, O abolicionismo: sua hora decisiva no Rio Grande do Sul – 1884, de 1978; Margareth Bakos, Rio Grande do Sul: escravismo e abolição, de 1982. Este último se filia à nova historiografia.
18
A partir desse entendimento, é necessário deixar claro que neste
trabalho serão analisados os estudos realizados a partir da nova abordagem a
respeito da escravidão. Esta nova ótica dá lugar à compreensão de que os
escravos, africanos ou afrodescendentes, exerceram relações socioculturais
com seus opressores e que este contato não se deu no âmbito da passividade
dos cativos, mas, sim, auxiliaram a compor a sociedade gaúcha. Se atentarmos
ao que vem sendo produzido na historiografia desde 1980, notaremos que são
recorrentes os trabalhos acadêmicos sobre o campesinato negro, família,
cultura escrava, espaços de autonomia econômica dos cativos, as relações
existentes entre senhores e escravos, diversos tipos de irmandades, laços de
parentesco, organização do trabalho, práticas religiosas, etc. Além disso, já
vêm sendo abordados há bastante tempo temas como políticas cotidianas,
revoltas, protestos e resistência dos escravos. Mais recentemente, alguns
estudos demonstram de que forma os escravos reagiam à lógica repressiva de
dominação senhorial e quais foram os seus efeitos na dinâmica social.
Nos últimos anos, têm surgido diversas pesquisas que abrangem temas
como sexualidade, demografia, trabalho urbano e rural, ocupação dos
escravos, etnias, laços familiares e cotidiano dos escravos do Rio Grande do
Sul8. Já a resistência escrava é tratada pela historiografia desde a década de
19709, incorporando as fugas, os quilombos, os esconderijos urbanos, etc. Em
Pelotas, tais temas também são recorrentes. Nota-se o considerável aumento
dos estudos referentes ao trabalho escravo nas charqueadas, destacando os
elementos políticos, sociais e econômicos da escravidão, além do trabalho
escravo não somente no espaço rural, mas nos complexos fabris e, também,
construção dos casarões da cidade10. Atualmente, as pesquisas a respeito da
escravidão vêm crescendo consideravelmente. Fato este que faz com que seja
tarefa árdua dar conta de toda historiografia e nos obriga a optar pelos estudos
mais relevantes ao nosso trabalho. Embora ainda sejam incipientes, a
relevância desses estudos é inquestionável. Principalmente, se tivermos em
8 Eis algumas obras: Almeida (2002); Araújo (2011); Barcellos et alli (2004); Berute (2006);
Pessi (2008; 2011); Reis & Silva (1989); Scheffer (2011); Vargas (2011); Weimer (1991). 9Gorender (1980); Lima (1997); Maestri (1979a; 1979b; 1993); Moreira (2003a; 2003b); Reis
(1989); Santos (1991). 10
Aguiar (2009); Al-Alam (2007); Arriada (1997); Assumpção (1991; 1995); Caldeira (1992); Dalla Vechia (1994a; 1994b; 1994c; 1997); Gutierrez (2001; 2004); Maestri (1984); Mello (1994); Ognibeni (2005); Pessi (2008a; 2008b, 2009a; 2009b); Piccolo (1997); Recondo (1995); Simão (2002).
19
mente o contexto local e a importância que o uso do braço negro teve para a
formação da cidade de Pelotas.
1.1 A origem do núcleo charqueador pelotense
A ocupação dessa coxilha não resultou como de praxe na época, de empreendimentos militares ou de ocupação do solo pela colonização, com objetivos de garantir a posse portuguesa do extremo sul do Brasil, mas antes de uma íntima ligação com a atividade pastoril e, mais particularmente, com o fabrico do charque. (DOS ANJOS, 2000, p. 28)
É impossível pensar na escravidão no Rio Grande do Sul sem relacioná-
la com a expansão da cultura charqueadora, concentrada principalmente na
região meridional do Estado. O centro charqueador pelotense estava localizado
às margens da rede fluvial da região, composta principalmente pelos arroios
Pelotas e Santa Bárbara e o canal São Gonçalo. Embora a província tenha tido
uma ocupação tardia – pois aparentemente por determinado período não
possuía atrativos à política econômica colonialista (ASSUMPÇÃO, 1991, p.
118) –, desde o século XVI já era motivo de disputas entre as Coroas Ibéricas,
sobretudo no que diz respeito à demarcação das fronteiras. É um marco nesse
contexto o Tratado de Madrid11 (1750), onde Portugal e Espanha acordam que:
Portugal cedia para sempre à coroa da Espanha a Colônia do Sacramento e o seu território adjacente, na margem setentrional do rio da Prata, e as praças, portos e estabelecimentos que se compreendessem na mesma margem. A navegação do rio da Prata ficaria também pertencendo, privativamente, à Espanha. Pelo artigo XIV, a Espanha cedia a Portugal tudo o que por parte dela se achava ocupado, desde o monte de Castilhos Grande até as cabeceiras do rio Ibicuí, compreendidas todas e quaisquer povoações situadas entre a margem setentrional do rio Ibicuí e a oriental do rio Uruguai. Esse artigo XIV declara, pois, que passaria ao domínio português todo o território das Missões Orientais do Uruguai, fundadas pelos jesuítas, [...] a forma de entrega foi feito no artigo XVI, [...] sairão os missionários com todos os móveis e efeitos, levando consigo os índios para os aldear em outras terras da Espanha [...]. (CESAR apud GUTIERREZ, 2001, p. 41)
A região passou a despertar grande interesse a partir da segunda
metade do século XVIII, devido, principalmente, a seus aspectos geopolíticos e
econômicos. Foi neste contexto, e principalmente após a assinatura do Tratado
11
Além do Tratado de 1750, o Tratado de Santo Ildefonso (1777) é essencial para compreender a estabilidade dos conflitos entre lusitanos e espanhóis, tendo em vista que acertava a situação pendente da Colônia do Sacramento, que passaria então, a fazer parte da Coroa espanhola (GUTIERREZ, 2004, p. 41).
20
de Santo Ildefonso (1777), que se iniciam as doações de sesmarias na região,
fator que estimulou a exploração da atividade pecuarista. A região na qual se
insere a atual cidade de Pelotas compreendia na época sete propriedades
(Feitoria, Pelotas, Monte Bonito, Santa Bárbara, São Tomé, Santana e Pavão)
(GUTIERREZ, 2001, p. 54) (Fig. 1).
Como se pode perceber, o que ocorreu nesta região foi a ocupação de
vastas extensões de terras através de poucos proprietários (os estancieiros)
com objetivo de criar rebanhos bovinos. Dessa forma, é necessário
compreender o destaque que recebe a atividade pecuarista nestas e em outras
propriedades (ARRIADA, 1994). Segundo Arriada, é a estância que vai marcar
um dos aspectos fundamentais na economia do Estado (1994, p. 32). Estas
estâncias (de porte médio a grande) possuíam diversas instalações, como
“casa de charque, senzala, atafona12, cozinha, forno para pão, galpão, diversos
pátios, poços, pomar, jardim e uma cortina arbórea, circundados pelas
mangueiras e potreiros” (ARRIADA, 1994, p. 39).
Originalmente o charquear era algo com um caráter muito mais artesanal
do que um empreendimento industrial13. O charque era um produto de
autoconsumo, destinado a satisfazer as necessidades proteicas dos habitantes
das estâncias. Como veremos a continuação, o “ciclo do charque” representa
um verdadeiro divisor de águas no processo que culminou no surgimento do
núcleo urbano pelotense. Segundo aponta Maestri, a articulação e
desenvolvimento gerado na região a partir da produção de charque se deve,
também, a fatores climáticos ocorridos no nordeste. Até as duas últimas
décadas do século XVIII (momento em que ocorrem diversas secas que levam
à estiagem e emagrecimento do gado nordestino) os salgadeiros cearenses
eram apontados como importantes fornecedores de carne-seca, tanto para o
mercado nacional como internacional. A partir dessa conjuntura, decai a
produção no nordeste, abrindo uma brecha para a entrada das carnes gaúchas
no mercado. Dessa forma, a transição que marca a passagem de um produto
artesanal para um artigo elaborado em larga escala, para a venda em
mercados tanto locais e regionais quanto longínquos, incluindo até mesmo o
12
Moinho manual ou movido por força animal. 13
Aqui, utilizamos o termo “industrial” com o objetivo de enfatizar a transformação dos estabelecimentos saladeris em empresas voltadas para a comercialização em larga escala.
21
exterior, coincide com as grandes transformações que se assiste desde o final
do século XVIII e início do século XIX nesta região (e também no nordeste), até
então dominada pela produção de grandes rebanhos bovinos. Mas há um outro
aspecto que deve ser destacado. É justamente nesse contexto que a figura de
Pinto Martins se torna emblemática.
Figura 1 – Mapa ilustrativo da localização das Charqueadas. Fonte: Elaborado pela autora a partir de Gutierrez (2001).
Segundo diversos autores (GUTIERREZ, 2001; OGNIBENI, 2005;
MAESTRI, 1984), foi por volta de 1780 que o comerciante português José Pinto
22
Martins, que vivia no Ceará e dedicava-se ao fabrico de carne seca (e, ao que
parece, vinha fugindo das constantes secas do final da década de 1770),
instala-se às margens do arroio Pelotas, na sesmaria do Monte Bonito. O
consenso em torno à figura de José Pinto Martins enquanto inaugurador da
atividade saladeril e o surgimento do que viria a ser Pelotas é objeto de
controvérsia. A meu ver, dessa controvérsia derivam três posições bastante
claras.
A primeira delas assume como premissa que efetivamente foi Pinto
Martins que cria o estabelecimento do gênero em 1780, como também se torna
responsável pela fundação de Pelotas. Em certa medida essa posição é
manifestada por João Simões Lopes Neto na “Revista do 1º Centenário de
Pelotas”, de 1911, a que consagrou essa assertiva a respeito de José Pinto
Martins. A segunda delas, preconizada por Monquelat & Marcolla (2010)
considera que foi justamente essa obra (de 1911) a responsável por apresentar
sem questionamentos o suposto pioneirismo de Pinto Martins. Estes autores
reforçam sua posição com base no fato de que nessa região já era produzido o
charque antes mesmo da vinda do comerciante português. Coincido com a
terceira posição, correspondente à obra de Maestri (1984) e Ognibeni (2005),
que parte do entendimento de que a importância da figura de Pinto Martins não
está no fato de inaugurar essa atividade, mas por convertê-la num
empreendimento em larga escala comercial. Segundo Maestri, “foi ele talvez o
responsável pela introdução da técnica de charquear como ato industrial no
Sul” (1984, p. 56, itálico no original), estruturando, desta forma, um sólido polo
escravista no Brasil meridional.
1.2 A charqueada como espaço de produção
Este rincão no qual está situado Pelotas oferecia outrora as condições
necessárias para que se instalassem as charqueadas. Canais e arroios
recortavam estas terras, fato que as tornavam favoráveis à produção de
charque e outros produtos. Essa rede fluvial navegável permitia que em pouco
tempo se chegasse facilmente ao porto de Rio Grande para encaminhar o
charque para exportação.
23
A produção do charque dependia diretamente das condições climáticas.
Dessa forma, era necessária a organização dos trabalhos conforme as
estações do ano, pois no momento de secagem nos varais o clima deveria ser
seco e quente para garantir a secagem. Sendo assim, o abate do gado ocorria
entre os meses novembro e maio (ARRIADA, 1994; GUTIERREZ, 2001;
MAESTRI, 1984; MARQUES, 1990; PESSI, 2008a; OGNIBENI, 2005)
As charqueadas passaram por diversas fases ao longo dos séculos XVIII
e XIX. Desde as charqueadas mais antigas, até as mais modernas, ocorreram
diversas transformações tanto tecnológicas quanto funcionais. Com o passar
do tempo e com o aperfeiçoamento dos trabalhos nas charqueadas o que se
logrou atingir foi justamente o quase total aproveitamento dos animais.
O modo artesanal realizado desde os primórdios na região consistia no
abate a céu aberto e preparo da carne em galpões rústicos, quinchados14 de
palhas. Os mesmos que abatiam os animais deveriam carneá-los, preparar as
carnes, salgar, preparar os couros, etc. (MAESTRI, 1994, p. 56). Maestri
aponta que provavelmente não existiam instalações específicas (1994, p. 56).
Nesse momento, com exceção do couro e da carne, quase nada era
aproveitado. Como se pode perceber, esses primeiros “galpões” para a
charquia eram extremamente simples e rústicos (ARRIADA, 1994, p. 55;
MAESTRI, 1984, p. 56).
Ao longo do tempo, o espaço produtivo das charqueadas passa a sofrer
transformações estruturais. A partir de certo momento, principalmente início do
século XIX, o trabalho na charqueada passa a ser subdividido e especializado,
assim surgindo os diversos ofícios inseridos na produção charqueadora.
Segundo Marques, as dependências básicas de uma charqueada eram
compostas de um curral de encerra, seguido de brete de matança, cancha de
retalhamento, local de preparo e da salga das mantas, além de varais para
secagem, depósitos, graxeiras e das barracas onde os couros eram tratados
(MARQUES, 1990, p. 49).
Boa parte da bibliografia (MARQUES, 1990; MAESTRI, 1984;
GUTIERREZ, 2001) se baseia nos relatos de viajantes (como Dreys e Couty)
para explicitar o modo através do qual funcionavam as charqueadas e quais
14
Cobertura de palha típica das construções; termo empregado por Maestri (1994).
24
eram as etapas da produção do charque. Sendo assim, para não tornar
extensa a explicação a respeito do passo-a-passo, farei uma síntese de tais
processos.
A começar pela tablada, os charqueadores examinavam e negociavam
os animais. Então, ao cabo das transações seguia-se para as mangueiras das
charqueadas. Somente no outro dia se daria início aos trabalhos de fato. Os
animais então eram conduzidos para o brete, que possuía piso de tijolos ou de
madeira, propositalmente inclinado de forma a desestabilizar o animal e facilitar
o abate. A partir de então, toma posição o “laçador” que, sobre uma plataforma
de madeira, laçava o animal, estando este laço ligado a uma roldana que
levaria o animal até o final do brete. Aqui então, na zorra, o “matador” ou
“desnucador” abatia o animal com um estilete de ferro na nuca (MAESTRI,
1984, p. 66-67; MARQUES, 1990, p. 49; GUTIERREZ, 2001, p. 187). Depois
de abatido era transferido para a cancha.
Segundo Maestri, a cancha era o “coração da charqueada”, pois era nela
que a maior e mais importante parte do procedimento ocorria (1984, p. 67). Na
cancha o animal tinha, primeiramente, seu couro retirado pelo charqueador;
logo seria sangrado. A partir de então, seus membros seriam retirados e
juntamente com as mantas de carne seriam levados a um galpão próximo. Já
os ossos, cabeça, vísceras, e demais restos seriam utilizados na produção de
cinzas, sebos e graxas. O início da produção do charque em si se dá a partir do
charquear, que consiste justamente em cortar as carnes em pedaços de
espessura uniforme (em torno de 1,5cm), e realizar a laniage15, que permitirá
que as mantas absorvam o sal profundamente (MAESTRI, 1984, p. 67).
Após realizarem-se estes procedimentos, dá-se início ao processo de
salga. Em mesas específicas, as mantas de carne são cobertas de sal e
levadas para as pilhas sob a proteção de galpões. A carne permaneceria
empilhada em média dois dias para então ser estendida. Ao ser retirada,
passariam pela salmoura para que saíssem as mais grossas partículas do sal.
Feito isso, a carne era disposta em varais, onde as carnes permaneceriam
entre 5 e 6 dias com tempo favorável, quando então estariam secas. Assim,
15
“Incisões profundas e paralelas, de 5 a 15cm” (MAESTRI, 1984, p. 67).
25
aguardariam apenas o embarque próximo, estando já o charque pronto
(MAESTRI, 1984, p. 68).
Figura 2 – Vista frontal da residência de Antônio José Gonçalves Chaves (atual Charqueada São João) pela margem direita do Arroio Pelotas (foto). Autor desconhecido, s/d. Fonte: http://proprata.com/colonizadores-europeus.
Foi somente essa produção em larga escala visando a exportação que
levou ao aperfeiçoamento da técnica de preparo e do sistema charqueador. A
partir desse momento, a produção foi organizada de forma nunca vista antes16.
Assim, passou a existir um aproveitamento quase que completo do animal;
comercializou-se assim, não somente o couro e o charque, mas sebo, graxa,
ossos queimados, chifres, pelos, etc. Nicolau Dreys noticia em seu relato
aspectos referentes ao aproveitamento do animal:
Os ossos, a cabeça e as extremidades são metidas numa caldeira fervendo, para servirem, com os miolos e o tutano, à preparação da graxa que se encerra depois na bexiga e nos grossos intestinos para ser entregue ao comércio. O peritônio, o epiploon e outras partes cebáceas são socadas para comporem uns pães de cebo grosseiros que se vendem neste estado.
16
A respeito da organização do processo produtivo das charqueadas existem dois relatos extremamente interessantes, que são os de Nicolau Dreys (1839) e Louis Couty (1880).
26
O couro estaca-se no chão para secar, dando-se-lhe o competente declívio para deixar correr as águas; do modo de o estacar, dobrar e conservar depende seu preço no mercado (DREYS apud ARRIADA, 1994, p. 55 – conforme original).
De qualquer forma, Marques (1990) aponta que as principais
modificações entre as charqueadas antigas e as modernas relacionaram-se
com o aproveitamento integral dos subprodutos da produção, e, principalmente,
com o aperfeiçoamento e divisão dos ofícios.
1.3 O escravo e a produção de charque
Huma charqueada bem administrada é um estabelecimento penitenciário
(DREYS apud MARQUES, 1990, p. 39).
O ciclo de mudanças que convergiu na transição para os grandes
estabelecimentos saladeris gerou um acúmulo significativo de capitais que foi
responsável por criar as condições necessárias para que ocorresse um rápido
processo de urbanização (ARRIADA, 1994, p. 47). Anteriormente, como aponta
Maestri, a agricultura gaúcha e as charqueadas primitivas não proporcionavam
as bases para a emergência de uma plantação de natureza escravista. Nesse
sentido, “a baixa rentabilidade permitia aos agricultores mais felizes comprar,
com muita economia, um ou mais escravos, mas era só” (MAESTRI, 1984, p.
49). Foi, então, a “nova” charqueada, a responsável pela estruturação desta
sociedade escravagista dominada pela aristocracia do charque (ARRIADA, p.
47; MAESTRI, 1984, p. 54). A partir dessas transformações é que se
apresentou um grave problema relacionado com a força de trabalho requerida
para o fabrico do charque, em que pese a incessante expansão do comércio e
a necessidade de dispor de meios para adquiri-los.
O trabalho nas charqueadas era extremamente duro, exigindo um ritmo
acelerado ligado a condições deletérias. Dessa forma, “não constituía atrativo
para os homens brancos, nem mesmo para aqueles que não possuíam terras e
eram sumamente pobres” (MARQUES, 1990, p. 103). Sendo assim, não havia
outra opção a não ser recorrer ao trabalho escravo. Segundo Maestri, “durante
mais de 100 anos, esta atividade apoiou-se sobre as costas e suor anônimo do
trabalhador negro escravizado” (1993, p. 39). É possível perceber que o
27
escravo foi, durante todo o período de produção exponencial da charqueada, o
motor que movia as engrenagens desta imponente máquina de charquia, pois
até o final da escravidão em Pelotas (1884), foi o negro escravizado que,
trabalhando na charqueada, sustentou a economia da região.
O escravo, por muito tempo, foi visto como um bem de consumo. O que
se pretendia não era a longa vida do cativo, mas explorar dele todo o trabalho
possível e substituí-lo por outro. Como afirma Maestri (1993, p. 41), “[...] sob o
incentivo do ‘bacalhau’ dos feitores – no Sul chamados de capatazes – e de
pequenos goles de aguardente, o negro literalmente desfalecia de cansaço e
de sono em seu posto de trabalho”. As charqueadas possuíam de 30 até 150
cativos, tendo, em média, de 60 a 90 escravos (GUTIERREZ, 2001, p. 91;
MARQUES, 1990, p. 107; OGNIBENI, 2005, p. 73; PESSI, 2008a, p. 29). Estes
números variavam conforme o poder aquisitivo do charqueador e tamanho do
estabelecimento.
Era justamente a intensa exploração do cativo nas charqueadas que
tornava a aquisição de novos escravos algo inevitável. E é nesse contexto que
o tráfico transatlântico se torna viável e estável (BERUTE, 2006; PESSI,
2008a). Segundo o censo de 181417, podemos perceber que os grandes
números coincidem. Nele, aparece que de um total de 2.419 habitantes em
Pelotas, cerca de 51% são escravos (1.226). É similar ao percentual que se vê
em 1833, quando a população escrava atinge 52% (5.169) de um universo de
9.860 indivíduos.
Ao analisar a historiografia sobre a participação de escravos nas
charqueadas pelotenses, perceberemos que se destacam estudos sobre
demografia, num intuito de compreender principalmente valores proporcionais
da população (sexo, idade, origem, relação de africanos, crioulos e ladinos,
etc.)18. A questão da origem dos escravos é apresentada como um problema à
boa parte da historiografia gaúcha, principalmente devido à forma pela qual se
deu o tráfico transatlântico. A África é um continente de extensas proporções
17
Dados retirados da publicação de 1981 da Fundação de Economia e Estatística, intitulada “De Província de São Pedro a Estado do Rio Grande do Sul (censos do RS: 1803-1950)”. 18
Dentre esses estudos, saliento o de Gabriel Berute, “Dos escravos que partem para os portos do Sul: características do tráfico negreiro do Rio Grande de São Pedro do Sul, c. 1790 - c. 1825”, de 2006; Bruno Pessi, “O impacto do fim do tráfico na escravaria das charqueadas pelotenses (C. 1846 – C. 1874)”, de 2008; Thiago Araújo, “Novos dados sobre a escravidão na Província de São Pedro”, de 2011.
28
composto por grupos culturalmente diversificados. Com o comércio de
escravos o que ocorreu foi uma reconfiguração no próprio sistema dessas
populações multiculturais, acarretando uma perda de identidade19. É claro que
existem diversos registros nos quais constam diferentes etnias. Porém, boa
parte da historiografia faz uma ressalva: não se deve confiar completamente
em tais registros (MAESTRI, 1984, 1993; BERUTE, 2006). Isso se deve ao fato
de que nem sempre o registro representa a origem do escravo, mas pode fazer
menção ao local (porto) onde foi embarcado. São frequentes apontamentos
referentes a etnias que foram registradas dentre os escravos no Rio Grande do
Sul, tais como: Angola, Ambaca, Benguela, Cassanje, Congo, Cabundá,
Ganguela, Gege, Mangombe, Messambe, Mina, Moçambique Monjolo,
Mongolo, Mohumbe, Nagô, Quissamba, Rebolo, Songo, etc. (MAESTRI, 1984,
p. 100-104; BERUTE, 2006; ASSUMPÇÃO, 1991; FAUSTINO, 1991).
Em sua dissertação de mestrado, Gabriel Berute (2006) faz uma análise
das características do tráfico negreiro pra o Rio Grande de São Pedro do Sul.
Utilizando-se das guias de transporte de escravos e os códices da Polícia da
Corte do Rio de Janeiro, traz dados referentes à sazonalidade do comércio
escravo, além de elementos demográficos e referências às origens e portos de
embarque (Fig. 3). Dos 3.294 cativos traficados entre os anos 1788-1802,
apenas de 3% não se logrou obter informação sobre procedência. Ele aponta
que, dos escravos traficados entre os períodos 1788-1802 e 1809-1824 que
possuíam origem informada, o número de africanos cresceu significativamente.
Enquanto entre os anos de 1788 e 1802 o percentual de africanos gira em
torno de 88% (2.845) contra 12% (376) de crioulos, durante o segundo período
abordado (1809-1824) o número de africanos é ainda maior, passando a
constar 95% (6.648), havendo apenas 5% (336) de crioulos registrados.
19
Aqui nos referimos à perda de identidade acarretada pela mudança de nome e ruptura com seu lugar de origem em que pese que todos eram vistos meramente como escravos, sem levar em consideração sua etnia, seus sistemas de crenças, sua origem, entre outros aspectos através dos quais se conforma a própria identidade. Ao desembarcar no Brasil, a maior parte dos africanos era reconhecido como “de Nação” ou “africano” (MAESTRI, 1984, 1993; ASSUMPÇÃO, 1991).
29
Figura 3 – Naturalidade dos escravos traficados na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Fonte: Elaborado pela autora a partir de Berute (2006, p. 51).
No que diz respeito à faixa etária e sexo dos escravos, é apresentado
pela historiografia a preferência dada aos cativos do sexo masculino em idade
produtiva (GUTIERREZ, 2001; PESSI, 2008a; BERUTE, 2006, MAESTRI,
1984; ASSUMPÇÃO, 1991). Sendo assim, a faixa etária dos cativos varia
conforme o tipo de serviço que estes desempenham. Por exemplo, nas
ocupações domésticas a preferência é dada a mulheres, crianças e idosos.
Nos estudos realizados, a preponderância masculina ultrapassa os 70%,
justamente pela necessidade de força física no preparo do charque, tendo em
vista o quão pesado era este serviço.
Dos cativos que trabalhavam na charqueada, mais da metade são
apontados como sendo especializados numa determinada atividade
(GUTIERREZ, 2001, p. 91). Pessi, em sua monografia, analisando os
inventários post-morten de Pelotas, separa os variados ofícios em três grupos
(Fig. 4), quais sejam os serviços de charqueada, serviços do campo e lavoura
e, por fim, os serviços domésticos (2008a, p. 53). Dentre os principais ofícios
que envolviam o ato de charquear, destacam-se os carneadores,
desnucadores, salgadores, graxeiros, sebeiros, chimangos, charqueadores,
aprendizes e tripeiros (GUTIERREZ, 2006, p. 253). Além desses, também
constam os serviços de marinheiros e carroceiros, pedreiros, carpinteiros,
campeiros (PESSI, 2008a, p. 53-54). Já aqueles que se dedicavam ao trabalho
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
1788-1802 1809-1824
2845
6648
376 336 73
Naturalidade dos escravos traficados
Africanos Crioulos Sem informação
30
no campo e na lavoura, destacam-se os campeiros e roceiros. Dos serviços
domésticos, aparecem com frequência os cozinheiros(as), lavadeiros(as),
costureiros(as), mucama, ama-de-leite, “de todo serviço”, etc. (PESSI, 2008a,
p. 54).
Figura 4 – Divisão dos escravos por ocupação. Fonte: Elaborado pela autora partir de Pessi (2008a, p.54).
Tendo em mente que Pelotas, como outras regiões charqueadoras,
possuía grandes concentrações de escravos, o medo da insurreição era
incessante. Sendo assim, as sociedades escravocratas que aqui se
constituíram foram extremamente rígidas garantindo a disciplina através do
completo controle da vida do escravo (MARQUES, 1990, p. 105; MAESTRI,
1984, p. 76). Embora boa parte da bibliografia afirme que a elite escravocrata
tenha obtido meios de limitar a liberdade dos cativos, seja através da disciplina,
vigilância ou até mesmo de punição, os escravos também lograram formas de
resistir, tanto através de fugas ou aquilombamentos, como a partir de ações de
criminalidade ou violência (MAESTRI, 1984, 1993; SIMÃO, 2002). Além disso,
são apontados também as formas de resistência: assassinatos, suicídios,
furtos, agressões, transgressões das normas, etc.
Boa parte da historiografia aponta o Rio Grande do Sul como um lugar
diferenciado no que diz respeito às fugas. Aqui, o sonho do escravo estaria na
58% 22%
20%
Divisão dos escravos por ocupação
Serviços de charqueada Serviços de campo e lavoura Serviços domésticos
31
transposição da fronteira, na ida ao Uruguai, onde seria livre20. Como apontam
Reis & Silva, “o grande obstáculo às fugas era a própria sociedade escravista,
sua forma de ser e de estar, sua percepção da realidade, seus valores [...]”
(1989, p. 66). Outro ponto a ser destacado faz menção ao que os autores Reis
e Silva apontam como “quebra do paradigma ideológico”, demonstrando a
mudança da tendência às “fugas para fora”, para lugares de difícil acesso,
passando a ocorrer com mais frequência as “fugas para dentro”, quando as
fugas se voltam para o interior da própria sociedade escravista, principalmente
ao final do período escravocrata, já por volta de 1870 (1989, p. 71-72; MELLO,
1994). Mello (1994) aponta que as fugas eram mais frequentes nos meses de
novembro a maio nas charqueadas. Época esta que coincide justamente com o
período da safra do charque (MELLO, 1994, p. 118). O autor justifica tal
informação apontando que o trabalho na charqueada era para o escravo o que
havia de mais aviltante (MELLO, 1994, p. 119).
Tais fatos atestam que a relação escravista não se deu de forma calma
e pacífica. Nesta concepção, a qual Al-Allam critica, só haveria lugar para a
resistência quase que exclusivamente por meio da violência. Caso contrário o
cativo seria destruído pelo senhor, tornando-se “aculturado” (AL-ALLAM, 2007,
p. 42). Porém, alguns autores (MELLO, 1994; REIS & SILVA, 1989) alertam
para outra questão, referente às práticas cotidianas de resistência dos
escravos que nem sempre eram percebidas por seus senhores. Dessa forma,
busca-se afirmar que a resistência poderia se dar de tal maneira que permitisse
certa flexibilidade ao escravo, como afirma Al-Allam (2007, p. 45), ao dizer:
A população negra escravizada construiu alternativas de vida, conquistando pequenos espaços de autonomia econômica, social e cultural, e suas ações – individuais ou coletivas – transformaram as próprias relações de dominação a que estavam submetidos.
Outra forma de resistência elencada é a que diz respeito às
manifestações culturais e religiosas, utilizadas para expressar-se em meio à
opressão daquela sociedade escravocrata. A partir da espiritualidade e das
apropriações de símbolos religiosos, os escravos logravam a manutenção de
sua identidade cultural, o que não quer dizer que abrissem mão de suas
20
No Uruguai a escravidão foi abolida em 1842 através da Ley Nº 242 (Fonte: Presidencia: República Oriental Del Uruguay. Disponível em: http://archivo.presidencia.gub.uy/_Web/ddhh/LEY242.htm).
32
próprias concepções. Diversos autores apontam essa prática como sinal de
resistência à concepção escravista (AL-ALLAM, 2007; DALLA VECHIA, 1994;
MELLO, 1994).
Não devemos esquecer, também, que o cativo que tinha seu trabalho
explorado no preparo do charque não labutava somente na charqueada.
Diversos autores apontam que estes trabalhadores escravizados eram
rearranjados no período entressafra, seja em olarias ou em diversos ofícios
urbanos, isto é, os senhores realocavam seus escravos ou até mesmo os
alugavam durante a entressafra da produção do charque justamente para que
não obtivessem prejuízo (AL-ALLAM, 2007; ASSUMPÇÃO, 1991; GUTIERREZ,
2001; MAESTRI, 1984,1993; OGNIBENI, 2005; PESSI, 2008a). Sendo assim,
estes escravos conviviam em diferentes meios, com diversas pessoas das
camadas populares, sejam escravos, trabalhadores pobres livres ou ex-
escravos (AL-ALLAM, 2007, p. 48). Segundo o historiador Flávio Gomes,
embora não analisando especificamente o contexto gaúcho, os escravos não
estavam isolados dessa sociedade, mas viviam inseridos em todo esse
complexo (2003, p. 112). Sendo assim, o que existia era uma rede de
solidariedade.
O esboço aqui resumidamente apresentado sobre a escravidão no Rio
Grande do Sul, Pelotas, e, especialmente nas charqueadas do final do século
XVIII e século XIX, intensificam a concepção de que os escravos não foram
meros bens de consumo utilizados por seus senhores para a produção
charqueadora. Mais do que isso, foram importantes atores que, embora
submetidos a essa opressora conjuntura escravista, lograram afirmar-se
culturalmente, tanto a partir de manifestações violentas, quanto através das
práticas cotidianas (nem sempre aparentes) de resistência e das apropriações
simbólicas. Assim, os escravos africanos e afrodescendentes adaptaram-se à
conjuntura na qual estavam subjugados, e, a partir de apropriações e diversas
transformações de suas raízes africanas, lograram criar novas identidades
culturalmente diversas.
Passemos, agora, à discussão sobre Arqueologia pública, disciplina que
nos proporcionará investigar, no capítulo 3, as representações que os alunos
da E. E. E. F. I. S. C. J. têm sobre arqueologia e o cotidiano do trabalho
arqueológico.
2 Arqueologia pública
Elaborado a partir de uma nova visão sobre os papéis da ciência
arqueológica, o conceito de Arqueologia pública nos remete a uma
redundância, sendo esta intencional (CARVALHO e FUNARI, 2007). Aline
Carvalho e Pedro Paulo Funari destacam que, para boa parte dos defensores
da Arqueologia pública, “toda Arqueologia, independente de seu recorte
temático ou escolhas teórico-metodológicas, deveria ser, em essência, pública”
(CARVALHO e FUNARI, 2007, p. 133). Ao atentar para o conceito da
Arqueologia pública, vemos que é relativamente recente no que diz respeito ao
campo arqueológico. É a partir dos efeitos de determinadas circunstâncias no
âmbito das sociedades e das ciências, nas últimas décadas, que surgiu esse
campo, sendo fruto de toda uma conjuntura: as grandes transformações
ocorridas em meados do século XX, quando emergiam socialmente grupos que
até então permaneciam subalternizados, tidos como “minorias”.
Nesse sentido, os movimentos empreendidos tanto pelos direitos civis
quanto pela emancipação feminina auxiliaram a fomentar essas ideias de
transformações em diversos setores e grupos da sociedade, como é o caso
das lutas pela liberdade política, social, religiosa, liberdade de opção sexual,
etc. Sendo assim, independente dos consensos (ou dos não consensos), é
importante perceber a Arqueologia pública como uma prática social engajada
que busca, primordialmente, a construção de diálogos a respeito de conceitos
(e campos) como o da própria Arqueologia, História, Patrimônio, Memória e
Identidades com as mais diversas comunidades.
O primeiro aspecto importante a ser elencado diz respeito a qual público
se refere o termo. Em seu livro Public Archaeology, Nick Merriman aponta que
a noção de “público” leva a dois possíveis significados mais específicos do que
um mero “corpo coletivo de cidadãos”:
34
O primeiro é a associação da palavra ‘público’ com o Estado e suas instituições (organismos públicos, edifícios públicos, escritórios públicos, interesse público) que emerge na era de intensa formação de Estados no começo do Período Moderno em diante. [...] O segundo é o conceito de público como um grupo de indivíduos que debatem questões e consomem produtos da cultura material, e cuja reação informa sobre ‘opinião pública’ (MERRIMAN, 2004, p. 1-2, destaque no original).
Além disso, Merriman também atesta que tais afirmações a respeito da
suposição de que o Estado age em prol do interesse público, na verdade não
quer dizer que o público, incluindo as minorias, seja representado com
eficiência:
A suposição do Estado de que age pelo bem do interesse público significa que interesses minoritários talvez não sejam representados com eficiência e uma abordagem exagerada pode significar uma perda do contato com os desejos do público diverso (MERRIMAN, 2004, p. 2).
Dessa forma, a Arqueologia pública deve assegurar que o Estado leve
em conta as opiniões do público, sendo realizada de forma a prestar contas ao
público sobre suas ações (MERRIMAN, 2004). Segundo Soltys (2010, p. 52),
“as políticas públicas acabam por deixar de fora as chamadas minorias, e
acaba apenas por refletir os interesses da elite que controla o Estado”. O
campo da Arqueologia pública é, assim, de fato significativo pois pretende
estudar os processos e desenvolvimentos por meio dos quais a própria
disciplina transforma-se em parte de uma cultura pública, onde a contestação e
a dissonância são inevitáveis (MERRIMAN, 2004). Nesse sentido, “Arqueologia
pública é inevitavelmente uma questão de negociação e conflito pelo
significado” (MERRIMAN, 2004, p. 5).
A seguir, veremos alguns aspectos relevantes a respeito do surgimento
do conceito, nos Estados Unidos e no Brasil. Buscaremos, conjuntamente,
elucidar as circunstâncias em meio as quais esse campo surge e quais são
suas premissas.
2.1 Surgimento do campo
Pelo menos desde os anos 1970, arqueólogos passaram a se questionar
sobre qual seriam as funções sociais da Arqueologia e, mais do que isso, de
35
que forma deveriam se estabelecer as relações entre os arqueólogos, suas
investigações e a sociedade em geral. O termo “Arqueologia Pública” foi
utilizado pela primeira vez por Charles McGimsey III, como título de seu livro,
nos Estados Unidos (“Public Archaeology” de 1972). Nesta obra, o autor
discute questões referentes à destruição de sítios arqueológicos por dois
motivos. O primeiro estaria relacionado ao rápido crescimento devido à
acelerada urbanização e industrialização ocorrida nos Estados Unidos durante
as décadas de 1960 e 1970. O segundo estaria vinculado ao problema gerado
pelo vandalismo nos sítios arqueológicos, além da participação de amadores
nas escavações (MERRIMAN, 2004; JAMESON, 2004; FERNANDES, 2007;
CARNEIRO, 2009).
Nesse sentido, nas palavras de Fernandes (2007, p. 6):
as preocupações sobre a administração pública estavam atreladas principalmente ao reconhecimento do papel social da pesquisa científica, que para além de gerar curiosidade, possibilitasse ‘reconstruir’ aspectos significantes da história da ocupação humana em território americano em benefício público.
No que diz respeito às relações entre Arqueologia e Sociedade, a autora
acima citada chama atenção para o fato de que ambas são caracterizadas por
possuir interesses que ora convergem, ora divergem, visto que a sociedade é
formada não por uma massa amalgamada, mas um conjunto de indivíduos que
podem ser reunidos em inúmeros segmentos. Sendo assim, “a partir desta
compreensão, a disciplina dialoga não com a Sociedade como um todo, mas
com diferentes públicos” (FERNANDES, 2007, p. 7). Complementa-o
McManamon (1991, p. 121):
Os dirigentes da Arqueologia americana perceberam que uma melhor compreensão pública sobre Arqueologia levará a uma preservação maior de sítios e dados, a menos pilhagens de sítios e vandalismo, maior apoio para a curadoria de coleções e registros arqueológicos, e uma demanda ainda maior interpretações arqueológicas e participação do público.
O termo foi associado ao desenvolvimento da legislação referente ao
Gerenciamento dos Recursos Culturais (Cultural Resource Management -
CRM)21. McGimsey acreditava que os arqueólogos deveriam rever tanto o seu
21
Ver Box 1.
36
papel profissional, como o próprio papel social da produção científica em
Arqueologia (MERRIMAN, 2004; JAMESON, 2004; FERNANDES, 2007;
CARNEIRO, 2009). Merriman aponta que o tamanho dos Estados Unidos e seu
vasto potencial arqueológico levaram à percepção de que o público não-
profissional deveria ser cooptado no serviço arqueológico se os sítios haveriam
de ser protegidos ou investigados responsavelmente (MERRIMAN, 2004).
Segundo Fowler (1982, p. 18), as bases da CRM foram estabelecidas conforme
a compreensão dos recursos culturais como “recipientes” de informação. A
partir desse entendimento, o principal objetivo da CRM é determinar os
significados completos que não só podem, como devem, ser extraídos dos
dados retirados dos recursos. Trata-se, então, de como a pesquisa será
conduzida no controle dos recursos. Segundo Merriman (2004, p. 3):
A CRM foi, portanto, Arqueologia ‘pública’ pois contou com o apoio público, a fim de convencer os legisladores e empreendedores que os sítios arqueológicos precisavam de proteção ou atenuação de riscos, e muitas vezes se baseou em não-profissionais para fazer o trabalho.
Convergindo com esse entendimento, Jameson (2004, p. 22) atesta que
a Arqueologia pública pode ser entendida como um campo do conhecimento
que abrange “as consequências de conformidade da CRM, bem como de
educação em Arqueologia e interpretação do público nas arenas públicas,
como escolas, parques e museus”. Nessa mesma linha de raciocínio, é
interessante a opinião dos autores Renfrew & Bahn (2007), os quais referem-se
à CRM como passível de ser considerada Arqueologia pública, pois faz uso do
financiamento público para empreender as pesquisas arqueológicas, sendo
entendida pelos autores como gestão pública do patrimônio arqueológico que
busca adequar-se aos interesses da disciplina e das coletividades.
Como podemos perceber, o surgimento do campo da Arqueologia
pública está intimamente conectado com a profissionalização da Arqueologia e
com a inserção da responsabilidade profissional. Fernandes (2007) afirma que
a partir da segunda metade dos anos 1970 e início de 1980, com a grande
demanda de arqueólogos no contexto da CRM, questionou-se sobre a atuação
dos profissionais sem uma formação adequada. Sendo assim, outra questão
pública é colocada na ordem do dia, qual seja a ética profissional, que também
37
é discutida por McGimsey (Public Archaeology, de 1972) (FERNANDES, 2007,
p. 15).
Box 1 – Legislação de preservação dos recursos culturais e naturais nos Estados Unidos como
suporte para a discussão de proteção do patrimônio arqueológico22
.
Fazem parte desses dispositivos algumas leis e decretos como:
Lei de Antiguidades (Antiquities Act), de 1906, que marcou o reconhecimento nacional da importância
dos recursos arqueológicos, autorizou o presidente a reservar e estabelecer por ordem do executivo ou
decreto nacional, os monumentos contendo sítios e estruturas que possuíssem valor histórico ou científico
em terras públicas, além de requerer permissões para examinar ou escavar ruínas históricas ou pré-
históricas, limitou a emissão de licenças a instituições científicas reconhecidas e proibiu a destruição de
qualquer objeto de antiguidade, além de adotar penalidades para as violações.
Lei Orgânica do Serviço de Parques Nacionais (National Park Service Organic Act), de 1916, que
fundou o Serviço de Parques Nacionais (National Park Service), era encarregado de proteger
preciosidades naturais e culturais da nação.
Lei de Sítios Históricos (Historic Sites Act), de 1935, que estabeleceu uma política nacional de
preservação para o uso público de sítios históricos e arqueológicos, edificações históricas e objetos de
importância nacional e inspiração para o benefício do povo dos Estados Unidos. Esta lei também
autorizou a criação do conselho consultivo National System Advisory Board, para assessorar o
Departamento do Interior nos assuntos relativos ao National Park System e na administração da política
nacional. Este conselho, na opinião de Jameson (2004), foi importante para a Arqueologia pública, pois o
Departamento do Interior autorizou o desenvolvimento de programas educacionais e pesquisas que
buscavam avaliar informações públicas pertinentes à significância de sítios arqueológicos, tanto históricos
quanto pré-históricos. Esta lei aumentou a causa pela preservação histórica e provocou interesse público,
privado e profissional na Arqueologia americana. Assim, tornaram-se acessíveis ao público o conjunto de
sítios históricos, monumentos, parques nacionais e estaduais, etc.
Lei de Preservação Histórica Nacional (National Historic Preservation Act– NHPA), de 1966, que
estabeleceu a Política Nacional de Meio Ambiente (National Environmental Policy Act), em 1969. Esta lei
(NHPA) foi reformada em 1976 e 1980.
Decreto-Lei 11593 – Protection of the Cultural Environment (Proteção do Ambiente Cultural), de
1971.
Lei de Preservação Histórica e Arqueológica (Archaeological and Historic Preservation Act), de
1974.
Este conjunto de leis e decretos mencionados acima transformaram o papel da pesquisa arqueológica e
da preservação, fazendo com que a maneira como a Arqueologia era conduzida nos Estados Unidos
fosse modificada de forma significativa.
No debate subsequente, a Sociedade de Arqueologia Americana
(Society for American Archaeology – SAA), criada em 1934, assume um papel
de destaque pois, sendo a principal organização profissional dos Estados
Unidos, fica a cargo de elaborar uma série de dispositivos referentes ao código
de ética e estatuto profissional. Porém, algo que merece atenção é a questão
da criação da SAA. Possuindo esta uma perspectiva acadêmico-científica,
provocou uma discussão a respeito da validade do registro emitido por esta
22
Realizado a partir de JAMESON (2004), MERRIMAN (2004), RENFREW & BAHN (2007), FERNANDES (2007) e CARNEIRO (2009).
38
Instituição, fato que levou à posterior fundação da Sociedade de Arqueólogos
Profissionais (Society of Professional Archaeologists – SOPA). São realizados
então alguns códigos e normas relevantes23 (FERNANDES, 2007; CARNEIRO,
2009).
O primeiro é o Código de Princípios Éticos da SAA (de 1996) e o
segundo é o Código de Conduta Profissional e as Normas de Desempenho de
Pesquisa do Registro de Arqueólogos Profissionais – ROPA, de 1997. Estes
códigos tinham como objetivo definir as responsabilidades dos arqueólogos
com o público, clientes, empregadores, etc. (JAMESON, 2004; MERRIMAN,
2004; FERNANDES 2007; CARNEIRO, 2009). Segundo apresentado no Box 2,
podemos perceber que uma questão pública que aparece diz respeito à
responsabilidade com a transmissão do conhecimento, cujo aspecto consta em
diversos pontos apresentados.
Por fim, há um aspecto que para os objetivos desse trabalho merece ser
destacado, qual seja a responsabilidade com a transmissão do conhecimento
produzido a partir das interpretações do registro arqueológico e as
apropriações dessas interpretações por parte das comunidades. É nesse
sentido que se torna essencial a elaboração de processos pedagógicos que
criem um espaço para reflexão crítica. Somente dessa forma, permite-se que
os estudantes não somente compreendam o material e os processos sociais
que geram e reproduzem a sua própria subjetividade; mais que isso, possibilita-
se o questionamento e até mesmo a transformação desses processos
(HAMILAKIS, 2004). Segundo Hamilakis (2004, p. 288):
Pedagogia em Arqueologia, ou em qualquer outro campo, não é simplesmente a transferência passiva do conhecimento produzido nem a formação de estudantes em certas competências e habilidades, como o atual discurso dominante nos quer fazer acreditar.
23
Sobre o Código de Princípios Éticos (SAA), Código de Conduta Profissional (ROPA) e as Normas de Desempenho de Pesquisa do Registro de Arqueólogos Profissionais (ROPA), ver Box 2.
39
24
Aqui optamos por compilar os trechos mais relevantes à nossa pesquisa. Este Box foi elaborado com base em FERNANDES (2007, p. 18, 20 e 22) e CARNEIRO (2009, p. 94, 95, 96).
Box 2 – Alguns apontamentos relevantes sobre a relação entre Arqueologia e a sociedade nos Códigos da SAA, SOPA e ROPA
24
Código de Princípios Éticos – SAA (1996) Princípio nº02: Responsabilidade social Pesquisas arqueológicas responsáveis, incluindo todos os níveis de atividade profissional, requererem um conhecimento da responsabilidade pública e um comprometimento em fazer todo esforço razoável, em boa-fé, para trocar opiniões ativamente com o(s) grupo(s) afetado(s), com o objetivo de estabelecer uma relação ativa que possa ser benéfica a todas as partes envolvidas. Princípio nº04: Educação pública e divulgação Arqueólogos deveriam divulgar, e participar em esforços de cooperação com outros interessados no registro arqueológico, com o objetivo de tornar maior a preservação, proteção, e intepretação do registro. Em particular, arqueólogos deveriam comprometer-se com: 1) obter apoio popular para a gestão do registro arqueológico; 2) explicar e promover o uso de métodos arqueológicos e técnicas no entendimento do comportamento humano e cultura; e 3) comunicar interpretações arqueológicas do passado. Muitos públicos existem ara a Arqueologia, incluindo alunos e professores; nativos americanos e outras etnias, grupos culturais e religiosos que encontram no registro arqueológico importante aspecto de sua herança cultural; legisladores e oficiais do governo, repórteres, jornalistas, e outros envolvidos na mídia; e outros envolvidos na mídia; e o público em geral. Os arqueólogos que são incapazes de comprometer-se com educação pública e divulgação direta, deveria encorajar e apoiar os esforços de outros nessas atividades. Princípio nº06: Reportagem pública e publicação Dentro de um período razoável, o conhecimento obtido por arqueólogos através da investigação do registro arqueológico, deve ser apresentado de forma acessível (através de publicação ou outras maneiras) a uma grande massa de interessados quando houver uma publicação e distribuição de informações sobre sua natureza e localização.
Código de Conduta Profissional – ROPA (1997) I. A responsabilidade do arqueólogo para com a sociedade:
I.1 Um arqueólogo deve:
Reconhecer uma sociedade que o represente e publicar resultados de pesquisa para o público de maneira responsável;
Apoiar ativamente a conservação da base de recursos arqueológicos;
Ser sensível e respeitar as preocupações legítimas de grupos, cuja história cultural é objeto de investigação arqueológica;
Evitar e desencorajar declarações exageradas, enganosas ou injustificadas sobre questões arqueológicas que induzam outros a envolver-se em atividades ilegais e antiéticas;
Apoiar e cumprir os termos da Convenção da UNESCO sobre os meios de proibição e prevenção a importação, exportação e transferência de qualquer propriedade cultural, como adotado pela Conferência Geral de 14 de novembro de 1970.
Normas de Desempenho de Pesquisa do Registro de Arqueólogos Profissionais – ROPA (1997) VI. O arqueólogo tem responsabilidade pela disseminação apropriada dos resultados de sua pesquisa e distribuidores apropriados com boletim razoável: 6.1 Resultados revistos como contribuições significantes a conhecimentos substantivos do passado ou progressos em teoria, métodos ou técnicas devem ser disseminados a colegas e a outras pessoas interessados por meio apropriados, tais como: publicações, apresentações em encontros profissionais, ou cartas a colegas; 6.2 Pedidos de colegas qualificados para informações de resultados de pesquisa devem ser prontamente atendidos, se é consistente com os direitos prioritários do pesquisador para publicação e com suas outras responsabilidades profissionais; 6.3 Falhas em completar um relatório profissional dentro de 10 anos, após o término do projeto de campo, devem ser interpretados como renúncia dos direitos de primazia do arqueólogo com respeito à análise e publicações de dados. Após a expiração de tal período ou de um período de tempo menos de tempo, o arqueólogo deve determinar a divulgação ou não publicação de tais resultados, mas o dado deve estar plenamente acessível a outros arqueólogos para análise e publicação; 6.4 Ainda que obrigações contratuais devam ser respeitadas, arqueólogos não devem entrar em um novo contrato que proíba o arqueólogo de incluir suas próprias interpretações ou conclusões nos relatórios, ou de um direito contínuo para usar o dado após o término do projeto; 6.5 Arqueólogos têm obrigação em consentir com pedidos razoáveis para interpretações de jornais midiáticos.
40
Nesse sentido, cabe fazer uma última ponderação, qual seja a de que a
“pedagogia é, em parte, uma tecnologia de poder, linguagem e prática que
produz e legitima formas de regulação moral e política que construa e ofereça
aos seres humanos visões particulares de si e do mundo” (GIROUX apud
HAMILAKIS, 2004, p. 288).
Essa aproximação serviu para expor o surgimento da Arqueologia
pública tendo o caso norte-americano como expressão última desse processo.
A próxima seção é dedicada ao estudo da trajetória desse campo do
conhecimento na realidade brasileira.
2.2 Arqueologia pública no Brasil e perspectivas atuais
Para tomar conhecimento das questões públicas da Arqueologia no
Brasil e das tentativas de defesa do patrimônio arqueológico brasileiro,
voltamos ao período entre 1920 até 1960, quando então diversos intelectuais
estavam envolvidos em debates preservacionistas em contraposição ao
discurso de progresso e industrialização (FERNANDES, 2007). Nesse sentido,
a fundação da instituição de patrimônio cultural brasileiro, Serviço Histórico e
Artístico Nacional (SPHAN), em 1937, com o objetivo de promover, preservar e
tornar público o patrimônio, demonstra as preocupações em torno da
divulgação, popularização e preservação do patrimônio arqueológico
(CARNEIRO, 2009).
Sendo assim, cabe elencar o Decreto-Lei 25/3725 publicado pelo então
presidente do Brasil, Getúlio Vargas, já durante o seu período ditatorial. Este
Decreto-Lei visa organizar a proteção do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. Foi justamente devido a este instrumento que todo um código penal
foi emitido na década de 1940, o qual, pela primeira vez, visava a punição para
a destruição de bens culturais. No Decreto-Lei 25/37, o patrimônio histórico é
tido como:
[...] o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico (BRASIL, 1937).
25
Ver a propósito Anexo B (BRASIL, 1937).
41
Em 1952, foi criada a Comissão de Pré-história por Paulo Duarte, que
militou pela proteção do patrimônio arqueológico. Esta Comissão tinha como
objetivo proteger os sítios arqueológicos (FUNARI & GONZÁLEZ, 2008;
FERNANDES, 2007). As discussões subsequentes, principalmente incitadas
por intelectuais como o próprio Paulo Duarte, levaram à aprovação da Lei
3924/6126 pelo Congresso, em 1961. Nessa Lei, os sítios arqueológicos são
tomados como sendo monumentos e bens da União (BRASIL, 1961, Art. 1).
Dessa forma, fica proibida sua destruição e seu uso com objetivos econômicos,
inclusive trazendo penalização para o seu descumprimento (BRASIL, 1961,
Art.3 a 5). Outra questão que cabe mencionar é que através desta Lei, fica a
cargo do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o
comprometimento com a gestão do patrimônio, além de tornar-se o órgão
responsável por emitir permissões para intervenções arqueológicas (BRASIL,
1961, Art. 11). Porém, as questões referentes à divulgação das escavações
arqueológicas e programas educacionais não constam na Lei nº 3924/61.
No mesmo ano em que é instaurada a ditadura militar brasileira (1964)
desenvolve-se o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA),
coordenado pelos arqueólogos americanos Clifford Evans e Betty Meggers,
montado em colaboração com o SPHAN e financiado pelo Smithsonian
Institution sediado em Washington e algumas instituições brasileiras como o
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
(FUNARI & GONZÁLEZ, 2008; FERNANDES, 2007; CARNEIRO, 2009; SILVA,
2011). Este Programa, que se insere no contexto da vinda de especialistas
estrangeiros, visava realizar um mapeamento de sítios arqueológicos buscando
estabelecer um quadro da ocupação pré-histórica brasileira (FERNANDES,
2007; FUNARI & GONZÁLEZ, 2008; CARNEIRO, 2009; SILVA, 2011). Porém,
também foi bastante criticado, principalmente devido à pressão do governo
ditatorial, que logrou inviabilizar diversas pesquisas arqueológicas que
tivessem uma abordagem mais crítica (FUNARI & GONZÁLEZ, 2008; SILVA,
2011).
No Brasil, o surgimento do campo da Arqueologia pública está
intrinsecamente ligado ao processo de redemocratização política, que a partir
26
Ver a propósito Anexo C (BRASIL, 1961).
42
de meados da década de 1980 torna-se crucial para sua consolidação. Sendo
assim, os debates em torno da divulgação das pesquisas arqueológicas e dos
programas educacionais passam a fazer parte do contexto brasileiro após
meados da década de 1980. A partir de então, com o fim da censura,
pesquisadores encontram novos espaços de comunicação com a sociedade de
uma forma geral e com suas pesquisas arqueológicas (CARVALHO & FUNARI,
2007; OLIVEIRA, 2009). Até então, toda investida em divulgação das
investigações arqueológicas estavam relacionadas ao processo de
musealização da Arqueologia. Ao prestar atenção no contexto internacional,
veremos que no ano de 1986 surge o World Archaeological Congress. Dentre
suas discussões, aparecem os aspectos sociais da disciplina, num sentido de
compreender as relações existentes entre a Arqueologia e a sociedade, sendo
este um dos pilares da Arqueologia pública (CARVALHO & FUNARI, 2007).
Como demonstrado até agora, entre os anos de 1961 e 1985 foram
empreendidas diversas iniciativas com objetivo de estreitar as relações entre
Arqueologia e a sociedade de forma geral. Desta maneira procurou-se propiciar
maior proteção aos bens culturais, e, além disso, originaram-se diversas ações
que buscavam realizar divulgação do conhecimento arqueológico no país.
Assim, foram planejadas iniciativas nos próprios trabalhos de campo da
Arqueologia, sendo estas voltadas para o envolvimento das comunidades na
pesquisa arqueológica, preservação dos vestígios materiais e na própria
divulgação (CARVALHO & FUNARI, 2007; FUNARI & GONZÁLEZ, 2008).
Em 1990, o Comitê Internacional para a Gestão do Patrimônio
Arqueológico (ICOMOS/ICAHM) publicou a Carta Internacional para a Gestão
do Patrimônio Arqueológico. Direcionada aos profissionais da área, objetivava
estabelecer meios de proteção específicos de vestígios considerados como
patrimônio arqueológico. Nesta Carta, o patrimônio arqueológico é definido de
forma genérica, englobando:
[...] as marcas da existência do homem e se refere aos lugares onde se praticou qualquer tipo de atividade humana, às estruturas e vestígios abandonados de qualquer índole, tanto na superfície como enterrados, ou em baixo d’água, assim como ao material relacionado com os mesmos (ICOMOS/ICAHM, 1990).
43
Esta Carta estabelece que, de forma a envolver a sociedade, é
imprescindível fornecer ao público geral informações relacionadas ao
patrimônio. Esta destaca que as especificidades de cada localidade devem ser
consideradas, e que não existe, ademais, um modelo específico para a ação de
preservação e educação; por fim, que o passado deve ser respeitado e
mostrado como sendo algo multifacetado (CARVALHO & FUNARI, 2007).
Desta forma, experiências27 de diversos arqueólogos vêm comprovando que o
envolvimento das comunidades é fundamental e primordial (FERREIRA, 2011).
Esta forma de fazer Arqueologia, “oferece-nos metodologias propícias
para reconsiderarmos o trabalho com o público e enfrentarmos as escolhas
quase sempre unilaterais das políticas de representação do patrimônio cultural”
(FERREIRA, 2011, p. 29). Como aponta Lúcio Ferreira, nesse campo atenta-se
para a necessidade de tornar as comunidades em “agentes e colaboradoras
ativas da pesquisa arqueológica”28. Além disso, é necessário realizar
entrevistas periódicas e história oral, pois através destas será possível
compreender o entendimento, interpretações e apropriações das comunidades
para com as pesquisas arqueológicas29.
Cristóbal Gnecco e Carolina Hernández trazem algumas questões
interessantes sobre a atuação do público e criação de interpretações:
O alcance público tem se tornado eticamente obrigatório e estrategicamente necessário. No entanto, para muitos arqueólogos, alcance público é somente um meio de compartilhar resultados – ou seja, não como uma empreitada colaborativa e coletiva, mas como um processo unidirecional pelo qual conhecimento especializado é comunicado para o público. Povos nativos são incluídos nesse processo com a ideia de que eventualmente venham a descobrir a utilidade da informação arqueológica em suas próprias histórias. Em contraste, a Arqueologia pública (ou seja, Arqueologia para e pelo público) é concebida não como um processo unidirecional no qual o sábio arqueólogo aconselha povos ignorantes sobre sua própria história, mas como uma co-produção na qual partes interessadas colaboram, aprendem umas com as outras, e conjuntamente (mas não sem conflito) produzem história. (GNECCO & HERNÁNDEZ, 2008, p. 452).
27
Algumas experiências já foram publicadas, como: MONTENEGRO & APARICIO (2008); GREER et all (2002); GNECCO & ROCABADO (2010); ARDREN (2002); COLLEY (2004); MOSER et all (2002); BARDAVIO et all (2004). 28
FERREIRA, loc. cit. 29
FERREIRA, loc. cit.
44
Até o presente momento não existe um consenso acerca do campo ou
conceito de Arqueologia pública propriamente dito. Independente dos
dissensos, devemos perceber que a Arqueologia pública nos permite dialogar e
estabelecer relações com a sociedade de uma forma geral, propiciando
diversos benefícios para a pesquisa arqueológica e para as comunidades.
Sendo assim, o que se busca não é transmitir um conhecimento enciclopédico
a respeito de seus patrimônios, destacando datas de fundação, autores, etc.,
mas o que se almeja é construir diálogos entre a sociedade e seus patrimônios
(CARVALHO & FUNARI, 2007). O objetivo deste campo é permitir discussões
não somente no que diz respeito a programas educacionais, exposições e
visitas a museus e sítios, mas permite, também, que sejam estabelecidos
diálogos e discussões a respeito das simbologias e representações feitas a
partir da cultura material.
Até aqui trouxemos algumas questões referentes ao surgimento da
Arqueologia pública, além de suas principais premissas e desdobramentos.
Com isso, buscamos elucidar algumas características teóricas e metodológicas
deste campo do conhecimento. Esse apanhado, ainda que esquemático e
bastante limitativo, tornou-se um imperativo para que possamos avançar na
explicitação das premissas que embasaram o projeto “Brincando de
Arqueologia” e na análise de sua dinâmica e de alguns de seus
desdobramentos. São estes os temas que buscaremos desenvolver no próximo
capítulo.
3 Projeto Brincando de Arqueologia em Pelotas
Antes de tratar propriamente sobre o projeto Brincando de Arqueologia
em Pelotas, torna-se necessário traçar o perfil das questões precípuas que
levaram ao desenvolvimento da pesquisa. Sendo assim, cabe reiterar a ligação
do presente estudo com o projeto já citado, O Pampa Negro: Arqueologia da
Escravidão na Região Meridional do Rio Grande do Sul (1780-1888), que vem
sendo desenvolvido desde o final de 2009 pela equipe do recentemente
formado Laboratório Multidisciplinar de Investigações Arqueológicas (LÂMINA),
localizado no ICH/UFPel.
Até o presente momento, além das análises realizadas em fontes
primárias, foi efetuado um levantamento topográfico e arqueológico das
charqueadas do Arroio Pelotas e Canal São Gonçalo, com definição de áreas
de amostragem para futuras escavações. Um ponto importante até o momento
foi a possibilidade de trabalho na antiga Estância Santa Bárbara, situada no
leito do arroio homônimo. Este sítio, que se localiza próximo ao centro da
cidade30, é composto de uma antiga sede, as ruínas do que poderia ser uma
senzala e de dois terrenos da charqueada. Foi realizado o levantamento
documental junto ao Arquivo Público do Rio Grande do Sul (APERS)31,
entrevistas com os atuais moradores da antiga sede, e, também, o
levantamento topográfico tanto da sede como de todo o terreno atual da
charqueada. As escavações ali realizadas ainda estão em curso, tendo se
iniciado em setembro de 2011.
Foi a partir dos trabalhos desenvolvidos dentro do projeto O Pampa Negro
e de um minicurso que tratou sobre a questão da Arqueologia pública no
30
Ver a propósito Anexo C. 31
Este levantamento foi realizado pela mestranda Estefânia Jaékel da Rosa para sua dissertação, “Paisagens Negras: Arqueologia da Escravidão nas Charqueadas de Pelotas (RS, Brasil)”, 2012.
46
noroeste Argentino32, que surgiu o interesse de estudar33 a temática da
Arqueologia pública e sua possível aplicação ao Sítio da Charqueada Santa
Bárbara. Para tanto, realizou-se um projeto de intervenção nos moldes desse
campo de aplicação da Arqueologia, assumido aqui como prática social
engajada que visa a construção de diálogos e significações com as
comunidades e/ou coletividades. Busca-se incorporar não só as comunidades
do entorno, mas, também, as crianças e jovens estudantes, de forma a
destacá-los como atores no processo de investigação.
Como veremos, esta experiência mostrou-se extremamente rica e
desafiadora em relação às possibilidades para repensar o ensino da história, os
projetos de intervenção e os papeis dos profissionais das ciências humanas em
geral, além de outros aspectos. Antes, porém, torna-se necessário situar o
leitor no espaço onde se desenvolveu o projeto. Para tanto, traçarei um breve
histórico a respeito da antiga Estância e Charqueada Santa Bárbara.
3.1 Estância e Charqueada Santa Bárbara34
A história da propriedade35 localizada no leito do antigo arroio Santa
Bárbara se inicia por volta de 1790, quando então a região passa a ser
povoada. É justamente nessa data que o charqueador Theodósio Pereira
Jacomé solicitou uma carta de sesmaria, justificando-se por ter como objetivo
criar mais de mil e quinhentos animais vacuns para a ‘charquia’. Em fevereiro
de 1791, José Vieira da Cunha, vizinho de Jacomé, também requereu a
legalização de sua sesmaria, obtendo-a em 1792. Posteriormente, estas terras
foram vendidas a João Antonio Pereira Lemos e sua esposa Rosália Maria
32
Trata-se especificamente do minicurso “Arqueologia Pública no Noroeste Argentino: Reconfigurações do Passado Local”, ministrado pelas Professoras Maria Clara Rivolta e Mónica Montenegro, ambas da Universidade de Buenos Aires, em agosto de 2011. As arqueólogas foram trazidas pelo Prof. Dr. Lúcio Menezes Ferreira, no âmbito do convênio Capes entre o Mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural e a Universidade de Buenos Aires. 33
Aqui refiro-me à ideia desenvolvida por mim e por minha colega de pesquisa, Andressa Domanski, mestranda do PPG em Memória Social e Patrimônio Cultural (ICH/UFPel), a qual também está vinculada ao projeto O Pampa Negro e que compartilhou comigo a autoria e desenvolvimento da primeira etapa do projeto Brincando de Arqueologia em Pelotas. 34
Esta subseção tomou como base referencial a dissertação desenvolvida por Estefânia Jaékel da Rosa, “Paisagens Negras: Arqueologia da Escravidão nas Charqueadas de Pelotas (RS, Brasil)”, 2012. 35
A Fig. 5 mostra o prédio remanescente da Charqueada Santa Bárbara na porção onde estão sendo realizadas as investigações arqueológicas.
47
Angélica, que obtiveram a carta de sesmaria em 1817, concedida pelo Marquês
de Alegrete.
Figura 5 – Imagem da principal construção remanescente. Fonte: Banco de dados do LÂMINA.
A propriedade consistia em “uma sesmaria de terras com uma légua de
frente e três de fundos, sita entre os arroios do Moreira e Santa Bárbara com
frente para a serra dos Tapes e fundos ao Sangradouro da Mirim, rio São
Gonçalo” (RPTMP apud ROSA, 2012, p. 144). O casal, João Antonio e Rosália
Maria, tiveram uma filha chamada Rita Leocádia de Moraes, esta casada com
Manoel Alves de Moraes. Com a morte de Antonio de Lemos e Rosália Maria
Angélica, a filha Rita Leocádia e o genro Manoel de Moraes herdaram as terras
situadas entre os arroios Moreira e Santa Bárbara (Fig.6).
O casal teve três filhas: Rosália Alves (casada com José Vieira Vianna),
Leonídea Leocádia de Moraes (casada com José Salsiccioni) e Augusta
Manoela de Moraes (casada com Thomaz José Xavier). Com a morte do pai,
Manoel Alves de Moraes, em 1844, a esposa, filhas e genros herdam os bens
que este possuía, dentre os quais constavam as terras da sesmaria de seus
sogros Antonio Pereira de Lemos e Rosália Maria Angélica. O casal, José
Vieira Vianna e Rosália Alves, herdou a porção de terra na qual atualmente
48
estão inseridos os terrenos onde estão concentradas as investigações
arqueológicas do projeto O Pampa Negro36. A porção do casal possuía (Fig.7):
um potreiro para criação de gado, um sobrado para moradia, um pomar e
benfeitorias; um estabelecimento de charqueada com porto de embarque e
casas de moradia; um terreno ocupado por José Vieira Vianna (ROSA, 2012, p.
151).
Figura 6 – Localização da Sesmaria de Santa Bárbara (1817). Fonte: Banco de dados do LÂMINA.
José Vieira Vianna morre em 1854 e a partir de então, dá-se mais uma
vez início à divisão dos bens do falecido. Foi após sua morte que a charqueada
passa a diminuir sua atividade tendo, em poucos anos a viúva, Rosália Alves,
falido e a charqueada acabando desativada. Atualmente pertence à família
Simões Lopes que a locou, no começo do século XX, para imigrantes
portugueses. Seus descendentes ainda vivem na propriedade.
36
Ver a propósito Anexo C.
49
Segundo Estefânia Jaékel da Rosa (2012), a Charqueada Santa Bárbara
possuía um grande complexo produtivo, tendo desempenhado as mais
diversas atividades, como por exemplo: a criação de gado, a produção de
charque e derivados, além de ter fabricado tijolos, sabão, etc. Para tanto, era
necessário um grande número de escravos para trabalhar na propriedade.
Figura 7 – Estruturas da propriedade de José Vieira Vianna (1854). Fonte: Banco de dados do LÂMINA.
Em sua dissertação de mestrado, ao analisar a escravidão nesta
charqueada, Estefânia da Rosa (2012) nos traz a informação de que dos
poucos documentos encontrados, apenas três fazem alusão ao escravo. Estes
documentos consistem nos inventários post-mortem de três antigos
proprietários, e os dados referentes aos escravos que puderam ser obtidos
nestes documentos correspondem a aspectos demográficos e ocupacionais
dos escravos. É claro que devemos atentar para o fato de que estas fontes
trazem apenas uma parcela dos cativos que nesta charqueada trabalharam,
pois os inventários representam apenas um momento específico onde os bens
são arrolados.
50
Analisaremos, então, a título de exemplo, o plantel de escravos que
constam no inventário de José Vieira Vianna, de 1854, onde foram arrolados 61
escravos. Estefânia da Rosa (2012) atenta para o fato de que estes inventários
retratam um período próximo à proibição do tráfico (1850); o que justifica a
maior porção de escravos africanos inventariados, que teriam sido comprados
antes da suspensão do tráfico. De um total de 61 escravos, apenas 2% não
possuem a origem informada, o que nos leva a 77% africanos e 21% afro-
brasileiros.
No que diz respeito ao sexo dos cativos, esta Charqueada apresenta o
considerado padrão para as demais propriedades escravistas. No inventário de
Vieira Vianna, 84% dos cativos são do sexo masculino, enquanto 16% são
mulheres (ROSA, 2012, p. 177). Quanto à idade dos escravos, 71% dos cativos
arrolados neste inventário são considerados adultos, contra 20% de idosos, o
que leva a um número de apenas 9% de crianças (ROSA, 2012, p. 180). Das
profissões elencadas neste inventário, o maior número refere-se aos
carneadores, seguidos pelos tripeiros, salgadores, graxeiros, serventes,
pedreiros, marinheiros, cozinheiros, carreteiros, dentre outros. No inventário de
Vieira Vianna, do total de cativos inventariados, 87% estavam especializados
no trabalho da charqueada (ROSA, 2012, p. 182).
Expostos estes aspectos referentes ao espaço no qual vêm sendo
empreendidas as investigações, vejamos de que forma se desenvolveram as
atividades do projeto Brincando de Arqueologia em Pelotas.
3.2 Metodologia37
A partir de agora desenvolveremos as questões referentes à
metodologia e dinâmica utilizada durante as atividades do projeto Brincando de
Arqueologia em Pelotas. O primeiro ponto que deve ser destacado diz respeito
à escolha da escola. Ao iniciar o projeto pensamos em, primeiramente, mapear
o entorno do Sítio à procura de escolas em que pudéssemos desenvolver as
37
O desenho metodológico é explicitado no Box 3. Na presente subseção mostraremos que alguns ajustes foram necessários, adequando a metodologia aos desafios colocados durante a execução do projeto.
51
atividades do projeto38. Sendo assim, a escolha recaiu sobre a instituição mais
próxima, qual seja, a E.E.E.F.I.S.C.J., situada na Rua Anchieta, nº 812, situada
entre as ruas Almirante Tamandaré e Benjamin Constant (Fig. 8), distando
aproximadamente 650m do prédio remanescente da antiga Charqueada Santa
Bárbara, onde estão sendo empreendidas as investigações arqueológicas.
Figura 8 – Localização da E. E. E. F. I.S.C.J. Fonte: Banco de dados do LÂMINA.
Ela está sediada no que um dia foi uma antiga casa de residência,
havendo sido adaptada para comportar a escola. Alguns elementos foram
modificados (estendeu-se a casa, sendo construído um prédio novo ao fundo
para acolher mais uma turma). Esta Escola possui uma pequena biblioteca e
uma cozinha onde é servida a merenda escolar. As salas de aula (antigos
cômodos da casa) são extremamente pequenas, comportando (com esforço)
no máximo 20 alunos. Na parte dos fundos, foi construído um pátio, sem
cobertura, para as atividades fora da sala de aula.
A partir da escolha da escola foi empreendida, então, a próxima etapa, a
qual consistiu em estabelecer os primeiros contatos com a mesma. Assim, no
primeiro encontro com a direção e supervisão da Escola, apresentou-se o
38
Ver a propósito Anexo D.
52
projeto, seus objetivos e metodologia, e questionou-se a direção sobre o
interesse de participação. Obtendo o aceite da escola, passamos ao passo
seguinte que consistia no desenvolvimento das atividades propriamente ditas
com os alunos. Foram contempladas duas turmas de 3ª série (uma pelo turno
da manhã, outra pela tarde), tendo a primeira turma 13 alunos, e a segunda,
17.
Vamos, então, à dinâmica das atividades. Todo o trabalho na escola foi
organizado em torno de basicamente quatro encontros semanais (alguns não
puderam ser semanais devido ao calendário da escola, onde já haviam outros
compromissos agendados). Cada encontro durou cerca de uma hora e meia,
no qual desenvolvemos as atividades.
O primeiro encontro ocorreu no dia 17 de outubro de 2011, com ambas
as turmas, uma pela manhã e outra pela tarde. Os alunos da turma da manhã
estavam muito quietos e tímidos. Dessa forma, iniciamos os trabalhos nos
apresentando e indicando quais seriam os próximos encontros. A partir de
então, escrevemos no quadro a palavra Arqueologia e pedimos que eles
desenhassem o que viesse à mente, ou seja, o que eles compreendiam por
Arqueologia.
Notamos que por cerca de cinco minutos nenhum aluno logrou traçar
nem sequer algum rabisco na folha de papel. Percebemos que ficaram
inquietos e perguntando o que era Arqueologia como se tivessem medo de
“errar” alguma possível resposta. Acreditamos que a professora tenha, de
alguma forma, interferido previamente. Decorridos alguns minutos, os alunos
que não conseguiram nem sequer esboçar o que imaginavam fosse
Arqueologia, passaram então a desenhar algo relativo ao patrimônio39.
Após recolher os desenhos40, partimos para a segunda parte das
atividades desse encontro. A partir de então, fazendo o uso de projeção
(PowerPoint), apresentamos imagens que retratavam as charqueadas, em
especial a Santa Bárbara41, além de abordar aspectos sobre a escravidão no
Rio Grande do Sul, dando ênfase ao contexto local.
39
A tentativa de explicação para esse quadro será aprofundada na próxima subseção. 40
Na próxima subseção traremos as imagens de alguns desenhos de forma a analisá-los. 41
É importante destacar que, coincidentemente, alguns dos alunos dessa escola residiam nas proximidades da antiga Charqueada Santa Bárbara. Claro que a escolha dessa escola não foi aleatória, mas ligou-se ao desenho metodológico que embasou nossa intervenção. Todavia,
53
Nesse mesmo dia, à tarde, desenvolvemos as mesmas atividades com a
segunda turma. Esta se apresentou mais agitada e falante. Realizando os
mesmos procedimentos adotados pela manhã, obtivemos resultados
consideravelmente distintos. Após a apresentação do projeto aos alunos,
fizemos o mesmo trabalho sobre Arqueologia. Mas, nessa turma, além de
começarem a desenhar com mais facilidade, o que ocorreu foi que muitos
alunos associaram Arqueologia à novela que estava então sendo veiculada
pela Rede Globo (Morde & Assopra, de Walcyr Carrasco, 2011), que tinha
como uma das protagonistas, a atriz Adriana Esteves no papel da paleontóloga
Júlia que buscava “escavar o fóssil de um Titanossauro”42.
No segundo encontro, ocorrido no dia 11 de novembro de 2011, foi
necessário adaptar a dinâmica. Para este momento estava prevista a visita dos
alunos ao Sítio, além da proposta de trabalhar com a Cartilha43 na sala de aula.
Devido ao mau tempo e chuva, tivemos de realizar somente a atividade dentro
da sala (tanto pela manhã, quanto pela tarde). Foi justamente devido a este
fato que as atividades se desenvolveram em cinco e não quatro encontros
como estava previsto. Seguimos então a leitura em conjunto e os alunos foram
realizando as atividades propostas na Cartilha (este encontro ocorreu de forma
similar em ambas turmas).
No dia 17 de novembro, desenvolvemos o terceiro encontro, onde
transcorreu a primeira visita dos alunos ao Sítio (Fig. 9 e 10). O objetivo era
demonstrar como se dava o trabalho do arqueólogo e como são os
procedimentos de uma escavação arqueológica. Os alunos estavam bastante
interessados e empolgados por dois motivos. Em primeiro lugar, pela própria
vimos este aspecto como altamente decisivo para trabalhar sobre uma imagem que para estes não era estranha, dado que cotidianamente conviviam com a velha edificação que teimosamente permanece em pé através dos anos, não obstante as mutilações sofridas ao longo do tempo. Ao mostrar a imagem da casa, quase todos afirmaram que a conheciam ou que moravam perto. Eles disseram ainda “fica em frente às 25” – referindo-se a uma vila operária existente em frente ao prédio remanescente da antiga Charqueada Santa Bárbara. Inclusive alguns alunos conheciam os atuais moradores da casa. 42
Ver a propósito o site da novela Morde & Assopra: http://tvg.globo.com/novelas/morde-e-assopra/personagem/julia.html#perfil. Esta associação será tratada com maior profundidade na próxima seção. 43
Além das atividades organizadas em torno dos quatro encontros, elaboramos uma Cartilha ilustrativa com os conteúdos trabalhados na sala de aula, com o objetivo de facilitar uma aproximação. Esta Cartilha trata de temas como Patrimônio Cultural, Arqueologia, Charqueadas, Charqueada Santa Bárbara, e traz algumas atividades e jogos como uma pesquisa sobre origens familiares, desenho sobre o que cada aluno considera como Patrimônio Imaterial, jogos de ligar as colunas, caça-palavras e um labirinto (ver Anexo E).
54
realização da visita e, em segundo lugar, porque estavam ansiosos para saber
o que precisamente era Arqueologia. Aqui contamos com a contribuição de
diversos professores e pesquisadores vinculados ao LÂMINA (Prof. Pedro
Sanches, Prof. Cláudio Carle, Prof. Bruno Sanches e a Ms. Estefânia da Rosa)
na hora de explicar aos alunos sobre Arqueologia e a história da Charqueada.
Figura 9 – Primeira visita da turma 4ºB da E.E.E.F.I.S.C.J. ao Sítio da Charqueada Santa Bárbara, novembro de 2011. Fonte: Banco de dados do LÂMINA.
No quarto encontro realizamos a segunda visita dos alunos ao Sítio.
Neste momento, o objetivo foi realizar uma simulação de escavação com os
alunos (Fig. 11, 12 e 13). Para tanto, utilizamos duas quadrículas artificiais nas
quais foram enterrados diversos objetos (como telhas, garrafas, tijolos, etc.).
Para realizar a atividade, dividimos os alunos de cada turma em dois grupos,
distribuídos nas duas quadrículas e, de cada grupo, um aluno ficaria
responsável por “plotar” os objetos encontrados. Ao final da atividade,
buscamos analisar os objetos escavados, numa tentativa de refletir sobre o
contexto dos elementos. Este encontro demonstrou-se extremamente rico e
interessante, pois pudemos perceber o enorme interesse dos alunos em
participar da atividade.
55
Figura 10 – Primeira visita da turma 4ºA da E.E.E.F.I.S.C.J. ao Sítio Charqueada Santa Bárbara, novembro de 2011. Fonte: Banco de dados do LÂMINA.
Figura 11 – Simulação de escavação com a turma 4ºB da E.E.E.F.I.S.C.J., novembro de 2011. Fonte: Banco de dados do LÂMINA
56
.
Figura 12 – Simulação de escavação com a turma 4ºA da E.E.E.F.I.S.C.J., novembro de 2011. Fonte: Banco de dados do LÂMINA.
Figura 13 – Simulação de escavação com a turma 4ºB da E.E.E.F.I.S.C.J., novembro de 2011. Fonte: Banco de dados do LÂMINA.
57
Por fim, no último encontro levamos os alunos ao Laboratório
Multidisciplinar de Investigações Arqueológicas (LÂMINA/ICH/UFPel) para
demonstrar os procedimentos adotados com os vestígios materiais coletados
durante a escavação. Estes ficaram demasiadamente tímidos durante esta
visita, creio que por estarem no ambiente universitário. Mas logo após a ida ao
Laboratório, realizamos uma exposição de seus trabalhos e de todos os
registros fotográficos elaborados ao longo das atividades, onde os alunos
descontraíram e contaram suas percepções sobre o desenvolver dos encontros
e das diversas atividades. Optamos por registrar este momento através do uso
de filmadora como forma de ampliar nossa percepção sobre a reação dos
alunos ao verem seu trabalho exposto.
Passemos agora a algumas reflexões sobre esta experiência.
3.3 Alcances, limitações e desafios de uma experiência em Arqueologia
Pública
Após delinear a metodologia aplicada, buscarei nesta subseção
desenvolver algumas reflexões sobre os alcances desta experiência. Assim,
trarei minhas percepções a respeito desta primeira tentativa de aplicação do
projeto.
3.3.1 Análise dos desenhos produzidos
Analisemos os desenhos desenvolvidos pelos alunos, os quais referem-
se ao produto do primeiro encontro.
Os desenhos A e B, Fig. 14 e 15, respectivamente, foram selecionados
nesta exposição porque apresentam, na cena retratada, o que consta no grupo
de alunos (4) que conseguiram retratar em seus desenhos pelo menos a
reprodução de uma cena de escavação. Os demais (24) por não saberem o
que desenhar, reproduziram os mais diversos temas e objetos (associação com
patrimônio, foguetes, invenções, etc.), como mostra a Fig. 16.
58
Figura 14 – Desenho A desenvolvido no primeiro encontro.
Figura 15 – Desenho B desenvolvido no primeiro encontro.
59
Figura 16 – Distribuição dos desenhos do primeiro encontro quanto à presença de cena de
escavação. Fonte: Elaboração da autora, 2012.
A Fig. 17 indica a distribuição dos elementos identificados nos desenhos.
Nota-se que a “confusão” existente entre Arqueologia e Patrimônio é
preponderante (52%). Embora estejamos analisando os desenhos em sua
totalidade (duas turmas), este tipo de associação foi mais evidenciada entre os
alunos da turma da manhã (4ºB). Em conversa com a professora responsável
por essa turma, fui informada de que recentemente haviam trabalhado, em sala
de aula, questões ligadas ao patrimônio e aos pontos turísticos da cidade.
Sendo assim, acredito que seja essa a explicação primordial para este fato.
Além disso, são identificados elementos como pás, ossos, vitrines e/ou
museus, esqueletos, dinossauros, etc.
Figura 17 – Frequência de elementos identificados nos desenhos do primeiro encontro. Fonte: Elaboração da autora, 2012
14%
86%
Cena de escavação Representações diversas
4 2 2 2 2 1 2
16
Frequência
60
Analisemos agora os desenhos do quarto encontro, C e D (Fig. 18 e 19).
De um modo geral se constata uma mudança qualitativa considerável em
relação ao primeiro desenho. É natural que isso ocorra diante da influência
exercida pela prática da oficina ou simulação.
Figura 18 – Desenho C desenvolvido no quarto encontro.
Figura 19 – Desenho D desenvolvido no quarto encontro.
61
De um total de 20 desenhos (embora a maior frequência tenha sido
justamente no quarto encontro, dez alunos não entregaram o desenho final) 14
representaram na ilustração elementos referentes à simulação ou oficina de
Arqueologia. Sendo assim, aparecem nos trabalhos: as quadrículas com os
objetos (telhas, garrafas, tijolos, etc.), a peneira, a prancheta para desenho,
colher de pedreiro, escova, balde, etc (Fig. 20). Há que destacar que alguns
dos alunos fizeram uma cópia do desenho apresentado na página 7 da Cartilha
(ver Anexo E).
Figura 20 – Distribuição dos desenhos do quarto encontro quanto à cena representada. Fonte: Elaboração da autora, 2012.
Nestes desenhos do quarto encontro, constatamos uma maior riqueza
de detalhes, um número maior de objetos, um maior grau de elaboração e
empenho por parte dos alunos ao desenvolver o trabalho proposto. Aqui, o uso
de cores é mais frequente, além do fato de serem trabalhos mais organizados
(pode-se perceber o uso, por exemplo, de régua para ilustrar a quadrícula).
Outro aspecto diz respeito ao uso de capa para apresentação deste desenho, o
que indica a preocupação dos alunos em mostrar o seu comprometimento com
a atividade. Quanto aos objetos ou elementos recorrentes, destacam-se:
quadrículas, peneiras, objetos escavados (tijolos, telhas e garrafas), teodolito,
régua altimétrica, escova, colher de pedreiro, balde, prancheta, etc. Todos os
aspectos aqui elencados demonstram que os alunos compreenderam
perfeitamente a dinâmica proposta e os objetivos que orientaram todo o
processo.
70%
10%
20%
Simulação de Arqueologia Charqueada Santa Bárbara Cópia da Cartilha
62
3.3.2 Alguns desafios e limitações
Reservamos este espaço para trazer à luz alguns dos principais desafios
e limitações que conhecemos durante o desenvolvimento dessa experiência de
Arqueologia Pública. Antes de mais nada, é preciso mencionar que esta
aproximação é bastante limitada por se tratar de uma primeira tentativa de
aplicação do projeto Brincando de Arqueologia em Pelotas, que apesar de
alguns percalços, mostrou-se como extremamente importante para planejar
uma segunda intervenção que se encontra em curso em outra instituição de
ensino pelotense, que teve início em maio de 2012 na Escola Mário Quintana.
Esta experiência serviu, dessa forma, para repensarmos algumas abordagens
e reformularmos alguns aspectos da aplicação da metodologia idealizada
inicialmente. Cabe, então, tecer alguns comentários quanto às minhas
impressões após a realização do trabalho de campo. Esta exposição, por
razões de ordem lógica, se desdobra em três grandes dimensões concernentes
ao âmbito da escola, dos alunos que participaram da experiência, dos
educadores e, por fim, da própria metodologia comentada anteriormente.
Em primeiro lugar, devemos refletir sobre o ambiente escolar. Embora
tenhamos sido recebidos (pela direção, supervisão, funcionários, professoras e
alunos) da melhor forma possível, com muita empolgação e interesse em torno
do projeto, é necessário pensar acerca da estrutura física da escola. Sendo ela
uma adaptação de uma antiga casa, alguns problemas são evidentes e a
realização do nosso projeto só fez reforçar a sensação de precariedade
vivenciada diariamente pelos alunos. As salas de aula são extremamente
pequenas, comportando poucos alunos e de forma bastante apertada. Esta era
uma queixa recorrente entre as professoras. Todos os cômodos da casa
possuíam este problema. A cozinha funcionava juntamente com o refeitório,
que comportava apenas uma turma por vez na hora da merenda. Uma das
salas nas quais desenvolvemos atividade ficava ao lado do corredor de entrada
e não possuía porta. Desta forma, no recreio de outras turmas, o barulho
atrapalhava, dificultando a concentração dos alunos na sala de aula. Além
disso, a escola necessitava de diversos reparos.
Às dificuldades do estabelecimento escolar somam-se outros desafios
do ponto de vista da situação dos alunos. Oriundos de famílias de baixa renda,
63
estas crianças enfrentam diversos problemas relacionados à falta de recursos e
a escassa disponibilidade de material escolar e material didático44. Ao realizar a
atividade da Cartilha, percebi que muitos alunos tinham grande dificuldade de
leitura, o que os deixava bastante constrangidos. Optei, em virtude deste
motivo, por ler a Cartilha enquanto eles somente acompanhavam a leitura.
Percebe-se de forma evidente a baixa autoestima destes alunos e a falta de
estímulo que lhes é atribuído. O que pude notar com clareza é a naturalização
do fatalismo, ou seja, criou-se uma sensação de conformismo diante da
condição e expectativa para estas crianças.
Uma limitação que encontramos no projeto Brincando de Arqueologia
em Pelotas é a necessidade de trabalho prévio com as professoras,
anteriormente aos alunos. Este encontro serviria para dialogar a respeito das
atividades e desenvolver em conjunto um cronograma de atividades, dentre
outras coisas. Digo isto, pois durante as atividades, notou-se que a atenção
dos alunos ficava dividida entre as professoras e a nossa equipe. Além disso,
deve-se ter em mente que não somos educadores nem pedagogos. Dessa
forma, não possuímos os recursos didáticos, os quais as professoras têm maior
domínio para lidar com crianças. Este fato não prejudicou os resultados do
projeto, porém este foi um ponto que repensamos e reformulamos ao ter a
possibilidade de aplicação do Brincando de Arqueologia em Pelotas na outra
instituição de ensino, já referida.
Ao longo deste capítulo trouxemos à tona a trajetória de execução e
análise dos resultados iniciais desta primeira tentativa de aplicação do projeto.
Por fim, cabe tecer algumas reflexões que surgiram após a execução do
projeto. Ao refletir sobre a crescente produção historiográfica surgida
recentemente, tal como referido no primeiro capítulo, do ponto de vista da
produção científica, acadêmica e da formação de recursos humanos, seria de
esperar, no nosso entendimento, que o produto final destes estudos estivesse
disponível ao público em geral, sobretudo no caso específico das escolas do
ensino fundamental existentes numa cidade cuja origem está umbilicalmente
ligada às charqueadas e à escravidão.
44
Essa falta de recursos pôde ser percebida quando, num dia bastante frio, alguns alunos foram à aula de chinelo e sem nenhum abrigo.
64
A primeira questão que se impõe poderia ser formulada nos seguintes
termos: existe essa percepção por parte da comunidade escolar? Toda essa
informação chega, em maior ou menor medida, às escolas de nossa cidade?
Se a resposta for afirmativa, de que forma chega essa informação? De que
maneira essas questões são abordadas em sala de aula? Estão os professores
conscientes da importância de uma formação integrada ao próprio contexto
histórico-social?
Sendo assim, que papel nós, historiadores, arqueólogos, antropólogos e
demais intelectuais deveríamos cumprir? Não deveria ser parte de nossa pauta
o comprometimento com a vida pública? O nosso trabalho não deveria ser feito
em conjunto e acessível ao grande público45? De certo modo, o presente
trabalho busca dar respostas a estas questões. Partindo do estudo de caso
deste trabalho, realizei entrevistas46 com as duas professoras responsáveis por
ambas as turmas (4A e 4B). Analisei as entrevistas buscando responder às
reflexões referentes à relação entre a produção historiográfica e as
aproximações feitas nesse âmbito dentro da sala de aula. O problema aqui
delimitado não pode ser analisado de forma desarticulada em relação a um
cenário mais amplo, qual seja o da precarização do ensino fundamental, da
falta de condições básicas que atingem as escolas em geral, da falta de
incentivo aos professores, dos baixos salários, da ausência de material didático
atualizado e de qualidade. Ou seja, existe um conjunto de fatores que
conformam um quadro de desatualização e engessamento tanto dos
professores quanto das próprias escolas.
Tendo em vista que o conteúdo programático do 4º ano do ensino
fundamental aborda a história do município, foi perguntado às professoras
entrevistadas sobre a utilização de bibliografia de apoio a respeito do contexto
local, as quais assim se posicionaram:
Eu consegui assim, um livrinho também emprestado que contava a história do município, desde o início, como foi acontecendo... [...] E o passeio que nós fizemos no centro... que eles foram passear e foram visitar os pontos turísticos. E também eu não sou daqui, então eu tive que correr atrás. Mas daí eu consegui material pra mim, daí pra
45
Sobre o debate no campo da história atual que gira em torno de um novo direcionamento dos profissionais da área de história ver os artigos: “No More Plan B: A VeryModestProposal for GraduatePrograms in History” de Anthony Grafton e Jim Grossman, e “Historiadores pra quê?” de Keila Grinberg. 46
As entrevistas colhidas a campo, e posteriormente transcritas, serão referenciadas com a letra “P”, seguindo o número de ordem em que foi realizada.
65
passar pra eles somente através de xerox ou deixando pra eles copiar... Não tem um material pra ser usado na sala de aula sobre o contexto de Pelotas... Isso dificulta muito. (grifos meus)
(informação verbal)47
.
Ah eu usei... Eu tenho uma pasta de quando eu fiz Magistério... Tinha um ano que a gente era obrigado a estudar toda Pelotas, então cada semestre a gente fazia uma parte. Tinha alguns xerox de como era a cidade... o que usavam antigamente, como nos funerais, aquelas carruagens. Eu me apoiei no material que eu tinha de quando eu fiz magistério. E o que eu não tinha eu pegava na internet, pra eles terem alguma noção... O que que tal lugar era, e se continua a mesma coisa, o que que se modificou... Pra que eles vissem as diferenças... Os prédios antigos eu trabalhei... os pontos turísticos da cidade... Algumas curiosidades como foi a fundação do Theatro Guarany. Então eu me apoiei nesse tipo de material. (grifos meus) (informação verbal)
48.
Um primeiro aspecto relevante que devemos perceber em suas falas é a
noção de história vinculada diretamente a algumas palavras como prédio antigo
e ponto turístico. Isso é relevante porque reflete o entendimento das
educadoras de que aquilo que é histórico, aquilo que é pertencente ao
patrimônio, seja identificado como monumento edificado. Como destacado, as
duas falas convergem para a falta de material atualizado e acessível para uso
do professor em sala de aula sobre a história da cidade de Pelotas.
Ao finalizar este capítulo, cabe uma última ponderação que nos parece
crucial para justificar a realização deste trabalho e de outros estudos do
gênero. Antes disso, convém lembrar que a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação49 preconiza que a formação das professoras de séries iniciais de
escolas públicas deve ser, pelo menos, em Magistério e/ou Pedagogia, ou seja,
não propriamente uma formação orientada à história ou às ciências humanas
em geral. Esse fato reforça, na nossa acepção, as deficiências da história
ministrada no ensino fundamental. Nesse sentido, considerando este e outros
problemas aqui elencados, não seria da competência do historiador ou
arqueólogo elaborar materiais atualizados e acessíveis aos educadores e à
comunidade escolar e que pudessem servir de apoio para tratar sobre a
história local em sala de aula, fomentando a busca de conhecimento sobre a
própria realidade?
47
Informação fornecida por P2 em entrevista na Escola de Ensino Fundamental Incompleto Sagrado Coração de Jesus, Pelotas, Rio Grande do Sul, em abril de 2012. 48
Informação fornecida por P1 em entrevista na Escola de Ensino Fundamental Incompleto Sagrado Coração de Jesus, Pelotas, Rio Grande do Sul, em abril de 2012. 49
Ver a propósito Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm.
66
Este questionamento nos parece deveras relevante para guiar nosso
entendimento sobre a função social da universidade, dos programas de pós-
graduação, do poder público municipal e estadual em seus mais distintos
campos de intervenção (educação, cultura, preservação patrimonial, etc.). Se
essa reflexão ajuda a repensar nossa práxis investigadora, damos por
cumprido um dos principais objetivos dessa iniciativa levada a efeito pelo
Laboratório Multidisciplinar de Investigações Arqueológicas (LÂMINA).
Box 3 - Planejamento metodológico do projeto Brincando de Arqueologia em Pelotas
1º Passo: Estabelecer contato com a escola, apresentar e explicar o projeto e obter aceite da mesma. Nesse momento já determinar quais turmas serão contempladas. Buscar elucidar aos professores e coordenadores quais são as premissas e objetivos do projeto.
2º Passo: Encontros e atividades com os alunos (total de 4 encontros com 1h30min cada – dias e horários devem ser acertados juntamente com a escola).
Encontro nº 1: Atividade em sala de aula Conhecer a turma, expor o projeto e cronograma das atividades; Desenho. Aqui os alunos receberão folhas de papel ofício onde, ao serem questionados
sobre o que é Arqueologia, deverão sem nenhuma explicação precedente, desenhar as imagens que vem à mente ao pensar na palavra Arqueologia. Devem com base em sua própria bagagem cultural demonstrar através de desenho o que compreendem por Arqueologia. É importantíssimo que os(as) professores(as) não trabalhem com o tema da Arqueologia anteriormente a esta atividade.
Encontro nº 2: Apresentação (pode ser realizado com todas as turmas ao mesmo tempo) Aqui será feito um apanhado geral da história de Pelotas, dando ênfase às charqueadas e escravidão (trabalhar com Datashow a partir basicamente de imagens). Focar na história da Charqueada Santa Bárbara (contar onde era, como era, quem trabalhava lá – utilizando-se de mapas ilustrativos e imagens).
Encontro nº 3: Primeira visita ao Sítio. Levar as turmas ao Sítio Charqueada Santa Bárbara. Mostrar o trabalho do arqueólogo, os materiais utilizados, as quadrículas. Um dos arqueólogos explanar sobre as atividades.
Encontro nº 4: Segunda visita ao Sítio. Levas as turmas para realizar a oficina de escavação. Destinar quadrículas para a simulação. Explicar como deverão proceder, distribuir instrumentos e organizar dois grupos para trabalho nas quadrículas. Um dos alunos de cada grupo deverá ficar responsável por sistematizar os vestígios encontrados. Retornar para a escola. Ao chegar, entregar novas folhas de papel ofício onde deverão, então, elaborar um novo desenho sobre a mesma questão: O que é Arqueologia? Busca-se aqui compreender o que mudou na concepção de cada aluno ao longo das atividades.
3º Passo: Após realização dos encontros, organizar uma exposição dos trabalhos dos alunos além de fazer uma mostra fotográfica dos registros dos encontros.
4 Considerações finais
Ainda nos tempos de ensino fundamental, realizei uma visita turística a
uma importante e bem conservada charqueada de Pelotas, chamada São
João. Neste passeio, conhecemos a sede principal, com seus cômodos
mobiliados como antigamente, expondo diversos utensílios utilizados pela
família dos charqueadores no seu cotidiano. Além disso, nos foram contadas,
pela guia turística de então, algumas histórias sobre a família dona da
propriedade, além de lendas relacionadas com a própria charqueada retratada
na obra singular de Auguste Sant Hilaire. Cabe dizer que, ao ser mostrada a
senzala, este momento foi deveras rápido e sem problematização. Percebemos
com muita clareza, nesse momento da visita, que a escravidão era assunto
pouco relevante e que, portanto, não reunia muitas informações. Esse
sentimento só fez alimentar nossas convicções de que a questão da escravidão
permanece como um tema tabu entre boa parte da sociedade pelotense.
É claro que, como foi apontado no primeiro capítulo, recentemente
cresceu o número de trabalhos historiográficos que trazem algumas das
grandes questões referentes à escravidão (tanto no estado do Rio Grande do
Sul, quanto na cidade de Pelotas), mas devemos ter em mente que estes ainda
são incipientes e embrionários, haja vista o papel que esse tipo de relação de
produção representou para sustentar a chamada “indústria saladeril”. O fato é
que a escravidão se apresenta como um assunto tabu no seio de uma cidade
cuja formação sócio-cultural guarda estreitos vínculos com o ciclo do charque,
responsável direto pela opulência de uma aristocracia que se inspirou nos
valores estéticos das sociedades europeias. A historiografia refletiu por muito
tempo essa condição, trazendo em suas obras os grandes personagens, como
é o caso dos generais, dos colonos imigrantes, dos revolucionários, maragatos
e chimangos, etc.
68
Acreditamos que, ao fazer um balanço geral do presente projeto
(Brincando de Arqueologia em Pelotas), podemos concluir que este logrou
alguns êxitos, sobretudo porque cumpriu com seus objetivos e trouxe alguns
desdobramentos. Isso pode ser percebido quando aludimos à visibilidade que
foi conferida, não somente ao próprio projeto, mas também à pesquisa mais
ampla (O Pampa Negro: Arqueologia da Escravidão na região meridional do
Rio Grande do Sul (1780-1888)), propiciando-nos não somente o diálogo com
outros centros de pesquisa, mas, especialmente, a oportunidade de vir a
desenvolver este trabalho em outras instituições de ensino da cidade de
Pelotas. A esse respeito cabe reiterar que a segunda experiência do projeto
Brincando de Arqueologia em Pelotas já vem sendo desenvolvida, desde maio
de 2012, em outra instituição de ensino pelotense (Escola Mário Quintana).
Poderemos, então, analisar as percepções e representações dos alunos a
respeito do passado escravista pelotense.
Pudemos perceber que a Arqueologia pública efetivamente pode
oferecer alternativas para romper este tabu referente ao imaginário da
sociedade pelotense (de forma geral) construído em torno ao tema da
escravidão. Um dos importantes desdobramentos do presente trabalho foi
justamente mostrar a existência da transversalidade de um tema – a
escravidão na cidade de Pelotas – que aglutina em torno de si os mais diversos
campos do conhecimento (História, Arqueologia, Antropologia, Sociologia,
Educação, etc.). Do ponto de vista da Arqueologia pública, a intervenção
realizada propiciou a expansão de nossa percepção a respeito da importância,
da conveniência e da necessidade deste tipo de trabalho. Devemos ter em
mente que não existe uma receita nem fórmula aplicável a toda e qualquer
circunstância. Sendo assim, este projeto (que já está sendo desenvolvido em
outra instituição anteriormente referida), foi ampliado e estará em permanente
reformulação e aperfeiçoamento. O que se pretendeu, e ainda se pretende, nas
futuras intervenções, é reconstruir juntamente com as comunidades implicadas
tudo aquilo que invariavelmente esteve e está oculto, tanto consciente quanto
inconscientemente, na memória da sociedade pelotense.
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SCHEFFER, Rafael da Cunha. Comércio de escravos no Rio Grande do Sul (1850-1888): Transferências intra e interprovinciais, perfis de cativos negociados e comerciantes em cinco municípios gaúchos. In: V Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, Porto Alegre, 2011. Anais do... Porto Alegre, 2011.
SILVA, Bruno Sanches Ranzani da. Das ostras, só as pérolas: Arqueologia pública e arqueologia subaquática no Brasil. Belo Horizonte: UFMG. 2011. 238f. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal de Minas Gerais, 2011.
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A P Ê N D I C E S
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APÊNDICE A
Capa e contracapa da Cartilha. Fonte: Elaboração da autora, 2011.
Verso e anverso da Cartilha. Fonte: Elaboração da autora, 2011.
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Páginas 1 e 12 da Cartilha. Fonte: Elaboração da autora, 2011.
Páginas 2 e 11 da Cartilha. Fonte: Elaboração da autora, 2011.
79
Páginas 10 e 3 da Cartilha. Fonte: Elaboração da autora, 2011.
Páginas 4 e 9 da Cartilha. Fonte: Elaboração da autora, 2011.
80
Páginas 8 e 5 da Cartilha. Fonte: Elaboração da autora, 2011.
Páginas 6 e 7 da Cartilha. Fonte: Elaboração da autora, 2011.
A N E X O S
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Anexo A
Presidência da República Subchefia para Assuntos Jurídicos
DECRETO-LEI Nº 25, DE 30 DE NOVEMBRO DE 1937.
Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.
O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição,
DECRETA:
CAPÍTULO I
DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL
Art. 1º Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
§ 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei.
§ 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pelo natureza ou agenciados pelo indústria humana.
Art. 2º A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessôas naturais, bem como às pessôas jurídicas de direito privado e de direito público interno.
Art. 3º Exclúem-se do patrimônio histórico e artístico nacional as obras de orígem estrangeira:
1) que pertençam às representações diplomáticas ou consulares acreditadas no país;
2) que adornem quaisquer veiculospertecentes a emprêsas estrangeiras, que façam carreira no país;
3) que se incluam entre os bens referidos no art. 10 da Introdução do Código Civíl, e que continuam sujeitas à lei pessoal do proprietário;
4) que pertençam a casas de comércio de objetos históricos ou artísticos;
5) que sejam trazidas para exposições comemorativas, educativas ou comerciais:
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6) que sejam importadas por emprêsas estrangeiras expressamente para adôrno dos respectivos estabelecimentos.
Parágrafo único. As obras mencionadas nas alíneas 4 e 5 terão guia de licença para livre trânsito, fornecida pelo Serviço ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
CAPÍTULO II
DO TOMBAMENTO
Art. 4º O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro Livros do Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o art. 1º desta lei, a saber:
1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as mencionadas no § 2º do citado art. 1º.
2) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interêsse histórico e as obras de arte histórica;
3) no Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas de arte erudita, nacional ou estrangeira;
4) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras.
§ 1º Cada um dos Livros do Tombo poderá ter vários volumes.
§ 2º Os bens, que se inclúem nas categorias enumeradas nas alíneas 1, 2, 3 e 4 do presente artigo, serão definidos e especificados no regulamento que for expedido para execução da presente lei.
Art. 5º O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, afim de produzir os necessários efeitos.
Art. 6º O tombamento de coisa pertencente à pessôa natural ou à pessôa jurídica de direito privado se fará voluntária ou compulsóriamente.
Art. 7º Proceder-se-à ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à notificação, que se lhe fizer, para a inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo.
Art. 8º Proceder-se-á ao tombamento compulsório quando o proprietário se recusar a anuir à inscrição da coisa.
Art. 9º O tombamento compulsório se fará de acôrdo com o seguinte processo:
1) o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão competente, notificará o proprietário para anuir ao tombamento, dentro do prazo de quinze dias, a contar do recebimento da notificação, ou para, si o quisér impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo as razões de sua impugnação.
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2) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado. que é fatal, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará por símples despacho que se proceda à inscrição da coisa no competente Livro do Tombo.
3) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da mesma, dentro de outros quinze dias fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do tombamento, afim de sustentá-la. Em seguida, independentemente de custas, será o processo remetido ao Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que proferirá decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do seu recebimento. Dessa decisão não caberá recurso.
Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro do Tombo.
Parágrafo único. Para todas os efeitos, salvo a disposição do art. 13 desta lei, o tombamento provisório se equiparará ao definitivo.
CAPÍTULO III
DOS EFEITOS DO TOMBAMENTO
Art. 11. As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades.
Parágrafo único. Feita a transferência, dela deve o adquirente dar imediato conhecimento ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. 12. A alienabilidade das obras históricas ou artísticas tombadas, de propriedade de pessôas naturais ou jurídicas de direito privado sofrerá as restrições constantes da presente lei.
Art. 13. O tombamento definitivo dos bens de propriedade partcular será, por iniciativa do órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, transcrito para os devidos efeitos em livro a cargo dos oficiais do registro de imóveis e averbado ao lado da transcrição do domínio.
§ 1º No caso de transferência de propriedade dos bens de que trata êste artigo, deverá o adquirente, dentro do prazo de trinta dias, sob pena de multa de dez por cento sôbre o respectivo valor, fazê-la constar do registro, ainda que se trate de transmissão judicial ou causa mortis.
§ 2º Na hipótese de deslocação de tais bens, deverá o proprietário, dentro do mesmo prazo e sob pena da mesma multa, inscrevê-los no registro do lugar para que tiverem sido deslocados.
§ 3º A transferência deve ser comunicada pelo adquirente, e a deslocação pelo proprietário, ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional, dentro do mesmo prazo e sob a mesma pena.
Art. 14. A. coisa tombada não poderá saír do país, senão por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional.
Art. 15. Tentada, a não ser no caso previsto no artigo anterior, a exportação, para fora do país, da coisa tombada, será esta sequestrada pela União ou pelo Estado em que se encontrar.
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§ 1º Apurada a responsábilidade do proprietário, ser-lhe-á imposta a multa de cincoenta por cento do valor da coisa, que permanecerá sequestrada em garantia do pagamento, e até que êste se faça.
§ 2º No caso de reincidência, a multa será elevada ao dôbro.
§ 3º A pessôa que tentar a exportação de coisa tombada, alem de incidir na multa a que se referem os parágrafos anteriores, incorrerá, nas penas cominadas no Código Penal para o crime de contrabando.
Art. 16. No caso de extravio ou furto de qualquer objéto tombado, o respectivo proprietário deverá dar conhecimento do fáto ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro do prazo de cinco dias, sob pena de multa de dez por cento sôbre o valor da coisa.
Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruidas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cincoenta por cento do dano causado.
Parágrafo único. Tratando-se de bens pertencentes á União, aos Estados ou aos municípios, a autoridade responsável pela infração do presente artigo incorrerá pessoalmente na multa.
Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibílidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objéto, impondo-se nêste caso a multa de cincoenta por cento do valor do mesmo objéto.
Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuzer de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que fôr avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
§ 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis mezes, ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa.
§ 2º À falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa.
§ 3º Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou reparação em qualquer coisa tombada, poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa de projetá-las e executá-las, a expensas da União, independentemente da comunicação a que alude êste artigo, por parte do proprietário.
Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-los sempre que fôr julgado conveniente, não podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspeção, sob pena de multa de cem mil réis, elevada ao dôbro em caso de reincidência.
Art. 21. Os atentados cometidos contra os bens de que trata o art. 1º desta lei são equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional.
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CAPÍTULO IV
DO DIREITO DE PREFERÊNCIA
Art. 22. Em face da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes apessôas naturais ou a pessôas jurídicas de direito privado, a União, os Estados e os municípios terão, nesta ordem, o direito de preferência.
§ 1º Tal alienação não será permitida, sem que prèviamente sejam os bens oferecidos, pelo mesmo preço, à União, bem como ao Estado e ao município em que se encontrarem. O proprietário deverá notificar os titulares do direito de preferência a usá-lo, dentro de trinta dias, sob pena de perdê-lo.
§ 2º É nula alienação realizada com violação do disposto no parágrafo anterior, ficando qualquer dos titulares do direito de preferência habilitado a sequestrar a coisa e a impôr a multa de vinte por cento do seu valor ao transmitente e ao adquirente, que serão por ela solidariamente responsáveis. A nulidade será pronunciada, na forma da lei, pelo juiz que conceder o sequestro, o qual só será levantado depois de paga a multa e se qualquer dos titulares do direito de preferência não tiver adquirido a coisa no prazo de trinta dias.
§ 3º O direito de preferência não inibe o proprietário de gravar livremente a coisa tombada, de penhor, anticrese ou hipoteca.
§ 4º Nenhuma venda judicial de bens tombados se poderá realizar sem que, prèviamente, os titulares do direito de preferência sejam disso notificados judicialmente, não podendo os editais de praça ser expedidos, sob pena de nulidade, antes de feita a notificação.
§ 5º Aos titulares do direito de preferência assistirá o direito de remissão, se dela não lançarem mão, até a assinatura do auto de arrematação ou até a sentença de adjudicação, as pessôas que, na forma da lei, tiverem a faculdade de remir.
§ 6º O direito de remissão por parte da União, bem como do Estado e do município em que os bens se encontrarem, poderá ser exercido, dentro de cinco dias a partir da assinatura do auto do arrematação ou da sentença de adjudicação, não se podendo extraír a carta, enquanto não se esgotar êste prazo, salvo se o arrematante ou o adjudicante for qualquer dos titulares do direito de preferência.
CAPÍTULO V
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 23. O Poder Executivo providenciará a realização de acôrdos entre a União e os Estados, para melhor coordenação e desenvolvimento das atividades relativas à proteção do patrimônio histórico e artistico nacional e para a uniformização da legislação estadual complementar sôbre o mesmo assunto.
Art. 24. A União manterá, para a conservação e a exposição de obras históricas e artísticas de sua propriedade, além do Museu Histórico Nacional e do Museu Nacional de Belas Artes, tantos outros museus nacionais quantos se tornarem necessários, devendo outrossimprovidênciar no sentido de favorecer a instituição de museus estaduais e municipais, com finalidades similares.
Art. 25. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional procurará entendimentos com as autoridades eclesiásticas, instituições científicas, históricas ou artísticas e pessôas naturais o jurídicas, com o objetivo de obter a cooperação das mesmas em benefício do patrimônio histórico e artístico nacional.
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Art. 26. Os negociantes de antiguidades, de obras de arte de qualquer natureza, de manuscritos e livros antigos ou raros são obrigados a um registro especial no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cumprindo-lhes outrossim apresentar semestralmente ao mesmo relações completas das coisas históricas e artísticas que possuírem.
Art. 27. Sempre que os agentes de leilões tiverem de vender objetos de natureza idêntica à dos mencionados no artigo anterior, deverão apresentar a respectiva relação ao órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob pena de incidirem na multa de cincoenta por cento sôbre o valor dos objetos vendidos.
Art. 28. Nenhum objéto de natureza idêntica à dos referidos no art. 26 desta lei poderá ser posto à venda pelos comerciantes ou agentes de leilões, sem que tenha sido préviamente autenticado pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou por perito em que o mesmo se louvar, sob pena de multa de cincoenta por cento sôbre o valor atribuido ao objéto.
Parágrafo único. A. autenticação do mencionado objeto será feita mediante o pagamento de uma taxa de peritagem de cinco por cento sôbre o valor da coisa, se êstefôr inferior ou equivalente a um conto de réis, e de mais cinco mil réis por conto de réis ou fração, que exceder.
Art. 29. O titular do direito de preferência gosa de privilégio especial sôbre o valor produzido em praça por bens tombados, quanto ao pagamento de multas impostas em virtude de infrações da presente lei.
Parágrafo único. Só terão prioridade sôbre o privilégio a que se refere êste artigo os créditos inscritos no registro competente, antes do tombamento da coisa pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. 30. Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1937, 116º da Independência e 49º da República.
GETULIO VARGAS.
Gustavo Capanema.
Este texto não substitui o publicado no DOU de 6.12.1937
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Anexo B
Presidência da República
Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI No 3.924, DE 26 DE JULHO DE 1961.
Dispõe sôbre os monumentos arqueológicos e pré-históricos.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art 1º Os monumentos arqueológicos ou pré-históricos de qualquer natureza existentes no
território nacional e todos os elementos que nêles se encontram ficam sob a guarda e proteção do Poder Público, de acôrdo com o que estabelece o art. 175 da Constituição Federal.
Parágrafo único. A propriedade da superfície, regida pelo direito comum, não inclui a das
jazidas arqueológicas ou pré-históricas, nem a dos objetos nelas incorporados na forma do art. 152 da mesma Constituição.
Art 2º Consideram-se monumentos arqueológicos ou pré-históricos:
a) as jazidas de qualquer natureza, origem ou finalidade, que representem testemunhos de
cultura dos paleoameríndios do Brasil, tais como sambaquis, montes artificiais ou tesos, poços sepulcrais, jazigos, aterrados, estearias e quaisquer outras não espeficadas aqui, mas de significado idêntico a juízo da autoridade competente.
b) os sítios nos quais se encontram vestígios positivos de ocupação pelos paleoameríndios
tais como grutas, lapas e abrigos sob rocha;
c) os sítios identificados como cemitérios, sepulturas ou locais de pouso prolongado ou de
aldeiamento, "estações" e "cerâmios", nos quais se encontram vestígios humanos de interêsse arqueológico ou paleoetnográfico;
d) as inscrições rupestres ou locais como sulcos de polimentos de utensílios e outros
vestígios de atividade de paleoameríndios.
Art 3º São proibidos em todo o território nacional, o aproveitamento econômico, a destruição ou mutilação, para qualquer fim, das jazidas arqueológicas ou pré-históricas conhecidas como sambaquis, casqueiros, concheiros, birbigueiras ou sernambis, e bem assim dos sítios, inscrições e objetos enumerados nas alíneas b, c e d do artigo anterior, antes de serem devidamente pesquisados, respeitadas as concessões anteriores e não caducas.
Art 4º Tôda a pessoa, natural ou jurídica que, na data da publicação desta lei, já estiver
procedendo, para fins econômicos ou outros, à exploração de jazidas arqueológicas ou pré-históricas, deverá comunicar à Diretoria do Patrimônio Histórico Nacional, dentro de sessenta (60) dias, sob pena de multa de Cr$ 10.000,00 a Cr$ 50.000,00 (dez mil a cinqüenta mil
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cruzeiros), o exercício dessa atividade, para efeito de exame, registro, fiscalização e salvaguarda do interêsse da ciência.
Art 5º Qualquer ato que importe na destruição ou mutilação dos monumentos a que se
refere o art. 2º desta lei, será considerado crime contra o Patrimônio Nacional e, como tal, punível de acôrdo com o disposto nas leis penais.
Art 6º As jazidas conhecidas como sambaquis, manifestadas ao govêrno da União, por
intermédio da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de acôrdo com o art. 4º e registradas na forma do artigo 27 desta lei, terão precedência para estudo e eventual aproveitamento, em conformidade com o Código de Minas.
Art 7º As jazidas arqueológicas ou pré-históricas de qualquer natureza, não manifestadas e
registradas na forma dos arts. 4º e 6º desta lei, são consideradas, para todos os efeitos bens patrimoniais da União.
CAPÍTULO II Das escavações arqueológicas realizadas por particulares
Art 8º O direito de realizar escavações para fins arqueológicos, em terras de domínio público ou particular, constitui-se mediante permissão do Govêrno da União, através da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ficando obrigado a respeitá-lo o proprietário ou possuidor do solo.
Art 9º O pedido de permissão deve ser dirigido à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, acompanhado de indicação exata do local, do vulto e da duração aproximada dos trabalhos a serem executados, da prova de idoneidade técnico-científica e financeira do requerente e do nome do responsável pela realização dos trabalhos.
Parágrafo único. Estando em condomínio a área em que se localiza a jazida, sòmente poderá requerer a permissão o administrador ou cabecel, eleito na forma do Código Civil.
Art 10. A permissão terá por título uma portaria do Ministro da Educação e Cultura, que será transcrita em livro próprio da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e na qual ficarão estabelecidas as condições a serem observadas ao desenvolvimento das escavações e estudos.
Art 11. Desde que as escavações e estudos devam ser realizados em terreno que não pertença ao requerente, deverá ser anexado ao seu pedido o consentimento escrito do proprietário do terreno ou de quem esteja em uso e gôzo desse direito.
§ 1º As escavações devem ser necessàriamente executadas sob a orientação do permissionário, que responderá, civil, penal e administrativamente, pelos prejuízos que causar ao Patrimônio Nacional ou a terceiros.
§ 2º As escavações devem ser realizadas de acôrdo com as condições estipuladas no instrumento de permissão, não podendo o responsável, sob nenhum pretexto, impedir a inspeção dos trabalhos por delegado especialmente designado pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, quando fôr julgado conveniente.
§ 3º O permissionário fica obrigado a informar à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, trimestralmente, sôbre o andamento das escavações, salvo a ocorrência de fato excepcional, cuja notificação deverá ser feita imediatamente, para as providências cabíveis.
Art 12. O Ministro da Educação e Cultura poderá cassar a permissão, concedida, uma vez que:
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a) não sejam cumpridas as prescrições da presente lei e do instrumento de concessão da licença;
b) sejam suspensos os trabalhos de campo por prazo superior a doze (12) meses, salvo motivo de fôrça maior, devidamente comprovado;
c) no caso de não cumprimento do § 3º do artigo anterior.
Parágrafo único. Em qualquer dos casos acima enumerados, o permissionário não terá direito à indenização alguma pelas despesas que tiver efetuado.
CAPÍTULO III
Das escavações arqueológicas realizadas por instituições, científicas especializadas da União dos Estados e dos Municípios
Art 13. A União, bem como os Estados e Municípios mediante autorização federal, poderão proceder a escavações e pesquisas, no interêsse da Arqueologia e da pré-história em terrenos de propriedade particular, com exceção das áreas muradas que envolvem construções domiciliares.
Parágrafo único. À falta de acôrdo amigável com o proprietário da área onde situar-se a jazida, será esta declarada de utilidade pública e autorizada a sua ocupação pelo período necessário à execução dos estudos, nos têrmos do art. 36 do Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941.
Art 14. No caso de ocupação temporária do terreno, para realização de escavações nas jazidas declaradas de utilidade pública, deverá ser lavrado um auto, antes do início dos estudos, no qual se descreva o aspecto exato do local.
§ 1º Terminados os estudos, o local deverá ser restabelecido, sempre que possível, na sua feição primitiva.
§ 2º Em caso de escavações produzirem a destruição de um relêvo qualquer, essa obrigação só terá cabimento quando se comprovar que, dêsse aspecto particular do terreno, resultavam incontestáveis vantagens para o proprietário.
Art 15. Em casos especiais e em face do significado arqueológico excepcional das jazidas, poderá ser promovida a desapropriação do imóvel, ou parte dêle, por utilidade pública, com fundamento no art. 5º, alíneas K e L do Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941.
Art 16. Nenhum órgão da administração federal, dos Estados ou dos Municípios, mesmo no caso do art. 28 desta lei, poderá realizar escavações arqueológicas ou pré-históricas, sem prévia comunicação à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, para fins de registro no cadastro de jazidas arqueológicas.
Parágrafo único. Dessa comunicação deve constar, obrigatòriamente, o local, o tipo ou a designação da jazida, o nome do especialista encarregado das escavações, os indícios que determinaram a escolha do local e, posteriormente, uma súmula dos resultados obtidos e do destino do material coletado.
CAPÍTULO IV Das descobertas fortuitas
Art 17. A posse e a salvaguarda dos bens de natureza arqueológica ou pré-histórica constituem, em princípio, direito imanente ao Estado.
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Art 18. A descoberta fortuita de quaisquer elementos de interêsse arqueológico ou pré-histórico, histórico, artístico ou numismático, deverá ser imediatamente comunicada à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou aos órgãos oficiais autorizados, pelo autor do achado ou pelo proprietário do local onde tiver ocorrido.
Parágrafo único. O proprietário ou ocupante do imóvel onde se tiver verificado o achado, é responsável pela conservação provisória da coisa descoberta, até pronunciamento e deliberação da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art 19. A infringência da obrigação imposta no artigo anterior implicará na apreensão sumária do achado, sem prejuízo da responsabilidade do inventor pelos danos que vier a causar ao Patrimônio Nacional, em decorrência da omissão.
CAPÍTULO V
Da remessa, para o exterior, de objetos de interêsse arqueológico ou pré-histórico, histórico, numismático ou artístico
Art 20. Nenhum objeto que apresente interêsse arqueológico ou pré-histórico, numismático ou artístico poderá ser transferido para o exterior, sem licença expressa da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, constante de uma "guia" de liberação na qual serão devidamente especificados os objetos a serem transferidos.
Art 21. A inobservância da prescrição do artigo anterior implicará na apreensão sumária do objeto a ser transferido, sem prejuízo das demais cominações legais a que estiver sujeito o responsável.
Parágrafo único. O objeto apreendido, razão dêste artigo, será entregue à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
CAPÍTULO VI
Disposições Gerais
Art 22. O aproveitamento econômico das jazidas, objeto desta lei, poderá ser realizado na forma e nas condições prescritas pelo Código de Minas, uma vez concluída a sua exploração científica, mediante parecer favorável da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ou do órgão oficial autorizado.
Parágrafo único. De tôdas as jazidas será preservada sempre que possível ou conveniente, uma parte significativa, a ser protegida pelos meios convenientes, como blocos testemunhos.
Art 23. O Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas encaminhará à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional qualquer pedido de cientista estrangeiro, para realizar escavações arqueológicas ou pré-históricas, no país.
Art 24. Nenhuma autorização de pesquisa ou de lavra para jazidas, de calcáreo de concha, que possua as características de monumentos arqueológicos ou pré-históricos, poderá ser concedida sem audiência prévia da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art 25. A realização de escavações arqueológicas ou pré-históricas, com infringência de qualquer dos dispositivos desta lei, dará lugar à multa de Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros) a Cr$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros), sem prejuízo de sumária apreensão e conseqüente perda, para o Patrimônio Nacional, de todo o material e equipamento existentes no local.
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Art 26. Para melhor execução da presente lei, a Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional poderá solicitar a colaboração de órgãos federais, estaduais, municipais, bem como de instituições que tenham, entre os seus objetivos específicos, o estudo e a defesa dos monumentos arqueológicos e pré-históricos.
Art 27. A Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional manterá um Cadastro dos monumentos arqueológicos do Brasil, no qual serão registradas tôdas as jazidas manifestadas, de acôrdo com o disposto nesta lei, bem como das que se tornarem conhecidas por qualquer via.
Art 28. As atribuições conferidas ao Ministério da Educação e Cultura, para o cumprimento desta lei, poderão ser delegadas a qualquer unidade da Federação, que disponha de serviços técnico-administrativos especialmente organizados para a guarda, preservação e estudo das jazidas arqueológicas e pré-históricas, bem como de recursos suficientes para o custeio e bom andamento dos trabalhos.
Parágrafo único. No caso dêste artigo, o produto das multas aplicadas e apreensões de material legalmente feitas, reverterá em benefício do serviço estadual organizado para a preservação e estudo dêsses monumentos.
Art 29. Aos infratores desta lei serão aplicadas as sanções dos artigos 163 a 167 do Código Penal, conforme o caso, sem prejuízo de outras penalidades cabíveis.
Art 30. O Poder Executivo baixará, no prazo de 180 dias, a partir da vigência desta lei, a regulamentação que fôr julgada necessária à sua fiel execução.
Art 31. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, em 26 de julho de 1961; 140º da Independência e 73º da República.
JÂNIO QUADROS Brígido Tinoco Oscar Pedroso Horta Clemente Mariani João Agripino
Este texto não substitui o publicado no DOU de 27.7.1961 e retificado em 28.7.1961
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Anexo C
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Anexo D