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Caminhos Carroçáveis

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This eBook is part of the MMXI Edition by Bia Simonassi, Switzerland 2011.

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“A esta humanidade que insanamente parece buscar a concretização

de um caos apocalíptico, esquecida de Deus e de seus próprios filhos.”

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Based on the novel “Vão das Almas”,by Hermilo Souto Nóbrega, Brasilia, 1978.

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Há várias horas,a Variant deixara a rodovia, enveredando porcaminhos carroçáveis,aos solavancos, raspandoo capinzal que cresceem ambos os lados da trilha.

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Desde a última ponte de madeira lavrada

e já bastante estragada,o terreno tornara-se mais acidentado e, agora,

o veículo encontra dificuldade

para prosseguir sobre

pedras e erosões.

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Alfredo para o carro.O suor banhando-lhe o rosto aflito.

Estica o pescoçoe pesquisa as laterais e a frente do carro.Por fim, abre a porta e sai da Variant.

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Constância,

ligeiramente pálida, aguarda, em silêncio,que o companheiro se manifestedepois da louca investida no cerrado,em busca da fazenda do Amigo Tião Branco.

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Seu pensamento vagaentre as atitudes de Alfredo,

ao volante –o rosto alegre, porém os olhosestranhamente inquietos –e o apartamento em Brasília,onde ficaram as duas filhas aos cuidados da sogra.

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- Constância, acho melhor deixarmos o carro aqui.A fazenda não deve estar muito longe.

Vamos a pé mesmo.A estrada está muito ruim para prosseguirmos de carro.

Depois eu volto com o Tiãoe a gente leva as bagagens.

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A esposa não diz palavra,pensando, ensimesmada,que esta inesperada visita à fazenda,

distante 200 quilômetrosa noroeste de Alto Paraíso,

é uma temeridade.

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Procura mas não encontra justificativa

para estas fériastão repentinase para a insistência do marido

em gozá-las justo nafazenda do amigo Tião.

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Agora ele quer ir a pé.Ainda bem que, a esta hora do dia,

o sol não está tão quentee talvez a sede da fazendadiste apenas uns dois ou três

quilômetros.

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Toma da sacola que sempre leva a tiracolo,

quando anda pelo campo,fecha a janela, sai do carro,tranca a porta e segue o marido,

que já se distanciaa passos largos.

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Têm de atravessar pequeno córrego,

passando sobre pedrasque servem de ponte.Mais adiante, uma placa, colocada no início

de íngrime vereda,indica que o caminho desce

a encosta do morro, perdendo-se em uma mata próxima.

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Não tem mais dúvida.Estão no caminho certo,pois a placa indica, em letras legíveis:

“Fazenda do Tião”.Fica tranquila, despreocupa-see deixa que o pensamento volteao apartamento, em Brasília, enquantoacompanha o marido vereda abaixo.

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Revê a sala ampla, a cozinha bem instaladae a copa com azulejos até o teto.

Em pensamento, percorre cômodo por cômodoe um arrepio varre-lhe a espinha,ao lembrar o quarto de

hóspedes...

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Ali, está de volta por força de sua imaginação,

o cunhado,jornalista de profissãoe poeta nas horas vagas.Como ele é diferente do Alfredo!Um intelectual afeito às boas leituras,à música, à poesia e às artes plásticas.Uma potência intelectual, o velho Ary!

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Recorda, então, que,quando moça,ficara na dúvida se o namoravaou se aceitava a corteque lhe fazia o irmão mais novo.Acabou se casando com Alfredo,

esportista amadore alto funcionário do Banco do Estado.

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Agora têm de atravessar um ribeirão,

passando por cima de duas

longarinasde quase dois metros de vão livre.

Coisa muito comumno interior de Goiás.

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- Foi bom virmos a pé,pois eu não passaria com o carropor aqui nem que me pagassem.

Vamos!A fazenda deve estar perto...

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Depois do casamento,o tempo correu célere e, com ele, vieram as duas filhas.“Não há bem que sempre dure,nem mal que nunca se acabe”,já lhe dizia o avô materno,

quando menina.E assim aconteceu.

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A felicidade começou a sumir quando,

já em Brasília, Alfredo perdeu o cargo de chefia,passando a ser simplesfuncionário no banco.A degringolada financeira foi totale ela passou a lecionar Português nos colégios do Governopara ajudar nas despesas domésticas.

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Juntos, conseguiram deter aavalanche econômicae voltaram a ter uma vida tranquila

ainda que modesta.Compraram a Variant e, com ela,começaram os passeios a clubes,cidades dos arredores,fazendas e sítios dos amigos e conhecidos.

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Caminham pela veredaaberta no meio do capim,durante mais de uma hora.No fim da campina, penetram em densa floresta,

em cujo seio um riacho rola suas águas

sobre pedras negras,saltando em rápidas corredeiras,a zoada ecoando com estardalhaço

entre as árvores.

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O córrego faz uma grande curva para a esquerda

e eles seguem em frente,pela trilha existente, de difícil passagem,

como se há muito temponão tivesse sido utilizada.Absorta ao caminhar, Constância relembraque já tem trinta anos.

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Contudo, conserva o vigorda mocidade, mesmo depois das

recentes decepçõesque lhe marcaram profundamento o espírito.Não descuida da apresentação pessoal,os cabelos longos, soltos sobre os ombros,

ondulando ao vento.Os olhos destacam-se no rosto rosado de nariz afilado,

ligeiramente arrebitado, sobrancelhas bem feitas

e boca de lábios delicados e sensuais.

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As filhas tinham-lhe copiadoos doces traços fisionômicos,

a alegria fácile a inteligência aberta para o aprendizado.Não lhe causavam nenhuma preocupaçãoe enchiam de alegria e prazer

os afazeres do lar.

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Súbito, a decepção e o

sofrimento:casualmente conversandocom uma amiga, no clube, ficou sabendo que

Alfredo tinha uma outra

mulher,que, inclusive, já lhe dera um casal de filhos.

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O escândalo,à saída do clube, foi inevitávele o vexame os levou a cogitar o divórcio.

A existência das filhas,porém, evitou que se efetivasse o fato,mas os dois, desde então, ficaram praticamente

sem diálogo,vivendo “juntos” como dois seresque tinham apenas responsabilidades sociais a cumprir.

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Os raios de solinfiltram-se com dificuldade entre as copas das

grandes árvores,quando Constância dá mostras de cansaço,

mal podendo acompanhar oslargos passos do marido.Não aguentando mais,resolve sentar-se sobre um tronco caído.

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- Cansou?Olha, segundo o Tião me disse,a fazenda fica no fim desta mata.

Você espera aquique eu volto logo com o Jeep da fazenda

para buscar você, certo?

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Alfredo não espera resposta.

Apressa os passose desaparece na primeira curva da trilha.

As vozes da naturezapassam a ser companheiras de Constância,

cujos pensamentosnovamente estão voltados para osdissabores registrados no apartamento.

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