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Grafite de Banksy em South Bank, bairro situado na margem esquerda do rio Tâmisa, em Londres, Inglaterra, em foto de 2004. No muro está escrito: SEMPRE HÁ ESPERANÇA. TULO 10 - Temas Contemporâneos da Sociol

Capítulo 10 - Temas Contemporâneos da Sociologia

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Page 1: Capítulo 10 - Temas Contemporâneos da Sociologia

Grafite de Banksy em South Bank, bairro situado na margem esquerda do rio Tâmisa, em Londres, Inglaterra, em foto de 2004. No muro está escrito: SEMPRE HÁ ESPERANÇA.

CAPÍTULO 10 - Temas Contemporâneos da Sociologia

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Neste capítulo vamos discutir:

1 - Tempos de Mudança;

2 - A Revolução Informacional;

3 - Valorização e financeirização do capital;

4 - Modernidade e pós-modernidade;

5 - As sociologias de Bourdieu e de Habermas.

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Nos últimos anos, as sociedades capitalistas passaram por fortes mudanças sociais. A produção industrial foi reestruturada pela microeletrônica e pela robótica, alterando a relação do trabalhador com o tempo de produção, isto é, com a intensidade do trabalho. As formas de governo também se reestruturaram. Observou-se o fim gradativo do Estado de Bem-Estar Social e a constituição de políticas neoliberais. Somaram-se às ações coletivas dos trabalhadores da indústria novos tipos de ação política, não diretamente ligadas ao universo do trabalho. Ou seja, aos sindicatos e partidos da classe trabalhadora, juntaram-se novas formas de organização política baseadas, por exemplo, em questões étnicas, raciais, religiosas e de gênero.O fim do século XX e o início do século XXI foram marcados por um conjunto de transformações econômicas, políticas e ideológicas que pareciam apontar para a construção de uma nova sociedade, regida por princípios distintos daqueles que haviam sido hegemônicos até as décadas de 1960 e 1970. Entretanto, essas mesmas transformações acabaram por reproduzir a velha forma da estrutura social capitalista: o novo ainda estava impregnado do velho.A velha sociedade capitalista se reinventou, mas continuou reproduzindo suas características mais centrais de divisão em classes sociais, de exploração e dominação do trabalho, de produção do lucro e de sua apropriação privada. Ela se reconfigurou internamente para manter seus objetivos baseados na produção e no consumo de mercadorias. Aparentemente tudo teria se transformado, mas, de fato, pouco mudou.

1 - TEMPOS DE MUDANÇA

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VOCÊ JÁ PENSOU NISTO?Entre inúmeros produtos de consumo, os computadores se tornaram essenciais para a organização pessoal e profissional de muitas pessoas. Durante boa parte do século XX, as indústrias de computadores e os centros de pesquisa especializados nessa área se limitavam à questão da durabilidade e funcionalidade de seus produtos. Hoje, apesar do intenso desenvolvimento das tecnologias, que permitem navegar na internet e usar vários softwares ao mesmo tempo, continua sendo necessária a substituição de produtos. Assim, sempre temos que comprar novas máquinas, novos programas, novas tecnologias. Se a ciência e a tecnologia chegaram a um padrão de eficiência tão alto, por que ainda precisamos adquirir novos produtos? Em que medida a transformação científica e tecnológica alterou a vida das pessoas? Procure refletir sobre a relação entre as transformações tecnológicas e a transformação das relações sociais. A tecnologia não deveria nos trazer horas vagas para o lazer? Por que esse processo acaba por intensificar o trabalho de uma parcela da população?

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Circuito integrado com microchip. Foto de 2010. Microcomputador doméstico lançado em 1977.

ENIAC – O primeiro computador eletrônico. Tinha como principal finalidade fazer cálculos balísticos. Esta máquina não tinha sistema operacional e seu funcionamento era parecido com uma calculadora simples de hoje.

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2 - A Revolução InformacionalO desenvolvimento científico e tecnológico inspirou vários autores desde a Revolução Industrial. Novos sujeitos sociais, modos de produção, novas práticas políticas, novos tipos de sociedade, de organização da produção, de formas de ação política coletiva foram estudados com base no avanço, no progresso ou no desenvolvimento científico e tecnológico. Essas análises foram particularmente influenciadas por uma leitura de Karl Marx sobre a relação entre forças produtivas e relações de produção. Para ele, as forças produtivas, isto é, aquilo que se apresenta como elemento da transformação social, são limitadas pelas relações de produção capitalistas. Dessa forma, as relações sociais capitalistas impedem que as forças produtivas (por exemplo, a ciência e a tecnologia) avancem, já que esse avanço não condiz com os interesses sociais do capitalismo. Assim, a transformação da sociedade se identifica com as forças produtivas enquanto a conservação social se identifica com as relações de produção. Existem no capitalismo forças produtivas capazes de produzir o necessário para toda a população do planeta. No entanto, esse desenvolvimento não interessa às relações de produção, que preferem manter o desenvolvimento limitado aos interesses do capital, restringindo o acesso e a socialização dos produtos. Com a reestruturação produtiva dos anos 1960 e 1970, esse tema volta ao centro da discussão sociológica. As novas tecnologias da informação, distintas das tecnologias anteriores, pareciam dar outro sentido às sociedades contemporâneas, na medida em que abriam novas formas de participação social e política aos indivíduos. Falou-se de uma REVOLUÇÃO INFORMACIONAL, que teria transformado a base produtiva do capitalismo.

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Diferente da Revolução Industrial, que se caracterizou como uma revolução da indústria e teve seu foco no trabalho realizado nas máquinas, a Revolução Informacional teria como base de produção não mais a matéria física, mas a informação. Enquanto a Revolução Industrial se caracteriza pela transformação de um produto com base no trabalho manual, na Revolução Informacional o trabalho intelectual predomina e não se limita à indústria, mas está presente em todos os setores da economia.Em seu livro A Revolução Informacional , o sociólogo francês Jean Lojkine (1939-) entende que esse tipo de produção não é fruto apenas de uma transformação tecnológica. Para esse autor, não se trata da simples utilização da informática em atividades de formação, comunicação e gestão, mas sim de uma mudança na utilização humana da informação.

Charge de 2006 criada por Patrick Chappatte (1967-), nascido em Karachi, no Paquistão, cartunista que publica seus desenhos em vários jornais europeus.

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A questão central para entender o trabalho informacional na produção ou nos serviços tem relação com as formas de liberação do trabalhador. Para Lojkine, muitas foram as tentativas de controlar esse tipo de atividade de forma taylorista, isto é, retirando os saberes dos trabalhadores e os transferindo para a gerência. Mas essas tentativas não tiveram êxito, já que as atividades criadas pela Revolução Informacional se apoiam na produção e troca de informações por meio das tecnologias da informação. Segundo alguns autores, ocorreu uma diferença significativa na utilização das tecnologias da informação, pois, diferentemente das tecnologias tradicionais, as NTICs (novas tecnologias da informação e comunicação) não se caracterizam como um processo de substituição de trabalhadores por máquinas. Para Lojkine, essas tecnologias são diferentes na medida em que demandam uma interatividade do trabalhador com a máquina, tendo a invenção humana um papel central nesse processo.Apesar da criação de novas qualificações profissionais, inclusive algumas que retomam a capacidade intelectual do trabalhador, o que deve ser ressaltado é o grau em que esses trabalhos podem ou não fazer parte de escolhas e estruturas gerenciais alheias à intervenção do trabalhador. Nesse sentido, a pergunta central seria: a Revolução Informacional é de fato um processo de libertação do trabalhador em relação a atividades penosas e enfadonhas ou não passa de um processo de intensificação do trabalho, que agora também controla as formas de produção intelectual? Levemos em conta que toda transformação tecnológica não tem fundamentação neutra, mas obedece aos interesses da sociedade. Nesse sentido, a produção informacional parece estar longe de libertar os trabalhadores dos atuais padrões de exploração e dominação social.

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3. VALORIZAÇÃO E FINANCEIRIZAÇÃO DO CAPITALNas últimas décadas, as sociedades capitalistas se estruturaram com base em um processo de financeirização do capital. A valorização do capital baseada na extração de mais-valia e na exploração da força de trabalho (visto no capítulo 7) foi avolumada por um processo que já se observava desde o final do século XIX e que nas últimas décadas tornou-se economicamente hegemônico: o acúmulo de riquezas desenvolvido por mecanismos e canais financeiros e não apenas por meio das atividades produtivas (na indústria, no comércio e na agricultura).Formaram-se no século XIX os bancos e a figura do capitalista que comercializa dinheiro, isto é, o capitalista financeiro. Tomar dinheiro emprestado de um banco é uma forma estrutural de valorizar o capital. O capitalista industrial faz isso a fim de investir na produção com o objetivo de lucrar por meio da exploração do trabalho. Com esse lucro, o capitalista industrial paga os juros para o capitalista financeiro. Mas tanto o lucro quanto o juro são frutos da mais-valia produzida.Na prática, o capitalista financeiro aumenta o lucro do capitalista industrial quando lhe dá um crédito. O problema é que além de potencializar a acumulação capitalista, esse crédito do banco dá origem ao capital fictício. E como Marx define o capital fictício? De um lado, o empréstimo é aplicado no processo de produção para gerar mais-valia, isto é, o dinheiro emprestado é considerado produtor de juros. No entanto, nem todo empréstimo é aplicado à produção. Marx chama essa forma de dinheiro emprestado que não entra no processo de geração de mais-valia de capital fictício.

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O desenvolvimento da financeirização nas últimas décadas faz com que a finança prevaleça em relação à produção de mercadorias. Isto é, os valores negociados no mercado de ações são superiores àqueles gerados pelas atividades produtivas. Para observar esse fenômeno, basta considerar o Produto Interno Bruto (PIB) de determinados países e compará-los aos valores negociados em suas bolsas de valores. Do final da década de 1970 até meados da primeira década do século XXI, os valores negociados nas bolsas foram muito superiores ao valor dos PIBs de todos os países de economia capitalista desenvolvida. Há, portanto, uma diferença entre a produção real e o que se negocia na forma de títulos e ações; isto é, entre a valorização real e o capital fictício. Assim, a valorização das ações de uma empresa não está relacionada diretamente a seu lucro ou perda em um período específico, mas sim à avaliação na Bolsa de Valores. O que importa é a avaliação da bolsa sobre o lucro ou perda e não o aumento ou redução da lucratividade da empresa.

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Dia 4 de agosto de 2011, às 16h30: funcionários da Bovespa observam o painel de ações e o gráfico do índice de queda no prédio da bolsa, no centro de São Paulo. A preocupação com uma nova onda de recessão global, puxada pela estagnação da economia dos Estados Unidos e também devido a problemas fiscais em países da zona do euro, levou as bolsas ao redor do mundo a despencarem nessa quinta-feira. No Brasil, a Bovespa chegou a cair mais de 6% por volta das 13h.

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Algumas ações aumentam de valor sem que haja um aumento proporcional da produção real. O economista francês François Chesnais (1934-) convencionou chamar o período de avanço da finança de mundialização do capital. Um processo que se define pela liberalização de capitais pelo mundo, ou seja, pela possibilidade de captação de recursos financeiros em diferentes mercados. No livro A mundialização do capital, Chesnais analisa o capitalismo de hoje para demonstrar o caráter destrutivo das forças econômicas atuantes a partir da década de 1980.Essa liberdade de investimento capitalista permitiu uma movimentação de capitais pelo mundo, desenvolvendo amplamente a valorização do capital fictício, sobretudo nos países mais ricos. Entretanto, essa valorização é interrompida quando ocorre queda de salários e de investimentos. Com isso foram multiplicadas as crises nos anos 1990 e na primeira década do século XXI.Para a economista brasileira Maria de Lourdes Mollo (1951-), estamos vivendo um período em que o processo de financeirização das economias parece ter chegado ao seu limite. De qualquer forma, é importante considerar a intrínseca relação entre capital industrial e capital financeiro. Desde sua origem, o desenvolvimento capitalista teve sua base estruturada nessa relação, que se aprofundou com a liberalização dos fluxos de capital nas últimas décadas. A contenção ou o desenvolvimento de um desses polos (capital industrial e capital financeiro), intrinsecamente complementares da economia capitalista, depende da participação decisiva do Estado. Exemplos disso são os empréstimos públicos dos Estados Unidos para salvar determinados bancos da falência.

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4 - MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADEComo categoria de uma época, modernidade designa o período chamado iluminista, que se inicia no século XVIII e está relacionado a um projeto intelectual que tem como base o desenvolvimento científico objetivo e autônomo. Em termos mais gerais, o objetivo iluminista foi estabelecer formas de conhecimento científico que permitissem estruturar a emancipação da humanidade. O esforço científico representava, assim, uma forma de ultrapassar as limitações impostas pela natureza. Além de superar a escassez e as necessidades físicas, o projeto iluminista pretendia ir além das formas de explicação religiosas, míticas e supersticiosas, estabelecendo a ciência e a razão como princípios norteadores do conhecimento humano.Hoje, é fácil reconhecer esse conjunto de ideias. A vida em sociedade permeada pelos princípios da modernidade. Podemos observá-los na economia, no direito, nas formas de organização burocrática e nas atividades profissionais. O que determina essas esferas da vida social como representativas da modernidade é a crença de que o desenvolvimento do progresso e da capacidade científica podem resolver todos os problemas da humanidade.Assim, a modernidade é entendida como expressão de uma época histórica marcada por um discurso que privilegia as formas de conhecimento científico universais e totalizantes, produtoras de interpretações teóricas abrangentes e homogeneizantes que procuram dar conta da história da humanidade como um todo. Já o pós-modernismo, privilegia a diferença, a diversidade, a fragmentação, a indeterminação, insurgindo-se contra universalização totalizantes da modernidade. Procura reconhecer as diferentes subjetividades, dando maior visibilidade a questões como gênero, raça, etnia, ambiente, sexo, questões territoriais, entre outras. Veja as fotos a seguir

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Manifestantes se dirigem ao Pentágono, em Washington, D.C., capital dos Estados Unidos, no dia 21 de março de 2009, em passeata contra a guerra do Iraque.

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Manifestantes durante greve geral de 24 horas no porto de Tessalônica, Grécia, em 18 de outubro de 2012. Cerca de 17 mil pessoas fizeram manifestações durante a segunda greve geral do mês em protesto às medidasde austeridade tomadas pelo governo do país.

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Em 2 de janeiro de 2012, quilombolas da comunidade Rio dos Macacos protestam contra a Marinha, diante da Base Naval de Aratu, em Salvador, Bahia, onde estava hospedada a presidente Dilma Rousseff. Os quilombolas pediam apoio à causa do quilombo, que se defende na Justiça de ação da Marinha pela retomada da área. Em outubro de 2012, a Justiça Federal decidiu pela desocupação do território, mas a Defensoria Pública da União entrou com recurso. Entretanto, em janeiro de 2013, o juiz titular da 10ª Vara Federal manteve os efeitos da sentença que ordenou o despejo imediato dos quilombolas da comunidade Rio dos Macacos.

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Para muitos autores, a questão é se de fato superamos a época moderna, ou apenas teriam surgido novas condições sociais que negam os princípios da modernidade? Ou ainda, será que estamos presenciando uma radicalização da modernidade e equivocadamente identificando-a com uma época pós-moderna? Entre os autores interessados no tema, estão os britânicos Anthony Giddens, sociólogo, e David Harvey (1935-), geógrafo. Para Giddens, vivemos em uma época em que as consequências da modernidade se radicalizaram e não numa época pós-moderna. Ele aponta para um mundo fora de controle: as pretensões iluministas de domínio da natureza e da sociedade pela via do conhecimento e do progresso científico não se concretizaram.Segundo Giddens, a modernidade se funda em uma duplicidade sombria. Ao mesmo tempo em que cria uma estrutura de possibilidades e de oportunidades, fruto do desenvolvimento científico, promove também consequências degradantes como a exploração do trabalho, o autoritarismo no uso do poder político e as guerras. Com relação à pós-modernidade, Giddens indica uma de suas características centrais: a ausência de certezas no processo de conhecimento.Na perspectiva de David Harvey, o pós-moderno aparece como um reflexo das formas de produção e acumulação flexível típicas da era toyotista e de uma nova compreensão da relação espaço-tempo no capitalismo. No entanto, ao observar mais de perto as transformações sociais, Harvey nota uma reprodução das relações sociais fundadoras do capitalismo, isto é, não observa uma mudança estrutural que projetaria uma nova sociedade, seja ela pós-capitalista, seja pós-industrial.

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Segundo Harvey, as teses que defendem que vivemos numa época pós-moderna incorrem em alguns equívocos. O primeiro deles é a crítica a toda e qualquer argumentação universal e totalizante (noções vistas no capítulo 2 deste livro, na crítica dos pós-modernos ao conceito de cultura), que levam à impossibilidade de legitimar e validar cientificamente seu próprio discurso. Nesse sentido, as teorias pós-modernas que reivindicam a celebração da fragmentação, do efêmero, da simulação, aceitando as identidades dos grupos locais, acabam por não construir uma análise ampla das sociedades em que esses grupos estão presentes.Um segundo ponto levantado por Harvey se refere à questão do reconhecimento da alteridade (natureza ou condição do que é outro) e da autenticidade de grupos locais como expressões do pós-moderno. Ao mesmo tempo em que se reconhece a identidade de um grupo local, a alteridade e autenticidade desse grupo permanecem circunscritas apenas a seu espaço social, negando, com isso, a influência desses grupos em realidades mais amplas.Assim, Harvey entende que o resultado do discurso pós-moderno se caracteriza por um silêncio diante de questões relativas à economia política e às estruturas de poder global. Ele entende que há, na prática, uma radicalização da modernidade e não uma época pós-moderna propriamente dita. Essa radicalização pode ser observada na aceleração dos processos de produção e reprodução sociais nas sociedades capitalistas, sobretudo se analisamos a intensificação do trabalho para a geração de lucros. Harvey argumenta que o lado fragmentário, efêmero e caótico de nossas sociedades estruturou-se ao lado do progresso técnico e científico, o que caracterizaria muito mais uma crise da modernidade que a constituição de sociedades pós-modernas.

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As relações simbólicas e o habitus O sociólogo, antropólogo e filósofo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) foi um dos mais importantes intelectuais da segunda metade do século XX. Destacou-se por desenvolver uma análise das sociedades capitalistas que lançava um olhar para as trocas simbólicas e sua importância na determinação das práticas sociais, partindo do pressuposto de que as análises marxistas não contemplavam as relações simbólicas, detendo-se apenas nos bens materiais e buscando entender como a economia de bens simbólicos também influencia e sofre a influência da economia de bens materiais.Na visão de Bourdieu, bens simbólicos são um conjunto de práticas sociais regidas pelo poder e que são constituintes da dominação social, pois criam e legitimam hierarquias e divisões sociais. Por exemplo: nos ensinos profissionalizante e o acadêmico, a titulação cria um conjunto de práticas sociais estabelecidas por formas desiguais de poder. Para ele, como instituição reprodutora de bens simbólicos, a escola perpetua as desigualdades sociais, pois transmite aos estudantes a forma de conhecimento das classes dominantes, utilizando-se de um discurso aparentemente neutro e oficial. Há uma duplicação da desigualdade na escola: além de reproduzir a desigualdade social, a escola o faz de forma simbólica. Antes de terem acesso à escola, os indivíduos já se encontravam desigualmente distribuídos, em razão da desigualdade econômica. Quando entram na escola, essa desigualdade não apenas se reproduz como também se reforça, com base na internalização de saberes que obedecem ao padrão social das classes dominantes. Em outras palavras, para compreender as práticas sociais é necessário considerar a relação intrínseca entre bens simbólicos e econômicos.

5. AS SOCIOLOGIAS DE BOURDIEU E DE HABERMAS

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Pierre Bourdieu desenvolve uma sociologia que privilegia a análise da reprodução social. O autor apresenta o habitus como conceito sociológico capaz de qualificar a relação entre o agente e a sociedade, com base em uma estratificação de poder. O habitus pressupõe uma estrutura social e uma trajetória individual. Refere-se a um sistema de classificação que é anterior à ação do indivíduo. Lembremos Max Weber e sua qualificação dos tipos de ação social. Para Weber, toda ação social é orientada por ações sociais de outras pessoas e pela expectativa de como a ação individual será acolhida. O conceito de habitus de Bourdieu retoma, ao analisar as estruturas de distribuição de poder, um conjunto de situações que conformam e orientam a ação social mesmo que ela não seja consciente.O habitus pode ser compreendido como um padrão social de sensibilidade e de comportamento que orienta a ação dos indivíduos. A conexão entre as posições objetivas, materiais e culturais, e suas práticas sociais não se dá com base na consciência do agente, mas sim pelo habitus da posição social interiorizada. Nesse sentido, o habitus é um conjunto de práticas sociais que é incorporado de forma inconsciente pelos indivíduos. A sociologia de Bourdieu cumpre um papel decisivo na teoria social contemporânea por compreender a desigualdade social como síntese de práticas econômicas e simbólicas.

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Aula em escola pública de Recife (PE), 2012. Para Bourdieu, a escola reproduza forma de conhecimento das classes dominantes.

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SISTEMA E MUNDO DA VIDAFilósofo e sociólogo de origem alemã, Jürgen Habermas (1929-) é considerado um herdeiro do pensamento da Escola de Frankfurt. Em sua obra mais impactante nos últimos anos, Teoria do agir comunicativo, de 1981, ele faz uma revisão do pensamento clássico e procura criar uma nova base filosófica e sociológica visando compreender o processo de modernização social. Para ele, quanto mais racional uma sociedade, mais evoluída será, por um lado, no sentido da própria racionalização (Estado e mercado) e, por outro, no sentido de maior diferenciação das “esferas de valor” (arte, ciência, moral, política).Mais uma vez, recordemos Max Weber. Para Weber, as racionalidades burocrática e econômica são centrais nas sociedades capitalistas. Com isso, as ações sociais como meio de alcançar certos fins, que Habermas chama de estratégicas, predominam em relação a outros tipos de ação social. A orientação social que predomina é aquela do mercado e da organização burocrática, aquela que é empreendida sob a orientação de um fim previsto. Por exemplo: agir com o objetivo de produzir mais mercadorias para gerar lucro, de investir na Bolsa de Valores para obter um rendimento, ou, ainda, criar funções administrativas para melhor controlar os gastos públicos ou privados. Essas são formas de ação social que sintetizam a racionalidade instrumental. Habermas também as identificou como predominantes nas sociedades modernas, chamando-as, em conjunto, de “sistema”, em contraposição ao “mundo da vida”. Para esse autor, o “sistema” se refere à racionalidade instrumental (adequação de meios a fins) presente nas relações hierárquicas (poder político) e de troca (economia), enquanto o “mundo da vida” seria o domínio da reprodução simbólica, da linguagem, das redes de significado.

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Segundo Habermas, com o desenvolvimento das sociedades industriais uma forma de racionalidade acabou por se tornar hegemônica. A racionalidade instrumental, que tem por característica a relação entre os meios e os fins previamente estabelecidos, passou a vigorar como relação de conduta social predominante. A organização dos mecanismos, formas e meios adequados para se atingir um fim específico conforma, portanto, essa racionalidade instrumental e estratégica. Entretanto, também se desenvolve outra forma de racionalidade: a razão comunicativa. Ainda que submetida pela racionalidade instrumental — que organiza a economia, o mercado, a burocracia e o Estado com base no dinheiro e no poder —, a razão comunicativa (ou racionalidade comunicativa) organiza a identidade e a solidariedade, formas de associação diferentes daquelas em que predominam os interesses marcados pela racionalidade instrumental.Nesse sentido, a família e as associações voluntárias presentes na esfera pública se diferenciam das instituições e organizações políticas e administrativas direcionadas pela razão instrumental na medida em que se organizam com base na ação comunicativa. Se as ações sociais de natureza comunicativa estão concentradas na esfera pública, são os movimentos sociais que reorganizam as formas de participação democrática. Portanto, os movimentos sociais devem preservar as formas de solidariedade postas em risco pelo Estado ou pelas corporações capitalistas, exercendo o papel de atores sociais e políticos na defesa de um espaço autônomo e democrático. Tais atores sociais têm como objetivo a organização e a reprodução da cultura, sobretudo com base na formação de identidades e solidariedades coletivas.

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Uma questão importante que se coloca à teoria de Habermas diz respeito à contenção da tendência de desenvolvimento do dinheiro e do poder (do sistema) pelos movimentos sociais, isto é, a contenção da racionalidade instrumental pelo agir comunicativo. Marx, no Manifesto comunista, ao analisar o desenvolvimento da sociedade capitalista, afirmou que “tudo o que é sólido e estável se volatiza, tudo o que é sagrado é profanado”. Em outras palavras, a lógica de produção e reprodução da sociedade capitalista tende a invadir todos os espaços sociais. Nesse sentido, entender, como Habermas, que as formas da ação comunicativa (do mundo da vida) seriam capazes, com base na organização política de movimentos sociais, de conter esse avanço pressupõe que o processo de reinvenção e reorganização da economia capitalista em algum momento cederá a argumentos racionalmente defendidos na esfera pública. O objetivo de Habermas é compreender como as sociedades ocidentais estão organizadas e quais os efeitos desse processo de racionalização sobre os agentes sociais. Apesar do predomínio da lógica estratégica do mercado e do Estado, a ação comunicativa tem papel decisivo na constituição das formas de solidariedade e de identidade sociais. Na prática, Habermas admite um confronto constante entre a lógica instrumental (o “sistema”) e o agir comunicativo (o “mundo da vida”).

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Habermas entende que o sistema e o mundo da vida seriam formas sintéticas para qualificar a racionalidade instrumental e o agir comunicativo. Segundo ele, o ponto de encontro dessas duas lógicas distintas se daria nos espaços de disputa política. A lógica instrumental do mercado se apresenta como um processo em desenvolvimento. Ou seja, ainda há espaços sociais em que a razão instrumental não predomina, onde ainda prevalecem as relações de solidariedade e identidade social. Mas o desenvolvimento da racionalidade instrumental coloca esses espaços em risco. Ele identifica esse processo como uma forma de colonização do mundo da vida pelo sistema.O desenvolvimento de sistemas econômicos e administrativos de racionalidade instrumental tende a colonizar, com base no dinheiro e no poder, áreas de interação ainda não governadas por eles. Criam-se, dessa forma, conflitos sociais, já que essas áreas se caracterizam pela transmissão cultural, pela integração social e pela socialização, isto é, são dependentes de uma articulação social que se daria pelo entendimento mútuo. A partir dessas considerações, Habermas elege a esfera pública como um local onde os atores sociais, sobretudo os movimentos sociais, resistiriam ao desenvolvimento da racionalidade instrumental. Fundamentadas na linguagem e em argumentos discursivamente defendidos, os atores sociais se expressam e resistem ao avanço do sistema. Suas competências comunicativas são, assim, as formas privilegiadas de contenção da racionalidade estratégica.

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Em 1o de março de 2011, cerca de 1200 mulheres do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) bloquearam o quilômetro 709 da BR-101, no município de Eunápolis, extremo sul da Bahia. As mulheres fecharam a rodovia depois de ocupar uma fazenda pertencente a uma empresa de celulose. Reivindicando a desapropriação da terra para a reforma agrária, elas derrubaram centenas de pés de eucalipto e iniciaram a armação de barracas de lona e o plantio de feijão e milho. As redes de solidariedade, identidade e reivindicação coletiva dos movimentos sociais são fundamentais na análise de Habermas sobre as sociedades capitalistas.

Manifestantes durante a primeira Marcha das Vadias (SlutWalk, em inglês), realizada na região da avenida Paulista, no centro da capital paulista, São Paulo, em 4 de junho de 2011. O movimento se inspirou na SlutWalk que aconteceu em abril de 2011 em Toronto, no Canadá, quando alunas de uma universidade resolveram protestar depois que um policial sugeriu que elas evitassem se vestir como “vagabundas” para não serem vítimas de abuso sexual.

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Em 10 de junho de 2012, a Parada Gay chegou à sua 16ª edição, na avenida Paulista, na cidade de São Paulo, com o tema escolhido por votação em um concurso nas redes sociais: “Homofobia tem cura: educação e criminalização! Preconceito e exclusão, fora de cogitação”.

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FIM

Bibliografia:Sociologia HojeHenrique AmorimCelso Rocha de BarrosIgor José de Renó Machado

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FIM

Bibliografia:Sociologia HojeHenrique AmorimCelso Rocha de BarrosIgor José de Renó Machado