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O Cotidiano no Centro de Educação Infantil Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4 Brasília, janeiro de 2005

Cotidiano Na Educacao Infantil

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Convidamos todos vocês a percorrerem conosco um espaço muito importante, que chamamos “Educação Infantil”. São caminhos que passam por diversas abordagens dos conteúdos de Educação Infantil, oferencendo aos educadores várias possibilidades de despertarem para a sensibilidade e a sabedoria das crianças.

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O Cotidianono Centro de

Educação Infantil

Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 4

Brasília, janeiro de 2005

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Edições UNESCO

Conselho Editorial da UNESCO no BrasilJorge Werthein

Cecilia BraslavskyJuan Carlos Tedesco

Adama OuaneCélio da Cunha

Comitê para a Área de EducaçãoAlvana Bof

Candido GomesCélio da Cunha

Katherine GrigsbyMarilza Machado Regattieri

Os autores são responsáveis pela escolha e apresentaçãodos fatos contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas,

que não são necessariamente as da UNESCO, do Banco Mundiale da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, nem comprometem as Organizações.

As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo deste livronão implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCOa respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região

ou de suas autoridades, nem tampouco a delimitação de suas fronteiras ou limites.

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O Cotidianono Centro de

Educação Infantil

Série Fundo do Milênio para a Primeira InfânciaCadernos Pedagógicos – volume 4

Organização: OMEP

F U N D A Ç A OMAURICIO SIROTKY SOBRINHO

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Organização: Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar – OMEP, Brasil

Coordenação: Maria Helena Lopes

Elaboração:Elizabeth Amorin, Halei Cruz, Loide Pereira Trois, Maria Helena Lopes

Colaboração: Maria da Graça Horn, Vital Didonet

Revisão Técnica:UNESCO (Alessandra Schneider),

Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho (Alceu Terra Nascimento,Jéferson dos Santos, Márcio Mostardeiro)

Revisão: Ana Maria Marschall, Marise Campos

Capa:Edson Fogaça

Projeto Gráfico e Edição de Arte:Estúdio ADULTOS e CRIANÇAS CRIATIVAS

© UNESCO, 2005

O Cotidiano no Centro de Educação Infantil. – Brasília: UNESCO, Banco Mundial, Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, 2005.

94 p. – (Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância: Cadernos Pedagógicos; 4)

1. Educação infantil – Ensino de Ciências 2. Ensino de Ciências 3. Educação Pré-escolar – Ensino de Ciências I. UNESCO II. Série

CDD 372

BR/2005/PI/H/5

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Apresentação ........................................................................................................... 7

Introdução ............................................................................................................... 9

Educar versus cuidar .............................................................................................. 11Elizabeth Amorim

Entrando em um novo mundo................................................................................ 17Elizabeth Amorim

Agressividade e limites: possibilidades de intervenção............................................ 23Loide Pereira Trois

Saúde da criança.................................................................................................... 31Halei Cruz

Organização do tempo e do espaço ...................................................................... 51Elizabeth Amorim

A pedagogia de projetos e a mediação do educador .............................................. 61Elizabeth Amorim e Maria Helena Lopes

Proposta pedagógica e relações centro infantil, família e comunidade .................... 75Elizabeth Amorim e Maria Helena Lopes

Acompanhamento e avaliação das crianças no centro infantil ................................ 85Elizabeth Amorim

Sumário

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ApresentaçãoO novo ordenamento legal, inaugurado pela Constituição Federal de 1988, assegura à criança

brasileira o atendimento em creche e pré-escola e, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes eBases da Educação Nacional, em 1996, a Educação Infantil passa a ser definida como a primeiraetapa da Educação Básica. Essa importante conquista nacional reitera um dos postulados daDeclaração Mundial de Educação para Todos, firmada em Jomtien, no ano de 1990, de que aaprendizagem ocorre desde o nascimento e requer educação e cuidado na primeira infância.

Nas últimas décadas, várias pesquisas têm demonstrado que os primeiros seis anos de vidade uma criança se constituem em período de intenso aprendizado e desenvolvimento, em quese assentam as bases do “aprender a conhecer”, “aprender a viver junto”, “aprender a fazer” e“aprender a ser”. O atendimento educacional de qualidade, nessa fase da vida, tem umimpacto extremamente positivo no curto, médio e longo prazo, gerando benefícioseducacionais, sociais e econômicos mais expressivos do que qualquer outro investimento naárea social. Melhor desempenho na escolaridade obrigatória, menores taxas de reprovação eabandono escolar, bem como maior probabilidade de completar o ensino médio foramobservados entre os que tiveram acesso à educação infantil de qualidade, quando comparadosaos que não tiveram essa oportunidade. A freqüência a instituições de educação infantil afetapositivamente o itinerário de vida das crianças, contribuindo significativamente para a suarealização pessoal e profissional.

Esse reconhecimento levou as nações a assumirem em Dacar, em 2000, entre os compro-missos pela Educação para Todos, a meta de ampliar a oferta e melhorar a qualidade daeducação e dos cuidados na primeira infância, com especial atenção às crianças em situaçãode vulnerabilidade. Essa é uma das seis metas expressas no Marco de Ação de Dacar, do qual oBrasil é um dos signatários, sendo a UNESCO a instituição das Nações Unidas que tem, entresuas atribuições, a de apoiar os países no cumprimento dessa agenda.

Em 2003, a Representação da UNESCO no Brasil, o Banco Mundial e a Fundação MaurícioSirotsky Sobrinho firmaram parceria para a realização do Programa Fundo do Milênio para aPrimeira Infância em alguns estados do País. Esse desafio foi lançado pelo Banco Mundial eprontamente acolhido pela UNESCO e pela Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, que com-partilham a firme convicção de que garantir uma educação de qualidade desde os primeirosanos de vida é um dos mais importantes investimentos que uma nação pode fazer.

O Programa Fundo do Milênio para a Primeira Infância tem como principal objetivo a qualifica-ção do atendimento em creches e pré-escolas, preferencialmente da rede privada sem fins

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lucrativos, isto é, de instituições comunitárias, filantrópicas e confessionais que atendem crianças emsituação de vulnerabilidade social. A principal estratégia do programa é a formação em serviço dosprofissionais de Educação Infantil, considerando que a qualificação do educador é reconhecidamenteum dos fatores mais relevantes para a promoção de padrões de qualidade adequados na educação,qualquer que seja o nível, a etapa ou a modalidade. No caso da Educação Infantil, em que oprofissional tem a dupla responsabilidade de cuidar e educar bebês e crianças de até seis anos, suaformação é uma das variáveis que maior impacto causa sobre a qualidade do atendimento.

A série Fundo do Milênio para a Primeira Infância – Cadernos Pedagógicos constitui-se emimportante recurso à formação continuada dos educadores. Seus quatro volumes, a saber, Olha-res das Ciências sobre as Crianças; A Criança Descobrindo, Interpretando e Agindo sobre oMundo; Legislação, Políticas e Influências Pedagógicas na Educação Infantil e O Cotidiano noCentro de Educação Infantil, apresentam as principais temáticas relativas à aprendizagem e aodesenvolvimento infantil.

Pretende-se, portanto, que o presente volume e os demais dessa série constituam-se em importanteferramenta de trabalho para os profissionais da área de Educação Infantil, proporcionando o acesso anovos e atualizados conhecimentos, a reflexão crítica e a construção de práticas inovadoras àqueles quetêm em suas mãos a difícil e apaixonante tarefa de educar nossas crianças.

Desejamos, ainda, compartilhar essa realização com a Organização Mundial de EducaçãoPré-escolar (OMEP – Porto Alegre), reconhecendo sua colaboração inestimável, e com os Empre-endedores Associados ao Programa Fundo do Milênio para a Primeira Infância, que comungamconosco a visão de que os primeiros anos de vida valem para sempre e de que a educação dequalidade, desde a mais tenra infância, é fundamental para a construção de um Brasil maisdesenvolvido, mais humano e socialmente mais justo.

Vinod ThomasDiretor do Banco Mundial no Brasil

Jorge WertheinRepresentante da UNESCO no Brasil

Nelson Pacheco SirotskyPresidente da Fundação

Maurício Sirotsky Sobrinho

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Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância

Convidamos todos vocês a percorreremconosco um espaço muito importante, quechamamos “Educação Infantil”. São cami-nhos que passam por diversas abordagensdos conteúdos de Educação Infantil,oferencendo aos educadores váriaspossibilidades de despertarem para asensibilidade e a sabedoria das crianças.

É um trajeto interessante, vivo ecomprometido com a reflexão inteligente,com a disposição afetiva e com o desejode tentar vencer os obstáculos.

Nosso veículo será a leitura de algunstextos importantes, que terão como centroa Educação Infantil e as ações e vivênciasque podemos realizar com nossas crian-ças. Muitos desses assuntos já são conhe-cidos, mas uma releitura sempre traznovidades, assim como uma viagem emboa companhia. Na busca do melhorconvívio possível, vamos nos envolver emreflexões sobre algumas teoriasimportantes, que nos auxiliarão a repen-sarmos melhor as práticas com as crianças.

Para que isso se torne realidade, temosque aprender a observá-las e a ouvi-las,pois, quando se expressam, queremsempre nos contar coisas e nos questionar.

Que mundo é este que nos recebe?Como são as pessoas? O que é a natureza?Quem sou eu? E muito mais. Diante de

toda essa curiosidade, dessa avidez peladescoberta, pela surpresa e pela alegria,as crianças abrem-se como pequenos“girassóis”, receptivas a tudo e a todos,buscando a riqueza da luz. Ao recebê-las,o que precisamos é redescobrir com elaso ser poético, a espontaneidade, a capa-cidade de filosofar sobre as coisas ereconhecer suas diferenças e peculiaridades.

Assim, elas nos sensibilizarão ao retornoà natureza, à alegria do jogo, do brincar eda poesia. Nós lhes daremos a certezade que trabalharemos pela defesade seus direitos.

Por elas, abriremos o livro da história edas tradições. Partilharão conosco domundo, serão também artífices damanifestação cultural e construtoras desua própria história.

Com elas,construiremos umfuturo mais feliz,porque através dodeslumbramentode seu olharreencontraremos a pureza de nossa alma ea certeza do profundo e transcendentemilagre da vida.

Contamos com a parceria de todosnessa desafiadora aventura pelo espaçomuito especial que envolve a criança quenos é confiada na maior parte de seu dia.

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Para transitar peloscaminhos da infância, épreciso ter um olhar atento,pisar com suavidade,reconhecer seu espaço eabraçar seu tempo.

Tudo isso porque fazemosparte de seu mundo. Somosresponsáveis pelas crianças,por sua alegria, e cabe-nosorientá-las para jogar o jogoda vida.

Para seguir suas trilhas,temos de conhecer seusanseios, identificar suascarências e apresentar-lhesricas possibilidades.

É preciso projetaralternativas criativas eoferecer-lhes um caminhoseguro em direção àfelicidade.

Ilustração: Estúdio CRIANÇAS CRIATIVAS / PRODEI / Gian Calvi

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Cadernos Pedagógicos – volume 4 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância

ducar versus CuidarElizabeth Amorim

BebêCoisinha deficiente, inconsciente, inerme,inválida, trabalhosa, querida.

Mário Quintana – Na volta da esquina

Eu educo ou cuido? Cuido e educo?Afinal, qual é o meu papel?

Provavelmente você já se questionoufrente a essa dúvida, principalmente seatende crianças até a faixa etáriados 3 anos.

Por muito tempo, a ênfase no cuidadodominou o atendimento nos programasde creches, enquanto os programas pré-escolares tinham o enfoque educacionalcomo predominância; portanto, o “divór-cio” entre educar e cuidar apresentalonga tradição no atendimento infantil.

Mesmo hoje, ainda vemos nomenclatu-ras distintas para atendimento de 0 a 3anos e de 4 a 6 anos. Por isso, nos per-guntamos: por que creche e pré-escola, enão somente educação infantil? Por quereafirmar essa divisão, se o quedesejamos é exatamente o contrário?

Na realidade, a educação infantilatende crianças de 0 a 6 anos, e é issoque interessa. Crianças de origens diferen-ciadas, mas que têm em comum o “sercriança”, que se assemelham em algumascaracterísticas e que brincam, inventam esonham.

Felizmente, os avanços nos estudosreferentes à aprendizagem e aodesenvolvimento infantil comprovamser a criança uma curiosa exploradorado mundo físico e social. Desde bebês,

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as crianças são capazes de estabelecerrelações significativas com os adultos eos companheiros numa variedade ecomplexidade bem maiores do que oconstatado no passado. Igualmentepercebemos a criança como um serglobal, sejam quais forem ascircunstâncias e situações,independentemente de classe social,raça ou quaisquer outras diferenças.

A relevante integração entre educare cuidar lembra-nos que as atividadesrotineiras também auxiliam na constru-ção da identidade de uma criança. Oque essa integração – educar e cuidar –na realidade quer enfatizar é a relevân-cia e o direito da criança de sereducada e cuidada. Não existe umaforma de atendimento que dicotomizeo cuidar do educador na EducaçãoInfantil. Deve haver uma perfeitasintonia entre o adulto – educador ecuidador – e a criança a ser educada ecuidada. Assim, em estado deharmonia, os momentos vividos serãoprazerosos e promoverão múltiplasaprendizagens, motivo pelo qual se faznecessário proporcionar envolvimentoe atividades compartilhadas, em queora a iniciativa é do adulto, ora é dacriança. A maneira de pensar e agirque associa cuidado e educação preci-sa permear todo o projeto pedagógicodos centros infantis.

Isso significa, em outras palavras, quecuidar inclui também preocupar-se com aorganização do Centro Infantil, de seushorários, de seus espaços e dos materiais.Isto é, que seja um ambiente acolhedor eagradável, seguro e alegre, que possaoferecer experiências ricas e adequadaspara as crianças que ali convivem diaria-mente. O ambiente e os momentos po-dem ser planejados de modo queoportunizem autonomia nas rotinas,como vestir-se e despir-se, proceder àhigiene das mãos e da boca, alimentar-se,etc. Cabe ao educador identificar emcada uma dessas ações de cuidados asinúmeras possibilidades educativas. Porexemplo, nessas ações que citamos, ascrianças estarão experimentando a consis-tência dos materiais de higiene, a levezadas roupas e a espessura dos panos, ascores e os sabores dos alimentos.

Os cuidados com a saúde (higiene,alimentação, crescimento e desenvol-vimento) são também educativos,constituindo-se em funções a seremvivenciadas e executadas por crianças eeducadores.

Todos os momentos vividos pelacriança são educativos, na medida emque ela está constantemente aprenden-do, através da sua interação com o meioque a rodeia. Dessa forma, as dimensõesdo cuidado relativo à alimentação, aosono, à higiene, à saúde, etc., sãoeducativas sim!

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Quando trocar a fralda de um bebê,por exemplo, é importante conversarcom ele, pois os olhos se encontram, hátoque, sensação tátil e movimento; este éum momento de interação, momento devínculo e aprendizagem. Por outro lado,quando você está com um grupo na faixaetária de 4 a 5 anos realizando a higieneque antecede o lanche, há diálogossobre esse momento e sua necessidade,igualmente o contato com a água,quente ou fria, a fricção com a toalha.Novamente este é um momentoeducativo!

E o lanche então! Rico encontro sociale de aprendizado emque partilhamos, vemosse há comida para todomundo, diferenciamosalimentos, comparamos,classificamos e assimpor diante.

Outro aspectoimportante a destacar éa expectativa que asfamílias têm ao deixa-rem seus filhos nosCentros Infantis.Almejam umaeducação de qualidade,que promova o desen-volvimento cognitivo esocial, mas tambémesperam que seus filhossejam bem cuidados e

atendidos em suas necessidades básicas ede afeto. A educação e o cuidado sãouma necessidade e um direito da criançaprimeiramente, mas também das famíliasque depositam confiança no trabalho queos centros realizam.

A maneira como você recebe, todos osdias, cada criança e tudo o que acontececom vocês até a hora da saída sãovivências que contribuem para o desenvol-vimento infantil, são geradoras deconhecimento e, portanto, educativas.Então, o conjunto de todas essas experiên-cias que se interpenetram são,intrinsecamente, educação e cuidado.

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Nesse contexto, podemos hoje supe-rar a cisão maléfica na atuação com acriança; na realidade, jamais deveríamosutilizar separadamente esses dois termose, por conseqüência, o sentido deles.No educar, está “embutido” o cuidar,pois a instituição infantil possui um i-nequívoco caráter educacional, mesmoporque a criança tem não somente ne-cessidade, mas também direito de sercuidada e educada.

Definitivamente, devemos tirar denossas mentes a dicotomia educar/cui-dar; somente assim não mais a verba-lizaremos e, o que é mais importante,estaremos integrando cuidado e edu-cação em nossos fazeres cotidianos.

Sedimentando o que até agora discuti-mos, não podemos deixar de conceituar ocuidado na sua dimensão maior, que odesigna não como um ato isolado, mas,antes, como uma atitude de zelo, preocupa-ção, responsabilidade e envolvimento afeti-vo. Ou seja, o cuidado envolve atenção eafeto, pois somente cuidamos daquilo quegostamos e desejamos preservar.

O cuidado encontra-se na base daconstituição do homem, já que sem elenão seríamos humanos. Implica aconche-go, afeto, ternura, sintonia e, sobretudo,implica valorizar e importar-se, com ooutro e com o mundo, não focando so-mente o valor utilitário, mas primordial-mente a dimensão do respeito, da

reciprocidade e da complementaridadeexistente entre tudo e todos.

Concluindo – ou resumindo – asidéias aqui expostas, reiteramos enfati-camente a necessidade de se ter claroque, na instituição infantil, todas astarefas, brincadeiras e atividadesrealizadas têm valor educativo eenvolvem cuidado.

Referências Bibliográficas

AMORIM, Elizabeth. A dimensão do cuidado essencial no fazerpedagógico infantil como exigência primeira na construção dacidadania planetária. Dissertação de Mestrado. São Leopoldo,Faculdade de Educação da UNISINOS, 2002.BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixãopela terra. 6.ed. Petrópolis Vozes, 2000.CHALITA, Gabriel. Educação: a solução está no afeto. São Paulo:Gente, 2001.DIDONET, Vital. Não há educação sem cuidado. Porto Alegre,Pátio Educação Infantil, n.1, . p. 6-9 abr/jul. 2003.HADDAD, Lenira. A ecologia do atendimento infantil:construindo um modelo e sistema unificado de cuidado eeducação. Tese de Doutorado. São Paulo, Faculdade de Educaçãoda USP, 1997.KULISZ, Beatriz. Prática pedagógica na educação infantil:indicações para a construção de um referencial pedagógico.Dissertação de Mestrado. Porto Alegre, Faculdade de Educação daPUCRS, 2001.ROSSETTI-FERREIRA, Maria Clotilde. A necessária associaçãoentre educar e cuidar. Porto Alegre, Pátio Educação Infantil, n.1,p.10-12, abr./jul. 2003.

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“Por sua própria natureza, cuidado incluiduas significações básicas, intimamenteligadas entre si. A primeira, atitude dedesvelo, de solicitude e de atenção para como outro. A segunda, de preocupação e deinquietação, porque a pessoa que temcuidado se sente envolvida e afetivamenteligada ao outro.”

Leonardo Boff

• Quais são as possibilidades educa-tivas das crianças ao serem atendidas emsuas necessidades de alimentação,higienização, repouso, lazer e afeto?

Atividades de Estudo eAprofundamento

Maria Helena Lopes

“... gostaria de propor uma reflexãointeressante. Na época em que vivemos, emque a maior ou menor oportunidade deacesso ao conhecimento define muitas vezeso futuro de uma pessoa, as atividades decuidado assumem cada vez mais uma posiçãode destaque. As máquinas e os robôspuderam substituir o ser humano em váriastarefas, mas não nas de cuidado! O setor noqual mais crescem as oportunidades deemprego é o de serviços. E a competêncianeles exigida envolve também delicadeza ecuidado no trato. Outros setores queapresentam acentuado crescimento dizemrespeito diretamente ao cuidado das pessoase do ambiente ecológico. Cabe, então, apergunta: será que estaremos preparando umfuturo melhor para nossas crianças sedeixarmos o cuidado de fora das tarefaseducativas em nossas creches e pré-escolas?”

Maria Clotilde Rossetti-Ferreira (2003, p. 12)

• Debata com seus colegasa citação acima, relacionando-a comas idéias do texto Educar versus Cuidar.A partir das idéias levantadas como grupo, responda à perguntaque finaliza a citação.

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ntrando em um NovoMundo

Elisabeth Amorim

Conceitos1

Adaptar: amoldar, apropriar,conformar.

Adaptado: acomodado, amoldado,ajustado.

Integrar: tornar-se inteiro; com-pletar, integrar, integralizar; juntar-setornando-se parte integrante, reunir-se,incorporar-se.

Integrado: diz-se de cada uma daspartes de um todo que se completamou se complementam.

Não poderíamos, neste momento,deixar de refletir sobre os termosmencionados, já que trataremos sobre aadaptação da criança à instituiçãoinfantil.

Muitas vezes, e esta é uma delas,utilizamos palavras sem realmente nosaprofundar sobre os seus significados e,conseqüentemente, se ela é adequada àsituação.

O termo adaptação é o mais indicadoao período a que nos referimos? É sabidoque a educação infantil tem a autonomiacomo um de seus pilares, pois oferecesituações para que a criança aja por si

mesma, de acordo, é claro, com o seudesenvolvimento. Sendo assim, será vá-lido denominarmos como adaptação otempo referente aos primeiros dias doingresso da criança na instituiçãoinfantil?

O que realmente desejamos dessemomento de transição: que a criança semolde ao meio, ou que se integre,sentindo-se parte dele?

É tempo de parar, parar e refletir sobreem que ideário estamos alicerçados...

“Com freqüência ‘deixar a casa’ é umaexperiência mais forte do que ‘entrar naescola’.[...] Existe muito pouco crescimento senão há algum tipo de sofrimento ou ansiedade.Quando damos um passo à frente, para umnovo estágio ou desafio, deixamos,necessariamente, algo para trás. Sem essesaltos e baixos a vida seria plana e as pessoasnão se desenvolveriam. Quanto mais jovem foro indivíduo, mais ajuda ele precisará ter paraseguir em frente sem maiores sofrimentos.”

Nancy Balaban

A separação é uma experiência queocorre em todas as fases da vida huma-na. Ela começa quando o bebê deixa oconhecido e aconchegante útero mater-no e entra em um mundo de sons, luzese contatos. Daí em diante, ela se encon-tra no aprender a andar, no dormir nacasa dos avós, na entrada na escola, nabriga com o(a) namorado(a), no casa-

1Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, s.d.

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É ponto pacífico a forte e profundavinculação mãe/filho; por isso, GildaRizzo (2000) afirma que o período deintegração “envolve muitos fatores e osentimento de, pelo menos, duas pes-soas: mãe e filho”, acrescentando aindaque “o nível de segurança afetiva de umacriança é muito dependente do nível desegurança afetiva básica da mãe”.

A integração de um bebê até emtorno de 7 ou 8 meses é, normalmente,tranqüila, pois ainda não entrou na cha-mada época do “estranhamento” a am-bientes e pessoas. Então, é a mãe que“se integra”, passando alguns períodosobservando como as crianças são atendi-das nos diferentes momentos pela equipedo berçário.

A partir dessa idade, é comum as crian-ças reagirem a novos ambientes; as carac-terísticas individuais nortearão asdiferentes reações que devem ser respeita-das, bem como a busca de alternativasfacilitadoras deve estar presente, porqueprecisamos lembrar que, até esse momen-to, o parâmetro da criança era a família,seus hábitos e comportamentos. Dessaforma, ela espera que você aja e tenha asmesmas reações dos adultos que ela co-nhece, principalmente dos pais. Levatempo para as crianças perceberem queadultos diferentes se comportam demaneira diferente, e também demora umpouco para elas diferenciarem o que

mento e em inúmeras outras situações.

Em todas esses acontecimentos, há oabandono de um território familiar e oingresso no desconhecido, no novoainda não experimentado. Também não éassim o que acontece conosco cada vezque uma turminha nos “deixa” e entraoutra, ainda por nós desconhecida?Como será cada criança, como reagiráao ambiente e a mim? Como EU reagi-rei? Terei a sensibilidade necessária? É oque nos perguntamos.

Por isso, os dias iniciais na instituiçãoinfantil exigem sempre um esforço deintegração conjunta da instituição, dafamília e da criança. Até esse momento,habitualmente a criança conviveu basi-camente com sua família e no cotidianosomente com as pessoas de sua casa. Nolar, além da segurança da fortevinculação afetiva, há também a segu-rança do lugar conhecido, que pode serexplorado a todo momento, tanto oscômodos quanto os objetos.

Já na instituição infantil tudo é novo e,por conseqüência, desconhecido: mudamo espaço, a rotina, as pessoas... A criançapassa a conviver com mais adultos e crian-ças em um ambiente estranho. O novomundo afeta também sua família, que sofrecom esse processo de encaixar horários,mudança de rotina e questionamentossobre como a criança será atendida.

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acontece em casa daquilo que aconteceno centro infantil.

Para a criança, as regras e os compor-tamentos familiares são universais; então,causa estranheza, por exemplo, podersujar as mãos se em casa não pode ou,ainda, você agir de forma diferente desua mãe. Por isso, é necessário “avaliar”todo o ambiente que a cerca – humano efísico – e essa “avaliação” é realizada deacordo com a maneira como cadacriança reage a situações novas.

Esse novo mundo – o centro infantil –traz curiosidade, expectativa, inseguran-ça e, às vezes,muito medo!Será que vãosaber cuidar demim? E se euficar doente? Seeu cair? Se amamãe não vierme buscar? Seeu fizer xixi nascalças? Se eunão quisercomer? Quemsabe que eu nãogosto de beter-raba ou de abó-bora? Na verdade, são muitos “se”, sãovárias e diferentes dúvidas que, consci-ente ou inconscientemente, causamgrande apreensão!

O vínculo com a educadora, nessesprimeiros dias, é o objetivo primordial,visto ser através dele que a criança sesentirá segura para interagir nesse novomundo. É você quem vai auxiliar cadacriança a familiarizar-se com o novoambiente, seus hábitos e rotinas, évocê que, através de demonstrações desegurança e tranqüilidade, mostraráque ela é aceita, respeitada e entendidanesse meio que, apesar de novo, éorganizado e preparado para ela.

É por tudo isso que, no livro O inícioda vida escolar, Nancy Balaban diz queas crianças sentem-se estranhas num

grupo novo que é diferente do seu grupofamiliar e no qual elas não têm um statusespecial. Nesse local, talvez só você,educadora, saiba seus nomes, e ninguémrealmente gosta ou não delas de alguma

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maneira especial. Elas “não têm o seulugar natural nesse grupo, mas vão terque conquistá-lo através de seu compor-tamento. Embora elas ainda não saibamdisto, é provável que o sintam”.

Como vimos, as crianças reagemdiferentemente umas das outras: algumasmostram-se desconfiadas, ou choram, ounão aceitam contato; outras ingressamquerendo explorar todo o ambiente, outentando deter-se em tudo ao mesmotempo.

Essa transição e o estabelecimento deconfiança é gradativo, motivo pelo qual,durante os primeiros dias, é aconselhávelque a criança permaneça por um perío-do menor do que o normal na institui-ção. Esse tempo vai sendo prolongadogradativamente, à medida que vocêpercebe que a criança tranqüiliza-se eage com maior naturalidade.

Dentro do possível, é importante apresença familiar – principalmente amaterna – no ambiente da instituiçãodurante esse processo, o que permite nãosomente maior segurança para a criança,como também à família conhecer melhoro local e a educadora. O comportamentofamiliar nesse momento é fundamental,pois, com já dissemos, ele será um dosparâmetros percebidos pela criança.

Os sentimentos dos pais durante essa

fase muitas vezes é confuso, pois,mesmo percebendo que essa transição énecessária e boa para a criança, sentem-se culpados, com sensação de perda eapreensivos por entregarem o que elestêm de mais precioso a pessoas que, atéaquele momento, ainda são estranhas.Por isso, os pais precisam ser igualmenteatendidos nessa fase de transição, devemperceber que o centro infantil – e princi-palmente você – entende que váriostipos de emoção estão aí envolvidos eque é impossível compreender os senti-mentos da criança sem avaliar simultane-amente os sentimentos deles, uma vezque este é um acontecimento significati-vo para ambos.

A reação da criança está muito ligadaao estilo de vida de sua família, bemcomo ao tipo de relações dos adultosque a rodeiam e, principalmente, à suarelação com a mãe. Também a maneiracomo a mãe encara essa separaçãoinfluencia de forma direta o comporta-mento da criança: se ela tem pena, medode dividir, ou fantasias em relação acomo seu filho será tratado, com certezadificultará o processo.

Quando há um bom nível de segu-rança emocional, isto é, se a criançaestabeleceu uma relação de confiançacom a mãe, ela consegue, gradativa-mente, ficar afastada dela sem termedo de perdê-la. Tranqüilidade e

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segurança, sem sentimento de culpa, é aconduta indicada, e a instituição deveencontrar-se permanentemente à disposi-ção para esclarecer dúvidas e anseios. Porisso, o período de integração deve sercuidadosamente planejado para quesejam construídos a confiança e o conhe-cimento mútuos. É desse modo queacontece o estabelecimento de vínculosafetivos entre as crianças, as famílias e oseducadores.

Assim, é permitido à famíliaconscientizar-se de que a instituição estáhabituada com esse momento e as educa-doras, aptas a controlar as situações quesurgirem. Essa parceria torna o processo detransição não somente mais tranqüilo, mas,sobretudo, representa o início deuma desejada, agradável egratificante caminhada.

“Vai aqui este pedido aos professores, pedidode alguém que sofre ao ver o rosto aflito dascrianças: lembrem-se de que vocês sãopastores da alegria e de que sua responsa-bilidade primeira é definida por um rostoque lhes faz um pedido ‘Por favor, me ajudea ser feliz...’”

Rubem Alves

Referências Bibliogáficas

BALABAN, Nancy. O início da vida escolar: da separação àindependência. Porto Alegre: Artmed, 1998.CHALITA, Gabriel. Educação: a solução está no afeto. SãoPaulo: Gente, 2001.OLIVEIRA, Zilma de Moraes (Org.) Educação infantil: muitosolhares. São Paulo: Cortez, 1994.OLIVEIRA, Zilma de Moraes et al. Creches, faz-de-conta e cia.2.ed. Petrópolis: Vozes, 1992.RESTREPO, Luis Carlos. O direito à ternura. Petrópolis: Vozes, 2000.RIZZO, Gilda. Creche: organização, montagem efuncionamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

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Atividades de Estudo e AprofundamentoElisabeth Amorim

“O vivido só se torna recordação da lei danarração(...). E aí se torna outra vez vivo,aberto, produtivo. A memória que lê e queconta é a memória em que o ‘era uma vez’converte-se em um ‘começa’!”

Jorge Larrosa

• Você se lembra do seu primeiro diana escola? Quais eram os sentimentos:ansiedade, medo, expectativa, excitação?A lancheira foi aberta? Como era a edu-cadora? O que marcou em você? Se vocênão se lembra desses detalhes, perguntea seus pais como foi.

• Recorde, através da narração,algum fato ou situação em que sua vidasofreu mudança e, portanto, o novo e odesconhecido foram enfrentados.Quais foram os sentimentos e as reações?

• Cite alguns procedimentosindicados para o período de integraçãoda criança ao Centro Infantil.

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gressividade e Limites:

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Loide Pereira Trois

“É necessário que o adulto entenda, aceite evalorize que a criança, ao brincar, necessitaderrubar a torre de blocos de montar paraque assim possa valorizar a sua própriacapacidade de construir e errar.”

Donald Winicott

Para que possamos entender as dife-rentes manifestações da agressividade, éimportante considerar que o erro fazparte de toda aprendizagem. Assim, paramontar uma torre de blocos, teremosque aprender a derrubá-la e ir refazendoesse gesto até a descoberta daconstrução desse novo conhecimento.Partimos, então, da noção de que, aolongo do desenvolvimento humano,existem momentos de acerto e de errona construção de nossos valores e con-ceitos. O elemento fundamental nesseprocesso é a crença em nossa própriacapacidade de superar conflitos ecrescer com os desafios que nos sãocolocados.

Conforme Sigmund Freud, grandepensador que estudou e desvendou apsique humana e nos deixou comolegado a descoberta da noção deinconsciente, a agressividade faz parte

de toda pulsão, de todo impulso,constituindo nossos instintos deautopreservação, instintos sexuais, dedestruição e de todo desejo. São aspulsões de vida e de morte que constitu-em a natureza humana. Todos os indiví-duos possuem instintos agressivos que sedesenvolvem à medida que crescemos einteragimos com o nosso meio ambiente.Esses impulsos podem ser observados emnossos comportamentos e atitudes, massua origem não é consciente, ou seja,fazem parte de nosso psiquismo, donosso inconsciente.

É importante destacar que os impulsosagressivos são constituintes de nossodesenvolvimento humano e que, por isso,não podem ser analisados como patológi-cos. Cabe aqui diferenciarmos as manifes-tações da agressividade e o ato agressivo.

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O ato agressivo dificulta a nossacapacidade de pensar, indicando riscospara nossa aprendizagem. Por trás de umato agressivo não existe uma intenciona-lidade hostil consciente da criança; aocontrário, ela está nos mostrando quealgo não vai bem, que ela não está con-seguindo lidar com seus impulsos agres-sivos de maneira sadia, ou seja, é umpedido de ajuda para que o outro lhemostre um modo de veicular sua energiade forma construtiva. É uma energia pul-sional que necessita ser canalizada parafins socialmente aceitos e produtivospara que ocorra um crescimento pessoale aprendizagem.

Se afirmamos que uma criança é agres-siva, estamos considerando que esta é umacaracterística e um traço da identidadedela e impedindo a percepção de que acriança está em formação e que, portanto,trata-se de características que podem sertransitórias em seu desenvolvimento.Desse modo, a criança está agressiva poralguma causa e pode cometer atosagressivos que posteriormente poderão serreparados em seu comportamento.

Vejamos como se manifestam os impul-sos agressivos ao longo de nosso desenvol-vimento humano. Inicialmente, os nossosimpulsos agressivos são manifestadosatravés de nosso instinto de sobrevivência.O choro do bebê apresenta seu estado dedesconforto, desprazer (dor, frio) ou neces-sidade nutricional (fome): ele chora para

ser atendido em suas necessidades vitais.Posteriormente, a criança passa a explorarmais ativamente o meio em que estáinserida e, assim, puxa, empurra, bate, jogaobjetos que estão ao seu alcance paraconhecer e aprender sobre os mesmos.

Numa etapa seguinte, surgem asmordidas, um período maturacional dacriança que é percebido pelo apareci-mento dos dentes e sua conseqüente uti-lização: ela morde pela necessidade desaciar sua ansiedade. Por volta dos 2 anos,a criança inicia seu processo de controleesfincteriano, que vai se consolidar porvolta dos 3 anos, período em que os im-pulsos agressivos são manifestados atravésda produção dos excrementos (fezes e u-rina), e a criança tenta controlar o meioque a cerca.

A partir dos 4 ou 5 anos, vemos que osimpulsos agressivos são direcionados àfigura dos adultos como desafio a autori-dade, ou seja, é uma fase de “ teste”, naqual a criança passa a questionar os limi-tes de suas ações. Os impulsos agressivossão manifestados através de várias atitu-des que interpelam a capacidade de to-lerância, paciência e firmeza da figura deautoridade evocada. Como resultado des-sa fase, temos a formação do sentimentode respeito e a noção de limite interna-lizada pela criança. Podemos perceberque os impulsos agressivos estão presen-tes e vão evoluindo ao longo de nossodesenvolvimento. Uma vez que esses

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impulsos sejam canalizados e desviadospara outros fins, intensificando sua ma-nifestação, passam a ser considerados etransformados em agressão ou atoagressivo.

Como educadores, conhecemos bem oque se sente diante de um ato agressivo.Vivencia-se sentimentos de angústia, dedor, de não saber. O fundamental, nessemomento, é tomar distância do ocorrido etentar escutar o que a criança estáquerendo dizer em cada chute, em cadaempurrão, em cada palavra ou gesto.

É preciso se descentrar e incluir opensamento como um terceiro termoentre o educador e a criança. Dessemodo, estaremos possibilitando umespaço de indagação e questionamentosobre o ato formulando perguntas, co-mo: a quem essa criança agride quandome agride?

Quando um aluno enfrenta agressiva-mente o educador, e este pensa que a a-gressão é para ele, está colocando-se numnível imaginário a partir do qual só vaiaumentar a atuação agressiva da criança,impedindo a formação de um espaço dediálogo e reflexão. É preciso ter em menteque a criança está agredindo através demim outras situações presentes epassadas na sua história. Énecessário, para compreender essaação, descobrir a que ações, a queatitudes essa agressão se dirige.

Se como educadores não somoscapazes de elaborar perguntas, formularhipóteses e usar a nossa criatividadefrente à agressão da criança, frente àsituação que deu origem a esse ato, é opróprio educador que está se agredindopor estar se considerando incapaz eimpedindo seu próprio crescimentodiante desse desafio.

É importante que possamos estabele-cer laços afetivos seguros e verdadeiroscom as crianças, compreendendo-as atémesmo em suas reações agressivas.Nessa compreensão, não se trata de“deixar assim mesmo”, “esperar passar”ou sentir pena da criança, masjustamente confiar na sua capacidade de

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resolver o conflito, de superar esse pro-blema no amparo seguro da relaçãoafetiva com o educador.

A noção de limites se coloca atravésda formação do sentimento de respeito àfigura de autoridade e da aposta nacapacidade de reparação do erro.

O importante é fazer com que a criançaretire dessa situação elementos significati-vos para sua aprendizagem, repare o erro,procure tomar mais cuidado e atenção dapróxima vez para que não volte a repetir oato agressivo. Assim, estamos conduzindoa criança a pensar sobre seus atos e modifi-car suas atitudes pela reflexão e peloentendimento do que ela mesmo faz eprovoca.

As atitudes de repressão, castigoou humilhações apenas provocam umsentimento de desvalia e obediênciacega, sem a conscientização do atoerrado por parte da criança. Um outrosentimento freqüente diante de situa-ções de conflitos e brigas entre ascrianças, e para o qual devemos terbastante atenção, é quando uma crian-ça agride outra pessoa. Por vezes, po-demos nos identificar com o agredidoe tomar partido frente à agressão.Aliando-nos com a pessoa agredida eculpabilizando ao extremo a criançaenvolvida, não estamos tomando dis-tância e refletindo sobre o atoagressivo, mas sim fechando umainterpretação.

As saídas para as situações de agres-são são complexas; no entanto, a resolu-ção da agressão através de outra agressãofavorece a manutenção do comporta-mento agressivo. As punições e coaçõesabusivas do adulto diminuem o comporta-mento agressivo temporariamente,reaparecendo-o em contextos diferentes e,muitas vezes, com mais intensidade.

Somos adultos, mas a criança denossa infância habita dentro de nós e,por vezes, precisamos revisar nossaspróprias convicções morais, éticas, epensar sobre a forma como fomoseducados, como vivemos nossainfância, buscando qualificar a nossaformação pessoal e transformar a nossaação educativa.

O educador é modelo, é uma refe-rência estruturante para a criança. Ascrianças aprendem não apenas com oque é dito, mas sobretudo com o quevêem, com a coerência entre as açõese o discurso dos educadores; assim,quando apresentamos modelos pau-tados no diálogo, na cooperação, nasolidariedade, esses serão repetidos evalorizados pela criança. Quando acriança aprende a resolver verbalmen-te seus conflitos, explicando o queaconteceu e entendendo os motivos eas conseqüências de seus atos, assituações de agressão e os atos agres-sivos diminuem. Nesse caso, é funda-mental que haja a valorização dessa

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conquista, reforçando-se a aprendiza-gem da criança.

Como educadores, temos a possibi-lidade de criar espaços de aprendiza-gem nos quais a agressividade possase manifestar de forma sadia e equili-brada e nos quais os atos agressivosnão sejam mais necessários. Acreditarem nossa capacidade de superar essassituações, tomando-as como desafiosconstantes em nosso fazer cotidiano, éacreditar em nossa capacidade detransformar e de educar.

Referências Bibliográficas

BIAGGIO, A. Psicologia do desenvolvimento. Rio deJaneiro: Vozes, 1985.DELL’AGLIO, D. Controle esfincteriano. UFRGS, 1993(mimeo).FERNANDEZ, A. A mulher escondida na professora:uma leitura psicopedagógica do ser mulher, dacorporeidade e da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed,1993.FERNANDEZ, A. Agressividade: qual teu papel naaprendizagem? Revista Paixão de Aprender.MACHADO, M. C.; NOGUEIRA, N. Como lidar com acriança agressiva. Revista Nova Escola, n.4, 1986.REDL, F.; WINEMAM, D. A criança agressiva. São Paulo:Martins Fontes, 1985.

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Atividades de Estudo e AprofundamentoLoide Pereira Trois

Leia com atenção o caso relatadoabaixo.

Pedro é aluno de um Centro Infantilhá três anos, sua adaptação foi bastantetumultuada, não queria ficar no Centrode Educação Infantil e nem separar-se desua mãe, fato que a deixava muito ansio-sa e insegura. Aos poucos, com a ajuda eintervenção da educadora e dos demaisintegrantes da instituição, foi adaptando-se ao grupo e participando da rotinadiária.

Desse modo, foi aceitando melhor aseparação de sua mãe e promovendo umamaior segurança e bem-estar a ela. A mãedo menino começou a ficar maisconfiante em seu filho, aspecto que lheera muito difícil, pois na maioria dasvezes considerava-o frágil, com “muitadificuldade” e necessitando sempre deajuda para fazer qualquer coisa.

Após esse período de adaptação, omenino passa a participar ativamente dasatividades, entende a rotina diária, éinteressado, discute suas idéias e brincacom todos os colegas; no entanto, quan-do é contrariado, fica irritado, muitofurioso e não aceita nenhuma forma denegociação ou cumprimento das regrasde convivência. Nesses momentos, cos-tuma reagir de forma impulsiva e parte

logo para a briga, empurra, joga objetos,bate ou chuta os colegas.

A intervenção da educadora, nessassituações, é utilizar o diálogo e buscar,com ele, as explicações para seus atoserrados. Embora ele a escute e presteatenção em sua conversa, não consegue,posteriormente, cumprir exatamente oque foi combinado com ela e, algumasvezes, explica à educadora: “eu nãoconsigo me segurar”.

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Responda e Registre• O que você pensa sobre as atitudes

do menino?• Como podemos caracterizar o

comportamento desse menino comrelação à agressividade e aos limites?

• Qual seria sua forma de atuação sefosses educador nesse caso?

Leia com atenção a cena abaixo:

Marcos e Pedro são colegas da escolae ambos tem 5 anos. Marcos é umacriança bastante ativa, interessada emconhecer o ambiente e aceita com muitafacilidade desafios. Pedro não temirmãos, mora com seus avós e adorabrincar de jogar bola, subir em árvores,correr e superar limites.

Numa tarde, na hora do pátio, quan-do estavam brincando de futebol, dispu-taram a bola para fazer o gol e acabaramse empurrando. Pedro ficou muito bravoe começou a gritar e a chutar Marcos.Marcos chorou muito e foi socorrido pelaeducadora que estava no pátio.

Diante dessa cena do cotidiano e combase na leitura do texto, responda:

• Qual seria a intervenção do educa-dor buscando promover a consciênciado ato agressivo?

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Foto: Sebastião Barbosa

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aúde da CriançaHalei Cruz

“São direitos fundamentais da criançaa proteção à vida e à saúde, mediante aefetivação das políticas sociais públicas quepermitam o nascimento e o desenvolvimentoharmonioso, em condições dignas deexistência.”

Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA

Em primeiro lugar, pensar em saúdeinfantil, principalmente na faixa de 0 a 6anos, é caracterizar o cumprimento dosdireitos da primeira infância a uma vidadigna, feliz e saudável.

É certo que já existem leis queregulamentam os direitos das criançase políticas intersetoriais que operamem seu favor. No entanto, há que seconsiderar as grandes dificuldades aserem vencidas para que tais políticasatendam, se não à totalidade, pelomenos a maioria de nossas crianças.

Muitas ações sociais ainda precisamser desenvolvidas para que se dê plenagarantia de saúde a um número significa-tivo de crianças, principalmente àquelaspertencentes às camadas mais carentes eque, em nosso país, representam umnúmero considerável.

As instituições de Educação Infantilassumem sua parcela de responsabilida-de na tarefa de minimizar as carências

dessas populações, através da educaçãoe do cuidado das crianças.

Nessas ações estão incluídos algunsfatores que devem fazer parte da práticados responsáveis pela saúde infantildentro e fora de creches e centros deEducação Infantil.

Procuramos abordar, neste artigo, osconhecimentos fundamentais que dizemrespeito às medidas preventivas de riscoà saúde das crianças, ao seu crescimento,à alimentação e aos cuidados.

Precisamos conhecer e operar dentrodo trinômio educação + saúde + assis-tência social, com vistas a colaborar nodesenvolvimento da criança com a maiorqualidade possível .

Nessa concepção, não há áreas estan-ques. Devemos considerar a saúde deforma simultânea, como o conjunto deações nas quais estejam envolvidos osprogramas de serviços sociais básicos deeducação, assistência social, lazer ecultura.

O crescimento da criançaO crescimento, assim como o desen-

volvimento, é o resultado de modifi-cações estruturais e funcionais queocorrem no indivíduo desde a concep-ção até a idade adulta.

Muitas vezes, há confusão entre osignificado dos termos crescimento edesenvolvimento, mas cada fenômeno

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tem suas características próprias. En-quanto o crescimento se refere aoaumento das dimensões do corpo, odesenvolvimento significa aquisição dehabilidades como andar ou falar. Ocrescimento se deve ao aumento devolume e do número de células doorganismo, e o desenvolvimento decorreda maturação, da diferenciação e dacapacidade de ação integrada dossistemas orgânicos.

Todos os animais crescem e sedesenvolvem, mas no homem essesprocessos ocorrem de forma mais lenta ecomplexa. Os fatores que interferem nocrescimento são:

• Genéticos – determinam o poten-cial de crescimento, isto é, o quanto o

indivíduo poderá crescer.• Emocionais – o afeto, a atenção e a

sensação de segurança favorecem ocrescimento.

• Socioeconômicos – crianças quevivem em ambiente de baixo nível socio-econômico tendem a apresentar atrasono crescimento.

• Nutricionais – a alimentação ade-quada fornece matéria-prima para ocrescimento e a multiplicação dascélulas.

• Neuroendócrinos – os sistemas ner-voso e endócrino (produtor de hormônios)são responsáveis pela regulação do funcio-namento do organismo. Desequilíbriosnesses sistemas produzem alterações nocrescimento.

O crescimento se inicia a partir dafecundação,isto é, da uniãodo espermato-zóide com oóvulo. O perío-do de cresci-mento dacriança dentrodo útero mater-no é chamadode período pré-natal e, após onascimento,período pós-natal.Fo

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materna deficiente leva à maior probabi-lidade de nascimento de uma criançacom baixo peso. Considera-se recém-nascido de baixo peso a criança queapresenta peso inferior a 2.500 gramasno momento do nascimento. Essas crian-ças têm maiores chances de adoecer eaté mesmo de morrer do que as criançasque nascem com peso adequado.

O crescimento pós-natal se dá emquatro fases:

• Primeira Infância – do nascimentoaos 3 anos. É uma fase de crescimentorápido, apesar de mais lento que na fasefetal. Nessa etapa, as carênciasnutricionais e as infecções constituem osmaiores riscos para a saúde e a vida dascrianças. Se compararmos o crescimentodo indivíduo em toda a sua vida, após onascimento, essa etapa é aquela em queele acontece com maior velocidade,principalmente no primeiro ano de vida.Ao completar um ano, a criança triplicou

O período pré-natal compreende duasfases: a embrionária e a fetal.

Na fase embrionária, correspondenteao primeiro trimestre da gravidez, o serem crescimento é denominado de em-brião. Nessa etapa, o crescimento élento, ocorrendo a diferenciação dascélulas para formar órgãos e sistemas. Aexposição do embrião a agentesexternos, como radiação, infecções, usode álcool, medicamentos e outras drogaspela mãe, pode levar à ocorrência demalformações que são alterações naestrutura e no funcionamento de órgãos.

Na fase fetal, correspondente aossegundo e terceiro trimestres da gesta-ção, há uma aceleração do processo decrescimento. A criança em formação échamada, então, de feto. É a fase da vidaem que o crescimento se faz com maiorvelocidade e sofre grande influência doestado nutricional da mãe. A alimentação

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o seu peso de nascimento e aumentouem 50% a sua estatura.

• Segunda Infância – corresponde aoperíodo entre os 3 e os 10 anos. Avelocidade de crescimento se mantémconstante e mais lenta que na fase anterior.

• Adolescência – correspondente aoperíodo entre os 10 e os 18 a 20 anos.Há um período inicial de aceleração davelocidade de crescimento (estirãopubertário) cujo máximo se dá em tornodos 12 anos, para as meninas, e 14 anos,para os meninos. A partir daí, a velocida-de de crescimento diminui.

• Parada do Crescimento – ocorreentre os 18 e os 21 anos, quando oindivíduo alcança o seu ponto máximode crescimento. Alguns tecidos, como apele, continuam seu processo de multi-plicação celular.

A necessidade de maior demandanutricional no período de crescimentodetermina maior risco à saúde. Quantomaior a velocidade de crescimento,maior será o efeito nocivo da deficiêncianutricional no indivíduo. Portanto, osperíodos de maior risco são o pré-natal,a primeira infância e a adolescência. Aolongo deles é que se deve atuar commais atenção aos cuidados de saúde,como alimentação adequada e preven-ção de infecções.

As crianças com atraso no crescimen-to, ocasionado por fatores como desnu-trição ou infecções, tendem a apresentarvelocidade de crescimento maior que aesperada para a idade após a correçãodaqueles fatores. Esse fenômeno é cha-mado crescimento compensatório eocorre até que a criança alcance o nívelque teria se não houvesse o atraso. Éobservado, principalmente, nas criançasabaixo de 2 anos.

O acompanhamento do crescimentoe do desenvolvimento da criança, nosserviços de saúde, permite detectarprecocemente, e assim tratar eficazmen-te, problemas que podem comprometer,muitas vezes de forma grave, a sua saúdee o seu futuro.

Para o acompanhamento docrescimento, utilizam-se gráficos comcurvas de referência. Os gráficos maisusados, para crianças, são os quepermitem analisar a evolução do seupeso no decorrer do tempo, tomado emmeses, chamados de gráficos de pesopara a idade. Outros tipos de gráficospodem ser utilizados, de acordo com oobjetivo da avaliação do crescimento,como o de estatura para a idade ou ode peso para estatura.

Considera-se que o crescimento éadequado quando a criança apresentasempre ganho de peso a cada avaliação,

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principalmente se a sua curva decrescimento acompanha as curvas dográfico de referência.

Todas as crianças devem ter seucrescimento acompanhado, em avalia-ções periódicas, nas consultas aos servi-ços de saúde.

A vida e a saúde da criança são direi-tos universais e garantidos pelo Estatutoda Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), que regulamenta o artigo 227 daConstituição da República Federativa doBrasil. O acompanhamento do cresci-mento é a ação de saúde que mais repre-senta a garantia dos direitos da criança.

Alimentação da criançaA alimentação é um dos mais impor-

tantes fatores responsáveis pelo cresci-mento do indivíduo. É fundamental quetodos os que trabalham com criançascontribuam para que elas tenham acessoà alimentação em quantidade adequada,de boa qualidade, tanto no valornutritivo como no aspecto de higiene.No início de sua vida, o alimento maisimportante para a criança é o leite desua mãe. Até completar 6 meses,o bebê não necessita de outroalimento ou líquido que nãoseja o leite materno. A partirdaí, deve continuar sendoamamentado ao peito,mas com acréscimogradativo de outros ali-

mentos, o que é chamado de desmame.

Devido ao seu valor nutritivo e àsvantagens do seu uso, para a criança epara a mãe, o leite materno deve seroferecido à criança até os 2 anos, segun-do a orientação da Organização Mundialde Saúde (OMS).

O leite de outros animais eventual-mente pode ser oferecido ao bebê, mascom grandes desvantagens em relação aoleite humano. Isso porque cada animalproduz leite de composição específicapara as necessidades nutritivas e o ritmode crescimento dos indivíduos da suaespécie (Tabela 1).

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possam causar reações alérgicas no seuorganismo.

Tabela 2 – Diferenças constitucionaisentre leites

Humano Vaca CabraEnergia (Kcal) 68 68 72Proteínas (g/100ml) 1.2 3.6 4.0Gorduras (g/100ml) 3.8 3.6 4.0Lactose (g/100ml) 7.0 4.5 4.0Minerais (g/100ml) 0.2 0.7 0.8

Fontes: King, 2001; Wehba, 1991; Pernetta, 1979.

• Equilíbrio emocional – a amamen-tação possibilita o reforço do laço afetivoentre a mãe e a criança, proporcionandosensação de bem-estar para ambas.

• Desenvolvimento – crianças ama-mentadas exclusivamente ao peito, nosprimeiros seis meses de vida, tendem aser pessoas mais extrovertidas, confiantese inteligentes. Segundo alguns autores,crianças alimentadas com leite maternoraramente apresentam, na idade adulta,distúrbios sexuais, tendência ao uso deálcool, de outras drogas ou ao suicídio.

• Economia – o leite materno nãoprecisa ser comprado, o que gera grandeeconomia para a família.

• Praticidade – o leite materno já estápronto e na temperatura ideal para oconsumo da criança, dispensando gastode tempo para o preparo.

Tabela 1 – Tempo para duplicação dopeso de alguns animais

Animal / Duplicação de pesoHomem / 180 dias Cavalo / 60 diasVaca / 47 dias Cabra / 22 diasCarneiro / 15 dias Porco / 14 diasGato / 09 dias Cão / 09 diasCobaia / 06 dias

Fonte: Crespin, 1992.

As vantagens do leite materno parao ser humano, em relação a outrostipos de leite, são numerosas e, entreelas, temos:

• Valor nutritivo – o leite maternopossui nutrientes na quantidade e naproporção ideais para o crescimento e odesenvolvimento adequado da criança(Tabela 2).

• Digestão – devido à constituiçãoadequada ao organismo do bebê, o leitematerno é facilmente digerido, nãoprovocando distúrbios digestivos comodiarréia ou “prisão de ventre”.

• Imunidade – o leite humano possuisubstâncias e células que protegem oorganismo do bebê das principais doen-ças infecciosas que podem levar a gravesconseqüências. Por isso, a criança quemama no peito raramente adoece.

• Alergias – por ser produzido natural-mente para a criança, o leite maternonão apresenta elementos estranhos que

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Na impossibilidade do uso de leitematerno, recomenda-se algum tipo de leitede vaca (em pó) modificado, a chamadafórmula infantil. Está demonstrado quealimentação de crianças menores de umano com leite integral (em pó ou ao natural)não-humano pode provocar anemias,distúrbios nos intestinos e nos rins, além dealergias, devido à composição estranha ao

• Anticoncepção – mulheres que ama-mentam seus bebês, exclusivamente edurante os seis primeiros meses, têm poucaprobabilidade de engravidar nesse período.

• Prevenção de câncer – aamamentação confere à mãe proteçãocontra o câncer de mama (antes damenopausa) e de ovário. Essa proteção étanto maior quanto maislongo é o período deamamentação.

• Retorno à formafísica – o início daamamentação precoce,isto é, logo após o nasci-mento do bebê, reduz osangramento uterino pós-parto e facilita a perda depeso da mãe, acelerandoo processo de retorno docorpo à forma físicaanterior à gravidez.

A amamentação nãoapresenta desvantagens esuas contra-indicaçõessão raras, limitando-se aouso de alguns medica-mentos pela mãe e para amãe portadora do vírusda imunodeficiênciahumana adquirida (HIV).

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seu organismo. As modificações produzidasindustrialmente nesses leites visam à redu-ção da ocorrência desses distúrbios.

A partir dos seis meses de vida, a crian-ça, mesmo amamentada no peito, devecomeçar a receber outros alimentos, pois apartir daí o leite, isoladamente, não conse-gue suprir suas necessidades energéticas.Não é recomendada a introdução dealimentos que não o leite materno antes dosétimo mês de vida, porque só a partir dessaidade o organismo estará preparado pararecebê-los e digeri-los sem sofrer danos.

Inicia-se com a introdução de umarefeição de frutas sob a forma de sucos(em copo) ou papas, oferecidas comcolher, em quantidades crescentes, deacordo com a aceitação da criança,preferencialmente pela manhã. Deve-sepreferir frutas maduras, da região e daestação, por se apresentarem em melho-res condições de qualidade e preço. Acriança nessa idade já não acorda à noitepara comer e solicita refeições em ritmode quatro em quatro horas.

Para os que não são amamentados aopeito, a fórmula infantil deve ser substitu-ída por uma adaptada ao segundo se-mestre de vida.

Após a aceitação das frutas, inicia-se aintrodução da papa de hortaliças, oferecidacom colher, em quantidades crescentes. Os

ingredientes devem ser cozidos eamassados. Evita-se o uso de liquidificadorpara que o estímulo à mastigação não sejaprejudicado. A papa deve conter, pelomenos, um alimento de cada grupo(Tabela 3).

Tabela 3 – Grupos de alimentos constitu-intes da papa de hortaliças

Grupo / Nutriente Básico / Fonte

Cereais e Tubérculos(alimentos de base) /Carboidratos / Arroz, batata inglesa, aipim,maisena, farinha de trigo, farinha demandioca, fubá, macarrão, etc.

Carnes, vísceras, ovos, leguminosas /Proteínas, minerais (fósforo, ferro, zinco,etc.) e vitaminas do complexo B / Proteínaanimal: carne de vaca,frango, peixe, ovos.Proteína vegetal: feijão, ervilha, lentilha, soja.

Vegetal (verduras, legumes) / Vitaminas eminerais / Cenoura, vagem, beterraba,abóbora, chuchu, tomate, folhas verdes, etc.

Gorduras / Lipídios / Óleo vegetal (milho,girassol, soja, arroz, algodão), margarina,manteiga, etc.

A proporção da mistura deve ser detrês partes do alimento base (carboidrato)para uma do alimento protéico e uma dosoutros grupos (3:1:1). Os cereais devem seroferecidos, de preferência, na forma inte-gral.

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O sal e o açúcar devem ser evitadosna dieta infantil ou, se adicionados, emquantidades mínimas.

Os ingredientes da dieta devem serbastante variados para evitar monotoniano sabor e fazer com que ela seja maisnutritiva. Cada refeição deve apresentaralimentos de cores variadas.

Ao completar um ano, a criança játem condições de comer o alimentohabitual da família.

No segundo ano de vida, ocorre redu-ção natural do apetite. Isso se deve àdiminuição da velocidade de crescimento.

A criança amamentada ao peito devecontinuar com leite materno. Casocontrário, já pode utilizar leite integral.Evita-se oferecer doces, guloseimas,refrigerantes, alimentos em conserva,enlatados e coloridos artificialmente,por conterem substâncias nocivas aoorganismo. O regime ideal segue apirâmide dos alimentos.

Pirâmide dos alimentosNa sua base, temos as fontes de

carboidratos complexos, que devem serconsumidos em maior proporção, efibras. Esses alimentos são os cereais(principalmente integrais) e os tubérculos.No centro, as fontes de proteínas,vitaminas, minerais e fibras (vegetais),

À medida que a criança cresce eadquire dentes, os alimentos devem

ser preparados e cortados empedaços pequenos.

A partir de sete a oitomeses, a criança deve comera papa de hortaliças em duasrefeições diárias (almoço ejantar).

Os grãos de leguminosas,bem amassados, podem serincluídos aos oito ou novemeses. Antes dessa idade,utiliza-se o caldo dasleguminosas pela dificuldadede digestão da casca dos seusgrãos.

Ovo, pescados e tomatesão introduzidos na dieta apartir dos nove meses, porserem alimentos que provo-

cam alergias em algumascrianças predispostas.

Aos novemeses, a criançajá é capaz de

pegar os alimentos (pão, carne, biscoito,etc.) e leva-los à boca.

Quanto ao tempero da papa de horta-liças, podem ser usadas ervas aromáticas(salsa, cebolinha, etc.), cebola e alho.

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que devem ser consumidos em menoresproporções que as de carboidratos. Aítemos as carnes, o leite, as frutas, ashortaliças e os legumes. No ápice,temos as fontes de carboidratos simplese gorduras, que devem ser consumidosem pequenas quantidades.

Os carboidratos ou hidratos de car-bono (açúcares) e as gorduras são fontesde energia para o corpo, sendo chama-dos, por isso, de alimentos energéticos.

As proteínas, por constituíremmatéria-prima para a estrutura dascélulas, são chamadas de alimentosplásticos ou construtores.

As vitaminas e os minerais são indis-pensáveis para as reações químicas queocorrem no organismo e permitem seubom funcionamento. São, então, chama-dos de alimentos reguladores.

As fibras são substâncias não absorvi-das pelo organismo, mas importantespara o funcionamento do sistema digesti-vo. Impedem a absorção de gorduras eaçúcares em excesso e regulam o funcio-namento dos intestinos, facilitando aeliminação de substâncias desnecessáriase nocivas.

A água constitui cerca de 70% docorpo da criança e é um elementofundamental para a vida. Ela deve seroferecida, freqüentemente, sob a formanatural, de sucos de frutas ou outroslíquidos. A exceção se faz para o bebêmenor de seis meses, que mamaexclusivamente no peito e em livredemanda (sempre que solicita), pois,

nesse caso, a água contida no leitematerno já supre perfeitamente suas

necessidades.

Durante a infância, os cuida-dos com a alimentação, procu-

rando-se oferecer alimentosde boa qualidade, visam a

propiciar o crescimento eo desenvolvimento da

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escola deve ser amplo e com poucosmóveis, de modo que a criança tenhaespaço para explorar e estimular seudesenvolvimento, ser forrado eassoalhado, bem ventilado e construídoem terreno seco. Não se pode ter preo-cupação, em demasia, com a “arruma-ção” dos objetos, pois a criança, na suaexploração do meio, tende a pegá-los eexaminá-los, deixando “fora do lugar”.Portanto, objetos que possam ser que-brados ou ferir a criança devem serdeixados longe do seu alcance.

É importante que a luz do sol penetreno interior da casa ou da escola por umgrande período do dia, principalmenteno quarto e nos locais mais freqüentadospela criança. As crianças acima de 2anos necessitam de um espaço fora dacasa (quintal ou jardim) onde possambrincar, com segurança, parte da manhãe da tarde. As crianças abaixo dessaidade podem brincar ao ar livre, mas soba observação de uma pessoa ou em umcercado espaçoso e livre de riscos.

A casa ou a escola devem ter rede deesgotos e de água tratada. O lixo deveser guardado em local apropriado, prote-gido do acesso de insetos ou outrosanimais e do contato das crianças, para odestino adequado, preferencialmente acoleta por serviço de limpeza pública.Mantém-se o ambiente limpo, tendo-se ocuidado de eliminar poeira, insetos eodores desagradáveis. A limpeza deve

criança e a criar hábitos saudáveis, pre-venindo doenças como o diabetes, aobesidade, a hipertensão, as doenças docoração e alguns tipos de câncer.

Medidas preventivas de riscos àsaúde da criança

Os cuidados de prevenção à saúde serelacionam às condições ambientais eindividuais. São os chamados cuidadosde higiene.

Os cuidados ambientais se referem aolocal onde a criança vive, que pode serpropício ou adverso ao seu crescimentoe ao seu desenvolvimento. Cabe à famí-lia, à escola e à sociedade garantir umambiente favorável ao crescimento e aodesenvolvimento saudável da criança.

Os cuidados individuais se referemao trato direto com a criança, à satisfa-ção de suas necessidades e à garantiada sua saúde.

O ambiente da criançaO ambiente onde a criança se insere

deve estar livre de qualquer tipo de polui-ção. A poluição pode ser: do ar (poeira,fumaça, odores desagradáveis, etc.); dosom (ruídos altos ou desagradáveis); daágua (impurezas, microrganismos, subs-tâncias tóxicas, dejetos, etc.); da visão(cores muito intensas, excesso de figurasno ambiente).

O ambiente interno da casa ou da

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dos e aqueles que são ingeridos crusdevem ser lavados com água e sabão ouimersos, por trinta minutos, em águacom hipoclorito de sódio. A água cujaprocedência for duvidosa também deveser tratada com hipoclorito de sódio, oufervida e filtrada, antes de ser utilizada.

Os recipientes usados na alimentaçãodevem ter superfícies lisas, que são defácil limpeza.

Na medida do possível, evita-se o usode bicos (chupetas) e mamadeiras. Alémde outras desvantagens, os bicos sãofacilmente contaminados e de limpezadifícil. As mamadeiras são substituídaspor copos ou xícaras, mesmo paraos bebês.

ser feita com a criança fora do ambiente.

O ambiente deve ser pintado comcores suaves e tinta lavável. A decoraçãodeve ser simples, evitando-se carpetes,tapetes, poltronas ou quaisquer objetosque acumulem poeira. Havendo cortinase mosquiteiros, recomenda-se que sejamlavados freqüentemente.

Higiene na alimentaçãoCuidados de higiene também devem

ser tomados no trato direto com a crian-ça e com sua alimentação. Recomenda-se, para a pessoa que cuida da criança, alavagem das mãos sempre que for prepa-rar o alimento, como também antes edepois da troca de fraldas.

Os alimentos precisam ser bem cozi-

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Os passeiosA partir da segunda quinzena de vida,

a criança já pode sair de casa, para umpasseio rápido, e tomar “banho de sol”,sempre em ambiente livre de poluição.Com o tempo, os passeios se tornammais longos, permitindo que a criança sesinta livre e feliz.

Banhos de solOs “banhos de sol” têm a finalidade

de expor a pele aos raios ultra-violeta,que facilitam a formação e o aproveita-mento da vitamina D no organismo,prevenindo, assim, a doença chamada deraquitismo. A exposição ao sol deve seriniciada com cinco minutos, aumentan-do-se, gradativamente, até trinta minutospor dia. Os horários recomendados são

até as nove horas, no verão, e até asonze horas, no inverno. Quando a

criança não puder ser retiradade casa, recomenda-se obanho do sol que entra pelajanela, desde que os raiosnão atravessem o vidro. Aexposição deve ser de corpointeiro, exceto a cabeça, poisa claridade irrita os olhos dacriança. Caso não sejapossível, expõe-se pelomenos as pernas.

A higiene bucalInicia-se, desde cedo, antes do apare-

cimento dos dentes. Tem o objetivo deprevenir doenças infecciosas (principal-mente a cárie), a mastigação deficiente,os distúrbios da fala e a respiração bucal.É feita a limpeza da boca da criança,inclusive da língua, com gaze molhada,após todas as refeições. Nas crianças quejá possuem dentes, pode-se usar umaescova pequena com cerdas macias epouca quantidade de creme dental infan-til. Outros cuidados importantes se refe-rem à higiene bucal das pessoas queconvivem com a criança; evitar oferecerà criança alimentos adoçados comsacarose (açúcar) e limitar ao máximo ouso de bicos e mamadeiras.

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pelo estado emocional da mãe ou pessoamais próxima.

Não é recomendado que a criançadurma na mesma cama dos pais. Para osbebês, há o risco de serem asfixiados poraqueles, inconscientemente, durante osono. Para a criança maior, há o risco deter prejudicado o seu desenvolvimentopsicológico e também há o inconvenien-te de retirar a privacidade no relaciona-mento afetivo do casal.

A posição ideal para dormir é aquelapreferida pela criança, mas, nos bebêsque ainda não sustentam a cabeça, aposição “de bruços” leva ao risco desufocação. Prefere-se, então, a posiçãode lado direito, principalmente apósmamar, para evitar a aspiração do ali-mento, caso regurgite. Também se poderecomendar a elevação suave da cabe-ceira do berço.

As vacinasA vacinação é o mais importante

instrumento na prevenção de doençasque podem debilitar, deixar seqüelas ouaté levar à morte. Muitas doenças fre-qüentes e temidas até há algum tempo jáestão erradicadas ou ocorrem raramentegraças à vacinação rotineira das crianças.É dever dos responsáveis pela criançamanter atualizado o esquema básico devacinação, oferecido pelos serviços desaúde. A escola deve exigir que a vacina-ção da criança não esteja atrasada.

Atividade físicaTem importância tanto no

crescimento como no desenvolvimentoda criança. O bebê pode ser estimuladoa se exercitar, massageando-se seu corpoe movimentando-se seus membros, emtodos os sentidos, sempre delicadamen-te. À medida que cresce e se desenvolve,o estímulo é feito com brinquedos, jogose brincadeiras ao ar livre.

O sonoO sono, em todos os indivíduos, tem

a função de reparar a energia física epsíquica, gasta no período de vigília.Cada um tem seu ritmo de sono, mas emgeral, quanto mais jovem a criança,maior a sua necessidade de sono. Umbebê com menos de três meses de vidachega a dormir 20 horas por dia. Essetempo vai se reduzindo até que, com 5anos, ele necessita apenas de 10 horasde sono.

Para um sono tranqüilo, as condiçõesfavoráveis se resumem à diminuição dosestímulos sensoriais. O ambiente calmo,escuro, a temperatura agradável, a suaposição, as condições da cama e ocansaço favorecem o sono. A criançadorme melhor se o ambiente lhe é famili-ar. Assim, o contato com um objeto deseu uso, na hora de dormir, acalma acriança e facilita o sono.

As crianças, principalmente menoresde um ano, têm seu sono influenciado

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fator importante para o desenvolvimentode ações preventivas.

A criança menor de seis meses corremaior risco na fase de aquisição de habili-dades motoras, como se virar ou pegarobjetos. Nessa fase, há o risco de queima-duras, quedas e asfixia. As queimadurassão causadas por líquidos excessivamentequentes em contato com a pele ou ingeri-dos. As quedas acontecem de locais ondea criança se encontra deitada, comocamas, bancos ou trocadores de fraldas. Aasfixia é causada por estrangulamento ouengasgamento causados por objetosdiversos. Alguns cuidados podem sertomados para prevenir esses acidentes:

– Sempre verificar a temperatura da águado banho do bebê, antes de imergi-lo.

– Não manusear recipientes comlíquidos quentes tendo a criança ao coloou nas proximidades.

– Só oferecer líquidos ou alimentos àcriança após certificar-se de que estão natemperatura adequada.

– Quando colocado na cama ou noberço, o bebê deve estar protegido porum cercado de grades, com pequenoespaço entre as barras. Os cercados demalha são os mais seguros.

– Nunca deixar a criança sozinhasobre um trocador de fraldas, mesmoque por um curto espaço de tempo.

As doenças passíveis de prevençãocom as vacinas disponíveis nos postos desaúde são: tuberculose, hepatite B, polio-mielite (paralisia infantil), coqueluche(tosse comprida), tétano, difteria (crupe),meningite por Haemophylus (Hib), sa-rampo, rubéola, caxumba e, em algumasregiões, febre amarela.

Prevenção de acidentesOs acidentes são causas freqüentes de

atendimento de crianças nos serviços desaúde, podendo, em alguns casos, levar àhospitalização ou à morte.

Na faixa etária entre 1 e 5 anos, osacidentes já ocupam lugar importanteentre as causas de atendimento nosserviços de saúde.

O conhecimento das principais cau-sas de acidentes com crianças, por partedos pais ou professores, pode ser um

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– Transportar a criança, em veículo,sempre no colo de um adulto e, no ca-so de automóveis, no banco traseiro.Há assentos apropriados para o trans-porte de bebês que devem ser utiliza-dos de acordo com as orientações dofabricante.

– Não oferecer ou deixar ao alcanceda criança objetos pequenos (botões,contas, grãos, etc.), perfurantes oucortantes (agulhas, alfinetes, tesouras,facas, etc.) e afixiantes (sacos plásticos,

balões de borracha, travesseiros macios,fios, cordões de pescoço, etc.).

– Oferecer à criança brinquedos gran-des, arredondados, de madeira lisa ouplástico maleável, que não podem serengolidos, quebrados e não apresentampontas que possam ferir.

Dos sete aos doze meses, as criançascomeçam a engatinhar, ficar de pé e,em alguns casos, a andar. Reconhecemobjetos pelo contato com a boca e jácomeçam a explorar o ambiente. Então,

há os riscos de afogamento, quedasda própria altura, queimaduras,choque elétrico, intoxicação,ferimentos e asfixia.

Os cuidados nessa faixa etária são:

– Nunca deixar a criança na ba-nheira sem a vigilância de um adulto.

– Não permitir o acesso da criançaà cozinha, utilizando grades de prote-ção na porta.

– Sempre utilizar as “bocas” posterio-res do fogão para cozinhar. Os cabosdas panelas devem estar sempre volta-dos para a parte posterior do fogão.

– Deixar líquidos ou alimentos quen-tes, torradeiras, ferro de passara roupa,fios elétricos, etc., fora do alcance dascrianças.

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– Manter sempre travadas as portasdos automóveis.

– Viajar sempre com a criança nobanco traseiro e protegida com o cintode segurança.

– Segurar sempre a mão da criança aocaminhar próximo a vias de tráfego deveículos e ao atravessá-las.

– Iniciar a orientação à criança de comose comportar com segurança nas ruas.

– Inspecionar previamente equipa-mentos de parques infantis a seremutilizados pelas crianças. Verificar apresença de objetos que sejamcortantes ou que possam ser engolidospela criança.

– Manter objetos que possam ferir acriança, como copos ou garrafas devidro, tesouras, facas, fósforos, isqueiros,etc., longe do seu alcance.

– Nunca guardar armas de fogo emcasa e, se ocorrer, deixar longe do alcan-ce físico e visual da criança e sempredescarregada (sem munição).

– Os responsáveis e os professoresdevem estar atentos a outros riscos quedependerão do ambiente em que acriança está inserida.

– Deve partir do adulto o exemplo decomo se comportar com segurança.

– Isolar as tomadas elétricas das pare-des com protetores especiais.

– Evitar o uso de toalha de mesa quepossa ser alcançada e puxada.

– Colocar portas ou portões nos acessosà escadas e mantê-los sempre fechados.

– Manter medicamentos, material delimpeza e outros produtos tóxicos emarmários fechados à chave e em localelevado, longe do alcance da criança.

– Não cultivar plantas tóxicas em casaou no jardim.

As crianças de 1 a 5 anos, na busca doconhecimento do ambiente em quevivem, estão mais expostas aos perigos.Nessa fase, estão propensas a quedas daprópria altura e de alturas superiores asua, queimaduras, afogamento, asfixia,ferimentos, intoxicação e atropelamentos.Nessa fase, é importante:

– Manter fechados portas ou portõesde acesso a vias de tráfego de veículos enão permitir que as crianças brinquem nasuas imediações.

– Usar sempre tapetes não-derrapantesnos banheiros.

– Instalar grades ou telas de proteçãonas janelas, principalmente nas que seabrem para lugares altos.

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Atividades de Estudoe Aprofundamento

Maria Helena Lopes

O autocontrole em saúde dependeconsideravelmente do desenvolvimentode hábitos e atitudes que se forjam nasinfâncias e da oportunidade de exercitarhabilidades para desenvolvê-las.

• Peça a enfermeiros, médicos edentistas para fazerem palestras e de-monstrações para crianças e familiaresabordando aspectos da educação para asaúde. Registre a experiência colhen-do um parecer dos pais sobre oconteúdo das palestras.

• Os profissionais da saúde tambémpodem colaborar na organização deprogramas de acompanhamento do cres-cimento das crianças ou de prevenção deacidentes. Tente uma das alternativas eregistre como julgar mais adequado.

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Foto: Sebastião Barbosa

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rganização do Tempoe do Espaço

Elizabeth Amorim

“Qualquer situação planejada como contextopara o desenvolvimento da criança envolveuma proposta de atividades e o planejamentodo tempo e do espaço para a realização dasmesmas.”

Zilma de Moraes Oliveira

Gostaríamos de iniciar este artigorefletindo um pouco sobre a pressa quevem atingindo de maneira esmagadora asociedade de nosso tempo e, por conse-qüência, a criança: parece que há pressapara que a infância acabe logo!

Não há pressa, já aconselhavaRousseau. Sem ela, há tempo de viver asexperiências próprias da infância, dojogar, do brincar, do divertir-se na água eacompanhar a bolinha de sabão até queela estoure ou suma nas alturas.

Em tempos de grades nas janelas eportões, de apartamentos, de calçadas eruas perigosas em todos os sentidos, deespaços lúdicos delimitados em praças eshoppings, não há mais lugar para sercriança sem hora marcada. Isso quandoos pais têm tempo de marcar hora!

Assim, vemos pais dizendo, orgulho-sos, que sua criança tem tantas aulasespecializadas, tornando-a efetivamenteum adulto em miniatura.

E, como a criança está sem espaço esem tempo – pois se não há espaço otempo tem que ser preenchido –, aagenda fica cheia de compromissos:judô, balé, natação, inglês, futebol... Ufa!

Já nas classes menos afortunadas,algumas crianças saem muito cedo, junta-mente com os pais, quando não sozinhas,para a escola ou para o comércio informala fim de ganhar a vida.

E brincar de criança quando? NoCentro de Educação Infantil! Por isso, ainstituição infantil deve ter como grandepreocupação a de ser o lugar quepermita a criança ser criança, necessitaser o espaço privilegiado para que acriança sinta e desfrute a vida com ale-gria e prazer. Frente a esse importantepapel, ela deve estar organizada de talforma que propicie à criança extrair omáximo das experiência nela vividas.

Organizando o tempoSabemos que o dia-a-dia é constituído

de atividades rotineiras. No entanto, nãofica restrito a elas; ao contrário, é muitomais do que o repetitivo, quase automáticodo “todo dia ela faz tudo sempre igual”,como canta Chico Buarque.

Assim, a organização do tempo nainstituição infantil não deve ser rígida etampouco obedecer ao pré-estabelecimentode momentos. Se as atividades obedecem –como esquema – a uma ordem, hierar-quia e tempo pré-determinados,

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transformam-se em uma “rotina dainfância, que pode tornar-se umaalternativa de dominação por nãoconsiderar o ritmo, a participação, arelação com o mundo, a realização, afruição, a liberdade, a consciência, aimaginação e as diversas formas de socia-bilidade das crianças nela envolvidas”.

A criança não tem hora para viver, eas teorias de desenvolvimento compro-vam que a criança pequena aprendemediante ação e experimentação, daí anecessidade de vivências que sejamrealmente significativas. Não negamosaqui a organização do tempo: há que seter um plano de ação sim! A nossa preo-cupação é como acontece o planejamen-to e a organização.

O que não concordamos é com umaseqüência de momentos que precisamser cumpridas, como obrigação. Igual-mente as atividades não devem “surgirdo nada”, sem sentido nem significadopara as crianças, pois assim fica aatividade pela atividade, sem significado.Atividade mecânica, simplesmente dese-nhar, por exemplo, porque é hora dodesenho; jogar porque é hora do jogo enão por estarem fazendo parte de umcontexto maior que dê sentido ao fazer epara que as crianças entendam o queestão realizando e percebam o porquê eo para quê.

Igualmente importante é que as dife-

rentes atividades do dia rotina estejamadequadas à faixa etária do grupo, a fimde que sejam respeitados tempo deconcentração e interesses das crianças.Dessa forma, os fazeres da rotina dosberçários será diferente das crianças de 3anos, que por sua vez não será igual aogrupo de 5 anos. Ao mesmo tempo,devemos intercalar atividades individu-ais/grupais/coletivas, movimentadas/semimovimentadas/calmas, alternandotambém as propostas que exigem maioratenção e concentração.

Para você auxiliar as crianças naorientação espaço-temporal, uma vezque necessitam de referências parasituarem-se (é comum perguntarem se éantes ou depois do almoço, do pátio,etc.), é aconselhável iniciar o dia com oplanejamento da rotina e das atividades.É na rodinha da conversa que, entreoutros assuntos, planejamos os nossosmomentos; inicialmente é realizado pornós e apresentado ao grupo, masgradativamente vai sendo feito junto comas crianças. Mesmo o grupo de 2 anos jáé capaz de opinar escolhendo momentose fazeres. A maneira de pensar asatividades, possibilitando o entrosamentodas crianças em sua elaboração, terádimensões diferentes se tomarmos comoreferência a idade delas. Com criançasbem pequenas, são os gestos, os olharese o choro as manifestações que devemosobservar, enquanto nas maiores as

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combinações já são compartilhadas pelodiálogo, mesmo que a expressão oralainda não esteja totalmente estabelecida.O que importa é a participação dacriança!

Lembrete:Como todos osfazeres sãoeducativos, ali-mentação, higienee sono fazemparte do planeja-mento diário.

As atividadespodem ser organi-zadas em quatrogrupos que devem,como já sabemos,estar adequados aodesenvolvimentodas crianças e aosnossos objetivos.

– PlanejamentoColetivo: envolveo todo, seja nasala – como ar-rumação da mes-ma –, seja nainstituição, comopasseios, teatros ecomemorações.

– Cuidado Pessoal: momentos dealimentação, higiene e descanso.

É claro que no berçário essas ativida-des ocupam boa parte do tempo, visto ascrianças necessitarem de maior atenção

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nos cuidados físicos. No entanto, osfazeres devem ser parâmetros, e não“severos fiscais” que impedem a espon-taneidade e o prazer que os diferentesmomentos provocam.

– Orientadas: atividades coordena-das por nós, educadores, envolvendotodo o grupo.

Nesses momentos, percebemos comoas crianças atendem propostas coletivase exigem, muitas vezes, atenção e con-centração. O planejamento coletivo éuma dessas atividades, como também asque envolvem os projetos em desenvolvi-mento; os relatos de situações vividas;pesquisas em diferentes fontes; rodascantadas; atividades corporais orientadase baseadas em técnicas de artes plásti-cas, entre outras.

– Livres: momentos de escolha livre porparte das crianças. Tanto em espaço inter-no na sala do grupo e salas coletivasquanto em espaço externo, como pátio epracinha. Aqui temos inúmerasoportunidades de interagir com as criançase incentivar a interação entre elas. Étambém o momento em que podemosconversar individualmente com cada umadas crianças para conhecê-las melhor.

Atenção: momentos livres nãosignificam crianças soltas e educadorasconversando!

Quando as crianças chegam diaria-mente ao centro infantil, gostam desentir-se esperadas, aguardadas, pois estaé também uma das formas de demons-trarmos que temos vínculos com elas.Não aguardamos com satisfação a che-gada em nossa casa de uma pessoa daqual gostamos muito?

Assim, recebemos nossas criançascom afeto e alegria, abraçando e conver-sando com cada uma que chega. Damesma maneira, devemos preparar oambiente com propostas e brinquedosque permitam a cada uma – individual-mente ou em grupos – manter-seenvolvida até que o grande grupo estejacompleto.

Ao finalizar essas reflexões sobre osmomentos no Centro de Educação Infan-til, não poderíamos deixar de fazer refe-rência ao estabelecimento de regras, poissem elas não há organização, e nada éproduzido se não organizado, nem queseja de forma mínima.

Inicialmente, algumas regras necessi-tam ser impostas por você, até por segu-rança das crianças, como, por exemplo,não sair da sala sem avisar, não atirarbrinquedos, etc. As regras devem serclaras e explícitas para evitar interpreta-ções diferentes, bem como explicadaspara que a criança entenda o porquê enão saia obedecendo cegamente, só porporque a orientação partiu de um adulto.

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Então, você vai auxiliando,gradativamente, o grupo a discutir eelaborar as próprias regras a partir desituações surgidas. Um exemplotípico é o das canetinhas hidrocorcom a ponta para dentro. A regra“não bater com as canetinhas” só terásentido e poderá ser construída pelogrupo depois de ter vivido a situaçãode que a caneta não funciona com aponta para dentro.

A educadora deve, deforma tranqüila e natural,fazer uso de sua autoridadesendo firme e coerente, poisas crianças precisam de refe-rência e segurança. Isso nãoquer dizer chantagear, castigarou ameaçar, mas conter acriança se assim for necessá-rio, não permitindo que utilizeinadequadamente algumbrinquedo ou material, oumesmo agrida algum compa-nheiro. As sanções devem serimediatas e por reciprocidade:rasgou o livro, vamos colá-lo.Jamais tirar o recreio – porexemplo – que não temrelação nenhuma com a rea-ção indesejada.

Organizando o espaçoPartindo da premissa de que

o meio e o espaço influenciam

no desenvolvimento das crianças, a orga-nização do espaço é tão importante quan-to a organização das atividades, pois é neleque elas acontecem, é nele que as criançaspermanecem, interagindo com ele e comos outros, sendo protagonistas de suasações. A organização espaço/ambienteoportuniza a construção da autonomia,porque oferece distintas opções “de fazer”,sem a interferência do educador, brincan-do com liberdade e independência.

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É claro que, ao organizar o espaço,você deve considerar o tamanho da sala,o mobiliário disponível, a faixa etária e onúmero de crianças que ali permanecerão,evitando – no desejo de oferecer váriassituações e cantinhos – transformar a salanum verdadeiro “brique”. Se o seu espaçoé pequeno, faça rodízio (semanal oumensal) do material. A possibilidade demodificar o ambiente é atraente às crian-ças, sempre curiosas por novidades,porém às vezes causa transtornos e exigededicação dos educadores.

Dividir o espaço por áreas de ativida-des em arranjo espacial semi-aber to,onde são utilizados móveis baixos cujacaracterística principal é o seu fecha-mento em pelo menos três lados, promo-ve relacionamentos agradáveis entreadultos e crianças. A criação de ambien-tes atraentes, além de propiciar desco-bertas e aprendizes, contribuem para obem-estar, a harmonia e a segurança dascrianças.

Dessa forma, a delimitação do espaçoé feita através de estantes, aparadouros,um fogãozinho (no canto da casinha), oumesmo almofadas e tapetes. Quandoforem móveis, o importante é que sejambaixos para que as crianças possam ver aeducadora, principalmente se o seugrupo é de faixa etária até 3 anos. Atéessa idade, para a criança sentir-se segura,é fundamental a proximidade física evisual de quem cuida dela.

Esses arranjos espaciais possibilitamàs crianças buscarem os pequenos gru-pos de acordo com os interesses, semnecessidade da constante atenção einterferência do adulto. A interação entreas crianças – tão importante quanto ainteração adulto/criança – também éfavorecida nesses espaços definidos, quepodem ser organizado em “cantinhos”com temas assim estruturados:

– Casa de Bonecas: composta de obje-tos e utensílios de uma casa, que poderãoinclusive ser confeccionados com sucata.

– Canto da Fantasia: como o nomesugere, tem fantasias, roupas de adultoschapéus, maquiagem, espelho, panosdiversos, gravatas, echarpes, etc.

– Canto da Biblioteca: além delivros, jornais e revistas, pode ser ambi-entado com almofadas e/ou tapete.

– Canto dos Jogos e Brinquedos:incluindo quebra-cabeças, jogos demontar, de encaixe e de armar, brin-quedos diversificados. Procure ter maisque um brinquedo de cada tipo, evi-tando, assim, disputas desnecessárias.

– Cantos Alternativos: variam deacordo com o interesse do grupo ou osprojetos em desenvolvimento, po-dendo focalizar Música, Supermerca-do, Museu, Cabelereiro, Oficina etudo o mais que você e seu grupo decrianças idealizarem.

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O espaço na instituição infantil,então, deve ser visto como parte inte-grante da ação pedagógica, pois exerceinfluência em quem nele convive.Igualmente, mostra-se como “vitrine” dospressupostos teóricos que orientam aprática daquele educador e do tipo derelações que são estabelecidas. Estantese prateleiras altas não permitem a plenacomunicação entre as crianças. Nesseambiente, o grupo não tem acesso aosmateriais sem a interferência do adulto,demonstrando ser ele (adulto) o centro doprocesso, não havendo, portanto, estímuloà construção intelectual e social, já que ascrianças dependem da educadora até paraalcançar-lhes o que desejam.

Logicamente, nos berçários os arran-jos espaciais são diferentes, porque osinteresses e as necessidades dos bebêssão outras. Mas as divisórias em dife-rentes tamanhos estão presentes, umavez que oferecem desafios para aquelesque já engatinham, assim como os pe-quenos túneis e barraquinhas abertas,que podem ser confeccionadas comcaixas de papelão em diferentes tama-nhos, decorados com pinturas ou for-radas com tecidos ou papéis.

O espaço do berçário deve dar opor-tunidade de movimento, exploração einteração com objetos e entre os bebês.Assim, espelhos, bolas, objetos sonoros,mordedores de diferentes formatos,

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carrinhos, bonecas, garrafas plásticasvazias e/ou contendo objetos, sãoalguns exemplos do que é interessantepara os bebês.

Como educadora, você deve estaratenta aos progressos e interesses dascrianças para que possa ir mudando osestímulos e apresentando novos einteressantes desafios. Elas precisamempurrar e puxar objetos, encaixar,empilhar, imitar, esconder, engatinhar,agarrar e agarrar-se, virar-se, balançar,rasgar, experimentar macio/áspero,mole/duro, enfim, elas precisamcontatar com o mundo! Então, entramcolchonetes, balanços, almofadas emtamanhos e texturas diferentes,escorregadores, objetos sonoros e dediferentes texturas e tamanhos.

Quanto à decoração, salientamos aimportância da estética e do capricho.Nas paredes, devem estar a produçãoartística ou os escritos das crianças, seusdesenhos e “bilhetinhos”, cartazes feitospor elas para ilustrar projetos, enfim,elementos que tenham sentido esignificado para o grupo.

Os bebês ainda não desenham, recor-tam ou colam, portanto o materialexposto deve “comunicar” a crianças eadultos o que se está fazendo no Centrode Educação Infantil. Observando ostrabalhos expostos, pais e visitantespodem trazer outros materiais, enquanto

outros podem ter uma idéia para a amplia-ção dos estudos. Então, penduramosmóbiles, expomos fotos deles e das famíliase podemos pôr algumas figuras de bebêse bichinhos também. Porém, tudo deforma aconchegante, em tons claros,para que o espaço não fique poluído deimagens e cores.

Devemos lembrar sempre que a crian-ça precisa da diversidade de espaço,materiais e brinquedos. Então, livros dehistória, material de desenho, cordas,cordões, tacos de madeira, jogos varia-dos, sucatas, caixas e muitos outrosdevem estar à disposição e ao alcance decada um. O material não precisa sercaro, tampouco sofisticado, basta quedesafie a curiosidade da criança.

Com certeza, você possui criatividadesuficiente para enriquecer, juntamentecom as crianças, o espaço de vocês e,sem dúvida, o tempo será preenchidocom atividades enriquecedoras porquevariadas, significativas e prazerosas.Referências Bibliográficas

HORN, Maria da Graça. Sabores, cores, sons, aromas: a organizaçãodos espaços na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2003.OLIVEIRA, Zilma Morais de. (Org.). Educação infantil: muitosolhares. São Paulo: Cortez,1994.______. et al. Creches: crianças, faz-de-conta & cia. Petrópolis:Vozes, 1992.REDIN, Euclides. O espaço e o tempo da criança: se der tempoa gente brinca. Porto Alegre: Mediação,1998.RIZZO, Gilda. Creches: organização, currículo, montagem efuncionamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.ROSSETI-FERREIRA, Mª Clotilde. et al. Os fazeres na educaçãoinfantil. São Paulo: Cortez, 2001.

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Atividades de Estudo eAprofundamento

Maria Helena Lopes

• Após a leitura do texto, faça umaanálise comparativa das fotografiasabaixo, refletindo sobre a organizaçãodo espaço.

• Observe uma sala de berçário oumaternal avaliando suas instalaçõesquanto à estética e às possibilidades deexploração dos objetos. Registre suaobservação.

• Confeccione uma maquete ideali-zando a sala onde você gostaria de estardiariamente com suas crianças. Utilizesucatas e muita imaginação.

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Pontos de Reflexão e AçãoEuclides Redin, em seu livro O Espa-

ço e o tempo da criança: se der tempo agente brinca, diz que:

“A vida não existe em função denenhuma etapa ou período: a vida deveser plena em todo o tempo. O tempo

pleno é o tempo presente: passado efuturo só contam se forem presentes comseu peso, seu fogo, sua esperança, suagarra(...).”

• O que você pensa sobre estas pala-vras? Converse com os colegas e juntosfaçam uma poesia.

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as formas peculiares e originais de ascrianças se expressarem. O conhecimen-to sobre a faixa etária na qual atuamos éa ferramenta que nos permite melhorinterpretar a criança em suas ações ediferentes linguagens, bem como perce-bermos suas necessidades e potenci-alidades. Aprendendo como é a criança,você poderá observá-la melhor, estandoatenta a seus movimentos, brincadeiras,jogos e todos os desafios que ela nosimpõe, porque ela tem a sua maneirapeculiar de pensar e é capaz de viver omundo através do brinquedo, do sonho eda fantasia. Há coisas de criança que sóse aprende com criança.

Realmente o mundo infantil nos desafia,talvez porque tenhamos esquecido (ou

Pedagogia de Projetos ea Mediação do Educador

Elizabeth Amorim e Maria Helena Lopes

Relato de uma professora:Quando as crianças dão-se conta

de que são capazes de realizardescobertas através da pesquisa,tornam-se cada vez mais curiosase ávidas por iniciar novas jornadasde estudo.

Mal “terminam” um projeto e jáestão pensando sobre o próximo.

– Profe, quando a gente terminarde estudar os morcegos, o que nósvamos fazer?

Não podemos falar em ação pedagó-gica sem nos referirmos aum pré-requisitofundamental para que elaaconteça de formaadequada: a observação.

Sim, é a observaçãoconstante das crianças ede seus fazeres, tanto in-dividuais quanto grupais,que nos permite realizara leitura adequada da su-as necessidades e interes-ses. Por isso, é precisoestar de olhos bem aber-tos e ouvidos atentos paraque possamos interpretar

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abafado?) o nosso lado criança, oencantamento e o lúdico. Você já experi-mentou estar, efetivamente, junto com assuas crianças, sendo parte integrante dogrupo? Isso significa mergulhar nosfazeres cotidianos, realizando juntoalgumas propostas e participando dasbrincadeiras e construções.

Há quanto tempo você não “suja” asmãos com barro, areia ou tinta junto com ogrupo? E o prazer de “amassar” a argila?Qual foi o seu personagem quando ascrianças se fantasiaram naquele dia? Quan-do entrou nas brincadeiras de faz-de-conta?Se não lembra, que pena, você perdeu bonse proveitosos momentos! Primeiro, porquedeixou de se deliciar; segundo, porqueperdeu (de novo!) grandiosas oportunidadesde entender (ou lembrar?) um pouco mais ouniverso infantil; terceiro, porque deixou deobservar e perceber mais detalhadamenteinteresses e necessidades dos seuspequenos amigos.

É possível constatar, então, a impor-tância e a necessidade da observação nonosso cotidiano pedagógico, pois é atravésdela que obtemos as pistas para proporatividades significativas e contextualizadasporque originadas no e do grupo.

Vale lembrar que lidamos com seresque têm uma história familiar e social(mesmo um bebê de três meses já temuma história de três meses!) e, portanto,experiências socioculturais variadas. Da

mesma forma, possuem hipóteses sobreo mundo, assim como avidez de des-coberta e experimentação. Por isso sãoseres ativos, barulhentos, capazes eexploradores do meio que os rodeia. Aênfase na observação das crianças édesencadeadora de contextos ou situa-ções que se tornarão temas de estudos,ou melhor, de projetos pedagógicos.

Na organização da ação educativaatravés de projetos, a chamada pedago-gia de projetos, as atividades se relacio-nam, organizadas segundo temaspertinentes à vida das crianças. Osprojetos assim desenvolvidos, respeitan-do o contexto sociocultural das crian-ças, bem como seus interesses,necessidades e questionamentos, devempossibilitar que elas questionem, criem,estabeleçam relações sociais e compre-endam o significado e o funcionamentodas coisas e do mundo.

Não há fórmula nem esquema para aconstrução de projetos, pois sua estruturadepende do assunto a ser tratado, das ca-racterísticas do grupo, do tipo de relaçõesque estabelecem, das experiências préviase do tipo de problema exposto. Além dis-so, o tempo é variável, na medida emque está ligado a essas condições citadas,por isso, pode durar um dia, uma semana,um mês...

Apresentamos de forma sucinta,porém bastante esclarecedora, os possí-

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veis passos de um projeto de trabalho nainstituição infantil.

Escolha do temaPode organizar-se em projetos

anteriores, em situações vividas pelascrianças, em proposições da educadora eda escola, em atividades como passeiose visitas, em anseios dos pais.

Às vezes, um acontecimento “bom-bástico” pode originar um projeto, comoaconteceu em um grupo de criançasentre 4 e 5 anos. Certo dia, uma dascrianças chega mais tarde, causando umgrande rebuliço no grupo: estava com opé engessado (inclusive o gesso aindanão estava bem seco) e, mais, trazia jun-to a radiografia que mostrava claramenteo osso partido! A admiração foi geral,surgiram inúmeros questionamentos ehipóteses que resultaram no projeto“Todos nós temos esqueleto”, que durouo tempo do “engessamento” , como ascrianças diziam.

Em outras situações, os projetos po-dem surgir a partir da observação dasbrincadeiras e dos jogos realizados pelascrianças. Assim foi no grupo de 3 anosno qual as freqüentes e cotidianas care-tas frente ao espelho originaram o “Meurosto se mexe”, que teve continuidade noprojeto “Todo o meu corpo se mexe?”.

Em outra situação, uma determinadaescola julgou necessário trazer paraestudo e reflexão a temática dos senti-mentos e valores, devido às manifesta-ções excessivamente agressivas dascrianças. O grupo de educadores deci-diu abordar a temática da paz, ficando acritério de cada um, com seus alunos, amaneira de abordagem ou o caminho aser percorrido. Encaminhadas asreflexões sobre o tema, cada grupoorganizou uma atividade que expressouseus sentimentos sobre a importânciadas relações interpessoais harmoniosas.Foram elas: teatro, criação de letras emúsicas, entre outros.

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Relato de ExperiênciaProfessora Janice Oliveira

A turma do Jardim A1 já vinha discu-tindo algumas questões de convivênciaentre o grupo, quando a escola propôsque realizássemos uma grande campanhapara o trabalho com a PAZ.

Começamos a investigar com ascrianças a maneira como todas as pesso-as gostam de ser tratadas. Podemos baternas pessoas que estão à nossa volta?Podemos mexer nos objetos dos outrossem permissão? Quando queremos algo,como é que pedimos? O que fazerquando alguém bate na gente? E quandobatemos nos outros? O que acontececom pessoas que não cumprem as“regras básicas” de convivência? Estas eoutras questões serviram de introdução aesse trabalho que apresentou umexcelente resultado para o grupo.

Trouxemos para as crianças uma cole-ção de livros da editora Moderna chamada“Valores”, dos autores Brian Moses e MikeGordon. São quatro livros com os seguin-tes títulos: “Com licença?” Aprendendosobre convivência; “Deixa que eu faço”Aprendendo sobre responsabilidade; “Nãofui eu!” Aprendendo sobre honestidade; “Eeu com isso?” Aprendendo sobre respeito.

A partir da leitura das histórias, quemostram situações bastante comuns nocotidiano das crianças, fazíamos uma

relação direta com a nossa realidade. Ascrianças começaram a perceber que, namaioria das vezes, quem age correta-mente acaba lucrando, pois torna-se umapessoa benquista por todos à sua volta.Elas perceberam que quem bate nocolega, arranca brinquedos das mãos dosoutros ou não consegue respeitar aspessoas que convivem ao seu lado acabaficando sozinho, sem amigos.

Para a finalização do projeto, planeja-mos a execução de um jogo que conti-vesse toda essa tomada de consciência.Num jogo de trilha, em que as equipesjogam um dado para ver quantas casasdevem andar, aparecem situações “boas”e “ruins” do nosso cotidiano. Através decartas que significavam “sorte” ou “azar”,as crianças ilustraram tais situações.Cada criança escolheu uma situaçãopara ilustrar de duas formas: uma positi-va e outra negativa. Por exemplo: quemescolheu ilustrar crianças emprestandoseu brinquedo deveria ilustrar a negativadessa situação, ou seja, as criançasbrigando pela disputa de um brinquedo.Colamos os desenhos de boas ações emcartas vermelhas e os de más ações emcartas amarelas. Quando uma equipecaísse numa casa da trilha que contivesseuma estrela amarela, deveria compraruma carta amarela, que traria consigoum “castigo”, do tipo “fique uma rodadasem jogar” ou “volte duas casas”, junta-mente com a descrição da ação ilustrada,

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e o contrário acontecia com quem com-prasse uma carta vermelha, tendo maioreschances de chegar ao final do jogo. Porfim, a equipe que concluísse primeiro,ganhava como “prêmio” a mensagem:

“PARABÉNS! VOCÊ CHEGOU AOFINAL DO JOGO E SABE O QUECONQUISTOU? UMA PORÇÃO DEAMIGOS”, reforçando a idéia de que,quanto mais nos empenharmos emtornar as pessoas ao nosso redor felizes,mais felizes seremos também.

A idéia inicial era a de que empr estás-semos o jogo para as outras turmas joga-rem. No entanto, chegamos à conclusãode que talvez esse jogo não fizesse muito

sentido para outro grupo de crianças quenão tivesse vivenciado o processo comos mesmos passos que nós. Passamos aperceber uma grande diferença notratamento entre as crianças depois dessetrabalho. Atualmente, percebemos comfreqüência situações em que os colegasse ajudam, se respeitam em suas diferen-ças e, o mais importante de tudo, sãofelizes com os amigos que têm.

Esboço do Jogo

Cartas amarelas (16), com situaçõesilustradas e descritas como o exemploabaixo:

Você debochou de um colega e ele

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começou a chorar. Você vai ter que darum jeito nisso. Volte uma casa.

Cartas vermelhas (16), com situaçõesilustradas e descritas como o exemplo:

Você elogiou o cabelo de uma amigae ela ficou muito feliz. Jogue outra vez.

5 PEÕES COLORIDOS (tampinhas deamaciante)

5 PEQUENOS CRACHÁS DA COR DECADA PEÃO (para identificar as equipes)

1 DADO GRANDE COM NÚMEROSDE 1 A 6

1 TRILHA (contendo cenas dos livrosutilizados, para ilustração)

Já com bebês, os temas sãoresultado basicamente da observaçãoque você realiza no seu grupo e decada criança individualmente. Por isso,você deve estar muito atenta às mani-festações e reações para melhorinterpretá-las, lembrando sempre oquanto é importante a organização deum ambiente estruturado de modo adesafiar a exploração do espaço e dosmateriais. Um exemplo poderia sersobre a alimentação dos bebês. Ofere-cer papinhas geladas e quentes,alimentos doces e salgados, registrandoatravés de fotografias as expressõesfaciais das crianças.

Organização das atividadesÉ quando, após a escolha do tema,

você organiza situações em que ascrianças manifestam o conhecimento

que já têm do assunto, o que desejamsaber e aprender e, ainda, como vãofazer para que isso aconteça.Normalmente, fazemos uma listagem porescrito dos itens citados pelo grupo paraordenarmos as idéias; também seleciona-mos os recursos que serão utilizados.

A listagem sobre “o que já sabemos”,“o que queremos saber” e “como vamosfazer”, além de servir de base para oplanejamento das atividades (individuais,em pequenos e grande grupo) e da distri-buição do tempo, é também o momentoda avaliação inicial. Esse momento servirá,posteriormente, como parâmetro da avalia-ção final do projeto. Não esquecendo quecabe a nós “enlaçarmos” os temas aosobjetivos gerais previstos para o semestreou o ano e igualmente prever possíveisassuntos que poderão ser desenvolvidos.

Aprendizagem do educadore das crianças

Ensinando também se aprende (emtodos os sentidos). Então, ao elegermosum tema, devemos nos atualizar emrelação a ele e, inúmeras vezes, aprende-mos mesmo! Principalmente entre crian-ças a partir de 4 anos, é comum surgiremconteúdos que exigem de nossa parte umaprofundamento maior em relação a ele,mesmo porque cabe a nós ampliar osconhecimentos do grupo e fazer-lhenovas propostas de trabalho. Um exem-plo que ilustra esse aspecto foi o interes-

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se de um grupo de crianças sobre o diaem que aconteceu um eclipse solar. Ointeresse foi tamanho, que obrigou aeducadora a estudar muito sobre osastros do sistema solar e seus fenômenos.

Coleta de informaçõesÉ realizada por todos, isto é, você, as

crianças e os pais. Como o título sugere,é o momento de ir em busca das infor-mações que ampliarão os conhecimen-tos sobre o assunto em foco. As fontesdiversas não somente enriquecem, co-mo também, através de suas diferenteslinguagens, possibilitam atingir os esti-los de aprender de cada criança. Então,livros variados, jornais, revistas, passei-os orientados, observações, entrevistas,exploração de materiais e experiênciasconcretas são algumas fontes que bus-camos.

É interessante, dentro do possível, en-volver os pais, que por sinal muito nosauxiliam no desenvolvimento dos proje-tos. Além de ser muito bom para a crian-ça envolver-se junto com a família, ospais são ótimos informantes, e as infor-mações chegam variadas, tanto em lin-guagem como na maneira de exposição.Essa alternativa igualmente proporcionauma aproximação maior da família coma instituição, com a educadora, com asdemais crianças e respectivas famílias dogrupo de seu filho. Sabemos sobre a im-portância das famílias acompanharem o

que as crianças realizam, por issodevemos manter os pais informados sobreos projetos em andamento, seja através debilhetes, cartazes, avisos na porta oureuniões.

MateriaisLembremo-nos de que os materiais

precisam estar acessíveis às crianças e oespaço organizado para elas e por nós.Devemos estar disponíveis como apoionesse ambiente de pesquisa. Registrarpor escrito as situações é necessário,porque os registros orientam o quedevemos selecionar e eleger como maissignificativo para realizar.

No berçário, podemos dizer que osmateriais e o ambiente são os “informan-tes”, pois são fonte de socialização e

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estimulação dos bebês. O ambiente deveser visto como “educador auxiliar”, pois,se bem estruturado, pode ser um provo-cador de aprendizagens com suas almo-fadas, cestas de brinquedos, bolas, jogosde manipulação, brinquedos de constru-ção e tantos outros materiais já apresen-tados, bem como a organização dotempo e do espaço. O registro escrito aquitambém existe como auxílio na reflexãosobre os fazeres. “O Prazer do Banho”,“Rolando com Garrafas”, “Na Caixa deAreia” são alguns dos exemplos deprojetos alegres que podemos vivenciar.

A partir dos 3 anos, muitas vezes ascrianças querem “estudar” o que já conhe-cem, cabendo à educadora auxiliá-las,criando possibilidades de conhecerem maissobre o assunto e organizando um ambienteque estimule novos conhecimentos. Assim,quando Vitória (3a3m) levou para a sala opintinho que havia ganho da madrinha, foiuma festa. O bichinho passou a tarde com ogrupo (a primeira de muitas!). As criançassabiam algumas “coisas de pinto: que ele éfilho da galinha, não tem mão, tem penas, aboca é um bico e ele fica grande, dotamanho da galinha e do galo”.

A visita do pintinho resultou, a partirdas hipóteses e perguntas surgidas desdeentão (aliadas à observação da educadorae suas interferências), no projeto “Tempena, bico e bota ovo: que bicho é esse?”.

E o pinto foi substituído, posteriormente,pela Tuca (uma caturrita) e pelo Teteco (umcanário) que acompanharam as peripéciasdaquele grupo até o fim do ano!

Sistematização das informaçõesÉ realizada na apresentação do mate-

rial coletado e no momento em que sãofeitas as relações e comparações entre asinformações. É quando realmente ascoisas acontecem com todos tendoparticipação ativa em esforço coope-rativo. Há diálogo e interações, comfazeres individuais e coletivos.

Você deve preocupar-se em utilizardiferentes linguagens (desenho, modela-gem, pintura) e organizar as informaçõesde tal forma que apresentem variedade deenfoque. Assim, são construídos jogos,textos coletivos, teatros e dramatizações,maquetes, livros, esculturas e demaissugestões combinadas com e no grupo. Éo momento de entrarem em cena tambémvocabulário específico, experiências cientí-ficas, formas geométricas, classificações eseriações, números, etc.

A história “O Rei Bigodeira e a SuaBanheira” suscitou grande curiosidade emuma turma de crianças entre 5 e 6 anos,que ficou muito intrigada com “aqueletempo dos castelos em que não existiatorneira, as pessoas usavam roupas goza-

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das” e, ainda por cima, “dormiam todasjuntas numa camona”!

Então, no decorrer do projeto “Notempo dos castelos”, foram construídosdominós e jogos de memória, com armas eutensílios da época, uma linha de tempocom gráficos e atividades comparativascom o nosso tempo. Durante o processo, ogrupo foi construindo um castelo medie-val, utilizando caixas de papelão emdiferentes tamanhos e sucatas as maisdiversas (imagine os conceitos e relaçõesenvolvidos nessa atividade!), que foi naculminância do projeto, o cenário doteatro encenado pelas crianças. As rou-pas de época utilizadas pelos “artistas”foram confeccionadas por eles utilizandojornal, papéis e caixas. Um projeto e tanto!

O educador deve auxiliar acompa-nhando todas as atividades realizadas,ajudando o grupo decrianças a registrarsuas tarefas econquistas,e, quandonecessário,fazerinterme-diações ,novas pes-quisas esistema-

tizações.

Culminância do projetoÉ o momento em que as crianças,

utilizando as diferentes linguagens,expõem o que foi construído no decorrerno projeto. No exemplo anterior, o teatrorealizado pelas crianças foi a atividade emque, utilizando a linguagem dramática, ogrupo recontou e narrou a aprendizagemsignificativa. É muito importante para ascrianças que elas expressem e divulguem oque estão fazendo e aprendendo.

É também chegada a hora da avaliaçãodo trabalho, realizada a partir da situaçãoinicial de “o que sabemos...?” É quandocomparamos a proposta e os resultadosobtidos, as combinações realizadas – ounão – e o porquê. Daí podem surgir novasperguntas ou questões que darãoorigem a novos projetos.

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Ilustração: Estúdio CRIANÇAS CRIATIVAS / Gian Calvi

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Como vimos até aqui, alguns critériossão importantes nesse processo. Assim,todo projeto deve:

• ser do interesse das criançase da educadora;

• partir do que o grupo já sabe;• respeitar as diferenças individuais;• apresentar experiências diversificadas;• estimular a participação, a

cooperação e a criatividade;• ser rico em atividades, tanto livres

quanto dirigidas;• estabelecer relações compreensíveis

para as crianças;• contemplar e ampliar conhecimentos,

experiências, atitudes e habilidades.

Por isso, você deve ser como um guia,companheira experiente, atenta edisponível. Sabendo escutar e estimulan-do a expressão, propiciando igualmenteum clima democrático, onde todosparticipam e são valorizados, porquevistos como competentes e capazes.

Como organizadora da ação pedagó-gica, você deve estar atenta em “entrela-çar” os assuntos discutidos a outrostemas e à realidade. Devem ser tambémconsiderados o papel das diferençasculturais, bem como os hábitos e costu-mes dos diferentes grupos humanos.

Mediação do educador naaprendizagem da criança

O educador, no seu papel deinstigador e organizador de um ambien-te onde a fruição é presença constante,deve promover situações nas quais ascrianças sintam-se desafiadas pelo novoe deliciem-se no descobrir, no conhecer.

Promover – nesse contexto – signifi-ca: facilitar, acompanhar, possibilitar,compartilhar, problematizar, envolver,reconhecer, comunicar, expressar, entu-siasmar. É o que você, como mediadora,realiza cotidianamente junto às suascrianças e que, de forma explícita ouimplícita, está demonstrado em váriostextos deste estudo.

Devemos abrir caminhos:Novos e flexíveis,Através dos quais talvez sótransitemos uma única vez;Novos e sensíveis,Que precedam sempre ascartilhas pré-estabelecidas;Novos e vivenciais,Abertos ao holístico e àrealidade da vida

Francisco Gutierrez – Ecopedagogia e cidadania planetária

Sem cartilhas padronizadas, sem ativida-des demasiadamente orientadas, sem trei-nos que compartimentalizam: assimnorteia-se o fazer pedagógico na instituiçãoinfantil. Aí reina o pensamento e a ação, um

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lugar alegre para a criança viver, pensar,aprender e agir. Dessa maneira, desenvolve-se o hábito do pensamento criativo e inde-pendente, passaporte do fazer autônomo eda capacidade de enfrentar situações desafi-adoras ou conflitantes.

Saber fazer alguma coisa é, antes demais nada, um processo gradativo deevolução do pensamento, e não simples-mente aprender a memorizar uma informa-ção, dar a resposta certa ou fazer como omodelo. Por isso, você deve ter um com-portamento interrogativo e, habitualmente,questionar à criança: “porque você fezassim?”, “Tem outro jeito?”, “Como vocêpensou para resolver isso?”. É importante

criar situações de mediação entre as crian-ças, as suas emoções e o seu ambiente.

A criança deve ser estimulada a participarativamente de atividades não-reprodutoras,mas que lhe são significativas porque partemdo seu interesse e têm a sua efetiva contribui-ção, necessitando de sua iniciativa e de es-tratégias por ela elaboradas.

A sociedade exige, a cada dia, não maissomente a técnica, mas também habilida-des e alternativas. Assim, é necessário opor-tunizar a expressão e o fazer infantil nassuas diferentes linguagens, para que, então,a criança conviva com a diferença, com oantagônico e confronte-se consigo mesma.

Dando ênfaseà atividade, àação mais do queà cópia de mode-los, a educaçãoinfantil conduz acriança para ide-alizar e con-cretizar seusobjetivos, testarsuas hipóteses,elaborar seubrincar, opinar,aceitar ou rejei-tar, confron-tando-se comseus iguais. En-fim, propicia-lhe

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ser agente ativa do seu ato de aprender ede fazer.

Como já foi visto no estudo do temasobre o desenvolvimento da criança, porser o egocentrismo – inicialmente mar-cante e com gradativo decréscimo –característica que envolve o pensamentoe a ação da criança, o aprender a viverem grupo é desafio constante naeducação infantil.

Quando bem pequena, até por voltade 3 a 4 anos, a incapacidade de se co-locar no lugar do outro dificulta à crian-ça realizar a integração com os iguais.Como explica Jean Piaget, o indivíduo,no seu espírito egocêntrico, assimila parasi e sob seu ponto de vista. Assim, asações e os pensamentos são centradosno eu para suprir necessidades próprias.

Nesse contexto, você cria situações dejogos, brincadeiras e atividades em con-junto. Mesmo sabedora de que o inter-câmbio social não se estabeleceefetivamente, procure constantementeoferecer situações grupais.

Em torno dos 5 anos, nota-se sensivel-mente o declínio egocêntrico e, nessemomento, o relacionamento da criançacom companheiros é fundamental. Acooperação inicia-se, bem como o senti-

mento de reciprocidade. É o momentodos jogos em equipe, das atividadesgrupais em todas as áreas: artes, teatro,elaboração de textos coletivos, diálogos,desafios matemáticos... Enfim, o cotidi-ano infantil deve permitir e promoverconstantemente situações em que a cola-boração criança/criança se faz necessáriae a presença do outro, significativa.

Para que esse ambiente se estabeleçana sua plenitude, o planejamento tambémdeve ser participativo e, como a próprianomenclatura sugere, é um planejar detodos, realizado em conjunto. Nessemomento, você e as crianças projetamcoletivamente o quê, o como e o quandodos fazeres. Também com a participaçãode todos, são estabelecidas as regras e ascombinações a serem seguidas no transcor-rer das brincadeiras e atividades.

Dessa maneira, a educação infantilestá não só estimulando, mas principal-mente propiciando o desenvolvimentode objetivos comuns. Somente assim ascrianças vivenciam efetivamente a im-portância da cooperação, em que não arivalidade, mas sim o objetivo comumseja priorizado. Cabe esclarecer que, aopriorizar o grupo, não estamos estimu-lando a uniformidade.

O verdadeiro sentido da educaçãoinfantil deve ser o de contribuir para odesenvolvimento da criança, a fim de que

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realize todas as capacidades humanascaracterísticas do período em que estávivendo. Na verdade, o ser humano é umatotalidade, não sendo possível separar oaspecto sócio-emocional do físico e docognitivo. Do contrário, ao privilegiarmosum, comprometeríamos os demais.

A mediação da educadora deve criar epromover as condições mais adequadaspara o desenvolvimento global das crianças.É o espaço de ser criança, de brincar, dedescobrir e conhecer o mundo através dolúdico, de se relacionar com o ambiente,com as pessoas e com os iguais.

A criança precisa ser encorajada averbalizar suas idéias, a estabelecertodos os tipos de relações, a descobrir-se como ser único. Deve ser vista indivi-dualmente, tendo sua liberdadegarantida na livre escolha de atividades,bem como nos seus posicionamentos.

A redução do poder da educadora,nessas circunstâncias, não significapassividade; ao contrário, o comprome-timento com as crianças enfatiza o seupapel mediador. Como organizadora deum ambiente adequado às necessidadese exigências infantis e intercedendocom experiências que contemplem umdesenvolvimento integrado, você estará

instrumentalizada a facilitar e encorajara criança a descobrir-se, a pensar e agircom autonomia nos mais diversos tiposde situações.

Tendo a autonomia como finalidade, aeducação infantil deve promover a unidadedessa criança. Percebendo-se parte de umacoletividade, com direitos e deveres, numprocesso de cooperação, socializando-se edescentrando o mundo ao redor de si, acriança está desenvolvendo-se como um serlivre, independente, com determinaçãoindividual, intelectual e social.

Referências Bibliográficas

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Maria Helena Lopes

O fundamento principal daexperiência baseada na prática,na teoria e na pesquisa é aimagem de uma criança rica,forte, poderosa ...

É uma afirmação que secontrapõe à tendência derealçar as necessidades, asfraquezas, os temoresdas crianças e a calar,lamentavelmente, suaspotencialidades e direitos.

Giordana Rabitt – À Procura da Dimensão Perdida:uma escola de infância de Reggio Emília

O registro das observaçõespossibilita um excelente começo paraa realização de projetos de estudoscom as crianças. Através dela, vocêperceberá os interesses das crianças.

Mantenha um cadernoe um lápis sempre com você.

Escreva tudo o que lhe pareça

significativo. Registre palavras, gestos,sentimentos, conceitos, frases, etc. Acada dia, escolha momentos diferen-ciados da rotina para observar e regis-trar. Após duas semanas (no mínimo)de observação e registro sistemático,releia seus escritos. Comente quaisforam as idéias que surgiram, a partirda reflexão que o registro possibilita.

• Registre suas observações maissignificativas, escrevendo em seucaderno. Converse com os colegassobre elas.

• O planejamento coletivo favoreceo desenvolvimento da autonomia. Ameditação da educadora é fundamen-tal nesse processo, quando ajuda ascrianças no estabelecimento de regrase no encaminhamento de combinaçõesdas atividades. Como tem sido com suaturma o exercício de combinar juntos oque irão fazer? Faça um relato escritode uma atividade realizada.

• Assista com seus colegasaos seguintes vídeos: – E Assim Nasce um Projeto. – Vamos Viajar na Vassoura da Bruxa?

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no qual refletimos, entre outros temas,sobre a saúde da criança, a integração dainstituição infantil, o modo comoorganizamos tempo, espaço e fazeres, sobreos indissociáveis educar/cuidar.

Pois bem, todos esses conteúdos ereflexões decorrentes nos levam a con-cepções sobre a criança e sobre o educar,enfim, nos trazem uma visão de mundo,de homem, de educação e de sociedade.E são esses preceitos que norteiam aproposta pedagógica de uma instituiçãoinfantil, que se configura como um instru-mento de apoio à organização da açãoinstitucional e, principalmente, à atuaçãodos educadores. Portanto, é igualmentepossibilidade de crescimento do CentroInfantil, bem como de todos que dele

roposta Pedagógica eRelações Centro Infantil,

Família e ComunidadeElizabeth Amorim e Maria Helena Lopes

Escrever o que se vive é coisa de pouca ounenhuma graça.O desafio está em viver oque se escreve.

Eduardo Galeano – A escola do mundo às avessas

Discutimos ao longo deste estudo,através da interação na Mesa Educadora,as leituras dos quatro cadernos deestudos e as reflexões nas atividades deaprofundamento. Sem dúvida, aprende-mos, nos inquietamos, inúmeras pergun-tas surgiram e algumas ficaramsem respostas. É assim o cami-nho de quem quer seguirsempre adiante, vivendo eescrevendo a própria história.

Discutimos as concepçõesde infância, o desenvolvimentofísico e emocional da criança,como aprende, comoexperiencia o meio, os objetose as situações. Falamos tam-bém sobre o perfil do educa-dor, sobre a legislação daeducação infantil e as políticassociais relativas à infância.O cotidiano nos centrosinfantis é o foco deste caderno,

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participam. Apresenta ainda a políticapública vigente no âmbito municipal,estadual e federal.

Em abril de 1999, o Conselho Nacio-nal de Educação fixou as DiretrizesCurriculares em Nível Nacional para aEducação Infantil. As DCN, como sãochamadas, são oficias e têm força de lei.Elas definem diretrizes para a elaboraçãodas propostas pedagógicas das creches epré-escolas.

A primeira delas diz respeito aosfundamentos da Educação Infantil,desdobrando-se em:

– Princípios éticos da autonomia, dorespeito, da solidariedade e do respeitoao bem comum.

– Princípios políticos dos direitos edeveres da cidadania, da criticidade e dorespeito à ordem democrática.

– Princípios estéticos da sensibilidade,da criatividade, da ludicidade e da diver-sidade de manifestações artísticas eculturais.

As instituições de Educação Infantildevem conviver com as diversas identi-dades das crianças e de suas famílias,acatando as diversidades étnicas,religiosas, econômicas, de gênero ounecessidades especiais.

Outra diretriz aponta para a importân-

cia de as propostas pedagógicas promo-verem em suas práticas educativas e decuidados o atendimento aos aspectos dodesenvolvimento físico, emocional,afetivo, cognitivo e social das crianças.

Constitui-se também em diretrizes ainteração entre as diversas áreas doconhecimento, através de atividadesespontâneas ou dirigidas, devendo ex-pressar objetivos e garantindo, assim, aintencionalidade das ações na EducaçãoInfantil e a constituição de conhecimentos.

O processo de avaliação tem desta-que nas DCN, afirmando a importânciado registro nas etapas, “sem o objetivode promoção, mesmo para o ensinofundamental”, conforme a Lei nº 9.394/96, seção II, artigo 31.

O Referencial Curricular Nacionalpara a Educação Infantil (RCNEI) foipublicado pelo Ministério de Educação,em 1988, é consentâneo com as DCN etem como finalidade apresentar subsídiospara a organização de propostaspedagógicas. É leitura necessária a todosos educadores, porém não deve serencarado como uma orientação única aser seguida, mas como subsídio para aconstrução de propostas pedagógicas.

Quem planeja, programa e projetapedagogicamente está elaborando umroteiro de interações com múltiplasexperiências significativas para as crian-

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ças. Falamos aqui em proposta(pedagógica) não no sentido dedeterminação, “tipo fôrma de gelo ondeos cubinhos saem todos iguais”; aocontrário, tratamos proposta como algoflexível, que permite adequa-ções, reformulações, avanços eretrocessos, pois pressupõe umolhar atento sobre a realidade.

Sintetizando, afirmamos queuma proposta pedagógica:

• é um caminho construídocotidianamente;

• contempla a história dainstituição e sua função;

• não é modelo pronto a sercopiado na íntegra;

• respeita fatores sociais e culturais,promovendo a autonomia da conquista eda cooperação;

• envolve toda a comunidade escolarna sua construção;

• é parte de uma política pública,contendo um projeto político de sociedade;

• deve facilitar aos educadores oacesso ao conhecimento na área daeducação e da cultura em geral.

Assim, observamos várias maneiras deorganizar uma proposta pedagógica que,repetimos, contém os pressupostos (idéiase conceitos) que embasam a ação pe-dagógica, bem como especifica a

metodologia utilizada. Sabemos quenenhuma prática é neutra, pois,explicitamente ou não, está atrelada aprincípios que norteiam os objetivos.

Algumas formas de organização da

proposta pedagógica são as seguintes:

Áreas de DesenvolvimentoContemplam os aspectos social-

afetivo, psicomotor e cognitivo. A crian-ça é caracterizada, então, na perspectivada psicologia do desenvolvimento e apreocupação volta-se para as característi-cas relativas à faixa etária de 0 a 6 anos.Os objetivos são organizados conside-rando e respeitando cada área do desen-volvimento infantil. Por tratar-se dodesenvolvimento da criança, a orienta-ção, o parâmetro do enfoque é um de-senvolvimento ideal, para uma criançaigualmente ideal!

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ções, pois partem de uma leitura atentado grupo. Para tanto, é urgente que oseducadores eduquem os ouvidos ereaprendam a olhar a criança, o grupo esuas manifestações.

Vêm crescendo consideravelmente aspropostas pedagógicas que contemplamos projetos como eixo condutor da suaorganização. Pela sua abrangência,podemos trabalhar com projetos emqualquer grupo de crianças de 0 a 6anos, é claro, considerando a faixaetária, os interesses e as característicasde cada grupo.

Esse encaminhamento está focado emelhor discutido neste caderno sob otítulo Pedagogia de Projetos; no entanto,julgamos pertinente mais uma considera-ção final. Parece-nos que os projetosatendem melhor às necessidades donosso tempo, já que consideram a reali-dade sociocultural das crianças, bemcomo o desenvolvimento e as caracterís-ticas próprias do momento em que estãovivendo, disponibilizando os conheci-mentos do mundo físico e social.

Seja qual for o enfoque de umaproposta pedagógica, ela deve trazer aidéia de que o conhecimento não é“transmitido” à criança, tampoucorigidamente sistematizado. A educaçãoinfantil não possui (felizmente)“conteúdos” nem programas a cumprir;por isso, tem o privilégio da autonomia

Temas GeradoresSão o ponto de partida e os

articuladores das atividades. O tema évisto como um fio condutor dos fazereseducativos em que há preocupação como interesse da criança. No entanto, aescolha do tema não pode ser umpretexto para a listagem de atividadesrepetidas mecanicamente, em que nãosão priorizados efetivamente os conheci-mentos envolvidos, as hipóteses dascrianças, a exploração e a pesquisa.Como, por exemplo, no tema “O índio”,em que as crianças recortam índios, mo-delam instrumentos indígenas, ouvemhistórias sobre índios, desenham índios,etc., sem uma articulação maior, semdesafios, sem que efetivamente novosconhecimentos sejam construídos.

Áreas de ConhecimentoLíngua Portuguesa, Matemática,

Ciências Sociais e Ciências Naturais,cujo principal objetivo é o contato dacriança com os conhecimentos acumula-dos pela humanidade, o que proporcionadesenvolvimento, pois a criança estáadquirindo e também produzindo novosconhecimentos. No entanto, esseenfoque pode transformar-se em“conteudista”, excluindo, assim, asespecificidades do atendimento infantil.

Projetos de EstudoTrazem uma idéia de horizonte, de

linhas gerais que podem, no processo,receber novos contornos, maiores defini-

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para – ao mesmo tempo em que focalizaalguns temas, aprofundando-os de acor-do com o nível e interesse do grupo –“oferecer o mundo” para as crianças, um“mundo” que deve ser vivido por elas demaneira a propiciar-lhes ricas e diversifi-cadas experiências.

Por que me impões o que sabesse eu quero aprendero desconhecidoe ser forteem minha própria descoberta?

Humberto Maturana

A criança desenvolve-se no seuaspecto social, emocional e intelectualpela interação com o mundo, partici-

pando de relações sociais num processopsicológico, social, cultural e histórico.Assim, o lugar dos pequenos deve serestimulante da imaginação infantil, ricoem desafios, que priorizem não a res-posta, mas sim os caminhos percorridosna busca de soluções.

No cotidiano farto em experiênciasdiversificadas – que incluem, muitasvezes em uma mesma proposta, exigên-cias de várias áreas –, a criança vivencia oprazer do desafio do aprender, o quecertamente lhe causará marcas indeléveis.

Nesse contexto, o erro não é sinônimode falha, porém interpretado como umaetapa do processo, uma vez que “as

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idéias erradas das crianças não são errosque podemos corrigir, mas relações queelas coordenarão cognitivamente e deforma gradativa ao longo de seudesenvolvimento”.

Sem o medo do erro, com um ambienterico em situações de descobertas, a criança,curiosa por natureza, sente-se livre paraousar na busca de melhor compreender omundo que a rodeia. E, o que é principal,aprendendo a aprender com prazer esentindo-se, acima de tudo, capaz.

Centro infantil, família e comunidadeA relação entre a comunidade e o

centro infantil deve ser alicerçada emconfiança mútua.

Os educadores têm importante papela esse respeito. De fato, devem ter aresponsabilidade de planejar sistemáticae deliberadamente para que isso ocorra,propiciando uma atmosfera agradável eamigável no Centro Infantil, de modoque o saber dos pais e de outrosrepresentantes da comunidade sejavalorizado.

O centro infantil não é um espaçohermeticamente fechado para o mundo,nem – como se ilha fosse – isolado. Ora,se vemos a criança inserida em um contexto,se consideramos sua história e suasinterações com o meio que a rodeia, comonão vamos nós estabelecer esse contato eessa integração?

Se desejamos uma proposta pedagógica querealmente contemple tal relação, devemosarticular meios para que isso aconteça.

A família representa um papel muitoimportante para qualquer indivíduo, pois éatravés dessas relações de troca que as pessoasvão descobrindo o mundo ao seu redor.

Esse mundo é representado pelavizinhança, pela igreja, pelos locais dediversão que a pessoa freqüenta, enfim,pela comunidade onde vive.

É importante que saibamos mais sobre“nossas” crianças e suas famílias – isso vaialém da entrevista com os pais e dasconversas ocasionais. Encontramoscrianças das mais diferentes origensfamiliares e, conseqüentemente, com osmais variados valores, crenças, costumes ehábitos. Quando se entendem essasdiversidades, aprende-se a respeitar mais omodo de vida das crianças, sabendo que éna família que se inicia a sua socialização.Esse processo terá continuidade naEducação Infantil. Então, deve ser feitoum estudo exploratório paraefetivamente sabermos os tipos e ascondições de moradia e o número depessoas que ali habitam. O nível deescolaridade dos pais, a profissão e arenda familiar permitem contatar asdiferentes classes sociais que conoscoconvivem; é interessante sabermostambém se há outras atividades (remu-neradas ou não) entre os adultos.

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Fundamental é o conhecimento daconstituição familiar, com quem vive acriança (pais, avós, só pai ou só mãe,primeiro casamento, etc.), bem como orelacionamento adultos/crianças, comoagem nos conflitos, sanções e castigos,manifestações afetivas, cuidados relati-vos à saúde e higiene, “ajudas” dascrianças nas tarefas domésticas e mes-mo fora de casa. Assim estaremos maisperto de quem são nossas crianças e dequal é seu contexto de vida.

As características gerais de uma comuni-dade são parecidas; no entanto, ali estão

inseridas diferentes origens, religiões, raças,tipos de trabalho, etc., motivo pelo qual énecessário investigar igualmente com ascrianças, através de conversas, sobre seushábitos e costumes, seus amigos, etc.Também é importante realizar com elaspasseios nos espaços sociais, como lojas,praças, igrejas, áreas de lazer e visitasonde a produção é local em relação aartesanato, produtos alimentícios e tudo omais que a sua comunidade produzir.

As portas do Centro Infantil devemestar permanentemente abertas paratodas as famílias, pois assim elas ficam

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sabendo o que acontece nos diversosmomentos, como funciona a instituição eas pessoas aí envolvidas. Chamar asfamílias não somente para reuniões, mastambém para conversas grupais sobrecomo as crianças aprendem, a importân-cia do brincar, as características infantis,mostram as produções das crianças edemais assuntos que você considerarinteressante para o seu grupo de famílias.Além desses momentos, a presença dospais dentro da instituição também é impor-tante para que haja integração com ascrianças na realização de algumas ativida-des com elas, seja jogando, brincando ou“ensinando” algo como jogar pião, construiruma pandorga...

Lembramos que estes são hábitos ecomportamentos que não se estabelecemdo dia para a noite; é um processo que seconstrói no coletivo gradativamente. Inici-almente, talvez você não obtenha resulta-dos magníficos, mas não esmoreça, sejaotimista, gratificando-se com aqueles queresponderam ao chamado, e não lamente-se dos ausentes. Um dia, eles virão!

Uma das formas de promover a aproxi-mação com a comunidade é trazer para oCentro Infantil pessoas que possam contri-buir no processo de formação das crianças:é necessário repassar a história do bairro.O conhecimento pode ser trazido por umidoso que conte sobre os “outros tempos”

do lugar: como era, o que havia, histórias ecasos acontecidos; um jovem que toque ecante para/com as crianças. Podemosreceber a enfermeira, o dentista, o sapatei-ro, a florista, o artesão...

O Centro Infantil, com o objetivo deintegrar-se à comunidade, promove ouparticipa de ações e campanhas conjuntase, mesmo individualmente, pode lançaralgum projeto que venha atender algumanecessidade local. Por exemplo: campa-nhas de seleção e aproveitamento de lixo,mobilização junto a órgãos de saúde, etc.

Com certeza, você e a sua instituiçãoinfantil estão inseridos, participandoporque estão ouvindo e vendo as crian-ças, a família e a comunidade e, acima detudo, estão cumprindo o papel e a funçãosocial que lhes cabe.

A aproximação dos pais à escoladepende muito de uma atividade aberta ereceptiva a eles. Essa aproximação é umaaprendizagem e um trabalho de conquis-ta; irá acontecendo aos poucos, à medidaque os pais forem compreendendo otrabalho, vendo que suas opiniões sãoaceitas e que sua presença é necessária.

O educador tem a importante tarefa deintegrar seu conhecimento, os valores quesustentam o bem-estar da comunidade porintermédio da proposta pedagógica.

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construção de uma proposta pedagógicaque contemple os aspectos políticos,sociais e humanos.

As atualizações através de reuniões,palestras, visitas, sessões de filme e vídeospara educadores e a participação em even-tos deve propiciar o compartilhamento deconhecimentos teóricos e práticos. Esseprocesso possibilita o debate de idéias, quedeverá culminar na construção de umaproposta pedagógica que contemple umcaminho, uma trilha na qual todos formemo coletivo, criando condições para que otrabalho seja desenvolvido, compreendido eassumido por todos.

Referências Bibliográficas

BARBOSA, Mª Carmen; DORNELLES, Leni Vieira. As instituiçõesde educação infantil e a comunidade. In: CRAIDY, CarmenM.(Org.). Convivendo com crianças de 0 a 6 anos. Cadernos deEducação Infantil. V.5. Porto Alegre: Mediação,1998.EDUCAÇÃO: Um tesouro a descobrir. Relatório para aUNESCO. Comissão Internacional sobre Educação para o SéculoXXI. São Paulo: Cortez, MEC, UNESCO, 1999.FREIRE, Madalena. A paixão de conhecer o mundo. Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1989.GARDNER, Howard. A criança pré-escolar: como pensa e como aescola pode ensiná-la. Porto Alegre: Artmed,1994.GUTIERRES, Francisco; PRADO, Cruz. Ecopedagogia e cidadaniaplanetária. São Paulo: Cortez, 1999.KRAMER, Sonia (org.). Com a pré-escola nas mãos: umaalternativa curricular para a educação infantil. 10. ed. São Paulo:Ática, 1997.OLIVEIRA, Zilma Ramos de. Educação infantil: fundamentos emétodo. Coleção Docência em Formação. São Paulo: Cortez,2002.OSTETTO, Luciana E. (Org.). Encontros e encantamentos naeducação infantil. São Paulo: Papirus, 2000.PIAGET, Jean. O raciocínio da criança. Rio de Janeiro: Record,1967.

Há um instante mágico navida em que,Nem mesmo sabendo por que,Ficamos envolvidos num jogo.Num jogo de ensinar.Fazemos parcerias.Não só com os outros,Mas também parcerias internasnos propondo desafios.Porém, só ficamos nesse estadode total cumplicidade com o saberse este tem sentido para nós.Caso contrário,somos apenas espectadoresdo saber do outro.

Martins, Picosque & Guerra

A formação contínua dos educadoresA formação continuada deve ser

planejada pela gestão institucional,ocorrendo de forma sistemática.

A proposta de um trabalho efetivamentecoletivo não pode prescindir de momentosem que todos, crianças, educadores,familiares e comunidade, possamexplicitar suas diferenças e expectativasde modo democrático e pluralista.

Um cronograma destinado àformação deve possibilitar o encontroentre os educadores para a troca deidéias sobre prática, para estudo sobre ostemas da Educação Infantil, para aorganização e o planejamento da rotina,do tempo e das atividades, para a

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Atividades de Estudo eAprofundamento

Maria Helena Lopes

A prática pedagógica não é construídaa partir de propostas pedagógicas escritase prontas, mas da reflexão-ação de todosos sujeitos nela envolvidos: crianças,educadores, famílias e comunidade.

Toda proposta pedagógica é expressãode um projeto político e cultural ereúne tanto bases teóricas quantodiretrizes práticas.

Toda proposta pedagógica expressa o“lugar de onde fala”, ou seja, os valoresque a constituem e a heterogeneidadedos sujeitos envolvidos.

O processo de construção da propostapedagógica implica também a conquistada autonomia e da cooperação, atendendoaos princípios básicos da cidadania, como:respeito, responsabilidade, formação deautoconceito.

• A partir da leitura do texto PropostaPedagógica e das afirmativas acima:

– Comente com seus colegas, desta-cando as idéias do texto que ilustram asafirmativas.

– A capacitação dos educadores é umdireito e um dever. Analisando os seusestudos e vivências na Mesa Educadora,reflita sobre os subsídios que os mesmoslhe oportunizaram para a elaboração daproposta pedagógica no Centro Infantil.

Faça um esquemasintetizado e rela-cionando seus es-tudos com aproposta pedagó-gica no seu CentroInfantil.

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Encontramos diferentes formas dedemonstrar o acompanhamento dasaprendizagens das crianças. Essas formastambém mostram como a instituiçãoconsidera o ato de ensinar e o ato deaprender. Portanto, se a avaliação éinstrumento de controle e seleção quejulga e exclui, ou se possui um caráterglobal e formativo, que realmente acom-panhe as ações das crianças através deinstrumentos variados.

Embora convivamos diariamente coma avaliação, ela ainda é tema gerador decontrovérsias. Diante disso, como então,no momento da avaliação, sentenciarcada criança através de fichas que

companhamento eAvaliação das Criançasno Centro Infantil

Elizabeth Amorim

“O importante e bonito do mundo é isso:que as pessoas não estão sempre iguais,ainda não foram terminadas, mas que elasvão sempre mudando. Afirmamdesafirmam.”

Guimarães Rosa

A mensagem de Guimarães Rosa vemreforçar o papel da Educação Infantil,através de diferentes e criativas aborda-gens, experiências e vivências, pro-porcionando ao educador e à criançapossibilidades de uma ação educativa,voltadas ao respeito às diferenças, aosmomentos de interação e à liberdade doser e do pensar.

Afirmamos de diferentes maneiras,nos quatro Cadernos de Estudos, quedevemos oferecer condições à criançapara educar-se e socializar-se de formaindependente e autônoma, criandoespaços para que se aproprie do processode aprendizagem como sujeito de suahistória.

A educação atual exige uma avalia-ção como processo dinâmico, que leveem conta a realidade da criança comsuas nuances, a realidade do CentroInfantil e seu contexto sociocultural.

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classificam comportamentos, habilidadese desempenhos?

Uma das maneiras de avaliação ina-dequada que ainda hoje encontramosem algumas instituições de EducaçãoInfantil é a que indica o que foi (ou não)alcançado pela criança, como nesteexemplo que focaliza a área motora.

Habilidade/Atividades Sim Não Às vezes Sobe escadas alternando os pés Pula com os pés juntos Caminha entre obstáculos Salta em pequena distância Pára a um sinal dado

A visão de “que a criança seja capazde”, exemplificada parcialmente acima,nada mais é do que uma listagem deconteúdos (nomear cores, identificaranimais, etc.) e de comportamentos eatitudes (repartir brinquedos, esperar sua

vez, etc.) ideais que devem ser alcançados.Não lidamos com crianças ideais, masreais, de carne e osso, com desejos,potenciais, habilidades e necessidades.Crianças que convivem diariamenteconosco, que devem ser entendidas paraque possamos oferecer adequadas situa-ções de aprendizagem e que respondemdiferentemente porque diferentes são.

Encontramos também relatóriosescritos, chamados muitas vezes de pa-receres descritivos, que vêm sendo cadavez mais utilizados por objetivarem, co-mo o próprio nome sugere, descrever asações da criança. No entanto, observa-mos “descrições”, como o pequeno tre-cho retirado de uma delas que a seguirtranscrevemos:

“José participa das atividades artísticas,mas ainda não consegue pintar respeitando

limites. Utiliza atesoura, emboranem sempreconsiga segurá-la adequada-mente, o quedificulta seusrecortes. Perma-nece por bomtempo dese-nhando e relaci-ona as coresusadas nasrepresentaçõescom a realidade.

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Conta suas novidades utilizando lingua-gem clara e lógica, mas ainda encontradificuldade em transmitir recados”.

Pareceres descritivos como este nadamais são do que uma “tradução” empalavras das cruzinhas que indicam se acriança alcançou, não alcançou oualcançou em parte os objetivos propos-tos. É uma clara demonstração de que ascrianças não são vistas como diferentesentre si porque têm histórias diferentes,pois espera-se que obtenham idênticosresultados: alcançar um mesmo objetivoem um mesmo período de tempo!

Você já se deu conta das infinitasvezes em que ontem a criança nãorealizava e hoje já faz, apresentando,assim, superação em termos de desenvol-vimento? É, é de pensar....

A avaliaçãonão pode servista “comoproduto final”em que severifica o quea criançaconquistou,mas encaradacomoprocesso, e éno seu trans-curso, através

dos diferentes momentos de aprendiza-gem, que a criança efetivamente mostrasua compreensão do mundo e as rela-ções que estabelece. Como sentar na frentedos bebês com uma lista contendo ativida-des programadas para determinado perío-do a fim de verificar o que alcançaram?

Como processo, a avaliação não “com-bina” com um planejamento rígido, cujasatividades são pré-estabelecidas porque ostemas também o são, nem com a rotinainflexível em que você a tudo comanda.

Devemos, pois, ter a preocupação deconsiderar a identidade da criança que estásendo avaliada e a identidade da educadoraque trabalha com ela. Por isso, devem serconsiderados o cotidiano da criança e apostura pedagógica do educador.

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Como mediadora das atividades, ésomente compreendendo e observando acriança que a educadora percebe a suaprática e realiza as adequações necessá-rias para que as interações tenham quali-dade. É a nossa interação com a criançaque justifica a avaliação em educaçãoinfantil, e não certezas e julgamentos doque ela é, ou não, capaz de realizar.

Não somos nós os responsáveis poroferecer às crianças oportunidades deconhecer a si próprias e a realidade,através de diversificadas atividades eexperiências? Então...

Utiliza-se o termo “avaliação media-dora” exatamente por considerar que arelação educadora/criança parte doprocesso, pois você está todos os diascom as crianças, observando, intervindo,mediando e pensando em como proporou realizar determinada atividade.

E é justamente essa “história”, sua eda criança, que irá compor o relatórioque você escreverá sobre cada criança,demonstrando o acompanhamento dasaprendizagens por ela construídas. Ilus-trará o dinâmico processo do desenvolvi-mento infantil, envolvendo igualmente ocotidiano educadora/criança.

Assim, os relatórios do processoavaliativo permitem acompanhar a histó-ria da vida da criança no centro infantil,relatórios nos quais você escreve sobrepreferências, temperamentos e reações.

Além disso, aparecem aí algumasinterferências e procedimentos efetuadospor você. Veja bem, não é uma descriçãopura e simples, na qual são apontadositens e situações esporádicas. Trata-se doregistro de acompanhamento doprocesso de construção do conhecimen-to da criança, como por exemplo:

Maria mostra-se curiosa em relaçãoaos assuntos trabalhados. Contribui comsugestões e traz experiências vividas forado centro. Esses aspectos transparecemem algumas de suas perguntas.

– Iara (educadora) quando é que agente vai fazer aquela maquete que agente combinou?

– Todos os ossos são brancos?

Inicialmente, as atividades relaciona-das aos movimentos corporais a inibem,pois preferia observar as corridas, ossaltos, etc. Sem forçá-la, eu a estimulavaa participar. Então, conforme foi sentindo-se mais segura, passou a realizar algumaspropostas. Hoje, é com entusiasmo queparticipa dessas atividades.

Relaciona-se de forma tranqüila comos amigos e, muitas vezes, dá idéias parabrincadeiras ou construções, que sãosuas preferidas. No entanto, nem sempreaceita as dos colegas, sendo necessária aminha interferência, explicando-lhe quetodos têm direitos a sugestões e que nemsempre as nossas são as escolhidas.

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Algumas mudanças nesta reação já sãoobservadas.[...]

O trecho acima demonstra o acompa-nhamento da evolução da criança, suasparticularidades, e a presença da educa-dora como observadora e mediadora doprocesso. Não há, em nenhum momen-to, a idéia do definitivo e acabado,tampouco comparações; ao contrário,transparece a idéia de para onde a crian-ça se encaminha, demonstrando quetodo “agora” é resultado de conquistaspassadas e anúncio de novas aquisições.

Escritos diários, com anotações sobreacontecimentos do dia, oferecem oacompanhamento das ações desenvolvi-das junto com as crianças e servem

também como subsídios para novaspropostas. Devemos registrar aindadados sobre as crianças individualmen-te, suas reações e seus comportamentosfrente a situações e vivências. Os escri-tos são grandes aliados, pois, além dareflexão sobre as nossas ações, servemde base e complemento quando elabo-ramos os relatórios de avaliação decada criança.

Na prática do processo avaliativo,devemos constantemente nos questionarsobre quais foram as conquistas da crian-ça, quais os caminhos que percorre oupercorreu, como reage frente a conflitos econtrariedades, quais suas perguntas ecomentários, como reage frente a dificulda-

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des em jogos e atividades que a desafiam, emuitas outras perguntas são parte do nossocotidiano. Percebe-se assim que, para aelaboração de um relatório de avaliação, éextremamente necessário o acompanha-mento, através de anotações diárias sobre oque você considera relevante.

Não podemos deixar de refletir aquisobre as propostas que “não deramcerto”. Explicamos: você apresenta cor-das para as crianças com a intenção(objetivos) de propor, através de umahistória (sessão historiada), que elasandem em cima das cordas esticadas nochão, engatinhem por baixo delas, etc.Então, o que acontece? As crianças quasenão a ouvem e utilizam as cordas detodas as formas possíveis e imagináveis!

A atividade “não deu certo” paraquem? Para você, com sua expectativaadulta sobre as maneiras de ser dascrianças, sobre como brincam, jogam eexploram os diferentes materiais. Para ascrianças deu “mais do que certo”, pois ascordas foram grande fonte de diversifi-cadas e divertidas explorações!

Mais uma dica: você apresentou(primeira vez) cordas para as crianças enão lembrou que todo primeiro contatoda criança com qualquer material deveser livre para que ela possa explorá-lodescobrindo possíveis jeitos de utilizá-lo.

Sabemos que o processo avaliativo édifícil porque é complexo, envolvemuitas interrogações e impasses, idas evindas. É uma construção gradativa, queexige de nós dedicação e envolvimento.

Para que os relatórios de avaliaçãosejam significativos para você e para ascrianças, reafirmamos a necessidade deinstrumentos variados (registro de obser-vação, diário de aula, anotações de cadacriança, etc.) e utilizados em diferentessituações para que possamos, efetiva-mente, acompanhar e entender a criançaem suas variadas formas de interaçãocom o meio que a cerca.

“Cada etapa da vida da criança é altamentesignificativa e precede as novasconquistas. Assim, ela estará sempre no seu ‘melhor’ momento, enquanto serinacabado, buscando respostas próprias oualternativas de solução para os conflitos denatureza intelectual ou moral.[...] Daí que aavaliação não tem sentido ao apontarresultados obtidos, pontos de chegadadefinitivos a cada idade ou etapa...”

Jussara Hoffmann – Avaliação na Pré-Escola

Referências Bibliográficas

HOFFMANN, Jussara. Avaliação mediadora. In: Uma prática emconstrução da pré-escola à universidade. Porto Alegre:Mediação, 1993.HOFFMANN, Jussara. Avaliação na pré–escola: um olharsensível e reflexivo sobre a criança. In: Educação Infantil. V.3.Porto Alegre: Mediação, 1996.

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Atividades de Estudo eAprofundamento

Maria Helena Lopes

• Faça um Relatório de Avaliação doseu desempenho na Mesa Educadora.Recorra à sua memória e às suasanotações, procurando identificar quaisforam as suas aprendizagens maissignificativas e a influência que tiveramna melhoria da qualidade do seutrabalho e do seu crescimento pessoal.

• Identifique também os momentosimportantes em que a interação com os seuscolegas e as mediações da coordenadoratécnica contribuíram para você aprender.Leia atentamente o texto, seguindo as orien-tações oferecidas para realizar a sua auto-avaliação e o seu relatório.

• Como tem sido a avaliação dascrianças do seu grupo? Escreva sobre suastentativas, anexe seus registros einstrumentos.

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Nota sobre os Autores1º Texto – Educar e CuidarELIZABETH AMORIMMestre em educação pela Universidade do Valedo Rio dos Sinos-UNISINOS. Psicopedagogaclínica, diretora e coordenadora pedagógica doCentro Infantil Recreio da Criança desde 1977.

2º Texto – Entrando em um Novo MundoELIZABETH AMORIMMestre em educação pela Universidade do Valedo Rio dos Sinos-UNISINOS. Psicopedagogaclínica, diretora e coordenadora pedagógica doCentro Infantil Recreio da Criança desde 1977.

3ºTexto – Agressividade e Limites:Possibilidades de IntervençãoLOIDE PEREIRA TROISMestre em Psicologia do Desenvolvimento pelaUniversidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS. Atua no Programa Fundo do Milêniopara a Infância, realizado pela FundaçãoMaurício Sirotsky Sobrinho, pela Unesco, peloBanco Mundial e pela OMEP comocoordenadora técnica da Mesa Educadora dePorto Alegre.

4º Texto – Saúde da CriançaHALEI CRUZFormado em Medicina pela UniversidadeFederal de Santa Catarina. Coordenador daDivisão de Saúde da Mulher, Criança eAdolescente da Secretaria de Estado daSaúde de Santa Catarina e Mestrando emCiências Médicas pela Universidade Federalde Santa Catarina.

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5º Texto – Organização do Tempoe do EspaçoELIZABETH AMORIMMestre em educação pela Universidade do Valedo Rio dos Sinos-UNISINOS. Psicopedagogaclínica, diretora e coordenadora pedagógica doCentro Infantil Recreio da Criança desde 1977.

6º Texto – A Pedagogia de Projetos e aMediação do EducadorELIZABETH AMORIMMestre em educação pela Universidade do Valedo Rio dos Sinos-UNISINOS. Psicopedagogaclínica, diretora e coordenadora pedagógica doCentro Infantil Recreio da Criança desde 1977.

MARIA HELENA LOPESMestre em Educação na área de AconselhamentoPsicopedagógico pela Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio Grande do Sul. Preside a OMEP/BR/RS/Porto Alegre e ocupa a vice-presidência da

Colega Educador!

Você conseguiu chegar ao final de mais uma jornada em sua vida.Muitas outras a sucederão e novamente, com esforço e dedicação, você

vencerá, trilhando livre e criativamente os caminhos do seu crescimentoe qualiaficação adequados. Parabéns!

Os Organizadores

OMEP/Brasil.7º Texto – Proposta Pedagógica e RelaçõesCentro Infantil, Família e ComunidadeELIZABETH AMORIMMestra em educação pela Universidade do Valedo Rio dos Sinos-UNISINOS. Psicopedagogaclínica, diretora e coordenadora pedagógica doCentro Infantil Recreio da Criança desde 1977.

MARIA HELENA LOPESMestre em Educação na área de AconselhamentoPsicopedagógico pela Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio Grande do Sul. Preside a OMEP/BR/RS/Porto Alegre e ocupa a vice-presidência daOMEP/Brasil.

8º Texto – Acompanhamento e Avaliaçãodas Crianças no Centro InfantilELIZABETH AMORIMMestre em educação pela Universidade do Valedo Rio dos Sinos-UNISINOS. Psicopedagogaclínica, diretora e coordenadora pedagógica doCentro Infantil Recreio da Criança desde 1977.