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Discurso proferido durante a colação de grau dos bacharéis em Comunicação Social da turma 2012/2 da UFES

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Discurso proferido durante a colação de grau dos bacharéis em

Comunicação Social da turma 2012/2 da UFES.

por Emerson Campos

Prezadas formandas e prezados formandos; mães e pais; amigos e familiares; estimados

companheiros da Universidade Federal do Espírito Santo e demais presentes, boa noite!

Em janeiro de 2012, aproximadamente um ano antes de sua morte, o ex-presidente

venezuelano Hugo Chávez prometeu não ser tão prolixo em um discurso e depois falou

durante nove horas e trinta minutos ininterruptos. Eu, na época repórter, estava cobrindo

esse discurso. Desde então prefiro evitar esse tipo de promessa sobre prazos em falas

públicas, mas espero realmente ser breve para dar prosseguimento a esta festa bonita de

vocês.

Quando iniciei a honrosa, porém carregada em responsabilidade, tarefa de escrever este

discurso, travei. Cabeça hermética. Nenhuma palavra escrita no papel durante semanas.

Como é difícil escrever uma fala de tamanha importância. Mas, já dizia o jornalista

Fernando Lacerda, meu paraninfo: a humildade é boa companheira.

Por isso, ao invés começar com palavras inéditas (ainda que nenhuma o seja) ou, ainda,

de pretensiosamente buscar qualquer verso rebuscado de próprio punho, tomo emprestado

os escritos do mineiro João Guimarães Rosa, que repito sempre, seja em discursos

importantes como este ou em rodas de boteco, sem qualquer culpa pela não-originalidade,

como se fosse um mantra: “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e

esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é

coragem”.

Repito.

“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa,

sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.

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E com a ajuda do filho prodígio de Codisburgo, ofereço o gancho para a reportagem, o

briefing do job. É disso que quero falar hoje: do correr da vida e da coragem necessária

para enfrentá-la. Coragem que vejo refletida no olhar de cada um de vocês, caríssimas e

caríssimos colegas de profissão, prestes a tirar essa beca e encarar de frente esse mundão

enorme aí fora. "Mundo, mundo, vasto mundo". Mundo tão grande que fez Carlos

Drummond de Andrade escrever:

“Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as

minhas dores. Por isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo, por isso me grito, por

isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias: preciso de todos”.

Ora. E não é justamente isso que Drummond escreveu que significa ser um bom

comunicólogo? Em um texto, se despir perante o mundo utilizando suas palavras como

arma de transformação social?

Para que a pena da caneta de vocês (ou a tela touch do smarthphone mesmo!) esteja

sempre calibrada para fazer a diferença, gostaria de compartilhar quatro pilares que julgo

fundamentais para a nossa atividade profissional. E já antecipo. Todos vocês já têm os

quatro pilares. Trata-se apenas de cultivá-los para que floresçam.

Primeiro pilar: ser inconformado.

Este primeiro ponto é um repeteco da nossa aula da saudade, na última segunda-feira,

mas que agora externo a todos os presentes. É comum na vida ordinária nos habituarmos

ao hegemônico, ao estabelecido. Mais que comum, parece confortável. É sempre mais

fácil dizer sim do que não. Aceitar do que contrapor. É mais cômodo crer que sempre foi

assim ou que não há nada que possamos fazer. Que o mundo aí fora é esse mesmo. Essa

categoria de pensamento crítico que proponho pode ganhar diferentes nomes. A brilhante

filósofa brasileira, Marilena Chauí, definiria, talvez, como o que ela chama de atitude

filosófica, que nada mais é do que esse olhar sempre pronto para negar e questionar o que

nos é empurrado goela abaixo, como a miséria, a fome, o racismo, o machismo, a

homofobia, as injustiças sociais, os golpes políticos. Já o filósofo Walter Benjamin, da

Escola de Frankfurt, definiria esse inconformismo como uma atitude melancólica que não

nos congela, mas serve de impulso para, a partir do incomodo profundo, modificarmos a

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realidade. Eu, como sempre faço em sala de aula, prefiro chamar de subversão. E uma

subversão que leva à revolução. Como bem disse Ernesto Che Guevara: “ser jovem e não

ser revolucionário é uma contradição genética”. Somos jovens, somos moralmente

responsáveis por subverter qualquer quadro que nos pareça injusto. Novamente

lembrando Drummond, abro aspas. “Crimes do mundo, como perdoá-los? Tomei parte

em muitos, outros escondi”. Por isso, sejam corajosos. A omissão não é uma

possibilidade.

Segundo pilar: cultivar a gratidão.

E aqui quero falar de cachorros, afinal qual ser mais grato? Existe uma frase dessas

prontas, que francamente desconheço a origem, mas acredito ter saído de algum

blockbuster de sucesso, e que sou obrigado a concordar. Ela diz mais ou menos o seguinte:

“você pode ser o maior canalha do mundo, mas quando você voltar para a casa, para o

seu cachorro você será a pessoa mais incrível deste planeta”. É que ele – em sua condição

não-humana – sabe agradecer pela atenção dispensada não dando a mínima para

convenções, até porque não as conhece. E aqui faço um breve recorte para me fazer

entender aos demais presentes que já devem estar se perguntando: por que esse cara está

falando de cachorros? Bom, todos nós somos múltiplos. Além de jornalista, professor e

pesquisador, sou defensor e um apaixonado pelos animais. Sabendo da minha paixão, as

formandas e os formandos aqui presentes arquitetaram uma surpresa na UFES, em plena

aula do laboratório de Assessoria de Imprensa, com dezenas de cachorrinhos fofíssimos

no pátio, inclusive os meus dois, para me convidarem para estar aqui esta noite, como

paraninfo. Eles com certeza não imaginam isso, mas foi um gesto de gratidão tão repleto

de carinho, de atenção e de uma ternura pura, quase ingênua, que ainda não consigo

explicar e que, certamente, jamais vou esquecer. Para qualquer professor, jovem ou

experiente, isso vale mais do que títulos de mestre ou doutor, que qualquer artigo

publicado, que qualquer prêmio. Digo sem qualquer demagogia: não tem pulitzer ou leão

de ouro de cannes com valor maior. A melhor parte da minha biografia profissional foram

vocês que escreveram.

E é preciso ter coragem para assumir uma postura de gratidão tão pura e espontânea assim

em relação ao outro, afinal é necessário abaixar a guarda. Muitas vezes, no nosso

cotidiano evitamos um muito obrigado, seja do aluno para o professor ou vice-versa,

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pensando em manter as aparências de títulos ou convenções sociais. Por isso, agradeço

por aquele dia e por tantos outros em sala de aula, quando com gestos de gratidão,

explícitos ou não, me ensinaram como é prazeroso ensinar e, sobretudo, aprender junto

de vocês. “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem, de repente, aprende”, dizia

Guimarães Rosa. Então insisto aqui no que disse na segunda-feira. Vocês marcaram a

minha história e certamente nunca mais vou entrar em uma sala de aula como antes. Por

isso, também reforço: perder essa postura de gratidão com o outro não é uma possibilidade

aceitável no correr da vida. Cultivem e multipliquem essa prática pura. Sejam gratos aos

seus pais, aos seus amigos, aos colegas de trabalho e a todas as pessoas, que sempre serão,

de alguma forma, o combustível daquilo que fazemos. O bem só traz o bem.

Terceiro pilar: lutar pela educação.

E aqui gostaria de retomar outro ponto de nossa aula da saudade. Na segunda-feira

convoquei vocês a defenderem nossa universidade pública, gravemente ameaçada por um

projeto retrógrado, de um governo golpista, que busca eliminar programas de acesso e

permanência nos institutos federais e retira recursos da educação superior, minando a

autonomia das universidades com um único objetivo: o sucateamento do ensino público

e gratuito em prol de uma educação baseada no capital e na exploração das classes

trabalhadoras. Longe de mim querer transformar esse momento tão especial em palanque

político, mas problematizo, afinal, qual o discurso não é político? Nenhuma escola é e

jamais deve ser sem partido, pois tomar partido não deve ser entendido como uma postura

totalitária, ao contrário, deve ser uma atitude política, ou filosófica, como falávamos

agora há pouco, nos permitindo um movimento dialético que contribua para o

crescimento social. Foi nesta perspectiva que, dentro da Comunicação Social, discutimos

temas como homofobia, misoginia, racismo e tantos outros que passam despercebidos no

cotidiano e em muitos cursos superiores. Pois bem. Quando chamo vocês, formandas e

formandos da UFES, a defendê-la, não é por vocês ou por mim. Queiramos ou não, nós

fazemos parte de uma seleta minoria neste país que conseguiu vencer todos os funis do

sistema de ensino e concluir um curso superior. Portanto, ainda que o cenário do mercado

não inspire muita confiança, somos sim, de certa forma, privilegiados em relação a tantos

outros. Por isso meu chamado é por aqueles que ainda não conseguiram acesso e que

precisam de uma universidade pública e de qualidade. É justamente pelas periferias, pelos

negros, pelas comunidades tradicionais. É por todos aqueles que não querem nenhum

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privilégio, querem apenas condições iguais de acesso e permanência naquilo que é

público. E querem, com razão, um serviço público de qualidade e excelência.

Mas, afinal, como defendê-la? Como defender a universidade?

Nós, comunicólogos, na maioria absoluta das vezes deixamos passar ao largo a percepção

de que somos, também, de certa forma, educadores. O próprio Paulo Freire lembrava, em

Pedagogia do Oprimido, o papel libertário que os meios de comunicação deveriam

exercer, mas não exercem. Theodor Adorno, que viveu e estudou o horror do fascismo na

Alemanha nazista, dizia ser impossível uma democracia efetiva sem uma sociedade

plenamente emancipada. Para isso ele vislumbrava a possibilidade de um movimento

contra-hegemônico na Indústria Cultural, onde os meios de comunicação estão inseridos,

para uma emancipação dos indivíduos (E afinal, não é isso que vemos com a internet?).

Enfim, nós, jornalistas e publicitários, atuamos na superestrutura da sociedade,

construindo, ainda que às vezes de maneira despercebida, o imaginário e o pensamento

das pessoas sobre uma época. Para romper essa distração, retomo a necessidade do olhar

inconformado. E da coragem para agir como educadores. Coragem para colocar uma

mulher transexual em um comercial do dia das mulheres, para trazer um comercial de

margarina sem a tradicional família de comercial de margarina, para estampar na

manchete do jornal que o menor da periferia vale tanto quanto o jovem universitário da

Praia do Canto, coragem e sabedoria para enfrentar os críticos e bradar aos quatro cantos:

não precisamos do fim da escola pública, mas de sua universalização. Fazendo tudo isso,

vocês estarão lutando pela educação.

Quarto pilar: cultivar o amor

Por fim e ao fim, gostaria de falar da coragem de cultivar o amor. Neste dia, que marca

mudança, que marca o início de um novo momento, o frio na barriga é inevitável. E

acreditem. É o mesmo frio na barriga que qualquer professor sente ao entrar pela primeira

vez em sala com uma turma nova, ou que um bom jornalista sente ao conseguir a

entrevista exclusiva com aquela fonte tão cobiçada. Ou que o publicitário sente enquanto

aguarda a campanha da maior conta de sua vida estrear em horário nobre. Frios na barriga

são inevitáveis. E, imagino agora, o frio na barriga de todas as mães e todos os pais que

aqui se fazem presentes. Fisicamente ou espiritualmente. Mães e pais de diferentes

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origens, com diferentes trajetórias de luta e superação, que carregam no íntimo do seu

coração a lembrança de cada frio na barriga ao levá-los pela primeira vez na escola, ao

correrem para o hospital na primeira gripe ou na primeira queda, ao compartilharem as

frustrações e alegrias com o primeiro beijo ou o primeiro namoro, ao comemorarem a

aprovação no vestibular, e, agora, aqui, ao perceberem que vocês se tornaram adultos,

emancipados, livres, competentes para mudar o mundo que vos espera e, sobretudo,

pessoas tão amáveis. Nós, professores, da educação infantil até a graduação,

problematizamos, questionamos, ensinamos o bê-á-bá, e buscamos em nosso melhor

contribuir para a formação de cada um de vocês. Mas, a forma como cada indivíduo se

porta perante os diferentes frios na barriga que a vida nos traz – alguns de alegria, outros

de preocupação – é herança dos pais. Sempre acreditei e acredito que cultivar o amor é o

melhor caminho para superar esses momentos de ansiedade. Afinal, é o amor que agrega

ao nosso lado tudo aquilo que precisamos para vencer qualquer desafio. É por amor àquilo

que acreditamos que estudamos para sermos os melhores na profissão escolhida, é por

amor ao próximo que buscamos fazer a diferença no nosso trabalho, é por amor aos

amigos, que conseguimos caminhar sempre ao lado de pessoas incríveis, que nos servem

de referência e ajudam a superar cada desafio. Por isso, mais uma vez, como fizemos na

segunda-feira, peço que olhem em volta. Ao lado de vocês estão as melhores pessoas que

vocês conhecerão na vida de vocês. E é por amor que estarão sempre juntos. Eu tive o

privilégio de ver, ao longo do período em que convivemos na UFES, como todas as mães

e pais aqui presentes lhes ensinaram a amar de forma intensa e desmedida. Não percam

isso. Amem seus pais, amem seus amigos, amem sua profissão, amem o conhecimento

que liberta, emancipa, amem uma sociedade mais justa. Às mães e pais, parabéns pela

conquista. Vocês são os protagonistas. Aos novos colegas de profissão. Amem.

Simplesmente amem. Pois como diria Lulu Santos:

"Todo mundo sabe

Deve ser verdade. Andaram grafitando pelos muros da cidade

Que o amor é uma oportunidade

Não importa cor, credo, sexo ou idade"

Muito obrigado!