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1º livro da trilogia

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O Dragão dos Ventos Celestiais

1ª Parte - Os Guerreiros de Olonstreek

Marcelo Bessa Salvador/2013

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Nota do Autor

Esta obra foi idealizada em 2009 e escrita em

2012, após a conclusão do meu primeiro livro “O

Melhor Amigo do Cão – Para quem deseja retribuir esta

amizade verdadeira”. Trata-se do início da Saga do

Reino Unificado do Dragão dos Ventos Celestiais, que

estará completa ao final do terceiro volume.

Autorizo a reprodução gratuita dessa obra, em

meio digital (PDF), com finalidade de permitir que a

sociedade brasileira a conheça, no entanto, reservo-me o

direito exclusivo de comercializá-la em qualquer meio

existente.

Aos interessados, uma boa leitura!

Salvador, fevereiro de 2013

Marcelo Bessa

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Prólogo

Num tempo distante pelas heras esquecido, a paz fora estabelecida a partir do equilíbrio sensível das forças entre o bem e o mal, conquistado mediante antigas batalhas das quais se conhece apenas o resultado. Uma terra dividida em cinco reinos, cercados de mistérios, homens honrados e guerreiros que esperam batalhas profetizadas para um tempo próximo.

O Senhor Supremo, na busca de assegurar a

paz existente, dividiu entre às regiões pacíficas da terra as forças que controlam tudo que existe, a essência de todo o poder vital, para que não houvesse disputas entre eles. No entanto, sua

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imensa sabedoria o impedira de duvidar dos destrutivos anseios do homem por subjugar seus semelhantes e do oportunismo do mal em explorar tal fraqueza humana.

O Senhor dos Homens decidiu, então, confiar nas mãos humanas, e em honrados corações, as forças que unificadas gerariam um milênio de paz. Assim, guardou numa profecia a maior e mais árdua de todas as provas para a humanidade, revelando inicialmente a um sábio homem os caminhos que nas mãos de poucos, se capazes, trariam à terra o Reino Unificado do Dragão dos Ventos Celestiais...

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Primeira Parte

O Início

Ele acordou de um sono repleto de sonhos

estranhos. Sonhava com batalhas sangrentas, travadas no

seu amado reino, onde cresceu e aprendeu, com seu sábio

pai, muito mais do que o oficio que lhe fizera conhecido.

As forças eram desiguais, os homens que tentavam em

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desespero proteger o reino, pereciam aos montes ante os

poderosos inimigos...

Queria acordar daquele terrível pesadelo, mas,

ainda durante o sono, sentia que todo o horror que

vislumbrava não ficaria para sempre escondido num

plano irreal, teria que enfrentar tudo aquilo de fato e o

som que o fizera despertar só confirmava esta certeza.

Ele ouvia os gritos que lhe remetiam à violência e

a dor que por toda a noite inundara seu sono. Mas agora

estava acordado e tudo era real, a luta esperada havia se

anunciado.

Abrindo a porta de casa, ele olhou ao longe, até

onde a visão alcançava, e pode perceber um cenário

aterrador. Casas em chamas, homens empunhando suas

armas e lutando por suas vidas, outros fugindo assustados

por entre os vencidos caídos ao chão. No ar um odor de

morte e pânico que ele desejava não sentir em seu reino

tão prospero...

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O Mundo Antigo

Ah a Terra! Moldura da minha obra prima! Casa que

criei para o homem e que, há muito, tenho procurado tornar a morada da paz.

Meus filhos, no entanto, não entendem.

Deixam-se levar pela vaidade, cobiça, desejo de poder e pela violência, afastando-se do meu objetivo.

Meus conselheiros insistem: “O livre

arbítrio, meu Senhor! Tire-o antes que os homens se percam!”. Mas a liberdade é o maior dos meus

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presentes e, mesmo que eles não saibam usá-la, não voltarei atrás.

Decide ouvir as preces dos mais honrados e,

contra a minha vontade, deixei que a terra fosse dividida em reinos. Pouco ou nada adiantou e os rumos da guerra continuam seu sórdido caminho, enquanto o mal insiste em insurgir-se contra a paz. Contudo, meus olhos estão abertos e ainda não desisti dos bons homens...

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Numa configuração muito antiga, distante da

formação atual, a terra estava dividida entre três

continentes. Dois deles eram inabitados nas extremidades

do globo. O terceiro, ao centro do planeta, era o

continente habitado, morada dos homens e animais

existentes.

Cercado pelo insondável oceano de Noutlong (o

oceano sem fim), o continente habitado fora dividido em

seis regiões, dentre as quais se encontravam os cinco

Reinos Celestiais, assim dispostos:

Ao sul do continente, estabeleciam-se os

domínios de Olonstreek, o Reino do Metal. Guarnecido

por cadeias rochosas compostas pelos mais nobres e

valiosos metais do planeta, o território do 1º Reino era

formado por construções magníficas, edificadas numa

terra fértil de cenário exuberante.

Na região sudoeste do continente, cortado em

ilha, encontrava-se o Reino celestial das Águas ou

Lykroustreek. Geograficamente protegido pelo grande

Lago Lykrols (o lago das Águas Cristalinas), que

encontrava ao sul e a noroeste, o Oceano de Noutlong. O

reino constituía-se de um território abundante em

nascentes, lagos e cataratas, de onde surgiam todas as

fontes de águas puras de toda a terra.

Protegido por uma extensa e poderosa floresta, ao

noroeste do continente, fora edificado o Reino celestial

das Arvores, a bela região de Kromnoustreek, onde

habitavam a imensa maioria dos animais selvagens que,

perigosos, reforçavam as defesas contra possíveis

invasões.

O quarto Domínio, ao norte das terras habitadas,

denominado Eineonstreek, o Reino celestial do Fogo, era

cortado ao meio pelo rio Igneong (o rio de lava

incandescente). Tinha suas defesas estabelecidas por

vulcões sempre ativos, margeados por abismos profundos

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que cercavam raras e estreitas passagens para o centro do

continente. Seus domínios, com escassa vegetação e calor

intenso, revelaram um ambiente inóspito, cuja vida fora

permitida em consequência das poucas nascentes de

águas extremamente quentes.

O Reino das Terras Celestiais, Iktyoustreek,

estabelecido ao nordeste do continente, tinha suas defesas

num deserto extenso e inabitável. A região era habitada

apenas nas proximidades do litoral, onde as condições

geográficas permitiam a sobrevivência de seus

habitantes.

Por fim, ao centro do continente, estabeleceu-se o

Vale Evilkeerts, a anti-região do Vale Negro. Uma região

sombria, onde todo o mal inevitável que surgira das mãos

dos renegados dos cinco Reinos Celestiais buscara

abrigo, consolidando, ao logo do tempo, o território do

mal na Terra, de onde surgiram os conflitos

anteriormente profetizados.

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Olonstreek

O Primeiro Reino Celestial

O mais rico dentre os reinos! Enganam-se os que acreditam que me refiro

aos tolos metais preciosos... Os valorosos corações nessas terras

nascidos, ontem e hoje. Estas sim são as verdadeiras riquezas. Suas virtudes estão acima das habilidades para a luta e justiça, pois a coragem e bondade valem mais.

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Chegará o dia em que o ouro e a prata estarão desprotegidos e não serão tocados. As armas bem forjadas não os salvarão, mas suas virtudes serão vistas nas terras Habitadas.

Dos grandes heróis, mártires e eleitos, muitos nestes domínios nascerão. A guerra neste solo terá início e aqui festejarão os reinos se a vitória os alcançar...

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Olonstreek era o mais rico e poderoso dentre os

reinos celestiais. Suas riquezas originaram-se da imensa

cadeia rochosa, cuja formação abrigava enormes jazidas

de ouro e prata. O poder, também, tinha origem nas

riquezas minerais, pois a abundância de minério para a

forja de armas e armaduras gerara uma cultura de

militarização onde as crianças, inclusive plebeias,

desenvolviam habilidades em manejar armas. Os filhos

dos nobres eram criados mediante educação diária sobre

táticas de guerrilha, as notícias sobre uma guerra próxima

se espalharam pelo reino e, apesar dos discursos pacíficos

da família real, todos cresciam com o sonho de tornarem-

se heróis defendendo a justiça e a vida na terra antiga.

O Palácio de Galatyans (Palácio de Prata) era,

sem dúvida alguma, a mais bela e valiosa de todas as

edificações do planeta. Sua imponência podia ser vista a

distância, pois o reluzir do revestimento totalmente

construído com a prata real, traduzia o seu valor a todos

que o contemplassem. No interior do castelo, as riquezas

se multiplicavam em paredes, colunas e objetos em ouro

e prata de valor inestimável.

O rei Gyllimond era um homem maduro,

corpulento, de olhos castanhos e andar altivo. Sua

expressão humilde contrastava com a postura rígida de

um regente justo e poderoso, o que confundia os

preconceituosos nobres de Olonstreek. Os cabelos

negros, mesclados aos grisalhos completavam a bela

figura do Senhor do 1º reino.

A rainha Zayra, detentora de uma beleza

indescritível em seus olhos verdes cristalinos, iluminava

o semblante dos que ousavam contempla-la. Seus cabelos

louros, ondulados, harmonizam-se perfeitamente à pele

clara, às feições impecáveis e corpo jovial que pareciam

imunes ao tempo. Era Senhora do amor do seu rei e

inspirava incontáveis desejos secretos dos nobres de

Olonstreek.

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Ambos, rei e rainha, eram justos e humanos acima

da condição de Senhores do reino do metal. A fé, nos

desígnios do Senhor Supremo, os tornara verdadeiros

desafiadores das preconceituosas leis da sociedade

antiga. Seus corações eram regidos pela bondade, amor e

justiça e o povo os veneravam com a mesma intensidade

que se sentiam amados por eles. O reinado de Gyllimond

e Zayra fora marcado pela prosperidade galgada na

sabedoria em administrar as riquezas reais para o bem

comum, contudo o controle dessas riquezas dera origem à

insatisfação de uma minoria gananciosa, tornando, assim,

os recursos de Olonstreek a origem dos seus maiores

conflitos. Todo metal precioso era de propriedade

comum a todo o reino, não sendo permitido a ninguém

tomar posse dos mesmos. Os nobres tinham o direito de

posse sobre as jazidas existentes em suas terras, no

entanto, mesmo um deles seria preso e julgado caso fosse

surpreendido apropriando-se das preciosidades nas terras

reais.

Essa estrutura social e as leis em torno dos metais

preciosos geravam a ganância e a maldade em todas as

esferas do 1º reino. Este sentimento, por muito, era

compartilhado dentre os habitantes das outras regiões das

terras habitadas, que se sentiam injustiçados por não

terem direito natural sobre tais riquezas. Assim, homens

de todos os lugares eram recrutados pelo mal, sobre o

pretexto de poder tomar posse do patrimônio de

Olonstreek, ao subjugá-lo.

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...Voltando ao interior da casa, ele tomou sua

espada e a velha bolsa que, para todos os lugares,

carregava consigo e, apressado, preparou seu velho

cavalo para partir. Em seus ouvidos uma voz familiar

repetia insistentemente:

“Deves partir agora! O perigo ronda-nos

implacável! Por hora, cabe a ti a defesa dos bons. Vá ao

palácio e mostre o vosso poder!”

Seu cavalo cortava a vila, veloz, passando por

diversos focos de conflito e ele logo pode reconhecer os

invasores, pois as cicatrizes evidentes nas suas faces os

denunciavam. Os inimigos investiam perversos sobre

todos os que cruzassem seu caminho, mulheres ou

crianças, nobres ou servos, como se suas vidas nada

valessem. Aquele homem bondoso, sobre seu cavalo,

com imenso pesar, sentia em suas entranhas cada golpe

que via ser desferidos contra aqueles inocentes.

Ele continuou cavalgando rumo ao castelo sem se

permitir desviar seu destino em socorro àquelas vítimas,

mas, tomou sua espada, erguendo-a, quando avistou um

invasor que investia contra uma indefesa criança,

confusa, em meio à estrada. Antes que o inimigo

desferisse um golpe mortal contra o menino, fora

surpreendido pela lâmina perfeita que lhe transpassara.

Sem perder o ritmo, ele contemplou a face daquele

perverso invasor e nela vislumbrou a marca feita a ferro

com o símbolo do 1º reino celestial...

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Os Inimigos

Insolente! Traidor! Servo invejoso! Traiu minha confiança por

inveja dos meus filhos e da liberdade que os concedi. Ele deseja tê-los, deseja a terra e o poder de ser Senhor. Desafiou-me a entregá-los caso não houvesse honra, bondade e coragem que os valesse.

Insolente! Aceitei o desafio, pois creio no coração dos

meus filhos, e, apesar dos seus ardis, guiá-los-ei à vitória se forem, como acredito, merecedores. Do

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contrário, perderão a terra e a vida, mas as almas dos dignos não serão tocadas e serão bem vindas em minha casa, vitoriosas ou não.

És meu inimigo! E todo aquele que for por

ti seduzido, terá de mim o mesmo tratamento. Se quiseres ser Senhor, serás o Senhor das Trevas e nela andará aquele que te seguir...

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Apesar da busca pela paz, comum a todos os

Reinos Celestiais, a influência da natureza humana,

fatalmente conduzira o surgimento de atos isolados de

violência, comportamento severamente punido pelas leis

reais. Num consenso, os reinos celestiais puniam seus

infratores dando-lhes o direito de escolha, entre o

banimento ou as prisões reais. Aqueles que escolhiam o

cumprimento de suas penas seriam presos e perdoados

após justa punição. Os que optassem pelo banimento

jamais poderiam retornar aos respectivos domínios reais,

sobre pena de execução.

Ao longo dos anos os malfeitores que optaram

pelo banimento organizaram-se no território do Vale

Evilkeerts (a anti-região do Vale Negro), cultivando toda

a maldade e sentimento de vingança contra os Reinos

Celestiais. Estes renegados estabeleceram-se no primeiro

exército inimigo, que crescia no propósito de desafiar a

ordem dos cinco reinos, buscando impor o domínio do

mal sobre os povos da terra antiga. Assim, invadiram

Olonstreek no intuito de roubar suas riquezas e obter a

desforra tão esperada contra suas duras punições.

A maléfica influência de Myrior, o Senhor das

Trevas, na ocasião do primeiro ataque, não passava de

sugestões sutis aos corações endurecidos dos renegados.

Contudo, num futuro muito próximo, a presença deste

sombrio inimigo se concretizaria num exercito sobre-

humano.

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...Aproximando-se do castelo ele percebeu uma

mudança sutil no cenário visto na vila. A luta continuava

mais os soldados do reino estavam, claramente, vencendo

a disputa. Tropas agrupavam-se marchando em direção

ao vilarejo e já era possível deparar-se com renegados em

fuga. A voz ainda ressoava em seus ouvidos:

“Entre depressa no Palácio!”

Ele passou sem ser notado pela guarda, como se

estivesse invisível, e, deixando seu cavalo, entrou no

castelo. Ouvia desde então outra voz que clamava:

“Por favor, não me faça mal!”

A bela voz feminina, impregnada de temor, fez o

coração do guerreiro repentinamente iniciar um estranho

compasso, batendo tão forte que ele podia escutá-lo. Ele

corria pelas magníficas dependências do palácio, alheio

às belas que jamais contemplara e, então, deparou-se com

uma inesperada imagem.

A rainha Zayra fugia, desesperada, dos golpes de

um renegado que tentava feri-la. Não demorou muito

tempo para que o malfeitor encurralasse a indefesa

mulher. Ele sorria, num tom sarcástico e, erguendo sua

espada, olhou-a como um carrasco pronto para uma

execução:

— Em nome do exército do Vale Evilkeerts, vos

condeno à morte, rainha de Olonstreek, pondo fim a tua

vida e da criança que carregas no teu ventre...

A rainha, sem esperança de ser salva, cerrou os

olhos em oração, entregando-se nas mãos do Senhor

Supremo. No entanto, como se o tempo houvesse parado,

o golpe final não se concretizou, dando lugar ao som das

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espadas que se cruzaram ante aos seus olhos surpresos. O

oponente era um homem humilde, de meia idade, que

nem mesmo parecia ser capaz de erguer sua arma:

— Quem és tu, velho insolente?

A expressão do renegado revelou sua surpresa ao

reconhecer o rosto que o desafiava:

— Eu o conheço! És o ferreiro do vilarejo...

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O Escolhido No momento, um homem fora escolhido.

Sua justiça e sabedoria serão conhecidas... É ele o primeiro líder, o primeiro guardião e

nele se iniciará a vitória de todos. Ele irá instruir e encorajar os heróis. Em sua formidável “astúcia” iludirá o inimigo enganador, pois dos humildes nascerá coragem e poder como jamais foram vistos.

Das minhas mãos, encontrarão a luz sob a

qual o mal perecerá. Ela estará no livro, no símbolo, naquele que foi rejeitado e, sobretudo, nos corações que a desejarem.

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Meus planos foram, há muito, definidos,

mas os caminhos terão início nas habilidosas mãos do ferreiro.

Essa e a minha vontade!

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Descendente dos grandes mestres da forja de

armamentos, Steylrork aprendeu com seu pai, aquele que

forjara as melhores lâminas conhecidas na terra antiga, o

ofício de ferreiro. Ele era um homem de meia idade,

cabelos grisalhos, olhos castanhos e expressão sincera.

Seu corpo envelhecido escondia o porte de um velho

guerreiro e o olhar misterioso denotava grande sabedoria.

Seu pai, um grande guerreiro, de prenome Auryous,

forjava para si armas notáveis, manejando-as com imensa

destreza e, seguindo seus passos, Steylrork aprendera

também a utiliza-las com maestria. Esta prática secreta

transformou a história daquele humilde ferreiro para

sempre...

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— Se assim desejares, irás morrer junto à vossa

rainha...

— Afaste-se Majestade! Ninguém lhes fará mal

algum!

A rainha sentiu um súbito alívio ao perceber que

seu fim tão anunciado fora adiado, contudo, a simples

comparação entre aqueles adversários lhe trazia a

impressão de que não estaria a salvo por muito tempo.

Aquele homem bondoso, que tentava salvá-la, lutaria

contra um maléfico e poderoso inimigo ao qual a simples

presença denotava um perigo mortal. Mas a lógica viu-se

desafiada quando, ao bloquear o primeiro golpe desferido

pelo renegado, Steylrork feriu-lhe o ombro esquerdo,

num contragolpe perfeito:

— Vejo que sabes defender-se bem, para um

velho! Mas não precisarei de muito para liquidar-lhe.

Disse o renegado segurando sua espada apenas com a

mão direita.

Steylrork, impassível, permaneceu calado como

se não ouvisse as palavras do prepotente adversário. A

rainha sentia a esperança crescer em seu coração e passou

a crer nas habilidades do herói desconhecido que surgiu

para devolver-lhe a vida. O inimigo, furioso, ergueu a

espada e avançou contra o ferreiro que, com a leveza de

um jovem cavaleiro, bloqueou o golpe, girou o corpo por

debaixo das espadas e contra golpeou mortalmente o

renegado.

No coração do ferreiro uma estranha sensação de

paz, tomou o lugar da agonia, quase insuportável, que

sentia desde o início do conflito e ele percebeu que havia

cumprido sua primeira missão. Nos olhos da rainha, além

do natural alívio pelo perigo findado, a imensa gratidão

que sentia pelo gesto daquele plebeu:

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— Qual é o seu nome, heroico guerreiro?

— Sou Steylrork Majestade! Ferreiro do vosso

reino.

— Obrigado Steylrork!

— Não há porque agradecer Senhora, jamais

sentirei maior honra do que tê-la ajudado.

— Falas como se tivesse prestado-me um simples

favor. Salvaste minha vida e a partir deste instante tu

deixaras de ser simplesmente o ferreiro de Olonstreek,

pois serás sim conhecido como o mais leal dos amigos da

família real.

Esquecendo-se de sua posição a rainha abraçou

seu protetor que, aturdido, silenciou sem saber como

agir...

A invasão não demorou a cessar e tão logo

resolvido o conflito, o rei Gyllimond, que havia partido

em batalha contra os invasores, retornou ao castelo

vitorioso. Grande fora a surpresa do rei ao perceber que

os soldados designados para a defesa da rainha foram

derrotados e as portas do salão, onde Zayra deveria ser

protegida, estavam entreabertas. No instante em que

avançava em direção à entrada do salão, o rei sentia o

mais profundo desespero que seu coração já

experimentara. Estaria sua amada rainha entre as vítimas

daqueles cruéis inimigos?

Apoiado num tênue fio de esperança o rei entrou

na sala e sentiu-se profundamente aliviado ao ver Zayra,

a salvo, junto a um plebeu que a protegia:

— Quem és tu bondoso guerreiro?

A rainha, tomando a palavra, disse solenemente:

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— Este é o nosso amigo Steylrork, o homem a

quem devemos a minha vida e a vida da nossa criança. O

inimigo caído ao chão tinha o meu destino nas mãos

quando este nobre guerreiro, em tempo, enfrentou-o

salvando-me.

O rei aproximou-se do ferreiro que se ajoelhou

em reverência:

— Levante-se meu amigo! De todo o bem que eu

poderia imaginar receber de mãos humanas, não há nada

maior do que este que hoje me fizeste. Jamais poderei

retribuir-lhe à altura! Portanto, deixe a reverência para

aqueles com os quais eu não tenho uma dívida eterna.

Para ti quero oferecer o que desejares. Peça e terás!

Erguendo-se, Steylrork declarou num tom repleto

de sinceridade:

— Não desejo nada meu Senhor! Pois estive neste

castelo para cumprir meu dever e assim o fiz. Contudo,

sinto-me honrado por ouvir-lhe chamar-me por amigo e

esta recompensa me basta...

— Se vieste cumprir seu dever, a quem devo

agradecer o envio de tão valoroso herói? És cavaleiro de

qual dos reinos desta terra?

— Sou apenas um ferreiro do vosso reino, Alteza!

E nenhum homem responde pelo meu envio. No entanto,

sou filho desta terra e, como qualquer outro, devo

proteger a família real.

— Entendo o vosso propósito Steylrork e se te

recompensa a minha amizade, quero que saiba que a terás

para sempre. O conflito fora sufocado e tu deveras

descansar da batalha num dos aposentos de Galatyans,

pois, logo farei um pronunciamento ao valente povo do

meu reino e quero que estejas em nossa companhia.

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— Agradeço o convite Majestade! Estarei aqui

enquanto desejares.

O povo foi avisado que o rei convocava a todos

para o seu pronunciamento, à cerca do conflito que

vitimou muitos filhos do reino. Então, passado algum

tempo, Gyllimond surgiu no alpendre do castelo,

acompanhado pela rainha Zayra e Steylrork, quando

começou a falar ao povo:

— Querido povo de Olonstreek! Neste triste dia

trago-os aqui para que possamos, reunidos, homenagear

nossos irmãos que deram suas vidas para proteger nossas

terras. Os inimigos nos surpreenderam numa invasão

covarde e violenta, ferindo nossas almas por ganância e

vingança. Eram renegados de todos os reinos, julgados

por nossas leis, banidos por seus crimes e amotinados

num exercito de malfeitores. Muitos dos nossos soldados

pereceram ante este ataque traiçoeiro e não apenas eles,

como muitos homens simples, mulheres e crianças que

tentaram defender-nos, pois a maldade dos inimigos não

escolheu suas vítimas.

Junto ao meu exercito, no campo de batalha,

presencie diversos atos de heroísmo, realizados por

homens e mulheres de todas as idades e origens, o que

nos deixou orgulhosos e possibilitou a nossa vitória. Que

o Senhor Supremo conceda o prêmio devido os nossos

heróis no Palácio Celeste, que tenhamos aprendido o

verdadeiro sentido da nossa liberdade e o preço que

muitas das nossas famílias pagaram por ela.

Enquanto lutávamos um dos perversos renegados

invadiu o castelo no intuito de ferir nosso reino com a

morte da rainha e da criança que ela carrega em seu

ventre, mas o Senhor Supremo apiedou-se do meu velho

coração, e do nosso reino, enviando este valoroso

cavaleiro para protegê-la. Seu nome é Steylrork e ele, até

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o momento, fora conhecido como um dos nossos

ferreiros, no entanto, quero que todos saibam da nossa

eterna amizade e do merecido título que agora o

concedo...

Ficando de pé, o rei tomou sua espada na mão

direita e ordenou que o ferreiro ajoelhasse à sua frente.

Emocionado, Steylrork, ajoelhou-se e pode sentir a

espada tocar-lhe os ombros enquanto ouvia a voz do rei:

— Steylrork! Em nome do 1º Reino Celestial

concedo-lhe o título de cavaleiro real, em justiça à

bravura que demonstrares ao salvar-nos a todos no

momento em que protegera nossa família. Que o Senhor

Supremo ajude-o a honrar vossa nova missão e que todos

o respeitem, desde então, pela vossa nova posição. Sou

Gyllimond, o rei dos domínios do metal, e esta é a minha

vontade.

O povo saudou, com reverência, o novo cavaleiro

real e muitos dentre aqueles que conheciam o valoroso

Steylrork, demonstraram grande felicidade pela justa

horária que ele recebera. Muitos outros, no entanto,

represaram sua insatisfação em respeito ao rei.

Algum tempo após o pronunciamento, Gyllimond

chamou Sr. Steylrork para uma conversa reservada:

— Steylrork! Preciso falar-lhe um instante.

— Sim Majestade! Em que posso servi-lo?

— Tenho planos para garantir a segurança da

rainha e gostaria de contar com vossa presença,

diariamente entre nós, para viabiliza-los. Acredito que

seria apropriado que visses residir em Galatyans.

— Perdoe-me meu Senhor, se rejeito a honra que

me concedeste! Mas nasci no vilarejo e ali passei todos

os meus anos, por isso, não saberia viver em outro lugar,

ainda que fosse neste belo Palácio. Peço-te humildemente

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que reconsidere vossa vontade dando-lhe minha palavra

que estarei ao vosso dispor sempre que precisares.

— Tens liberdade para decidir aonde queres

viver, meu amigo, e entendo vossa decisão! Contudo, se

mudares de ideia vosso lugar estará à disposição.

— Se me permites Alteza, voltarei ao meu lar no

vilarejo. Estarei de volta ao castelo pela manhã.

— Vá em paz e até breve meu amigo!

Cavalgando pela madrugada, Steylrork voltou ao

vilarejo lembrando-se das imagens aterradoras que havia

presenciado na última passagem por aqueles caminhos,

hora desertos e envoltos num silêncio tumular que

parecia homenagear as vítimas da batalha ali travada. Ele

sabia que a luta havia apenas começado e a sua missão

teria avançado um único passo de uma longa e árdua

caminhada. Era guiado pelo próprio Senhor Supremo,

cuja voz fazia-se sempre presente quando necessário.

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A Revelação ao Ferreiro

Dias antes do ataque ao 1º reino...

A noite parecia não ter fim. Um sono profundo,

sem sonhos, se alongava, mas o cansaço do dia ainda se

fazia presente. Uma luz feriu a escuridão dos seus

aposentos e dela um homem surgiu. Steylrork sentia que

tempos tenebrosos estavam por vir, contudo, a sabedoria

inata do seu coração o faria reconhecer um mensageiro

do Senhor Supremo em qualquer circunstância. Era um

anjo e ele preparou-se para ouvi-lo:

—Diga-me a que vieste nobre mensageiro.

—Venho declarar que tu, Steylrork, foste

escolhido pelo Senhor Supremo, para guardar a profecia

do Reino Unificado do Dragão dos Ventos Celestiais e

conduzir os homens de bom coração a cumpri-la.

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—Perdoe-me! Mas sou apenas um velho ferreiro!

Como poderei cumprir tão honrosa missão?

—Não há porque questionar os desígnios do

vosso Deus. Ele conhece a todos os corações e escolheu a

ti dentre eles, sabendo exatamente vossos limites e

virtudes...

—Sei que não posso duvidar da sabedoria do meu

Senhor em escolher-me. Contudo, não encontro em mim

merecimento algum para tanto.

O anjo esboçou um sorriso:

—Não se trata de um prêmio, mas de um voto de

confiança que por certo eis merecedor. Alem disso esta

não é uma missão galgada em merecimentos meu caro! E

sim, num sacrifício pelo bem de todos os homens, pois ao

falharmos toda humanidade perecerá ante ao mal. Vosso

Deus confiou em vós, enviou-me para dar-lhe ciência da

sua suprema vontade e ouvir uma resposta, ele não irá

ferir-lhe o livre arbítrio ainda que custe a vida de todos...

—Sei a quem devo minha própria existência e a

Ele, que me honra com sua divina confiança, jamais

negarei o meu sim. Estou pronto para o que foi decidido.

—Face à resposta que me destes, deixo em vossas

mãos, por ordem do Senhor Supremo, a profecia do

desejado Reino Unificado do Dragão dos Ventos

Celestiais, traduzida no livro que agora te entrego. O

símbolo presente em seu interior é, na verdade, um

instrumento do poder que emana da luz, devendo ser

usado com sabedoria.

O anjo tocou o ombro esquerdo de Steylrork, que

adormeceu subitamente...

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Ao acordar, o ferreiro acreditou, por instantes,

que teria tido um estranho sonho, mas encontrou ao seu

lado um livro dourado...

Contemplando aquele objeto notável, Steylrork

pode perceber a importância do que estava por vir. Ele

Estendeu a mão, segurou o livro, tocou com as pontas

dos dedos os seis brasões entalhados na capa e

reconheceu os símbolos dos cinco reinos ao redor de um,

desconhecido, que seria a representação do reino

unificado.

Ao abrir o livro o ferreiro sentiu-se

repentinamente enfraquecido, como se algo roubasse lhe

as forças, contudo, em poucos instantes, recuperou-se.

Ele esperava encontrar orientações sobre os primeiros

passos da sua missão, mas percebeu que aquelas não

eram escrituras comuns. A maioria das folhas não

continha texto algum e, ao fundo, a contra capa escondia

o instrumento ao qual o anjo se referiu: um medalhão

com o símbolo do Reino Unificado. Surpreso Steylrork

contemplou uma escritura surgir, letra após letra, numa

folha que estava em branco...

34

Filho! És tu o meu escolhido! Vasculhei os reinos, procurando, e dentre

todos vos escolhi. Não me importam riqueza ou poder, nobreza ou direito herdado. Estas são preocupações dos homens.

Vossa lealdade, honra e justiça é o que

desejo. Tão abundantes não encontrei nos reis ou guerreiros, herdeiros ou nobres de toda a terra. Forje a vitória para o vosso povo, como as lâminas que Auryous lhes ensinara a forjar, e verás que nada se perderá.

Será tua esta difícil missão e se merecerdes,

perderás a vida, mas tua recompensa não lhe será tirada jamais. Comece já a caminhada!

Nas escrituras encontrarás o destino

correto, porem, os caminhos, deveis trilhar por si mesmo. Minha voz o acompanhará se quiserdes ouvir e irei carregá-lo quando vossas forças, por fim, o deixarem.

Confio em ti meu nobre ferreiro!

35

Tudo estava claro. Steylrork entendeu que, mais

do que um livro, estava diante de um elo entre ele e o

Senhor Supremo, entre o mundo dos homens e as Terras

Celestiais. A mais importante das armas na guerra que se

anunciava. Deveria defendê-lo com a própria vida, usá-lo

com o máximo de sabedoria e tornar a vitoria possível

aos homens. Assim, prostrado ante ao poderoso objeto,

ele elevou uma prece ao seu Senhor:

“Oh meu Supremo Senhor! Como podeis ser tão benevolente? Como posso honrar vossas palavras? Não sou nada! Não sou ninguém para merecer de ti, tal

honraria! Darei o meu melhor! Protegerei estas escrituras e este medalhão com

minha vida! Espero, com minha pequenez, poder honrar vossa

suprema confiança. Para que possamos livrar-nos do mal que nos assombra e ter a paz tão sonhada.

Estou aqui meu Senhor! Desejo servi-lo! Desejo a honra de ser instrumento da vossa vitória!

Assim seja!”

Steylrork estava, por fim, certo da sua missão e,

desde aquela noite, começaram seus esforços para honrar

os desígnios do Senhor dos Homens, ainda que disso

dependesse sua vida...

36

Segunda Parte

Na manhã seguinte o reino parecia acordar de um

terrível pesadelo. O povo recolhia os restos da batalha e

já iniciava a reconstrução do que fora destruído.

Steylrork partiu cedo para o castelo, como desejou o rei,

e, estando lá, foi chamado para uma reunião convocada

no intuito de tratar das questões prioritárias de segurança

para Olonstreek.

O tema central da reunião logo se tornou evidente

para todos. A clara necessidade de reformulação da

estrutura de segurança do reino, vez que a antiga

estratégia foi superada pelos inimigos, resultando no

recente incidente. Ryanor, um homem jovem, sério,

corpulento e altivo, o chefe da guarda de Olonstreek,

sentindo-se responsável pelo acontecido reagiu

defensivamente:

37

— Majestade, se me permites discordar, gostaria

de posicionar-me contra a mudança de estrutura das

nossas defesas, pois creio que a invasão sofrida não teve

qualquer relação com as nossas táticas de segurança...

— Ryanor! Estruturar as defesas de um reino é

obrigação do chefe da guarda, no entanto, aceitar a

estratégia proposta é da competência do rei. Assim, quero

deixar claro que vossa responsabilidade quanto ao ataque

não é menor do que a minha e a mudança que devemos

planejar não é uma afronta aos vossos esforços, mas uma

precaução para que não venhamos a sofrer outro ataque.

Subitamente, Steylrork tomou a palavra. Os

nobres ali presentes, não conseguiam esconder a

sensação de que um intruso se interpunha em seus

assuntos. Gyllimond, por sua vez, aguardou atentamente

a posição do cavaleiro.

— Senhor! Permita-me concordar com o nobre

chefe da guarda. Os planos do inimigo certamente estão

acima da estrutura de defesa do nosso reino.

— Majestade! Nossos inimigos são renegados dos

cinco reinos celestiais, reunidos num exercito. Portanto,

me parece natural imaginar que os planos de vingança

desses malditos não se limitam a atacar-nos e certamente

existe a intenção de invadirem os outros reinos.

Os presentes entreolharam-se reconhecendo as

razões expostas pelo ferreiro.

— E então o que faremos contra a eminente

possibilidade de um novo ataque?

Perguntou o rei:

38

— Algum dos presentes poderia sugerir algo

novo, que possa reforçar nosso potencial de defesa?

Após um breve silêncio, Steylrork sugeriu:

— Gostaria de sugerir que seja formado um

conselho entre os reinos, com o intuito inicial de

estabelecer diretrizes de cooperação e comunicação entre

as regiões e seus exércitos, viabilizando, assim, a ajuda

necessária quando da eminência de uma invasão por

parte dos renegados.

A surpresa do rei Gyllimond era a mesma dos

outros membros da reunião. Como um simples ferreiro

poderia ser dotado de tão veemente sabedoria? Steylrork

estava completamente correto em seu julgamento e

mesmo os nobres, que não aprovavam sua presença,

viram-se obrigados a concordar com sua estratégia.

— Creio que não precisamos debater sobre as

sabias palavras do meu nobre amigo. Providenciaremos

uma reunião secreta com as autoridades dos outros reinos

para que possamos chegar a um consenso a respeito da

possível formação de um conselho destinado à segurança

de todos. Que o Senhor Supremo nos ajude!

39

O Conselho Celestial

Conselheiros reunir-se-ão almejando a paz. São valorosos e honrados, mas suas forças não são capazes de evitar o mal, pois traidores estão à espreita e seus segredos serão conhecidos...

40

Decidido a promover a formação de um conselho

composto por representantes dos cinco reinos, o rei

Gyllimond reuniu-se com Steylrork no salão real e, com

ele, chegou ao entendimento de que seria necessário

enviar, através de um mensageiro de extrema confiança,

comunicados secretos, endereçados exclusivamente aos

dirigentes dos respectivos reinos. Decidiram, contudo,

que os reais motivos deste encontro seriam revelados no

momento certo. Assim, o rei ordenou que um dos

soldados, postos às portas do salão real, fosse ao encontro

de Ryanor e o chamasse:

— Meu Senhor! Em que posso lhe ser útil?

— Ryanor! Prepare vosso melhor cavalo, pois

deveis partir ainda hoje aos outros reinos celestiais,

levando uma mensagem urgente, que devera ser entregue

nas mãos de cada dirigente e cujo conteúdo é

extremamente secreto.

O chefe da guarda olhou para Steylrork, como

quem olha para um traidor. Em seus pensamentos teve a

certeza que aquele intruso desejava o prestígio que a ele

era devido...

— Mas meu Senhor! Tenho diversos assuntos da

guarda para tratar, temos os melhores mensageiros das

terras habitadas e...

— Não discuta minhas decisões, cavaleiro!

Confiei à ti esta missão e serás tu a cumpri-la!

— Perdoe-me Majestade! Não quis parecer-lhe

insolente. Estarei a postos o quanto antes, se permitirdes,

irei preparar-me imediatamente.

— Permissão concedida!

Ryanor dispensou um último olhar ameaçador ao

ferreiro e retirou-se apressadamente do salão.

41

Steylrork dirigiu-se ao rei:

— Meu Senhor! Creio que Ryanor sente-se

desafiado pela minha presença...

— Não há do que se preocupar Steylrork! Ele

sente-se culpado pela invasão e acredita ter perdido o

meu apreço por falhar em proteger o reino, no entanto,

não percebe que dentre todos os cavaleiros tem minha

preferência e confiança.

— Permita-me, Senhor, sugerir que deveis

esclarecer os fatos junto a Ryanor, em honra a confiança

que o tens. Ele pareceu-me decepcionado.

— Entendo vossa preocupação Steylrork. Vamos

aguardar que ele retorne...

Algum tempo depois o Chefe da guarda retornou

à Galatyans, sua expressam contrariada não deixava

dúvidas quanto ao seu pesar, mas a jovem manteve-se

obediente:

— Está tudo preparado Majestade! Onde estão as

mensagens que levarei?

— Sente-se cavaleiro!

O rei estendeu a mão, entregando-lhe quatro

mensagens seladas:

— Ryanor! Steylrork sugeriu-me que ao

mensageiro devesse ser concedido o direito de conhecer

o conteúdo das mensagens, portanto, abra e leia uma das

cartas!

Ele hesitou:

42

— Estas são mensagens secretas e apenas os

homens presentes neste salão conhecerão seu conteúdo.

Leia filho!

“Trata-se de assunto de extrema urgência para

todos os Reinos Celestiais! Eu, o rei Gyllimond de

Olonstreek, venho, por meio dessa mensagem, solicitar a

presença dos representantes de todas as regiões pacíficas

das terras habitadas, para uma reunião urgente e

totalmente secreta no palácio de prata. Trataremos de

questões que envolvem a segurança e a paz em toda a

terra.

Creio que foram conhecidos, por todos, os

eventos ocorridos em Olonstreek. Ataques covardes que

vitimaram muitos homens de bem e quase destruíram

nosso querido reino. Temos razões para acreditar que este

foi apenas o primeiro incidente de muitos e que os vossos

territórios serão os próximos alvos. Espero encontrar-lhes

na próxima lua crescente e que o Senhor Supremo nos

conduza!”

Após um breve silêncio, seguido de olhares

amigáveis entre os presentes Ryanor dirigiu-se ao rei::

— Majestade! Posso entender a importância do

vosso envio e sinto-me honrado pela confiança que me

concedestes!

— Tenho vossa permissão para partir?

— Siga vosso caminho em paz, filho! Que o

Senhor Supremo o conduza!

— Obrigado Alteza!

— Sr Steylrork! Perdoe-me por tê-lo julgado mal.

Vejo que nosso rei o tem em alta conta e deveis ser

merecedor dessa honraria.

43

O ferreiro esboçou um sorriso e tocou o ombro do

jovem cavaleiro, em sinal de amizade...

Ryanor tomou as mensagens e retirou-se do

palácio.

Steylrork despediu-se do rei em seguida e

retornou à sua casa no vilarejo.

Ao chegar à vila o ferreiro sentia um desejo

incontrolável de consultar o livro e suas mágicas

escrituras. Ele era atraído por aquele misterioso objeto,

sempre que houvesse algo importante a ser lido e a

agonia que o tomava só tinha fim após a leitura. Ao abri-

lo na última folha limpa, como esperado, uma nova

escritura começou a aparecer letra após letra...

Ryanor seguiu veloz pelos caminhos dos reinos

celestiais e cumpriu sua missão entregando, nas mãos dos

dirigentes dos reinos, as mensagens do rei Gyllimond.

Ele esclarecia a urgência do encontro e a necessidade de

discrição quando da chegada à Olonstreek e todos se

comprometeram a comparecer ou enviar representantes

em segredo.

No dia da primeira reunião do Conselho Celestial

os dirigentes ou representantes enviados, chegaram ao

reino do Metal sem serem notados e foram recebidos em

Galatyans, pelo próprio rei, com toda a discrição devida.

Os trabalhos se iniciaram, mas Gyllimond

inquietava-se com uma ausência entre seus

conselheiros...

44

Esconda-se ferreiro! Vossa presença será requisitada, mas deveis

esconder-se por hora! És o principal conselheiro do rei e ele

sentirá vossa ausência, contudo vosso melhor conselho será o silêncio.

Não se trata de insolência ou covardia.

Nossas melhores armas devem estar fora do alcance dos traidores.

Não serás visto neste dia, nobre

conselheiro!

45

...Acima dos interesses do conselho, Gyllimond

viu-se profundamente preocupado com o paradeiro de

Steylrork que jamais havia estado ausente, desde que se

tornara cavaleiro.

O momento mais importante após a invasão de

Olonstreek havia chegado e o ferreiro simplesmente

desapareceu. O rei, não poderia ausentar-se para procurá-

lo pessoalmente, então, ordenou que seus soldados o

fizessem e o informasse imediatamente o que acontecera.

A primeira reunião do Conselho Celestial atingiu

o quanto esperado. Os representantes retornaram aos seus

reinos com a mesma discrição que chegaram e ninguém

se quer percebeu o que havia ocorrido em Olonstreek.

Os soldados enviados por Gyllimond não

encontraram Steylrork em lugar algum. A aflição do rei,

e da rainha, quanto ao seu paradeiro, perdurou até o

amanhecer do dia seguinte, quando o ferreiro chegou ao

castelo, à passos largos:

— Meu Senhor e Senhora! Perdoem-me a

ausência durante a reunião do Conselho.

Steylrork curvou-se diante do rei e da rainha com

uma expressão de arrependimento e pesar:

— Meu amigo! Onde esteve? Estávamos aflitos

com o vosso desaparecimento. O que houve afinal?

Disse Zayra, enquanto erguia o ferreiro,

gentilmente, segurando-o pela mão.

— Perdoe-me Majestade não tive a intenção de

afligi-los, mas assuntos urgentes me detiveram por todo o

dia.

O rei, irritado, olhando-o fixamente indagou:

46

— Qual seria este assunto tão importante que o

tiraste de vossas responsabilidades de cavaleiro, deixado

o rei e a rainha de Olonstreek sem notícias do vosso

destino?

— Entendo vossa revolta, meu Senhor! E espero

minha justa punição, mas o assunto que me deteve é um

segredo que nem mesmo à família real me cabe revelar.

O rei estava aturdido com a coragem daquele

homem. Não via temor nos olhos sinceros do ferreiro,

apesar da iminente punição que ele poderia receber por

ter deixado suas obrigações reais, em nome de um

segredo que não pretendia revelar.

Gyllimond pôs-se a lembrar de como conhecera

Steylrork, como deparou-se com o salvador da sua amada

rainha. A espada em punho preparada para defendê-la

novamente, caso fosse necessário; o olhar de um grande

guerreiro vitorioso enviado para estar ali naquele exato

momento. Lembrou-se também da sabedoria que ele

demonstrara ao sugerir a formação do Conselho Celestial

e, por fim, entendeu que estava sendo conduzido, por

aquele homem humilde:

“Steylrork é mais do que um cavaleiro de

Olonstreek. É um enviado do próprio Senhor Supremo e

está a nos conduzir desde a invasão, não me cabe

recriminá-lo, nem saber mais do que me é permitido.”

Pensou Gyllimond, mudando de atitude.

— Não irei puni-lo cavaleiro, pois meus olhos

começaram a se abrir e posso imaginar o valor do vosso

segredo. Esperarei o tempo em que poderás confiar-me

vossos mistérios Steylrork e estou feliz por ver que estais

bem, meu amigo!

47

— Eis generoso como nenhum outro rei nascido

nesta terra meu Senhor! Muito obrigado pelo vosso

perdão!

A rainha não pode entender como Gyllimond

mudara de atitude tão repentinamente, contudo, num

sorriso, demonstrou sua aprovação vez que nunca

desejara que o ferreiro fosse punido.

O Conselho Celestial estava formado desde então,

e foi estabelecido no primeiro encontro que cada reino

escolheria quatro mensageiros destinados ao envio de

comunicados urgentes, solicitando reforços rápidos

quando da iminência de ataques. Ficaram também

estabelecidos códigos de comunicação por meio de sinais

luminosos, com os quais seria possível responder às

solicitações e até mesmo avisar da impossibilidade de

cumprimento do tratado de cooperação à distância.

Outras reuniões foram pré-estabelecidas e ocorreriam em

cada um dos outros reinos segundo agendamento prévio,

ocasiões em que seriam atualizadas as informações sobre

a segurança de todas as regiões pacíficas das terras

habitadas.

48

As Crianças de Olonstreek

São duas as crianças. Deveis escondê-las em vosso lar. Proteja a mãe como será pedido e ajude quando ouvir a súplica. Uma nascerá em vossos domínios e a outra lhes será enviada. Reúna-as, pois são vossas, tanto quanto do rei e da rainha. Escolherás seus nomes e protegendo-as enganaras o oponente, pois no silêncio da tempestuosa noite os olhos do inimigo nada verão...

Salve-as ferreiro!

49

A batalha que quase vitimou a rainha e a criança

que ela trazia no ventre, tornou a segurança da família

real, mais do que nunca, a prioridade no reino do metal.

Os renegados capturados, após a invasão, foram

interrogados diversas vezes pela guarda de Olonstreek.

Ryanor tencionava colher informações sobre o exercito

inimigo e suas intenções futuras. Ele descobriu que

existiam planos concretos de impedir que a criança real

viesse ao mundo, que este fora o verdadeiro motivo do

ataque e que o contingente inimigo era muito maior do

que fora visto.

Por essa razão o Rei Gyllimond, resolveu

esconder Zayra em um lugar onde ninguém imaginaria

que ela pudesse estar. Ele convocou Steylrork para uma

reunião urgente:

— Steylrork! Preciso da vossa ajuda.

O ferreiro prontificou-se:

— Meu Senhor! Diga-me em que poderei ser útil.

— Preciso que escondas Zayra em vossa casa, até

o nascimento da nossa criança. Descobrimos que a

intenção dos invasores era a morte da rainha e do bebê e,

por isso, temo a possibilidade de um novo atentado.

— Minha casa será abençoada pela honrosa

presença da vossa família, meu Senhor! Não se preocupe,

pois protegerei a rainha com a minha vida!

— Vos agradeço meu amigo! Terás minha

confiança para esta missão. Meus melhores homens

estarão vigiando secretamente a vossa casa.

50

Na noite seguinte a Rainha foi levada, sobre

disfarce, para a casa de Steylrork. Apenas os homens de

confiança do rei e a serva da rainha sabiam onde Zayra

iria permanecer até o nascimento da sua criança.

O pequeno Chalé onde o ferreiro vivia, dispunha

de apenas um aposento onde ele se recolhia para dormir.

Era realmente confortável e mantinha-se impecavelmente

organizado, com moveis entalhados pelas suas

habilidosas mãos. Ele preparou sua casa para a chegada

da rainha e a recebeu com toda reverência devida:

— Minha Senhora, perdoe-me o desconforto do

meu lar. Farei o melhor para reduzir o incomodo destas

humildes instalações.

— Steylrork, meu amigo! Vossa segurança e

lealdade é todo o conforto de que preciso. Agradeço-vos

por me abrir as portas da vossa casa.

Zayra entrou no chalé e foi conduzida por

Steylrork aos aposentos onde ficaria escondida até o final

da gestação, como planejado pelo rei.

O ferreiro então começou a dedicar-se ao serviço

e proteção da bela rainha e sua criança que em alguns

dias, viria a nascer. Zayra sentia-se bem, em segurança, e

Steylrork mantinha-se vigilante. Ele avisaria ao rei

quando a hora do nascimento estivesse próxima, para que

Elga, a fiel serva da rainha, viesse acompanhar o parto.

Enquanto este dia não chegava, cabia à Elga fingir que

Zayra mantinha-se indisposta nos aposentos reais, para

que todos em Olonstreek acreditassem que ela

permanecia no castelo, o que ela cumpriu sabiamente.

Alguns dias se passaram e o plano de Gyllimond

funcionava plenamente. Ninguém, em todo o reino,

imaginara que a rainha não estava recolhida no palácio.

A invasão esperada não ocorreu, mas Ryanor reforçou as

51

tropas na fronteira do reino, evitando ser surpreendido

novamente.

Uma tempestade quebrava o silêncio da

madrugada, quando Steylrork ouviu uma voz que o

chamava do lado de fora da casa. Ele imaginou saber do

que se tratava, mas, precavido, tomou sua espada nas

mãos e cuidadosamente abril a porta. Ninguém o

esperava, porém, ao chão, havia um cesto com uma

criança que curiosamente não chorava, embora estivesse

ao relento.

O ferreiro sorriu, olhando para criança e,

lembrando-se do que havia lido nas escrituras, trouxe-a

para dentro. Enquanto fechava a porta ele ouviu um grito

que vinha do interior da casa. Zayra chamava-o, pois já

estava em trabalho de parto, porem, algo não corria bem

e ela clamava por sua ajuda:

— Steylrork, aproxime-se! Está na hora, mas há

algo de errado! Temo pela vida da minha criança! Ajude-

me, por favor!

— Acalme-se minha Senhora! Estou aqui e irei

ajudá-la! Não temas mal algum, pois o Senhor Supremo

está conosco neste momento!

A urgência impedira Steylrork de chamar por

Elga. Teria, ele mesmo, que auxiliar o nascimento do

bebê, em detrimento das convenções sociais que

proibiam os homens de presenciar tais ocasiões. Ele não

sabia como proceder. Tentou, então, lembrar-se das

mulheres do vilarejo que se reunião para ajudar umas às

outras quando uma criança estava para nascer e, muitas

vezes, narravam seus feitos aos amigos.

Num esforço, o ferreiro lembrou-se de um

episódio narrado por uma de suas vizinhas que,

detalhadamente, explicou como conseguira salvar um

bebê que não estava na posição correta para nascer. Ele,

52

entendendo que se tratava de situação semelhante,

dirigiu-se à rainha explicando o que parecia estar

havendo.

— Senhora! Creio que o vosso bebê não está na

posição correta para nascer e precisará de ajuda

— Ajude-me meu amigo! Faça o que for preciso,

mas salve minha criança!

Steylrork, munido das bênçãos do Senhor

Supremo e imitando as parteiras do vilarejo, reposicionou

a criança que nasceu em seguida. A rainha, exausta,

desfaleceu, perdendo os sentidos, logo que pode ouvir o

primeiro choro do seu bebê.

O ferreiro recordou-se de tudo que havia lido nas

escrituras para aquele dia. Ele sabia que Zayra ficaria

bem, após um merecido descanso. Sabia, também, que os

destinos daquelas duas crianças, que agora se

encontravam na sua humilde casa, estavam selados e

entrelaçados para sempre. O Senhor Supremo mais uma

vez o mostrara como agir e ele assim o fez.

Tudo corria como esperado e Steylrork

contemplava as belas crianças que tranquilas dormiam,

alheias, a tudo que estava por vir, a todo o mal que

enfrentariam no futuro incerto dos homens das terras

habitadas.

Zayra acordou chamando:

— Steylrork! Traga-me meu bebê!

Ele hesitou por um instante olhando para as

crianças. Então, tomou uma delas nos braços e levou até

a rainha.

53

— Aqui está minha Senhora! Veja que bela

princesa o Senhor Supremo lhe enviou! É certamente a

mais bela que a terra já conheceu!

— Obrigada meu amigo! Mais uma vez salvaste

nossas vidas.

— Estarei sempre aqui minha Senhora! Agora

queira descansar com vossa criança. Chame quando

precisar.

A manhã, finalmente, chegou e a rainha logo quis

saber da outra criança que ali se encontrava. O ferreiro

explicou a “incrível coincidência” que ocorrera naquela

madrugada tempestuosa e ambos concordaram que,

certamente, tratava-se de um sinal divino. Ele jurou

cuidar e proteger o bebê que havia sido deixado em sua

porta, bem como, a criança que nascera em sua casa.

Zayra tomou em seus braços o outro bebê que ali

estava. Era um belo garoto aquele que desde então,

tornara-se filho do seu amigo ferreiro. Ela levou-o para

seus aposentos e, num gesto digno da bondosa rainha de

Olonstreek, pôs-se a alimentá-lo junto à princesa.

Tudo havia ocorrido conforme a vontade

suprema, Steylrork cumprira sua missão e era chegada a

hora de avisar ao rei sobre o acontecido. Ele convocou o

soldado que montara guarda durante toda a noite, a

alguns metros de sua casa, e ordenou que fosse ao castelo

avisar ao rei que seu bebê havia nascido durante aquela

madrugada, que Rainha Zayra e a Princesa, estavam bem

e aguardando sua visita.

Em pouco tempo o rei Gyllimond chegou à casa

do ferreiro, aflito, em busca de notícias sobre o que havia

acontecido:

— O que houve Steylrork! Por que não nos avisou

que a hora havia chegado?

54

O Ferreiro conhecia as convenções do seu tempo,

sabia que não deveriam estar presentes durante o

nascimento de uma criança e que, como regra de conduta,

um homem que ousasse presenciar o nascimento de uma

princesa poderia pagar com a vida perante a sociedade.

— Meu Senhor! Perdoe-me, mas havia algo de

errado e temi pela segurança da vossa família, caso me

ausentasse. Obriguei-me, portanto, a auxilia-la durante o

parto, a despeito das nossas convenções.

Gyllimond, no entanto, era naturalmente avesso à

maioria das convenções preconceituosas da sociedade

antiga e não estava preocupado com quem auxiliou o

nascimento de sua pequena princesa desde que ela e a

rainha estivessem em segurança.

— Não se envergonhe meu amigo! Tudo

certamente correra conforme a vontade do Senhor

Supremo. Estou feliz por encontrar minha família em

segurança! Esta é apenas mais uma das dívidas que temos

para convosco.

— Obrigado por vossa confiança, Majestade!

Deixe-me levar-lhe à vossa bela família.

Gyllimond cumprimentou Zayra e falou sobre o

quanto estava feliz por vê-la bem. Depois tomou sua filha

nos braços, com profunda emoção:

— Minha bela princesa, minha vida e meu reino

são teus. Terás das mãos de vosso pai, tudo o que

precisar para ser feliz e prometo que o serás, como

nenhuma outra princesa em toda historia dos homens.

55

Steylrork retirou-se deixando a família real, em

comemoração. Ele pôs-se a cavalgar em meio aos

pensamentos que o tomavam. Imaginava o futuro

daquelas pobres crianças que conhecera durante a noite

passada, os desafios que estavam por mudar suas

inocentes vidas e todo horror da guerra que viria. Seu

coração estava agora em conflito, entre o desejo de

protegê-las, a qualquer custo, e a obrigação de deixa-las

seguir o perigoso caminho pré-determinado em nome da

profecia que guardava. Mas, o ferreiro logo recuperou a

razão, entendendo que o melhor caminho já havia sido

traçado pelo próprio Deus e que ele amava aqueles

pequenos muito mais do que qualquer homem que os

tentasse proteger.

Voltando à sua casa, ele fora informado de que o

rei procurava-o:

— Estou aqui Majestade! Em que posso ser útil?

— Steylrork! Zayra deixou-me a par da inusitada

história que ocorreu esta noite e me parece claro que tu

recebeste um presente das mãos do Senhor Supremo.

Saibas que é da nossa vontade que a rainha possa

alimentar vosso filho enquanto bebê. Dou-lhe minha

palavra que esta criança será protegida e tratada como o

mesmo zelo e cuidado que terá a princesa. Sei que não

queres residir no palácio, mas creio ser importante que

permaneças conosco até que vosso filho não necessite

mais dos cuidados da Rainha.

— Agradeço tuas promessas Majestade!

Agradeço também a ti, minha Senhora, pela bondade de

alimentar meu pequeno menino. Será uma grande honra

residirmos, pelos próximos meses, em Galatyans, Alteza!

A Rainha então tomou a palavra para anunciar

uma decisão que tomara junto ao rei:

56

— Decidimos que vos daríamos o direito de

escolher o nome da princesa, já que foste tu que a ajudara

a nascer.

— Senhor! Como será possível, um simples

ferreiro ser detentor de tal honraria?

— Tu és cavaleiro de Olonstreek Steylrork e

ainda que não o fosse, tens a nossa gratidão e amizade!

Acaso a família real não tem o direito de ter um amigo?

— Naturalmente Majestade! Tenho grande

felicidade por ostentar vosso apreço!

— Há alguns dias tive um sonho e ele uma

criança, uma bela menina, era conduzida pela mão por

um anjo de Deus que a chamava de Zaradyk. Imaginei

que este poderia ser o nome de vossa princesa, minha

Senhora!

O rei tomou a palavra:

— És mesmo um homem ungido, Steylrork! Falas

de um sonho profético com tal simplicidade que nos

parece uma rotina para vós, receberdes mensagens do

próprio Senhor Supremo. Sonhastes com a nossa princesa

e assim ela será chamada!

A rainha, num sorriso, concordou:

— É um belo nome meu amigo! Mas afinal como

será chamado o vosso menino?

— Meu pai chamava-se Auryous. Chamaremos

meu filho de Auryousrork, para que ele seja maior que os

homens que o precederam.

Saíram todos do vilarejo em direção ao castelo. A

rainha cuidaria, desde então, das duas crianças e

Steylrork empenhara-se em protegê-las diariamente no

Palácio de Prata!

57

A Transformação

O renovado Exército do Vale Evilkeerts

Tolos Ambiciosos! Sedentos por vingança. A cobiça, maldade

e ambição, os destruíram. Pensaram encontrar poder no tenebroso

Myrior, mas, na verdade, entregaram-se como escravos e perderam suas almas.

Tolos Perversos!

58

Jamais serão vitoriosos, pois o lago destruiu seus corações e as corpulentas aberrações não verão a luz que as devolverão às cinzas...

59

Depois do ataque frustrado, o exército dos

renegados assumiu a busca por meios de se recompor,

para continuar com o ambicioso plano de dominar o 1º

reino, repartindo entre os membros, suas riquezas.

Noravox, o líder do exército Evilkeerts, era um

conhecido membro da nobreza do reino do metal, um

assassino banido por seus crimes. Quando jovem,

sonhara tornar-se um cavaleiro real, porem fora

desqualificado devido ao comportamento violento e

leviano. Depois, ele direcionou seus esforços contra as

riquezas reais, sendo preso e julgado pelo assassinato dos

soldados que o flagraram tentando roubar metais

preciosos em Olonstreek. Seu ódio contra o 1º reino o

levou a organizar o exército e a ofensiva contra o palácio

real, mais o primeiro fracasso o fez crer que precisaria de

ajuda para tornar possíveis seus planos de vingança.

Noravox buscou nas forças ocultas o poder necessário

aos seus propósitos e desde então aliou-se ao Senhor das

Trevas (Myrior).

Aquele exército que antes servia aos propósitos de

riqueza e violência eminentemente humanos, agora

serviria ao mal, destinando-se a aniquilar a humanidade e

estabelecer o domínio das trevas.

O poder maléfico de Myrior estava concentrado

nas águas lodosas, represadas em um lago situado ao

centro do Vale Evilkeerts, o Lago Myrior. Os soldados

merecedores, após serem testados, banhavam-se nestas

águas e aos poucos se transformavam em feras

abomináveis, com força e estatura descomunais.

Tornavam-se humanoides aberrantes e disformes, que,

com extrema facilidade, aniquilariam um homem

comum.

Diante de tamanho poder, o potencial de

persuasão para o recrutamento de novos soldados,

advindos de todos os reinos, crescera na proporção em

que ficava clara a possibilidade de vitória contra soldados

60

comuns, o que propiciou o desenvolvimento rápido e

contínuo do transformado exército do Vale Evilkeerts. A

partir destes renegados viria a guerra, a morte e a

destruição contra os homens e seus reinos, que

preparados ou não, defender-se-iam ou pereceriam ante a

luta pela vida.

61

As Pequenas Espadas

...Deixe-as brincar! Deixe-as crescer! Mas instrua e ensine o quanto antes, vez que logo precisarão.

Proteja-as também! O mal espreita em

silêncio. Ficai atento à minha voz e aos sinais, no entanto, permita-as alguma ousadia, pois devem aprender depressa a ter coragem.

Que as pequenas espadas sejam

desembainhadas para a surpresa do inimigo, às margens dos rochedos de Olonstreek...

62

De volta à Galatyans, a família real, o ferreiro e

seu filho, acomodaram-se, enquanto o chefe da guarda

estabelecia, junto à Gyllimond, diretrizes de segurança

para a pequena princesa. Estabeleceu-se, na ocasião, que

os soldados de maior confiança do rei e o próprio Ryanor

fariam um revezamento guardando a integridade do bebê

e está era a mais importante missão do exército real

desde então, gozando de prioridade sobre quaisquer

outra.

O pequeno Auryousrork, como prometido,

recebera os mesmos cuidados oferecidos à princesa. A

rainha o tratava com carinhos de mãe e seu pai, Sr

Steylrork, não escondia a grande honra que sentira ao ver

o zelo real pelo menino.

Com o passar do tempo os bebê tornaram-se

pequenas crianças e apesar dos esforços do rei e da

rainha, em manter Steylrork e seu filho no palácio,

chegou o dia em que eles voltaram para a vila. Os

comentários sobre a amizade verdadeira entre a família

real e a pequena família do ferreiro corriam por todo o

reino.

As crianças cresciam em segurança e embora

Auryousrork e seu pai não residissem mais no castelo,

estavam sempre presente. Steylrork ensinava-os

secretamente suas técnicas de combate e os professores

das artes da guerra, estranhavam as capacidades inatas

daquelas crianças.

Zaradyk encantava a todos com a beleza dos seus

curiosos olhos azuis, emoldurados por seus cabelos

louros como o ouro de Olonstreek e muitos nobres já

sonhavam em unir um dos seus filhos à bela princesa que

ela certamente se tornaria.

Auryousrork parecia o prelúdio de um grande rei.

Tinha o olhar imponente de um guerreiro, incomum para

uma pequena criança. Seus olhos eram castanhos, seus

63

cabelos negros e o corpo infantil já ensaiava o porte

atlético que mais tarde ostentaria.

Eles eram amigos inseparáveis. Divertiam-se,

aprendiam e cresciam juntos, a despeito do preconceito

velado que os nobres conservadores de Olonstreek

nutriam contra o amor inocente que os unia...

64

— Crianças! Cheguem mais perto, quero contar-

lhes uma história antiga.

Eles aproximaram-se para escutar o ferreiro.

Zaradyk poderia ouvir as historias de Steylrork durantes

horas, sem parar. Ela permanecia atenta a suas palavras e

queria sempre saber mais sobre o passado do seu povo.

Auryousrork, por outro lado, estava sempre impaciente

nestas ocasiões, não queria desperdiçar o tempo dos seus

treinamentos de combate para ouvir seu pai falar das

velhas batalhas que nem mesmo ele havia presenciado.

Naquele dia Steylrork decidiu falar sobre a antiga

lenda do reino unificado:

— Escutem crianças! Está é a mais importante

historia que vossos pequenos ouvidos conhecerão!

— Há muitos séculos atrás, um conflito pôs fim à

paz que, desde sempre, imperava nas Terras Celestiais.

Havia um anjo chamado Myrior, que gozava de um

grande prestígio para com o Senhor Supremo. Ele

detivera a confiança do seu Senhor e o respeito de todos

os que conviviam no Palácio Celestial. Um dos seus

principais trabalhos consistia no cuidado para com os

magníficos animais do reino, nossos temíveis dragões...

Zaradyk não pode conter-se e interrompeu:

— Mas tio Rork! Como criaturas tão más

poderiam habitar o Palácio Celestial?

Auryousrork continuou perdido em seus

pensamentos, alheio a historia narrada por seu pai.

— Nem sempre foi assim Zara. Os dragões eram

seres pacíficos no antigo lar Celestial.

— E o que aconteceu com eles então tio Rork?

65

— O anjo Myrior rebelou-se contra o Senhor

Supremo. Ele acreditava que poderia assumir o reino,

sobrepujando o poder de Deus, mas foi banido dos

Domínios Celestes e precipitado ao centro do Continente

Habitado, trazendo consigo os dragões que viviam sob o

seus cuidados.

Auryousrork perguntou:

— Mas porque este tal anjo traidor não tomou

para si os cinco reinos? Se ele possuía os dragões, quem

poderia vencê-lo no continente habitado?

— Hora! Vejo que finalmente interessou-se pela

história pequeno guerreiro!

— As batalhas entre os homens e o anjo traidor,

com seu exercito de dragões, aconteceram em seguida

Auryousrork! No entanto, os homens conquistaram a

liberdade e o próprio Senhor Supremo aprisionou o

inimigo em um lago ao centro do Vale Evilkeerts. Mas já

lhes falei sobre as batalhas entre os homens e os dragões,

em outra ocasião meu filho, tu não te lembras?

Zaradyk olhou para Auryousrork e sorriu com

certa ironia. Ele retribuiu o sorriso e deu de ombros.

Steylrork continuou:

— Após aprisionar o anjo traidor o Senhor

Supremo prometeu aos valentes guerreiros que traria à

terra, num futuro próximo, um reino unificado. Este seria

alcançado por intermédio do Dragão dos Ventos

Celestiais, símbolo da bondade e justiça, contrários ao

terror trazido por Myrior e seus dragões corrompidos.

— Esta fora a promessa do Senhor Supremo aos

homens daquele tempo. A formação do Reino Unificado

do Dragão dos Ventos Celestiais.

66

Zaradyk sentia que tudo aquilo era verdade e pôs-

se a imaginar quando a promessa seria cumprida.

Auryousrork, por sua vez, manteve-se incrédulo.

Eram apenas lendas antigas e ele não tinha tempo a

perder com histórias. Precisava aprender a combater, pois

só assim poderia tornar-se cavaleiro como seu pai.

As crianças haviam completado treze anos

quando decidiram explorar as fronteiras de Olonstreek.

Zaradyk não era uma menina comum e os perigos aos

quais estava exposta a aprisionava em seus próprios

domínios. A família real jamais a deixara sozinha, desde

que nasceu, e Auryousrork, seu companheiro inseparável,

também sofria as consequências da proteção excessiva,

por parte da guarda real.

Eram crianças felizes, mas ansiavam por

liberdade. Zaradyk suplicara a ajuda de Auryousrork que,

apesar de tentar dissuadi-la da ideia, por respeito ao seu

pai e ao rei, terminou por ceder ao poder de persuasão

que ela exercia sobre ele e a ajudou na fuga rumo às

fronteiras do reino.

Assim que o desaparecimento da princesa foi

descoberto e a notícia chegou ao conhecimento do rei

Gyllimond, um alerta de segurança foi ordenado e

tornou-se prioridade máxima para todo o exército, o

resgate da princesa em segurança. Pouco tempo depois,

Steylrork chegou à Galatyans e disse ao rei que Auryous

também havia desaparecido.

As crianças seguiram escondendo-se dos soldados

que os procuravam e, a cavalos, rumaram em direção à

cadeia rochosa que limitava o reino do Metal. Próximos à

fronteira de Olonstreek, avistaram soldados que saiam

dos seus postos para reforçar as buscas e decidiram

67

esconder-se em uma das cavernas que limitavam os

domínios do reino.

A princesa e seu companheiro eram mesmo

especiais. Mais inteligentes, corajosos e hábeis nas artes

da guerra, do que quaisquer outra criança nascida nas

terras habitadas. No entanto, os riscos escondidos por

traz das fronteiras dos Reinos Celestiais eram

verdadeiros. Zaradyk e Auryousrork não poderiam

imaginar os perigos que os rondava silenciosamente pelo

simples fato de atravessarem as fronteiras de Olonstreek.

Enquanto isso, no palácio, Steylrork conversava

com Gyllimond e Zayra sobre o que ele achava que teria

acontecido:

— Senhora. Percebi que Zara tem estado

incomodada com a proteção da guarda real, acredito que

ela e Auryous possam ter despistado a guarda e tenham

fugido juntos.

O rei, que acompanhava atento o que dizia o

ferreiro, perguntou aflito:

— Steylrork! Tens alguma ideia de em que parte

do reino as crianças possam ter ido?

— Senhor! Temo que devamos procurar na

fronteira rochosa. As crianças nunca esconderam a

curiosidade sobre o que há através da floresta Cinzenta.

— Mas Steylrork! Os guardas protegem a

fronteira, a todo o momento...

— E todos estão preocupados com as buscas da

princesa.

— Tens razão. Não temos tempo a perder!

Vamos procurá-los agora mesmo! A floresta é muito

perigosa e se eles conseguiram despistar os guardas no

castelo, saberão fazer o mesmo com os da fronteira. Por

68

fim, seguiram depressa para os limites da fronteira

rochosa de Olonstreek o rei, os soldados e o ferreiro.

Após despistarem os soldados, as crianças

deixaram os cavalos numa caverna e seguiram andando

até os limites do reino. Passando a fronteira rochosa eles

logo avistaram a imensa e sombria Floresta Cinzenta que

protegia a região dominada pelo mal, o Vale Evilkeerts.

Curiosa, a princesa sugeriu:

— Auryous! Vamos chegar mais perto da Floresta

de Nágora. Será que conseguiríamos chegar até o Vale

Negro, deve ser assustador, não é...

— Zara! Creio que já fomos longe demais.

Viemos para o lado de fora do reino como era vosso

desejo. Entrar nos domínios do mal, já seria loucura!

Tens ideia de quantos soldados de Olonstreek

desapareceram neste lugar? Não entrarei nessa floresta e

nem a deixarei arriscar-se mais.

— Mas Auryous nós somos...

Um homem ameaçador, muito estranho, com

cicatrizes por todo o corpo, interrompeu o diálogo entre

os meninos, segurando a princesa pelo braço. Tratava-se

de um ladrão banido pelo 1º reino que, no entanto, ainda

não teria sido aceito pelo exército inimigo. Quando

reconheceu Zaradyk, ele decidiu levá-la com o intuito de

ser aceito por Noravox em reconhecimento ao seu feito.

Auryousrork partiu decidido em direção ao

homem que soltando a princesa o empurrou contra o

chão.

Zaradyk desembainhou sua pequena espada e

ameaçou o ladrão. Ele sorriu sarcasticamente e ergueu

sua espada contra a princesa. Habilidosa ela bloqueou o

69

golpe e num giro, contra golpeou o inimigo ferindo-o no

ombro direito. O homem, furioso, desferiu outro golpe

frontal, que Zara novamente bloqueou, porém foi lançada

ao chão devido à violência do ataque, deixando cair, à

distancia, sua pequena espada.

O inimigo já não tencionava levar a princesa com

vida. Decidira ataca-la com toda sua fúria, avançando

contra ela, com a espada erguida sobre a cabeça.

Surpreendendo-o, Auryousrork o impediu, saltando e

cortando-lhe a mão direita, com a lâmina perfeita que

Steylrork forjara para ele.

O homem, ferido, fugiu em direção a Floresta

Cinzenta. Enquanto Auryous ajudava Zara a se levantar,

pode perceber o grande contingente do exército de

Olonstreek que corria na direção deles. Ele sentiu-se

finalmente salvo daquele malfeitor e confortou a princesa

que chorava assustada.

O rei, ao longe, chamou Zaradyk que correu para

abraçá-lo:

— Pai, por favor, perdoe-me! Eu só queria um

tempo longe do controle da guarda. Vossos soldados não

me deixam sozinha nem um instante.

— Minha filha. Tu és a princesa do reino do

Metal. Muitos malfeitores querem ferir-lhe e, assim, ferir

vosso reino. A proteção da guarda é necessária mesmo

que lhe incomode.

— Quanto a vós Auryous! Vimos o que fez e lhe

sou grato por ter protegido minha filha...

— Auryousrork!

Disse o ferreiro, num tom ameaçador.

— Que ideia foi essa de fugir com a princesa?

70

O menino, ainda assustado, abaixou a cabeça num

gesto de submissão.

O rei interferiu:

— Steylrork, não é o momento para exortações.

Vamos levar as crianças para o Galatyans.

O ferreiro balançou a cabeça, discretamente, num

gesto afirmativo dirigido ao rei. Seus olhos, porém,

continuaram a exortar o garoto por todo o caminho de

volta.

Foram todos juntos ao palácio encontrar a rainha

que aguardava, aflita, por notícias das crianças. Ela

correu ao encontro de Zaradyk, e ao perceber o ar de

culpa nos olhos do pequeno Auryousrork, estendeu os

braços chamando-o para que ele também a abraçasse.

Em seguida o rei tomou a palavra:

— Crianças! Perceberam o risco que se

expuseram? Entenderam por que não podem ficar sem a

proteção da guarda, sobretudo, fora dos domínios reais?

Auryous respondeu:

— Sim meu Senhor! Peço-lhe que me perdoe! A

culpa foi toda minha. Aceitarei o meu castigo...

— Conheço bem minha filha, Auryousrork, e sei

que ela deve ter lhe convencido a ajudá-la. Sei também

da grande amizade e cuidado que tens por ela e, por isso,

não vejo motivo para lhe atribuir toda a culpa do

ocorrido. Quanto à punição para os dois, creio que o

susto com o ataque que sofreram fora suficiente até o

momento. Assim aproveito para pedir ao amigo Steylrork

que não atribua punição ao vosso filho.

71

Na realidade, Auryousrork tornou-se hoje, como o

vosso pai, um dos nossos heróis. Diante dos nossos

olhos, este corajoso menino, munido de sua pequena

espada, protegeu a princesa, salvando-lhe a vida.

Steylrork esforçou-se para disfarçar o orgulho que

sentira. E num breve sorriso, evitou que seu filho

percebesse que já estava perdoado.

Em seguida o rei ordenou que Auryousrork se

aproximasse e ajoelhasse perante ele, para que pudesse

dar-lhe a honraria de cavaleiro real.

Auryous, incrédulo, ajoelhou-se. Como num

sonho o menino, contemplou o rei tomar sua espada e

tocar-lhe os ombros tornando-lhe o mais jovem cavaleiro

de todos os reinos da terra:

— Auryousrork! A partir deste momento vossa

vida estará marcada pela missão de honrar Olonstreek e

seu povo. Ser um cavaleiro real exigi senso de justiça,

coragem, força e lealdade. Entrego-lhe esse título porque,

ao proteger a princesa, tu provaste o vosso valor e o

merecimento desta grande responsabilidade.

— Agora, dar-lhe-ei vossa primeira missão.

Deverás continuar vossos estudos com Zaradyk,

protegendo a ela e a si mesmo, sem faltar com a

obediência a vosso sábio pai, Sr Steylrork.

— Perdoe-me meu Senhor! Mas se agora sou

cavaleiro real, porque então continuarei fazendo o que

sempre fiz.

— Filho! Cada cavaleiro deve honrar a obrigação

que lhes for confiada, não importando qual seja. Vossa

missão é a mais importante dentre todas que já ordenei:

cuidar do maior dos meus tesouros, a minha querida

filha. Sei que tu sempre cuidaste de Zaradyk com muito

zelo e carinho, meu desejo é que continue agindo assim.

O garoto respondeu com firmeza:

72

— Podes contar comigo meu Senhor! Defenderei

a princesa, se preciso, com minha vida...

— Quanto a vós, Zara! Deveis lembrar-se do

quanto a segurança de Auryousrork nos é importante.

Portanto, lhe caberá à obrigação de não permitir que

vosso amigo precise arriscar a vida para tirar-lhe de outra

situação que possas evitar.

— Eu entendo o que me dizes meu pai! Quero

agradecer, diante de todos, ao meu amigo Auryousrork,

por ter me ajudado, e prometo não colocá-lo em risco

outra vez. O Senhor, minha mãe e meu tio Steylrork têm

a minha palavra.

— Eu, o rei Gyllimond, declaro-me satisfeito com

os rumos desta reunião. Que o Senhor Supremo receba e

faça cumprir, minhas palavras, as palavras da rainha, as

promessas feitas pela princesa Zaradyk e pelo cavaleiro

real Sr. Auryousrork.

Com o fim da reunião, Sr Steylrork aproximou-se

do rei falando em particular:

— Senhor! Entendi o que fizeras ao meu filho e

quero agradecer-lhe.

— Não me agradeça por isso, meu amigo! Vimos

o prodígio que vosso filho realizou e, realmente, fora

uma atitude digna de um cavaleiro real. Cuidaremos para

que ele torne-se um grande guerreiro como o pai...

Voltando para casa, o ferreiro permaneceu calado

por todo o caminho, o que, aos poucos, deixou

Auryousrork apreensivo. Assim, o garoto resolveu

quebrar o silencio:

73

— Pai! Não ficaste orgulhoso do título que recebi

do rei? Ainda está chateado por termos fugido? Por que o

Senhor não quer falar comigo?

— Auryous. Não imaginas o susto que me deste?

Existem muito mistérios por traz da nossa proximidade

com a família real. Tua missão fora dada pelo rei, porem

a minha foi entregue pelo próprio Senhor Supremo. Se

vossa responsabilidade é de proteger a princesa, a minha

é de proteger a ti e a ela. Quanto ao título que o rei lhe

concedeu, estou muito orgulhoso e foste merecedor, no

entanto, creio que eis muito jovem para entender a

importância disso.

— Que mistérios são esse meu pai? Tem algo a

ver com a profecia? Por que não confias em mim? Se não

estou preparado, me ensine!

— Perguntas demais para o momento Auryous.

Não quero que dês ouvidos aos comentários que circulam

pelo reino a respeito da profecia. Chegará o tempo em

que falaremos sobre tais mistérios, está me ouvindo?

— Sim Senhor...

— E quem lhes disse que não confio em vós? Se

não confiasse diria ao rei para não torná-lo cavaleiro.

Duvidas que ele me ouviria?

— Não Senhor...

— Confio em ti meu filho e estarei sempre perto

quando precisares da minha ajuda. Para esta ou qualquer

outra missão que tiveres que assumir. Agora vamos

descansar; este dia difícil nos esgotou a todos.

— Vamos sim meu pai! Obrigado por ficar ao

meu lado.

Por fim, o ferreiro abraçou o filho aliviado por ter

acabado toda aquela confusão e recolheu-se ao descanso

merecido.

74

O Repúdio dos Nobres Não os dê ouvidos, meu filho! Eles não conhecem o vosso real valor.

Ignoram os perigos que os ronda, secretamente, e acreditam que proteger as tolas convenções sociais lhes será válido.

Posso disser-lhe que se soubessem o que os

espera, suplicariam, beijando-lhe os pés, pelo vosso socorro e aquele que ao fim estiver de pé, curar-se-á perante os vossos. Plebeus ou não...

75

Em pouco tempo, o susto com o ocorrido, após a

inusitada fuga da princesa, fora superado. No entanto, a

insatisfação dos membros da nobreza envolvidos com a

família real, a cerca da presença de plebeus no seu

convívio, começou a ficar evidente para todos.

Apesar de tratar-se de uma criança, Auryousrork

logo entendeu que sua presença entre os nobres, não era

desejada. Sentia-se protegido pelo declarado amor que a

rainha demonstrara sentir por ele, porem, o zelo real aos

poucos se tornara insuficiente. Desde sempre, Zayra

tentara deixá-lo à margem do preconceito da nobreza,

mas, com o tempo, seus cuidados não impediram que o

pequeno cavaleiro se sentisse rejeitado por seu povo.

Steylrork, por certo tempo, evitou o assunto com

Gyllimond, mas logo percebeu que a situação certamente

viria à tona à medida que Auryousrork amadurecesse e

entendesse sua origem. Assim, ele dirigiu-se ao rei:

— Senhor, gostaria de um tempo para tratarmos

de um assunto que receio estar na eminência de insurgir-

se contra nós.

— Do que se trata meu amigo? Diga-me sem

tantos rodeios.

— Majestade! É notório o incomodo dos nobres

com a minha presença e principalmente a de

Auryousrork, no convívio com a vossa família. Temo que

esta questão possa gerar constrangimentos para meu filho

e até mesmo para o vosso reinado.

— Steylrork! Eu sou o rei de Olonstreek. Se a

gratidão e amizade da minha família por vós e por vosso

filho os tornaram nobres entre os nobres, quem irá dizer o

contrário. Não importam as convenções da nossa

sociedade, nem a vossa origem ou a de Auryousrork.

Devo-lhes a vida da minha esposa e filha, o que os

tornam tão especiais que qualquer pessoa que os ofenda

será considerada inimiga do reino.

76

— Sei de tudo isso Alteza, mas preocupa-me o

sentimento de Auryous, frente aos possíveis comentários

preconceituosos dos nobres que o cercam. Ele é apenas

uma criança e não entende porque é preterido.

— Acalme-se ferreiro! Caso seja necessário

falarei pessoalmente com Auryousrork e garanto que tu e

vosso filho não serão ofendidos diante dos meus olhos.

— Está certo meu Senhor! Aguardarei os

acontecimentos...

O tempo passou e a previsão de Steylrork não

demorou a se confirmar. Os nobres começaram a

descriminar veementemente o garoto plebeu que

acompanhava a princesa a todos os lugares. Nem mesmo

o título de cavaleiro atribuído pelo rei, fora suficiente

para gerar algum respeito a Auryousrork, por parte da

nobreza conservadora. Conversavam entre eles sobre o

fato de não ser natural um plebeu, ainda mais uma

criança, ser nomeado cavaleiro. Tais comentários não

tardaram a chegaram aos ouvidos do garoto que se sentira

extremamente incomodado. Zaradyk logo notou a

decepção do amigo e tentou confortá-lo, enquanto

cavalgavam lado a lado:

— Sr Auryousrork! Sabes que me sinto muito

honrada pela companhia de tão virtuoso cavaleiro?

— Sei o que queres Zara, e não vai adiantar! Qual

o valor de um cavaleiro sem o respeito dos nobres do

reino que serve? Creio que eu deva desistir desta história

de ser cavaleiro. Sou filho de ferreiro e assim devo ser

conhecido.

Eles deixaram os cavalos pastando e se sentaram

à sombra de uma árvore:

77

— O que estais dizendo Auryous! Como vosso

pai, tu foste declarado um cavaleiro real. Vosso título

fora atribuído pelo rei e só ele poderia revogá-lo.

— Então estou condenado a ser um cavaleiro

rejeitado pelos nobres do meu reino. Não sei o que fazer

Zara! Eu nasci plebeu e é assim que serei visto por todos.

Nem mesmo meu pai conhece minha verdadeira origem,

ele encontrou-me em sua porta...

Zara pode perceber a grande tristeza nos olhos de

Auryousrork. Ela o abraçou enquanto ele tentava

esconder suas lagrimas:

— Acalme-se Auryous! Vamos descobrir uma

forma de resolver isso, não gosto de ver-te chorar.

— Quem está chorando princesa? De onde tiraste

essa ideia? Cavaleiros não choram!

— Está certo Sr Auryousrork! Vamos esquecer

esta história...

Zaradyk, não pode esquecer o acontecido.

Conhecia Auryousrork muito bem e sabia o quanto ele

sofria por ser rejeitado. Resolveu então falar com o rei no

intuito de vislumbrar uma solução.

— Meu pai! Gostaria de falar-lhe um pouco...

— Minha querida! Em que posso ajudar-lhe.

— Quero pedir-lhe que faças justiça à

Auryousrork. Os nobres mais conservadores do reino o

estão descriminando. Dizem que ele não deve conviver

com a nobreza e que não o reconhecem como cavaleiro.

Ele está muito triste e não gosto de vê-lo assim.

— Não é surpresa minha filha! Há algum tempo

Steylrork alertou-me sobre seus receios a este respeito.

Mas não se preocupe Zara! Resolverei este problema.

78

— Diga a Auryousrork que venha falar comigo

pela amanhã.

— Obrigado meu pai!

Na manhã seguinte, Zaradyk procurou Auryous e

lhes disse que seu pai queria vê-lo. Ele foi ao encontro do

rei que o pediu que se aproximasse:

— Sr Auryousrork! Sente-se aqui ao meu lado.

Zara permaneceu de pé, no salão real.

— Filha, por favor, deixe-nos a sós.

— Com sua licença meu pai...

— E quanto a ti meu rapaz! Que ideia é essa de

deixar-se abater por comentários daqueles que estão

abaixo da autoridade que lhe fizera cavaleiro?

— Perdoe-me Senhor! Zaradyk não devia

incomodá-lo com meus problemas.

— Estais enganado, pequeno cavaleiro! A

princesa apenas cumpriu com o dever de informa-me

quanto ao desrespeito à minha vontade. Se os nobres

desfazem do vosso título é a mim que estão ofendendo.

— Entendo meu Senhor!

— Tu és um cavaleiro real, Auryousrork, o que

significa que possui autoridade para exigir respeito até

mesmo por parte dos nobres.

— Mas Majestade! Eles ignoram a minha

autoridade e não se importam com minha posição. Aos

seus olhos sou apenas um garoto plebeu de quem não se

conhece nem mesmo a origem.

— Zara contou-me que tu estavas muito triste.

Quero que saiba de uma vez por todas que vosso pai é

como um irmão para mim, o que o torna meu sobrinho.

Sou vosso tio e, como tal, também não quero vê-lo triste.

79

— Resolverei esta questão de uma vez por todas,

meu sobrinho! Convocarei todo o povo de Olonstreek

para um pronunciamento público e não terás mais motivo

para sentir-se rejeitado...

Após alguns dias, estava o povo aguardando o

pronunciamento, quando surgiu o rei Gyllimond ao lado

da rainha Zayra, em companhia do ferreiro e seu filho:

— Que ouçam todos com atenção. Falarem em

nome de Olonstreek e da família real. Todos sabem que

há tempos trouxemos ao nosso convívio um grande

homem. Um plebeu, ferreiro e herói, a quem devo minha

vida, desde o dia que ele salvou minha querida esposa e

vossa rainha Zayra.

— O que outrora fora um sentimento de gratidão,

com o tempo tornou-se uma grande amizade. Declaro

agora que este homem é hoje, para mim, rei Gyllimond

de Olonstreek, mais do que um grande amigo. Este é Sr.

Steylrork, meu irmão! Portanto, saibam que não importa

a origem pregressa deste homem, ordeno que não apenas

seu título de cavaleiro seja respeitado por todos, como

também que ele, a partir deste momento seja reconhecido

como irmão do rei.

— Em consequência, seu filho Sr. Auryousrork,

que, para nós, já havia se tornado um grande herói, por

ter salvado das mãos de um malfeitor a princesa Zaradyk,

deve ser considerado sobrinho do rei, bem como, ter seu

merecido título de cavaleiro respeitado por todo o reino.

— Declaro estes fatos, desde então, lei

irrevogável e deixo claro que serão devidamente punidos

aqueles que desrespeitarem meu irmão e sobrinho. Que

sejam esquecidas suas antigas origens, pois valem desde

agora as origens que a eles atribuo. Que o Senhor

80

Supremo receba minhas palavras e nos ajude a cumpri-

las.

Após o pronunciamento, os comentários se

dividiam por todo o reino do metal, mas a soberana

vontade do rei não seria criticada, ao menos

publicamente.

Diante dos acontecimentos, o ferreiro decidiu

finalmente aceitar o convite de Gyllimond e Zayra. Iria

desde então, residir no Palácio de Prata, com seu filho e

toda a família real.

Steylrork e Auryous foram despedir-se do lar de

tantos anos. À frente da casa estavam Markvellus e sua

família, amigos que por muitos anos conviveram com

eles. O ferreiro prometera que estaria sempre perto, que

viria ao antigo chalé sempre que fosse possível, pois ali

encontrara a paz que em nenhum outro lugar havia

sentido.

81

O Heroico Steylrork Há muito conheço vossa resignação, meu nobre cavaleiro! Vosso valoroso coração, sempre deixara a marcas dos teus bons propósitos, por onde quer que tenhas passado. Lembro-me da vossa coragem entre as chamas que cobriram o vilarejo e da criança que vive por obra dos teus esforços. Sei que os guerreiros da unificação contarão com vossa força para vencer e que o vosso nome jamais será esquecido, Sr. Steylrork!

82

Muito antes dos acontecimentos que o tornaram

cavaleiro, e membro da família real, a nobreza do ferreiro

já era conhecida pelos moradores da vila de Olonstreek.

Steylrork nutria o respeito daqueles que o conheciam, por

sua sabedoria e coragem, tão veementes.

Certa vez, a vila despertou em meio a um grande

incêndio que destruiu diversas casas se espalhando por

toda parte. Enquanto muitas pessoas fugiam em pânico, o

ferreiro apressou-se no intuito de ajudar possíveis

vítimas. Andando em meio a fumaça ele encontrou um

casal caído, do lado de fora de uma casa em chamas,

ambos mal conseguiam respirar e o homem desesperado

pedia ajuda:

— Por favor! Ajudem-me! Minha pequena filha

esta lá dentro!

Steylrork tomou nas mãos uma manta de lã,

molhou-a rapidamente em um barril que estava próximo,

cobriu-se e entrou na casa para salvar a criança. Logo ele

saiu com a menina nos braços e entregou-a aos pais:

— Senhor! Meu nome é Markvellus. A criança

que salvaste é tudo que temos na vida, por isso, eu jamais

poderei agradecer-lhe devidamente pela vossa bondade.

Devo-lhe tudo que jamais terei e levarei todos os meus

dias tentando pagar-lhe.

— Não me deves nada, amigo! Nenhum homem

poderia dormir em paz, ao deixar uma criança entregue

às chamas. Fiz o que devia e sinto-me feliz por vê-la a

83

salvo após tamanha tragédia. Esta recompensa me é

suficiente, está tudo bem agora...

O ferreiro continuou ajudando a combater os

diversos focos de incêndio até que tudo se resolveu.

No dia seguinte os bons homens da vila, liderados

por Steylrork, reuniram-se para ajudar a reerguer as casas

perdidas no incidente. Markvellus estava entre eles e

pode aproximar-se do heroico ferreiro que salvara sua

filha. Daquele momento em diante nascera uma grande

amizade entre eles e os anos que se seguiram ao incidente

tornaram-na ainda mais forte.

84

O Primeiro Guardião

Guarda teu tesouro Steylrork! Deveis proteger o livro e o símbolo com

vossa vida. A obrigação é vossa, mas o bem que dela advier será de todos, igualmente. Sabes o que eu digo?

Está claro que vossas armas não devem,

jamais, ser tocadas pelo opositor ou tudo estará perdido. De fato, os inimigos não ousarão utilizá-las, e nem poderiam, pois a luz se opõe às trevas. Mas poderão e tentarão ocultá-las e quanto a isso deveis permanecer vigilante.

85

São objetos sagrados e com tal, cobrarão seu preço pela posse. No entanto, conheço meu escolhido e sua resignação...

86

Logo após as revelações do anjo, Steylrork

debruçou-se sobre aquele misterioso livro e não demorou

a entender que não se tratava apenas de textos escritos e

sim de um precioso objeto que teria importância sem

precedentes para o cumprimento da profecia. O imenso

poder que o livro trazia, seria utilizado nos caminhos

para a conquista da vitória nele profetizada, o que o

tornava um objeto de grande valor para os inimigos,

devendo ser escondido e protegido a todo custo.

A partir de então o ferreiro passou a dedicar-se

diariamente a proteção do livro da profecia, carregando-o

aonde quer que fosse e escondendo poderoso objeto em

uma velha bolsa de couro, sempre fechada, da qual ele

nunca se separava.

Steylrork, embora fosse um homem maduro, tinha

uma postura rígida e jovial, tal como um cavaleiro que

ainda enfrentaria grandes batalhas sem fraquejar perante

o peso dos anos. Contudo, a presença do livro, sempre

perto, tinha um estranho efeito sobre ele.

O misterioso objeto, aos poucos, acumulava poder

vital retirando do ferreiro sua juventude, tornando-o

fisicamente mais velho do que ele realmente era. Apesar

de Steylrork não se curvar a sua aparência cansada, todos

notavam o seu envelhecimento precoce. Ele não demorou

a perceber o que o livro estava provocando, mas sabia

que era preciso manter uma postura vigilante em nome da

sua missão.

Certo dia, num descuido, o ferreiro deixo a bolsa

que guardava o livro, aberta, sobre a mesa. Markvellus

chamou à porta e ao entrar pode ver o que seu amigo

escondia com tanto afinco:

— Então é isso que escondes na velha bolsa que

te acompanha a todos os lugares? Um livro...

87

O ferreiro apressou-se e tomando a frente fechou

a bolsa depressa:

— Markvellus! Quem lhes deu o direito de por os

olhos em meus pertences?

— Acalme-se homem! O livro estava ali para

qualquer um ver. Sem dúvida, trata-se de uma

preciosidade que deve valer muito, mas não há do que se

preocupar meu amigo, não contarei a ninguém!

Steylrork confiava em Markvellus, porem,

ninguém alem de Auryousrork sabia da existência

daquele livro e aquela situação o deixou realmente

apreensivo:

— Meu amigo! Sente-se por um instante e irá

entender o real valor deste objeto.

— Tu sabes que pode confiar plenamente em

mim, então me conte vossa história, Steylrork, estou

escutando.

— Mark. Não posso entrar em muitos detalhes,

mas preciso que saibas que este livro não é valioso

apenas pela preciosidade que esta a vista. Seu valor não

está no ouro e prata da sua capa, mas no que ele

representa. Trata-se de um objeto sagrado, enviado a

mim pelas mãos do Senhor Supremo.

— É a profecia? Eu acreditava que tudo isso não

passasse de uma lenda...

— Tu estavas enganado Markvellus! A profecia

existe e me fora revelada por um anjo que entrou nesta

casa sem abrir a porta, trazendo-me este livro.

— Deixe-me tocá-lo Steylrork!

O ferreiro, reticente, estendeu a mão e entregou o

livro a Markvellus, que ao tocá-lo sentiu-se

imediatamente fraco, como se houvesse retornado de

88

uma batalha. Percebendo que o amigo não se sentia bem

Steylrork tomou o livro das suas mãos, guardando-o na

bolsa:

— Markvellus, tu estás bem? O que há convosco?

— Não sei Steylrork. Este livro tomou-me as

forças! Sinto-me como se não dormisse há dias. Como

consegue segurá-lo?

— Não sei meu amigo! Acredito que por ter sido

escolhido, consigo manusea-lo, sem fraquejar. Porem,

deves ter notado que tenho envelhecido rápido. Sem

dúvida o livro está toma-me a vida aos poucos.

— Mas o que acontecerá convosco se isso

continuar? Porque não o esconde num lugar seguro e fica

longe dele?

— Não posso Markvellus! Tenho que protegê-lo a

qualquer preço. Esta profecia jamais deverá cair nas

mãos dos inimigos. Poderia ser o fim dos nossos dias.

— Mas pude perceber que não há nada escrito

nele, apenas paginas em branco.

— Posso ver os textos claramente! Acredito que

apenas o guardião do livro consegue interpretá-lo, no

entanto, não estou completamente certo disso e temo pela

segurança do seu conteúdo.

— Auryousrork consegue tocá-lo sem sentir-se

fraco?

— Curiosamente sim. Os efeitos do livro parecem

não manifestarem-se sobre Auryousrork, porem, como tu,

ele também não consegue enxerga o que está escrito.

— Tudo isso é muito estranho Steylrork,

realmente trata-se de um objeto especial!

— Por essa razão é que te peço total segredo,

quanto à existência deste livro e seus estranhos poderes.

— Não se preocupe! Vosso segredo estará seguro

comigo.

89

Com o passar do tempo e diante dos fatos que se

sucederam, restara provada a promessa de Markvellus.

Ele realmente guardou o segredo de Steylrork e mesmo

após a mudança do ferreiro para o palácio real, os fatos

ocorridos naquele dia mantiveram-se ocultos por muito

tempo.

Morando em Galatyans, Steylrork redobrou seus

cuidados com o livro. Desde então, ele não se encontrava

apenas no convívio de Auryousrork, como na antiga casa

do vilarejo. Diariamente, convivia com dezenas de

soldados, cervos e conselheiros, alem da família real a

qual agora fazia parte.

Dias passados, o rei Gyllimond chamou Steylrork

para uma conversa em particular:

— Meu irmão! Não quero limitá-lo em vossa

liberdade, mas a muito percebi que jamais ti separas

desta velha bolsa de couro. Claramente trata-se de algo

muito importante, ou vosso empenho em protegê-la não

seria tão notável. Tu sabes que pode confiar em minha

discrição, sabes também que, como rei, eu possuo meios

de ajudá-lo a proteger de forma mais eficiente este vosso

bem tão estimado.

— Majestade! Jamais negariam a importância do

que guardo comigo. Seria um insulto à vossa inteligência

e perspicácia negar o fato de que daria minha vida pelo

objeto que trago nesta bolsa. Sei que posso confiar em

vós e agradeço por tentar me ajudar, mas guardar este

bem é uma missão que me fora dada pelo próprio Senhor

Supremo e, enquanto viver, não poderei dividi-la com

mais ninguém. Quero, no entanto, pedir-lhe que caso

aconteça algo comigo, entregue esta bolsa aos cuidados

90

de Auryousrork, sem deixar que ninguém veja seu

conteúdo.

— Conhecendo tua nobreza e justiça, Steylrork!

Tens minha palavra que, caso necessário, protegerei

vosso objeto com minha vida e, se faltares, passarei à

Auryousrork vosso desejo. Rezo ao Senhor Supremo que

tenhas sucesso nesta misteriosa missão e respeitarei

vosso segredo.

Steylrork questionou-se sobre a possibilidade de

confiar maiores detalhes à Gyllimond, mas sentiu-se

impelido a deixar estas revelações para outro momento.

A partir daquela dia, o rei passou a observar com

maior atenção a bolsa que o ferreiro carregava com ele.

Tinha a reta intenção de vigiar aquele misterioso objeto,

protegendo-o à distância, sem, no entanto, invadir o

sigilo do seu dedicado irmão.

Não demorou muito tempo, para que Gyllimond

percebesse que um dos soldados do palácio, homem que

até então nutria total confiança por parte da família real,

observava com estranha dedicação a velha bolsa da qual

Sr Steylrork nunca se separava. Pensou em interroga-lo

quanto ao seu interesse, mas algo o impelira a esperar em

silêncio.

Certa noite, durante o jantar, Steylrork mostrou-se

muito indisposto, o que despertou a atenção de todos:

— Steylrork, tu estais bem?

Perguntou Gyllimond, preocupado:

— Sim, meu Senhor! É apenas um mal estar

momentâneo, não é preciso preocupar-se, irei recolher-

me aos meus aposentos e amanhã estarei refeito.

91

Auryousrork retrucou:

— Meu pai! Irei acompanhá-lo esta noite para que

tenha auxílio caso precise.

— Não será necessário Auryousrork, pare de

tratar-me como um velho! Estou bem! Veremos-nos

amanhã.

— Mas meu pai...

— Não discuta minha decisão! Deixe-me

descansar a sós...

— Sim Senhor!

Todos ficaram aflitos, pois parecia que algo

deixara Steylrork estranhamente nervoso.

O soldado que há algum tempo o espreitava em

silêncio, permaneceu observando-o e o rei, discreto,

avaliava seu interesse:

— Meu irmão! Permita-me acompanhá-lo até

vossos aposentos.

O ferreiro, embora contrariado, nada disse ao rei e

por respeito aceitou sua companhia. Gyllimond

questionou novamente:

— Steylrork! Tens certeza que...

— Estou bem Gyllimond! Preciso apenas de

algum descanso.

O rei, aflito, refletiu:

“Há algo de muito estranho com Steylrork. Ele

jamais havia falado comigo neste tom. Parece que um

pesado fardo o deixara muito cansado. Ficarei atento

durante esta noite...”.

92

— Perdoe-me meu irmão! Irei deixa-lo em paz...

Gyllimond manteve-se acordado durante grande

parte daquela noite, mas, vencido pelo cansaço,

adormeceu...

O soldado aguardou a madrugada avançar e

decidiu que aquele seria o melhor momento para roubar o

misterioso objeto que o ferreiro carregava com ele para

todo lugar. Por muito tempo havia imaginado o imenso

valor que deveria conter naquela velha bolsa. Estava

claro que o irmão do rei não guardaria, com tanto

empenho, algo que não fosse de valor inestimável. O mal

invadira por definitivo o coração daquele soldado, que se

viu determinado a transgredir as leis do reino para tomar

posse daquilo que o ferreiro protegia.

Enquanto Steylrork dormia o soldado invadiu os

seus aposentos para roubá-lo. No momento em que o

ladrão tomou a bolsa nas mãos uma forte luz, emanou do

seu interior acordando o ferreiro. O homem

desembainhou sua espada determinado a não deixar

testemunhas do seu mal feito e, apontando a lamina

contra a face de Steylrork, pretendia liquidá-lo.

Subitamente, Gyllimond entrou no quarto

rendendo o malfeitor, pelas costas, com sua espada:

— Solte tua arma agora mesmo! Não falarei outra

vez!

O soldado soltou a espada, imediatamente.

— Vire-se e encare vosso rei, traidor!

O malfeitor ao virar-se segurou o objeto dentro da

bolsa e deixando-a cair, revelou o que ali estava

escondido.

93

Steylrork levantou-se tomando sua espada. O

ladrão, surpreso, exclamou:

— Então é um livro que guardavas com tanto

zelo. O que há de tão especial...?

— Cale-se traidor dê-me agora este...

O soldado desfaleceu caindo ao chão.

O rei, aturdido, pegou o livro que estava caído, ao

lado do malfeitor desacordado. Steylrork apressou-se:

— Meu Senhor! Cuidado! Dê-me este livro antes

que...

Surpreso o ferreiro percebeu que o rei nada

sofrera, mas, ainda assim, tomou o livro das suas mãos:

— Steylrork o que aconteceu ao soldado? Fale-me

meu irmão! Que poderoso objeto é este que guardas?

— Acalme-se Majestade! Primeiramente,

devemos cuidar do prisioneiro e depois conversaremos

sobre o livro. Precisamos estar certos de que ele ficara

isolado de qualquer pessoa do reino, este segredo deve

ser mantido a todo custo.

— Nas masmorras do castelo existem celas

isoladas, para os prisioneiros mais perigosos.

Colocaremos este traidor em uma delas e vosso segredo

estará a salvo.

O rei chamou os soldados responsáveis pela sua

guarda pessoal para conduzir o ladrão que, ainda

desacordado, fora levado para as masmorras reais. Os

oficiais estranharam aquela situação, vez que conheciam

o prisioneiro como um dos seus. Gyllimond, por sua vez,

limitou-se a ordenar que levassem aquele traidor para

uma das celas isoladas, nas masmorras, e deixou claro

94

que se um dos homens fosse surpreendido falando com o

prisioneiro seria considerado, como tal, inimigo do reino.

Efetuada a prisão o rei voltou aos aposentos do

ferreiro para que pudesse entender o que estava

acontecendo:

— Steylrork explique-me o ocorrido! Que

estranho poder é este que emana do vosso livro?

— Senhor este é o livro da profecia, que me fora

confiado pelo próprio Senhor Supremo...

— A profecia do reino unificado?

— Isso mesmo.

— Mas todos acreditam que esta e apenas uma

lenda. Nossos pais diziam que chegaria o tempo em que

batalha pelo reino unificado nos envolveria, mas

pareciam apenas historias de antigos sonhadores.

— Majestade! Posso lhes garantir que tal evento

não é uma fantasia dos nossos antepassados. Tudo que

nos aconteceu nos últimos tempos estava estrito neste

livro. Nossas crianças, o salvamento de Zaradyk por

Auryousrork e até mesmo a traição ocorrida nesta

madrugada. Nem todos os fatos estão claramente

descritos, mas nestes casos, após acontecerem torna-se

evidente que o livro os descrevia subjetivamente.

O rei abriu o livro interessado:

— Não há nada escrito aqui! Como sabe de tudo

isso?

— Até o momento, sou o único capaz de enxergar

os textos escritos, mas não poderia afirmar que não

existam inimigos capazes de enxergá-los, o que, garanto,

seria catastrófico.

— Por isso proteges este objeto com tamanho

empenho?

95

— Estou certo de não ser apenas os textos

secretos que tornam este livro precioso. Talvez vossa

Alteza tenha percebido que pareço mais velho do que

realmente sou.

— Na verdade isso tem realmente me chamado

atenção faz algum tempo.

— Se juntarmos isso, ao desmaio do soldado,

poderemos concluir que este livro, de alguma forma,

acumula energia que retira da maioria das pessoas que o

tocam.

— Outros já o tocaram...

— Alem de nós, Auryousrork que como o Senhor,

nada sofreu e Markvellus, um amigo, que ao toca-lo

sentiu-se muito fraco.

— Não tens medo do que possa lhe acontecer

estando sempre perto, sofrendo os efeitos deste

misterioso objeto?

— Tenho sim Gyllimond! Mas esta é a minha

missão e devo cumpri-la a qualquer custo. Os poderes

deste livro certamente serão imprescindíveis nas batalhas

que virão. Fui acordado por uma luz que emanou dele e

provavelmente o Senhor, de alguma forma, também fora

atraído até aqui.

— Que estranha experiência meu irmão! Sonhava

que tu serias morto por um soldado, por isso, acordei

assustado, tomei minha espada e corri até aqui. Então,

pude ver que tudo estava realmente acontecendo e fui

atraído para salvá-lo.

— É como havia dito antes, este livro e esta

profecia são maiores do que eu ou mesmo o Senhor.

Trata-se da vida de todos os homens de bom coração, que

vivem neste e nos outros reinos da terra. Portanto, não

posso pensar no que esta acontecendo comigo e esquecer

o verdadeiro valor da minha missão.

96

— Tu eis um nobre homem, Steylrork! Orgulho-

me de estar ao vosso nesta luta! Conte comigo nesta

difícil missão.

— Sinto que a batalha esta próxima Gyllimond e,

agora, teremos que lutar contra inimigos acima da nossa

compreensão, pela nossa vida e pela vida dos nossos.

Não haverá vitórias ou derrotas parciais. Se não

vencermos, perderemos todos e, assim, devemos estar

preparados.

O rei permaneceu em silêncio por um instante e

num rompante disse ao ferreiro:

— Lutaremos e venceremos, pois o Senhor

Supremo estará conosco. Não importam as baixas, nosso

povo terá sua vitória.

— Assim seja Majestade...

— E assim será meu irmão! Agora descanse e na

manhã que se aproxima decidiremos o destino do soldado

traidor.

Algumas horas após, Steylrork se reuniu com o

rei:

— Alteza, o que faremos a respeito do

prisioneiro?

— A meu ver, muito embora não seja o costume

da nossa lei, deveríamos executá-lo. O segredo que ele

carrega vale imensamente mais do que a vida deste

traidor. Mas quero saber a vossa posição a respeito disso?

— Meu Senhor! Desejo liquidá-lo, agora mesmo,

com minha espada. O medo de que ele revele o segredo

que por muito tempo esteve seguro comigo, faz-me

perder o senso do que é justo. No entanto, acredito que os

desígnios do Senhor Supremo estão acima da nossa

compreensão e que sua vontade suprema paira sobre os

97

caminhos da justiça igual para todos. Por essa razão, se

me fosse entregue a decisão deste impasse eu escolheria

dar ao traidor o mesmo tratamento que este reino concede

a qualquer outro acusado.

O rei não acreditou no que ouvia. Mas numa

breve reflexão, percebeu que estava diante de um homem

mergulhado numa profunda sabedoria e embora não

entendesse em que momento essa grandiosa virtude

invadira a vida daquele humilde servo, vislumbrava com

clareza que Steylrork tinha razão.

— Sábias palavras meu irmão! Será feito de

acordo com vossa decisão. Iremos, como de costume,

oferecer ao traidor o direito de escolher o eterno exílio ou

um julgamento justo pela tentativa de roubo e homicídio

contra o irmão do rei.

Foram em seguida à masmorra, acompanhados

dos dois soldados que haviam conduzido o traidor até a

cela isolada dos outros criminosos. Ao chegar ao local, o

rei falou ao soldado:

— Ouça com atenção, traidor do Reino do Metal!

Como é do nosso costume atribuir aos culpados o direito

de escolher entre o banimento eterno, com a devida

marcação na face, e a pena justa, proporcional à culpa.

Eu, o rei Gyllimond de Olonstreek, dou-lhes esta opção

agora para que decida para sempre o vosso destino.

O soldado sabia que a gravidade do seu crime lhe

imporia alta pena e que embora fosse difícil deixar o

reino para sempre, esta seria a decisão mais apropriada.

— Quero o exílio...

98

Gyllimond e Steylrork entreolharam-se, sabendo

os riscos relacionados ao banimento daquele prisioneiro.

Num sobressalto, o rei desembainhou sua espada em um

tom de ameaça que fez tremer o traidor, certo do seu fim.

O ferreiro interveio segurando o braço de Gyllimond que

refeito, proferiu a sentença:

— A partir deste momento este homem está

banido para todo o sempre de Olonstreek, por traição e

tentativa de homicídio contra um membro da família real.

Que fique claro que se este malfeitor retornar ao reino do

metal, por qualquer que seja o motivo, vossa vida será

ceifada sem misericórdia. Esta foi a vossa decisão e

assim será feito.

Cumpriram por fim o doloroso procedimento dos

exilados com a marcação do símbolo de Olonstreek, a

ferro, na face. Para que todos os reinos identificassem o

criminoso aonde quer que ele esteja.

Em seguida Steylrork chamou o rei

reservadamente e pediu-lhe que tomasse uma importante

precaução:

— Senhor! Precisamos que este homem seja

conduzido para fora do reino sem que seja visto, ou possa

falar com alguém sobre o que descobriu.

— Concordo convosco! Ele será levado

encapuzado e amordaçado e nós o conduziremos para

estarmos certos de que nem mesmo meus soldados

possam descobrir o que ele sabe. Ao menos nos domínios

do reino ninguém saberá o que ele viu...

Seguiram então, com o prisioneiro, até os limites

do reino de Olonstreek. E após atravessarem a cadeia

montanhosa o rei ordenou que os soldados o deixassem

conduzir o traidor a certa distância dos domínios reais.

99

Steylrork e Gyllimond, com suas espadas em

punho, conduziram o prisioneiro, soltando-o em seguida.

O renegado olhou nos olhos do rei e do ferreiro, como

quem jura vingança, e, por fim, deu as costas avançando

em direção à floresta Nágora.

O rei, voltando aos portais de Olonstreek, ao lado

de Steylrork, não conseguia esconder uma agonia que o

inquietava...

— Meu irmão! Ainda que eu concorde com vossa

decisão, não consigo deixar de preocupar-me com este

traidor miserável que sabe da existência do livro da

profecia e certamente contará aos renegados que se

escondem na floresta Cinzenta.

— Majestade! Como dissemos, a batalha pelo

reino unificado esta cada vez mais próxima e acredito

que em pouco tempo não importará quais dos nossos

inimigos tem ciência da existência do livro. Os caminhos

da profecia, muito em breve, estarão acima deste segredo,

sobre tudo, quando a guerra insurgir-se contra nossos

dias. O livro deverá deixar de ser um objeto que devemos

proteger para tornar-se uma arma que o Senhor Supremo

haverá de nos ensinar a usar.

— Steylrork! Conte-me sobre esta guerra que está

por vir. O que mais sabes sobre isso?

— Perdoe-me Alteza! Sei que posso confiar, até

mesmo, tudo o que eu li sobre os eventos que virão, mas

cada trecho da profecia deverá ser revelado a quem lhes é

dirigido e não tenho, no momento, nada que me seja

permitido revelar-lhe.

— Entendo! Os desígnios do Senhor Supremo

estão acima da vontade de qualquer homem, seja ele rei

ou plebeu, nobre ou escravo. Guardarei o meu anseio por

saber mais e irei esperar o dia em que possas falar-me

sobre o que virá.

100

Voltaram, então, à Galatyans, dando por encerado

o impasse gerado pelo soldado que tentara matar

Steylrork. Contudo, ambos sabiam que chegaria o

momento em que os acontecimentos daquele dia se

voltariam contra eles. Nada poderia ser feito de imediato,

restando apenas esperar o futuro conflito.

101

Os Jovens de Olonstreek

Aquelas crianças de outrora irão deixá-lo e em seus lugares, os jovens estarão. Seus corações são um só, mas suas mentes, ainda incrédulas, buscarão o destino separadamente.

Não os deixe ferreiro! Porém, cultive o

desejo do saber e o silêncio. Pois, cada passo será dado oportunamente.

Hão de aprender o caminho, juntos num

instante, e distantes em outro...

102

As inseparáveis crianças do reino do metal,

naturalmente, cresceram e desenvolveram-se com vigor e

saúde. Os ensinamentos que lhes foram concedidos os

trouxeram conhecimento e sabedoria, porem, não os

afastaram dos conflitos e sentimentos inerentes à

juventude.

Auryousrork desde sempre amara Zaradyk,

profundamente, mas percebia que este sentimento estava

diferente agora. O que fora uma amizade entre crianças

que cresciam juntas tornara-se aos poucos, para ele, uma

paixão entre um jovem cavaleiro e sua princesa.

Ele não conseguia deixar de incomodar-se com

sua origem, pois imaginava que até mesmo o rei e a

rainha que habitualmente o protegiam do preconceito dos

nobres, não aprovariam a possível relação com a

princesa. Pensava também no desprezo de Zara, pois já

havia notado que ela sentia-se superior aos plebeus com

os quais porventura eles estiveram.

Zaradyk, por sua vez, sentia-se completamente

protegida por Auryousrork, nutria um imenso orgulho do

seu amigo e não imaginava a vida sem ele por perto. Não

sabia, no entanto, o que pesar em relação ao amor que

sentia por ele, se o veria apenas como um irmão ou se

começava a vislumbrar o homem que surgia por traz do

leal companheiro.

Auryousrork sabia que o tempo para revelar seus

sentimentos estava se acabando e independentemente do

que iria acontecer ele deveria enfrentar este momento

com a coragem de um cavaleiro.

Os dias se passavam e os dois continuavam

vivendo sua amizade, no entanto, os olhares de ambos já

não eram os mesmos. Enquanto Auryousrork olhava para

Zaradyk com paixão, inquietava-se com aquele olhar

103

controverso que ela demonstrara. Certas vezes Zara o

olhava e sorria como se ele fosse o homem de sua vida e

em outros momentos, olhava-o de forma questionadora,

como se perguntasse o que ele pensava estar fazendo.

Toda essa situação, pouco a pouco, entristecera o jovem

cavaleiro frente à incerteza do seu futuro ao lado de

Zaradyk.

Num momento a sós, Auryous fora surpreendido

pela rainha Zayra. Estava visivelmente triste e embora

tentasse esconder, ela logo notou que ele não estava bem.

— O que te aflige meu filho, quer falar-me?

— Estou bem minha Senhora! Apenas um pouco

indisposto.

— Auryousrork, eu o conheço muito bem! Sei

quando algo o perturba. Vamos meu querido! Diga-me o

que está acontecendo.

— Como sempre, minha rainha, a Senhora tem

razão! Realmente, sinto-me perdido, mas te peço que me

desculpes, pois não posso revelar-lhe o motivo.

— Queres então que eu te ajude a falar meu

rapaz? Corrija-me se estiver errada.

Auryousrork sentiu um calafrio...

— Estais triste e preocupado, pois descobriu a

pouco, que estais apaixonado por Zaradyk e a incerteza

da vontade da minha filha ao vosso respeito, está vos

atormentando.

Auryous ficou em silêncio como um criminoso

pego em flagrante.

— É claro que eu não poderia esquecer que tu

deveis estar consumido por não saber como eu e

Gyllimond reagiremos a esta notícia.

104

— Minha rainha como sabe de tudo isso? Perdoe-

me, mas esta é toda a verdade.

— Como disse Auryous, eu o conheço muito

bem. Tu és como um filho para mim. Eu vos alimentei

quando bebê, assisti vossos dias passarem diante dos

meus olhos e anseio por tua felicidade. Já faz algum

tempo que percebi vossos olhares para Zaradyk, bem

como, os dela em vossa direção e estava esperando o dia

em que iríamos falar sobre o assunto.

— A Senhora acha que eu deveria ir embora do

castelo? Acha que o rei irá me punir?

— Filho! Esta é vossa casa independentemente do

que aconteça. Quanto ao rei, assim como eu, já percebera

o que está ocorrendo e lhe asseguro que não conhecemos

melhor esposo para nossa filha. É claro que nós

imaginávamos que isso poderia acontecer e confesso que

sempre torci a este favor.

— É verdade Majestade?

— Claro Auryous! Nós sempre tivemos muito

orgulho de ti. Porem, essa é a nossa vontade o que não

significa que Zara pense da mesma forma.

— Minha Senhora! Conheces Zaradyk muito

bem! Qual a vossa opinião quanto aos seus sentimentos

para comigo?

— Zara não é tão transparente, mas acredito que

ela esta bastante confusa. É certo que minha filha te ama,

no entanto, o sentimento que ela guarda poderá não ser

como o vosso, por isso creio ser prudente que contenhas

vossa alegria, por hora.

— Então o que eu devo fazer?

— Seja paciente e siga teu coração, meu jovem

cavaleiro! Estarei sempre aqui para confortá-lo.

— Obrigado Majestade! Sei que posso contar

convosco.

105

Aquele dia se passou e Auryousrork permaneceu

aflito, mas as palavras da rainha acalmaram seu coração.

No dia seguinte Auryous encontrou Zara que ao

olhá-lo notou algo errado em seu comportamento:

— Auryous! Quero falar-lhe um instante.

— Diga o que queres Zara! Estou te escutando.

— Sinto que algo o perturba. Quer contar-me?

— Não há nada comigo Zaradyk! Deixe-me em

paz.

A princesa não se deu por vencida e, tocando

docemente o ombro de Auryousrork, disse-lhes:

— Auryous! Posso contar-lhes um segredo?

O jovem sentiu alguma esperança nas palavras da

princesa:

— Diga-me Zara! Sabes que pode confiar em

mim.

— Tu Auryousrork, cavaleiro de Olonstreek, eis a

pessoa mais importante desta terra, para mim, estais

acima de qualquer outro...

Auryousrork permaneceu calado, sem saber o que

aquelas palavras significavam...

— Sr Auryousrork! Eu acabo de revelar-lhe meu

segredo, agora prove que confias em mim e contando-me

também um segredo vosso.

— Não tenho nenhum segredo para contar Zara...

— Claro que tem. Todo mundo tem segredos.

Auryous pensou por um instante:

106

— Na verdade tenho mesmo um grande segredo

para lhes contar.

Zaradyk sentiu uma estranha euforia.

— Mas terás que prometer jamais revela, a

ninguém o que lhes direi.

— Está certo Auryous! Conte-me de uma vez por

todas.

— Meu pai é um guardião escolhido pelo Senhor

Supremo.

— O que estas dizendo cavaleiro?

— Percebeste que meu pai carrega sempre com

ele, uma velha bolsa de couro.

— É claro! Ele nunca se separa dela, mas também

nunca expôs seu conteúdo diante dos meus olhos.

— Pois então! Naquela bolsa ele guarda um livro,

que lhe foi entregue por um anjo, enviado pelo Senhor

Supremo.

— E o que está escrito nele?

— Não sei! Apenas meu pai consegue enxergar as

escrituras, mas ouvi comentários entre ele e Markvellus e

acredito que se trata de uma profecia.

— Por que nunca me falou deste livro,

Auryousrork?

— Meu pai me arrancaria o coração se eu

contasse. Sempre me fez prometer não contar nunca para

ninguém e até hoje cumpri a promessa.

Zara sentiu uma estranha frustração, como se

esperasse ouvir outra coisa, que não a história de um

velho livro protegido por seu tio. Mas, decidiu saber

mais.

— Auryous! Gostaria de ver este livro?

107

— Posso providenciar. Mas, teremos que esperar

o velho ferreiro adormecer.

— Está certo! Faremos isso hoje à noite.

Eles aguardaram Steylrork adormecer. Enquanto

Zaradyk esperava do lado de fora, Auryous invadiu os

aposentos do pai e pegou o misterioso livro:

— Aqui está Zara, veja que bela capa recobre este

livro, mas os textos, eu não consigo ver.

Zaradyk pegou o livro em suas mãos e abrindo-o

constatou que não havia nada escrito:

— Que estranho Auryous! Realmente não há

nada...

— Zara! Estais bem?

Steylrork despertou com o barulho que vinha do

corredor e levantando-se depressa foi descobrir do que se

tratava:

— Auryousrork o que fizeste?

— Meu pai! Eu estava mostrando vosso livro a

Zaradyk, quando ela desmaiou.

— Depressa! Traga-a para dentro.

Auryousrork carregou Zaradyk nos braços e

colocou-a na cama. Steylrork, irritado, tomou o livro das

mãos do filho e escondeu-o na bolsa.

— Auryousrork! Porque quebrastes vossa

promessa após tantos anos? O que querias provar com

isso?

O jovem, aturdido, explicou:

108

— Meu pai! Zaradyk pediu-me que lhe confiasse

um segredo e decidi contar para ela o que havia dentro da

tua bolsa. Depois ela quis ver o livro e eu o peguei.

— Sr Auryousrork! Não sei se percebeste, mas

faz algum tempo que deixaste de ser um garoto travesso.

Onde esta vosso senso de responsabilidade cavaleiro de

Olonstreek!

— Desculpe meu pai!

— Desculpas não apagam o risco ao qual

expuseste a princesa. Este livro não e um brinquedo, ele

possui poderes perigosos.

Auryousrork sentiu-se envergonhado e irritado.

Assim, voltou-se rispidamente para seu pai:

— Como o Senhor esperava que eu soubesse que

isso poderia acontecer? Quando eu toco o livro, nada

sinto, então como saberia que Zara iria sentir-se mal.

Porque não falas comigo sobre vossa honrosa missão. O

que há de tão especial neste livro velho, para que o

Senhor estime-o mais do que a mim?

Enquanto Auryous falava, Zara começou a

acordar.

— Auryous, o que aconteceu comigo?

— Acalme-se Zara! O livro roubou-lhe as forças,

mas agora ficarás bem.

— Meu tio! O Senhor acordou?

— Sim minha filha! Acho que precisamos

conversar seriamente.

— Sim Senhor...

— Auryousrork deixe-nos a sós...

109

Antes que o jovem retrucasse, o ferreiro repetiu

com veemência:

— Auryousrork! Eu disse para deixar-nos a sós.

Espere no corredor! É uma ordem!

Contrariado, o jovem deixou os aposentos de seu

pai e manteve-se do lado de fora. Dentro do quarto

Steylrork conversava com a princesa:

— Filha! Sabes o quanto vos quero bem! Nunca

esquecerei o dia em que me chamaste de tio pela primeira

vez. No entanto, neste momento, preciso que me

obedeças. Auryous deve ter-lhe explicado a importância

do livro ao qual sou guardião.

— Certamente meu tio. Sei que se trata de um

objeto mágico, aliais senti seu poder em minhas

entranhas.

— Por isso quero pedir-lhe segredo absoluto

sobre este mágico objeto e para que saibas a importância

do que peço, irei contar-lhe um segredo que apenas vosso

pai e Markvellus conhecem. Este livro é a transcrição de

partes importantes da profecia de unificação dos reinos

do continente habitado. Trata-se da profecia do Reino

Unificado do Dragão dos Ventos Celestiais. Tens ideia

do que significa?

— O Senhor nos falou sobre a profecia em um

dos nossos encontros na infância. Auryousrork não deu

muita importância, mas sempre acreditei que aconteceria

um dia.

— E tinhas razão, não é uma lenda minha querida.

É uma profecia real e que está começando a se cumprir.

Por isso, os inimigos que tentarão impedir o

cumprimento dos fatos profetizados, existem e jamais

deverão por as mãos neste livro. Posso contar contigo

minha sobrinha?

110

— Pode sim meu tio! Não contarei a ninguém.

Mas porque o Senhor não explicou isso a Auryous, eu

não pude deixar de ouvir as queixas dele.

— Ainda não era o momento, Zara! Todos nós

fazemos parte dessa profecia e preciso falar apenas o

estritamente necessário a cada um dos envolvidos. É

claro que estou longe de saber tudo o que está para

acontecer, mas tenho sentido os sinais enviados pelo

Senhor Supremo e sinto que o tempo de revelar a

Auryous, tudo o que ele precisa sabe sobre a profecia está

se aproximando. Porém, até este momento, não posso

contar nada mais do que ele já sabe, ou seja, que o livro é

muito poderoso.

— Está certo tio Rork...

— Tu estás bem o suficiente para ir aos vossos

aposentos?

— Acredito que sim.

— Vou chamar Auryousrork para acompanhá-la.

Então Steylrork chamou o filho e ordenou-o que

levasse a princesa.

— Vamos Zara! Irei acompanhar-lhe.

— Obrigado Auryous! Preciso mesmo descansar.

Chegando à porta dos aposentos da princesa

Auryousrork segurou sua mão:

— Alegro-me que tu estejas bem, Zara!

A princesa olhou nos olhos de Auryousrork que

se aproximou lentamente, como se ela o atraísse, mas

num rompante afastou despedindo-se.

— Boa noite Zara! Veremo-nos pela amanhã.

111

— Boa noite Auryous! Obrigado por me

acompanhar.

Naquela noite Auryousrork não conseguiu dormir.

Pensava todo tempo no que teria acontecido se tivesse

beijado Zaradyk, quando teve chance. Imaginava a

princesa entregando-se em seus braços e logo em seguida

surpreendia-se com a imagem de Zara, furiosa por ter

sido beijada repentinamente. A confusão durou toda a

noite e o humor do jovem cavaleiro não era dos melhores

pela manhã.

Auryous se refugiou nos campos situados atrás do

castelo, onde, por diversas vezes, na infância, fora

brincar com Zara. Era um lugar tranquilo, repleto de

arvores, frondosas, por onde poucas pessoas costumavam

passar e o jovem logo aprendeu a “esconder-se” por lá

quando não queria ser incomodado.

No palácio, Zaradyk procurava Auryousrork

quando sua mãe lhe contou que achava que ele não

estava bem e deveria estar tentando ficar sozinho. A

princesa não relutou e foi até os campos reais, certa de

encontra-lo por lá.

Ela o avistou à distância, sentando ao chão, de

costas para o castelo, e decidiu se aproximar. Sentou,

sem nada dizer, ao lado de Auryous esperando que ele se

manifestasse, mas ele olhou para ela e voltou a perder o

olhar na paisagem. Zara então decidiu quebrar o silêncio:

— Bom dia Sr Auryousrork!

— Bom dia Princesa!

— Parece muito cansado...

— Não consegui descansar essa noite!

— Auryous o que está acontecendo? Tenho

percebido que tens estado infeliz ultimamente e estou

muito preocupada convosco. Diga-me como posso ajudá-

lo.

112

— Não há com que se preocupar Zara! Apenas

preciso tomar uma séria decisão e tenho estado

consumido por isso.

— Não podes mesmo me dizer que decisão é

está?

Auryousrork levantou-se incomodado e, tentando

disfarçar, disse num discreto sorriso:

— Nem pensar princesa! É coisa de cavaleiro.

Zara sorriu com um ar travesso:

— É mesmo! Mas como um cavaleiro caído ao

chão poderia ocupar-se de coisas de cavaleiro?

Enquanto falava, a princesa empurrou

Auryousrork que caiu no gramado. Recuperando-se do

susto, ele disse sorrindo:

— Prepare-se para a minha vingança implacável,

princesa de Olonstreek!

Num breve momento, o jovem esqueceu-se dos

conflitos que o abatiam por tanto tempo e lembrou-se da

feliz infância ao lado de Zaradyk. Ele correu em sua

direção e ela, sorridente, tentava fugir, até ser alcançada.

Auryous segurou-a e jogou-se ao chão com a

princesa nos braços e logo seus olhares se cruzaram tão

próximos que o cavaleiro não pode resistir a beijá-la...

Por um breve instante Auryousrork sentiu que a

princesa retribuíra o beijo, porem, ela o empurrou e disse

furiosa:

113

— O que estás fazendo Auryousrork! Quando foi

que eu disse que poderias beijar-me?

— Perdoe-me Zara! Não pude evitar. Ao menos

sabes agora o que estava me perturbando, estou

apaixonado por ti, princesa! E não sei o que fazer com

isso.

Zaradyk olhou-o com profunda confusão.

Permaneceu por um breve instante, em silêncio, aturdida

e, por fim, fugiu apressada em direção ao palácio sem

olhar para trás.

O cavaleiro permaneceu parado sem saber o que

pensar. Sentiu um imenso alivio pelo fim do seu segredo,

contudo, uma desesperadora incerteza quanto ao futuro

da sua relação com a princesa.

Zaradyk entrou no castelo chorando e correu aos

seus aposentos. A rainha percebeu o que havia

acontecido, mas preferiu deixá-la a sós.

O rei, ao saber do acontecido, perguntou com ar

assertivo:

— Zayra! Então aconteceu o que a muito

esperávamos? O que pensas que devemos fazer?

— Creio que devemos esperar que Zara

manifeste-se livremente. Ela está num momento de

grande confusão, agora. Esperemos que nossa filha venha

até nós contar o acontecido.

— Faremos a vossa maneira. Vamos deixá-la

descansar em paz.

Naquela noite Zaradyk não desceu para o jantar.

Seus pensamentos giravam num turbilhão de lembranças

de tantos momentos felizes junto a Auryousrork. Das

vezes que ele a protegera ou impedira de se envolver em

confusão. Lembrou-se em detalhes da maldosa expressão

114

do renegado que a atacou e da coragem de Auryous

protegendo-a do golpe que lhe tiraria a vida.

Sabia que o amava, mas queria entender qual era

mesmo a forma de amor que sentia, ou queria sentir por

seu cavaleiro.

O momento em que ele a beijara não saia da sua

lembrança. As imagens de Auryousrork tomando-a pelos

braços misturavam-se as suas memórias deixando-a ainda

mais confusa. Recusava-se a pensar no preconceito dos

nobres que tanto magoara seu amigo e não conseguia

aceitar que certamente Auryous teria sofrido muito até

então, por sua causa. E estaria sofrendo pelo desprezo

que demonstrara há poucos instantes.

“Como pude ser tão rude com Auryous! Ele

sempre esteve ao meu lado e, mesmo agindo errado, não

merecia o tratamento que recebera de mim.”

O desespero começou a invadir-lhe ao imaginar

que Auryousrork poderia estar tão triste que sumiria,

envergonhado, do castelo e da sua vida para sempre. Por

isso num rompante ela pensou em procurá-lo antes que

fosse tarde, mas refeita, a jovem tranquilizou-se ao

perceber que honra e coragem, tão prezadas pelo jovem

cavaleiro, certamente o impediriam de fugir sem ao

menos aguardar a posição do rei, face ao ousado ato que

praticara.

Aquele beijo teria sido mesmo ousadia de

Auryousrork, ou ela o fizera crer que poderia beija-la?

Zaradyk, tocando os lábios, questionou-se quanto a ter

gostado da atitude do cavaleiro, mas envergonhada,

bloqueou seu pensamento e evitando a reflexão. Por fim,

cansada, ela adormeceu nos lençóis molhados por suas

lágrimas.

Enquanto dormia a princesa teve um sonho muito

perturbador. Sonhou que encontrava Auryousrork anos

115

mais velho e correra para os seus braços beijando-o, sem

nada dizer. De repente, ela percebia que os nobres, a sua

volta, gritavam e insultavam o cavaleiro que tentava se

defender. Em seguida, os homens, tomados de grande

fúria, afastaram-nos à força e entregaram Auryous ao

renegado que ele, na infância, havia cortado a mão.

O renegado feria Auryousrork, violentamente,

quando o rei apareceu.

Ela, em desespero, pedia ajuda ao seu pai:

“Meu pai ajude-o, por favor!”.

E o rei não nada escutava, por mais que ela

gritasse. Ele apenas repetia insistentemente:

“Zaradyk qual a vossa decisão? Diga-me o que

fazer e farei”.

Ela continuou gritando:

“Meu pai ajude-o, por favor.”

E o rei repetia, Enquanto Auryousrork era

severamente torturado.

“Zaradyk qual é a vossa decisão! diga-me o que

fazer e farei”

Em desespero ela acordou chamando pelo rei que

já estava à porta dos seus aposentos e entrou apressado:

— Minha filha o que está acontecendo?

Ela o abraçou em prantos:

116

— Um pesadelo horrível meu pai! Não conseguia

acordar.

— Estou aqui minha querida! Não tenha medo,

foi só um sonho!

Refeita, Zaradyk falou ao rei:

— Meu pai! Preciso conversar seriamente

convosco.

— Tudo bem minha querida! Conversaremos

após o desjejum. Percebi que não desceste para jantar

ontem à noite...

Passado algum tempo, a princesa encontrou

Gyllimond no salão real:

— Diga-me o que a está perturbando minha filha.

— Meu pai! Não quero que fique bravo, mas

aconteceu uma situação complicada ontem à tarde entre

mim e Auryousrork.

— O que foi Zara?

— Estávamos juntos nos campos atrás do castelo

e num ato claramente impensado, Auryousrork beijou-

me.

— Ele fez o que?

Gyllimond conteve sua alegria em seu intimo e

fingiu, numa expressão reprovadora, exigir respeito.

— Não sei o que deu em Auryous para fazer isso,

mas ele admitiu estar errado e disse estar apaixonado por

mim.

117

O rei conteve o sorriso.

— O que queres que eu faça Zaradyk? Quer que

eu puna o cavaleiro por desrespeita-la. Sei que

Auryousrork é vosso primo, mas um cavaleiro deve

honrar sua princesa.

— Não meu pai! Por favor, poupe-o! Não quero

que ele sofra mais do que certamente já está sofrendo.

— Tu o amas Zaradyk? Quer que providenciemos

vosso casamento?

— Não meu pai! Não é isso. Não sei...

— Zara! Sabes que esta situação não poderá

permanecer dessa forma.

— Sei disso! Mas Auryousrork é um plebeu.

— Auryousrork é um cavaleiro real e é seu primo

Zaradyk! A sua antiga origem, fora por nós esquecida e

não tem nada a ver com nossa conversa.

— Mas os nobres, embora finjam concordar,

ainda o descriminam.

— Sou o Rei e minha palavra não será

questionada. Se tu amas Auryousrork, tens minha benção

para casar-se com ele. Dar-lhe-ei algum tempo para

refletir e decidir o que queres. Até lá exigirei respeito de

ambos as convenções da nossa sociedade. Falarei com

Auryousrork sobre o acontecido logo que possível.

— Está certo meu pai! Tomarei minha decisão o

quanto antes. Quanto a Auryousrork! Quero pedir-lhe

que não seja tão severo. Conheço-o bem o suficiente para

saber o quanto ele deve estar envergonhado.

— Não se preocupe minha filha! Conheço

Auryousrork e não o subjugarei por amá-la como sei que

ele a ama, mas preciso conversar com ele.

No mesmo dia o rei encontrou o cavaleiro e o

chamou para uma conversa reservada:

— Auryousrork tu tens algo a me contar?

118

O jovem ajoelhou-se e abaixou a cabeça:

— Meu Senhor! Perdoe-me pelo gesto impensado

que cometi ao beijar vossa filha. Estou pronto para ser

punido perante vossa Le!

O rei aproximou-se e segurando o jovem pelo

braço ajudou-o a levantar:

— Levante-se Auryous! Sei que as convenções da

nossa sociedade são rígidas quanto às demonstrações de

afeto entre jovens casais. Mas não comungo com tais

preceitos. Aos meus olhos o vosso amor é puro e como

tal, é digno do meu respeito. Não serás punido pelo vosso

amor à princesa.

Auryous permaneceu com os olhos ao chão:

— É claro que não é apropriado que sejam vistos

juntos, em demonstrações de afeto. Porém, espero que

Zara o aceite como noivo. Não conheço nenhum homem

neste mundo que possa cuidar melhor da minha querida

filha.

— Mas meu Senhor! Ela me despreza.

— As mulheres são misteriosas, filho! Zara está

confusa, pois sempre o viu como um irmão, mas o que

aconteceu entre vós, mexeu profundamente com ela e

acredito que tu precisaras ter paciência e deixá-la decidir

antes de dar a batalha por vencida. Saiba que estamos, eu

e Zayra, torcendo por esta união.

— Agradeço vossa piedade e confiança

Majestade! Sei que independente dos meus sentimentos

eu deveria, como cavaleiro, guardar o respeito à princesa

acima de tudo.

119

— Saiba que não encontro desrespeito no vosso

gesto, meu sobrinho! Fique em paz!

Auryousrork procurou esconder-se de Zaradyk

durante alguns dias, porem o fato de viverem no mesmo

ambiente, apesar da grandeza do palácio de Galatyans,

tornara esta missão um tanto quanto improvável e logo

eles estavam presentes nos mesmos lugares. Eles

mantinham-se formais, como se não fossem íntimos por

toda a vida e com o passar do tempo sentiam-se

igualmente maltratados pela saudade.

Auryousrork dividia-se entre o sonho de casar-se

com Zaradyk e a tristeza de imaginá-la rejeitando seus

sentimentos.

Zara, por sua vez, permaneceu extremamente

confusa e seus pensamentos a fizeram sonhar com

Auryous por muitas noites. Em seus sonhos, num dia, ela

contemplava a própria felicidade ao casar-se com ele e,

em outro, via-se triste, descobrindo que seu primo,

desiludido, fora embora para sempre.

A princesa sempre acordava aflita e após sonhar

seu dia tornava-se repleto de pensamentos confusos.

Porem Zaradyk sabia que sua decisão não deveria ser

adiada por muito, não só em respeito ao reino e suas

convenções, mas principalmente pelo bem de

Auryousrork que certamente estaria aflito pela incerteza

quanto ao seu futuro junto a ela.

120

A Cerimônia de Passagem

A hora está próxima! Cresceram as crianças e com elas os

desígnios do mal. Vigiai ferreiro! Vigiai! Pois a princesa terá

nas mãos a arma contra o próximo e o inimigo a desejará como nunca.

O tempo os alcançou e não resta escolha,

este é o momento propício para as revelações, não espere nada mais!

121

Cada um dos reinos das terras habitadas possuía

um objeto símbolo, sobre o qual estava representado o

poder do respectivo reino. O costume comum preceituava

a passagem do objeto das mãos dos reis e rainhas para

seus herdeiros, logo que estes atingissem idade suficiente

para tal responsabilidade.

O rei Gyllimond estava decidido a promover a

cerimônia de passagem, onde iria entregar a espada de

Olonstreek nas mãos da princesa Zaradyk. Por isso ele

convocou uma reunião com a família real no intuito de

organizar um evento a altura da sua importância:

— Gostaria de anunciar a todos os presentes que

decidi realizar, na próxima lua cheia, a cerimônia de

passagem da Espada de Galatyans para minha jovem

princesa Zaradyk, como lhe é digno.

A rainha prontificou-se para ajudar sua filha à

preparar-se adequadamente para a maior honraria que lhe

seria concedida, desde o seu nascimento.

Zaradyk sorriu e não conseguiu conter o olhar de

felicidade em direção a Auryousrork. Por muitas vezes

havia falado com ele a respeito da sua expectativa quanto

ao momento em que receberia aquela espada das mãos de

seu pai.

Auryousrork, por sua vez, sabia do desejo da

princesa e imediatamente retribuiu o sorriso de forma tão

natural que por um breve instante, eles esqueceram a

distância que se tornara habitual naqueles dias.

O rei, após o anúncio, ordenou aos servos que

tomassem todas as providências para a organização do

evento e voltando-se para a princesa pediu-a que

estivesse preparada para o momento em que ela tornar-

se-ia a nova guardiã do símbolo real, cujo detentor fora

seu pai por muitos anos.

122

Os dias foram passando e Zaradyk sentia-se cada

vez mais ansiosa pelo evento. Trocara poucas palavras

com Auryousrork e o clima entre eles ainda permanecia

estranhamente formal, mas a proximidade da cerimônia

desviou um pouco da atenção da princesa e por vezes ela

conversava com o cavaleiro como se nada tivesse

acontecido. Em seguida retomava a postura dos últimos

tempos.

Auryousrork sabia que logo deveria tomar

coragem e pedir a princesa em casamento, para tomá-la

ou perde-la para sempre, porem, estava ciente da

importância do evento que se aproximava e tentou deixá-

la livre de preocupações outras. Mas os rumores que

circulavam por todo o reino incomodaram ao jovem

cavaleiro que, subitamente, voltou a perder o sono.

Corriam boatos de que filhos de nobres e das

famílias reais viriam à cerimônia com o firme propósito

de pedir a mão da princesa. Auryousrork sabia que tais

boatos seriam verdadeiros, pois a beleza da princesa,

admirada por todo o continente, e a expressão de poder a

ela atribuída pelo símbolo real, tornaria Zaradyk a mais

desejável dentre todas as jovens de todos os reinos, das

terras habitadas.

À medida que a cerimônia de passagem da

Espada de Prata se aproximava, Auryousrork se tornava

mais aflito. Pensava todo o tempo nos muitos nobres que

estariam cortejando sua amada naquela noite e não

conseguia afastar-se da possibilidade de Zara encantar-se

por algum deles.

Então chegou o dia tão esperado para Zaradyk.

Auryousrork não dormira um só minuto na noite anterior

e ao amanhecer estava completamente transtornado,

andando sem rumo pelos corredores do castelo. De

repente, tomado por um impetuoso desejo de livrar-se

daquela agonia, ele começou a procurar a princesa por

todo o palácio e, ao encontra-la, segurou-a pelo braço:

123

— Zara! Perdoe-me por incomodá-la, mas eu

preciso muito falar-lhe.

— O que houve Auryous? Parece transtornado,

não se sente bem?

— Não Zara! Eu preciso que tu me escutes!

Zaradyk logo percebeu do que se tratava e

permaneceu em silêncio na expectativa de que Auryous,

inibido, desistisse do assunto. Ele, no entanto, resignado

começou a falar:

— Zaradyk eu sei que este não é o melhor

momento, mas temo não ter escolha. Sei que eu a magoei

naquele dia lá no campo e peço desculpas se te feri...

— Espere Auryous...

Auryousrork a segurou pelos braços e como se

não estivesse ouvindo, continuou:

— Mas tudo o que eu fiz, não só naquele dia

como em todos os dias da minha vida, foi por amor e não

me arrependo de nada. Eu sempre a respeitei e

continuarei respeitando! Apenas segui meu coração como

agora...

— Auryous...

— Não diga nada Zaradyk! Escute-me, por favor.

Quero que saiba que eu a amo e se me deres a honra,

gostaria de casar-me convosco. Sei que sou apenas um

plebeu agraciado, mas não haverá ninguém neste mundo

a amar-te e proteger-te como farei se me permitires, basta

que...

— Acalme-se Auryous! Sei de tudo isso e

acredito em vossas palavras, mas sinto-me confusa e

peço-lhe um tempo para pensar sobre meus sentimentos.

Logo lhe darei uma resposta...

124

Os olhos do cavaleiro mostraram sua desilusão.

Sentia-se perdido naquele instante e, sem nada a dizer,

deixou a princesa certo de que a perderia na noite que se

aproximava.

Zaradyk, por um instante, esqueceu-se da

expectativa pela cerimônia de passagem e voltou seus

pensamentos para Auryous. Lembrou-se dos olhos tristes

que a pouco vislumbrara na face tão amável de seu

cavaleiro e não conseguiu entender sua aflição. Ela não

negara o pedido, mas ele parecia arrasado. Pensou em

correr atrás dele e beijá-lo, mas conteve-se e, num

esforço, deixou de lado as belas palavras que ecoavam

nos seus ouvidos, para começar os preparativos para o

evento que viria.

Auryousrork estava transtornado. Não conseguia

esquecer que sua princesa seria cortejada por nobres e

príncipes e ele imaginava não ser capaz de superá-los

nesta disputa. Ansioso por ouvir os conselhos do seu pai

o jovem o procurou por todo o castelo e redondezas, mas

Steylrork não estava em lugar algum.

Por fim, cansado de procurar, Auryousrork

recolheu-se em seus pensamentos e assim o dia se passou

chegando o momento da cerimônia. Pensou em não

aparecer, mas sabia que Zara ficaria magoada com sua

ausência e, atrasado, dirigiu-se ao salão real.

No salão, Auryousrork contemplou Zaradyk

dirigir-se, sobre um tapete vermelho e os olhares dos

ilustres convidados, ao trono onde seu pai, o rei

Gyllimond a esperava. Estava mais bela do que nunca,

com sua armadura real forjada, especialmente para o

momento, com a prata e o ouro de Olonstreek, trazendo o

brasão do reino, ao centro, cravejado com pedras

preciosas. Sobre sua cabeça a conhecida tiara da

princesa, que a acompanhava nos eventos em que sua

presença se fazia necessária.

125

Todos a olhavam como se nunca tivessem visto

tão bela jovem. Auryousrork certamente nunca a tinha

visto tão radiante e não pode esconder a felicidade que

sentia ao vê-la no momento que tanto esperou. Mas, ao

olhar a sua volta o cavaleiro sentiu-se novamente

angustiado. Muitos eram os nobres visivelmente

extasiados pela presença da mais bela de todas as

princesas do continente habitado e, certamente, eles

aguardavam ansiosos pela conquista.

Zaradyk sentia-se feliz como nunca havia estado.

Era a herdeira do mais importante e poderoso reino da

terra e sabia que naquele instante começava seu futuro

reinado. Seus pais a prepararam por toda vida para isso e,

ao receber o símbolo real, as antigas promessas de sua

mãe começariam a se cumprir. Realmente, não se tratava

de tomar Olonstreek dos seus queridos pais, mas de

começar a dividir o peso das responsabilidades reais até

que este dia chegasse.

Ainda a caminho do trono, Zara pôs-se a olhar ao

redor procurando Auryousrork e seu tio. Ela não

encontrou Steylrork, mas avistou Auryous ao longe e

cumprimentou-o com um sorriso que ele retribuiu

apaixonado. Então, naquele instante, a princesa

finalmente percebeu o quanto o amava. Percebeu que

nem mesmo a felicidade que sentia por receber o símbolo

de Olonstreek teria sentido se seu amado cavaleiro não

estivesse por perto.

Próxima ao trono, Zara olhou para o rei que se

levantou com a Espada de Galatyans nas mãos e,

voltando-se para os convidados disse em tom altivo:

— Como todos sabem, este é um grande dia para

o reino do metal. O nosso símbolo há muito me foi

passado pelas mãos do meu pai. Homem que através de

muitas batalhas instituiu, no continente habitado, nossos

domínios. Agora passo às mãos da princesa Zaradyk,

126

minha querida filha, a magnífica Espada de Prata, para

que ela desde então seja a legitima guardiã deste precioso

objeto, que forjou com honra e sangue nosso reino. Que o

Senhor Supremo ajude-a a honrar com sua vida e sua

alma, esta sublime missão a qual fora preparada por mim

e pela rainha desde o seu nascimento. Peço também, para

nossa nova guardiã, a notável ajuda de Sr. Auryousrork,

vosso primo e protetor, como também do vosso digno tio,

Sr. Steylrork, cuja atenção e ensinamento lhes foram

importantes até então.

— Receba Zaradyk, das minhas mãos, com a

benção de vossa mãe, o nosso símbolo real! Desde então

não eis mais a frágil filha de Olonstreek, mas a guardiã

que deverá tomar para si responsabilidades ante ao reino

e ao nosso povo, preparando-se para, no futuro, assumir o

trono real.

Zara, tomada por grande emoção, ajoelhou-se

estendeu as mãos, tomou a espada e disse para que todos

pudessem ouvir:

— É com grande honra que recebo o símbolo

maior de Olonstreek e prometo sob a proteção do Senhor

Supremo, doar-me inteiramente a missão que agora me

fora confiada.

Os convidados aplaudiram Zaradyk, que

orgulhosa ergueu a Espada de Prata, para que todos

pudessem contempla-la em seu magnífico esplendor e,

após agradecer aos presentes, ela embainhou o símbolo

de Olonstreek, passando a palavra ao rei.

Por fim, Gyllimond deu inicio aos festejos

comemorativos, com os cumprimentos dos convidados à

princesa.

Auryousrork tentava vencer a distância que os

convidados estabeleceram entre ele e Zara, mas ao se

127

aproximar notou que Gyllimond o chamava. Contrariado,

ele desviou seu caminho em direção ao rei:

— Senhor! Em que posso lhe ser útil?

— Auryous onde está vosso pai? Não o vi durante

a cerimônia?

— Não sei Majestade! Procurei meu pai por todo

o dia, sem sucesso. Esperava que o Senhor soubesse onde

encontra-lo, estou muito preocupado!

— Acalme-se filho! Vosso pai tem obrigações

que estão acima do nosso entendimento, deixa-lo em paz

é a única atitude que nos cabe, ele ficará bem...

— Espero que o Senhor tenha razão.

O rei sentiu-se estranhamente seguro de que algo

maior estava prestes a acontecer e o repentino

desaparecimento de Steylrork comprovara seu

sentimento.

Os cumprimentos à princesa já haviam acabado,

porem o assedio entorno dela, por parte dos cavaleiros e

nobres, pareciam não ter fim. Todos queriam ter a honra

de dançar com Zaradyk e ao perceber o quanto ela era

cortejada por homens importantes de todos os reinos

Auryousrork mergulhou num profundo desespero. O

ciúme o fizera pensar que, devido a sua origem, não

poderia vencer homens como aqueles na luta pelo

coração da princesa e num súbito ele decidiu ir embora.

Zaradyk avistou Auryousrork próximo às portas

do salão real. Ela sentiu um estranho pesar em seu peito

ao vê-lo e não foi capaz afastar o sentimento ruim que a

envolvera. Tentou desvencilhar-se do assédio ao seu

redor, contudo, não conseguiu e presenciou seu cavaleiro

sair do salão sem olhar para traz.

Ao sair do palácio, Auryousrork não sabia o que

fazer. Estava confuso e pensava ter perdido Zaradyk para

sempre. Decidiu ir para a velha casa da vila onde tentaria

128

descansar e preparar-se para seguir outro destino,

diferente de tudo o que havia pensado por toda a vida.

Deixaria a princesa e o reino para sempre...

129

As Revelações de Steylrork

Deixe que o guerreiro vá ao vosso encontro esta noite. Abra seus olhos e o faça enxergar.

Não poderá protegê-lo agora, este é o

momento de deixá-lo ir. Não contenha o seu ímpeto, nem o reprima.

Tão pouco o segure pelo braço. Entregue o símbolo e o instrua sobre o seu poder, para que não o desperdice.

Coragem Steylrork!

130

Envie-o, meu filho! A guerra o espera, contudo, estaremos sempre juntos!

131

Ao chegar à antiga casa na vila, Auryousrork

surpreendeu-se por encontrar seu pai. Ele estava sentado

à luz de um candelabro antigo que pouco iluminava o

ambiente:

— Seja bem vindo meu filho! Estava a sua espera.

Sente-se aqui perto, pois tenho muito a lhe falar e não

dispomos de muito tempo.

— Meu pai! Eu o procurei por todo o dia e o

Senhor estava aqui, a minha espera? Como sabias que eu

viria aqui esta noite?

— Na noite passada eu tive um sonho, e nele, fui

avisado que era chegada a hora de falar-lhe sobre a

profecia. Também me foram revelados mistérios a cerca

da guerra eminente, e, por essa razão, quero que tu me

escutes com muita atenção.

— Sim Senhor! Estou escutando...

— Filho! Primeiramente, quero pedir-lhe perdão,

pois não tenho o tratado com a atenção que sempre

mereceste da minha parte, mas deixo claro que meu

comportamento é o reflexo das minhas obrigações. Desde

que recebi a profecia, tenho sido guiado pelo Senhor

Supremo e, por vezes, me senti impelido a agir de forma

diferente do que eu gostaria.

— Tudo bem meu pai! Eu entendo! Fale-me da

vossa missão. Conte-me tudo o que achar que eu devo

saber.

— Então me escute com atenção e irá entender

tudo o que aconteceu em nossas vidas até aqui.

— Até aquela noite, o que eu sabia sobre a

profecia eram as histórias dos antigos, passadas à mim

por meu pai. Contudo, logo entendi que tudo o que o anjo

havia me contado, não apenas era verdade, como iria

132

acontecer diante dos meus olhos e, por certo, consumiria

a minha vida até o fim.

— Muitos acontecimentos me foram revelados

naquela noite. Desde o surgimento de duas belas crianças

nas nossas vidas, até o destino sonhado pelo Senhor

Supremo para estes jovens. Ordens me foram dadas e eu

as cumpri radicalmente, segredos me foram revelados e

dentre eles existe, ao menos, um que jamais revelarei a

quem quer que seja, até que a profecia se cumpra ou, o

mal venha a se abater sobre nós.

— O mal venha a se abater sobre nós, como

assim? Estamos em perigo?

— Sempre estivemos em perigo, meu filho, tu não

te lembras do incidente com Zaradyk, nas fronteiras do

reino? Muitos perigos nos rondam por todos esses anos,

porem, nada comparado aos que virão e é por isso que

estamos aqui, agora.

— Mas o que devo fazer? Como poderei lutar

contra estes perigos? Que perigos são estes, meu pai?

— Paciência Auryousrork! Vou contar-lhe tudo,

desde o início:

— Tudo começou a partir da divisão dos reinos

das terras habitadas, quando foram estabelecidas as

normas de convivência, ficando determinadas as leis para

a expulsão dos criminosos de cada reino. Os reis, na

ocasião, acreditaram ter criado um sistema perfeito para o

estabelecimento da paz, no entanto, esqueceram as

consequências dessas leis, tais como, a ira e desejo de

vingança daqueles a elas são submetidos.

— Como sabes, os renegados deixam seus reinos,

por força das leis que lhes puniram os crimes, ficando as

margens das fronteiras no tenebroso Vale Negro, e lá se

estabelecem sem jamais voltar. Com o passar dos anos os

renegados começaram a disputar espaços no Vale

Evilkeerts e, em meio ás violentas disputas, surgiram

milícias que com o passar do tempo organizaram-se em

133

verdadeiros exércitos contra os quais lutamos, anos antes

do seu nascimento...

— Na ocasião em que o Senhor salvou a rainha...

— Exatamente, mas deixe-me continuar.

— Estou escutando meu pai...

— Não me iludi quando vencemos aquela batalha.

Estava claro que a guerra não teria fim, vez que o ódio

dos renegados não fora saciado e seria uma questão de

tempo para surgirem novos ataques. Tornei-me cavaleiro,

por força da gratidão da família real e mesmo antes

estava atento para o dia em que teria que, novamente,

erguer minha espada por honra ao reino. Os renegados

iriam voltar um dia para terminar o que começaram.

— Mas se nós os vencemos antes, num ataque

repentino quando estávamos desprevenidos, poderíamos

vencê-los novamente, se nos organizarmos. Nossos

exércitos são extremamente preparados.

— Não se trata apenas de uma luta entre homens,

Auryousrork. Se fosse este o caso, nos bastaria reunir o

Conselho Celestial e certamente aniquilaríamos as hordas

inimigas por todo o Vale Evilkeerts. Mas nossos inimigos

são liderados por forças malignas que os colocaram

acima da natureza.

— No tempo da divisão dos reinos, o Senhor das

Trevas quis provar ao Senhor Supremo que nos faltava

merecimento, face ao direito de possuir a terra e, em

consequência disso, o desafiou a corromper-nos com

poder, para depois escravizar toda a humanidade. Então o

Senhor Supremo permitiu que apenas por uma vez o

Senhor das Trevas interferisse no destino dos homens e,

em defesa, ele nos deu a profecia que, sendo cumprida,

nos livraria da maldade do inimigo trazendo paz através

do Reino Unificado.

Após o ataque frustrado contra Olonstreek, o

Senhor das Trevas propôs ajuda, poder e riqueza aos

renegados, em troca da guerra que impediria o

134

cumprimento da profecia. Seu poder maligno

transformaria os homens em aberrações gigantes capazes

de aniquilar soldados comuns. No entanto, felizmente,

nem tudo é permitido ao exército de feras do Senhor das

Trevas. Os movimentos celestiais protegem os reinos em

seus domínios e, por essa razão, a força dos inimigos é

subjugada se a batalha ocorrer dentro dos territórios reais,

o que os obriga a depender de estratégias que atraiam as

batalhas para o território neutro, o Vale Negro.

— Mas meu pai, se os inimigos não podem entrar

nos domínios reais por que devemos temê-los?

— Auryousrork! Eu não disse que o exército das

trevas não poderia invadir os domínios reais. Eu disse

que o potencial ofensivo do inimigo ficaria reduzido, pois

nossas tropas teriam o reforço dos movimentos celestiais.

— E o que são estes tais movimentos celestiais?

— Vejo que vos esquecestes de dar atenção às

aulas que recebestes no castelo. Estavas preocupado em

observar Zaradyk aprender?

— Não Senhor, eu...

— Os movimentos celestiais são representados

pelos elementos que compõe a vida, cujo poder está

dividido entre os cinco reinos.

— Para que o exército dos renegados tenha êxito

contra um reino é preciso que seus soldados utilizem as

armas do reino que o precede.

— O que isso significa?

— Que cada movimento celestial é originado por

outro que o precedeu. O metal e gerado pela terra, que é

gerada pelo fogo, que surge da madeira das florestas, que

nasce com a água, que advêm do metal. Dessa forma o

nosso reino teria menor chance se fosse atacado com as

armas do reino da terra. No entanto, lembre-se que parte

dos renegados são exilados dos domínios da Terra e

naturalmente possuem armas advindas do seu antigo

reino. Também não devemos esquecer que os soldados

135

aceitos neste exército, aos poucos deixam a forma

humana, transformando-se em feras com estatura de dois

soldados, o que os tornam perigosos mesmo desarmados.

Nossa maior preocupação deve inicialmente recair

sobre os recrutas. Plebeus, soldados e até mesmo nobres,

que por diversas razões foram seduzidos pelo mal e para

provar o desejo de tornarem-se um membro do exército

das trevas, espionarão, trairão e cometerão atrocidades

dentro das terras pacíficas para favorecer a estratégia

maligna.

— Mas como esses recrutas podem ajudar os

renegados de dentro dos reinos?

— Para entender o papel desses traidores, tu

precisas entender a profecia, que se cumprirá quando o

exército do Vale Negro cair diante dos herdeiros dos

reinos das terras habitadas. Chegara o momento em que

os herdeiros dos cinco reinos estarão diante da batalha

final e não haverá alternativa se não vencermos,

impedindo que a profecia seja quebrada.

— Quer dizer que lutaremos contra feras gigantes,

no território neutro e se não vencermos a profecia se

perderá? Por que então não reforçamos nossas defesas

em consenso com todos os reinos e esquecemos de todo o

resto, não teremos chances no Vale Negro.

— Não diga asneiras Auryousrork! O exército do

mal cresce em força e contingente a cada dia e mesmo

que fosse possível recuarmos, chegaria o dia em que um

reino seria atacado e aniquilado, então, com as armas do

reino vencido, seria fácil vencer o próximo e assim

sucessivamente até não sobrar um único soldado de

qualquer reino de pé.

Auryousrork ficou em silêncio:

— Nossa chance começa com a ansiedade dos

nossos inimigos. Quero que tu entendas o que o Senhor

136

das Trevas planeja. Para anular a profecia ele deve

sacrificar os cinco herdeiros dos reinos, cada um,

utilizando o símbolo real referente ao movimento do

reino que o precede. Dessa forma o exército inimigo

certamente se concentrará em capturar os herdeiros e os

símbolos de todos os reinos, para numa cerimônia no

vale Evilkeerts, assassinar cada um com a arma certa.

Auryousrork sentiu um profundo desespero

tomar-lhe o chão:

— Zaradyk...

Steylrork segurou o jovem pelo braço:

— Creio que me entendeste, agora. Deves

esquecer esta ideia de ir embora e protegê-la antes que

seja tarde.

Auryousrork tentou livrar-se:

— Deixe-me ir agora! Zara recebeu o símbolo de

Olonstreek e corre perigo!

Steylrork continuou segurando-o:

— Preciso que escutes mais duas coisas.

— Fale-me depressa! Devo voltar ao palácio!

— Dentro do livro da profecia encontrei este

medalhão e só agora sei sua finalidade.

Steylrork colocou o objeto sobre os ombros de

Auryousrork:

— Este objeto irá protegê-lo contra qualquer arma

nos domínios de quaisquer dos reinos celestiais. Nele está

137

guardado um grande poder que só poderá ser utilizado

uma única vez, portanto, utilize-o sabiamente.

— Está certo meu pai! Agora me diga depressa o

que falta.

— Filho! Quero que escute com atenção, pois

disso dependerá seu êxito e o cumprimento da profecia.

— Lembre-se das minhas palavras! Nem tudo em

tua vida é o que parece, há um segredo que terás que

descobrir sozinho e não venceremos se falhares.

Sem entender as palavras de Steylrork, Auryous

deu as costas, subiu, num só salto, sobre o seu cavalo.

— Boa sorte meu filho! Creio em vós! Saiba que

estaremos sempre juntos!

O cavaleiro olhou para seu pai, assentiu com a

cabeça e, sem nada a dizer, partiu em disparada.

Algo havia mudado daquele momento para

sempre no coração de Auryousrork. Fora tomado por

grande coragem e determinação após as revelações de

Steylrork. Iria até o limite de suas forças para proteger

Zaradyk e cumprir a profecia. Sabia que a guerra o

envolveria por completo, mas sentia uma estranha

esperança na difícil vitória contra as forças do mal.

138

Terceira Parte

O Rapto da Princesa Nada poderás fazer a não ser consolar a

eles e a ti mesmo, pois conheço vossa dor. Não irão feri-la! Não agora! Se tu esperas

a vitória, a princesa também vencerá, se forem derrotados, todos perderão. Mas este é apenas o

139

começo, a primeira ofensa, não será a ultima ou tão pouco a mais dolorosa.

Tenha coragem meu filho! Jamais os

abandonarei!

140

A noite seguiu em meio ao assédio dos

convidados e a felicidade de Zaradyk deu lugar à

impaciência com os homens que a tratavam como se

fosse a ultima mulher da terra. No entanto, seu coração

mantinha-se alheio a tudo o que acontecia, pois a

preocupação com o desaparecimento de Auryousrork era

o que realmente lhe importava.

Zaradyk decidiu desvencilhar-se dos convidados e

procurar Auryous nos jardins reais.

Ela saiu pelos fundos do palácio e olhando ao

redor não pode ver ninguém, decidiu então ir até uma

parte mais baixa dos campos, onde alguns arbustos

poderiam esconder quem não quisesse ser incomodado.

Pensou ter visto alguém e falou num tom amigável:

— Auryous! A festa é lá no castelo...

Um homem corpulento surgiu por detrás das

sombras das arvores e a olhou de forma ameaçadora.

Zaradyk pode ver a marca no rosto do estranho. Era um

renegado e não estava ali sem um propósito à altura do

risco que corria, visto que se fosse pego nos domínios

reais seria executado, conforme suas leis.

Em defesa, a princesa afastou-se e desembainhou

a Espada de Galatyans:

— Vá embora ou terei que cumprir a lei e

executá-lo.

O renegado, falando num estranho dialeto,

chamou um pequeno exército, com pouco mais de dez

homens, que se escondiam entre as arvores. Eram outros

renegados e andavam na direção da princesa de forma

ameaçadora. Assustada, ela preparou-se para o combate,

investindo contra os inimigos que estranhamente

141

portavam armas do reino da terra e apenas defendiam-se

dos golpes desesperados que desferia.

Auryousrork surgiu velozmente em seu cavalo e

num salto desferiu um golpe frontal contra um dos

renegados que tentou interceptá-lo. O inimigo bloqueou o

golpe, mas sua arma, em pedaços, não conteve a espada

do cavaleiro que o atingiu mortalmente na face. O jovem

surpreendeu-se com a forte luz que emanou do medalhão

em seu peito, no instante em que o renegado tentava

defender-se.

Os inimigos, em franca vantagem numérica,

dividiram-se entre o grupo que tentara, sem sucesso,

deter o poderoso cavaleiro e aqueles que, em menor

contingente, investiam contra a princesa. Auryousrork,

implacável, vencia com extrema facilidade os que

ousavam impedi-lo de chegar à Zaradyk, mas seus

esforços mostraram-se insuficientes.

Ao final da batalha restaram treze renegados

abatidos e Auryousrork desconsolado por não ter

conseguido impedir que Zaradyk fosse raptada. Ele

procurou em desespero por entre as arvores dos campos

reais, mas os inimigos a haviam levado...

Voltando ao castelo, o jovem dirigiu-se ao rei:

— Meu Senhor! Perdoe-me, pois falhei...

Auryousrork estava transtornado, de joelhos

perante o rei, que procurava entender o que estava

acontecendo. Era tarde, o baile já havia terminado e

apenas o rei, a rainha e alguns homens de confiança ainda

permaneciam no salão:

— Filho! Levante-se, aproxime-se e conte-me o

que aconteceu?

— Eles eram muitos e eu não consegui protegê-la

142

— Acalme-se Auryousrork! Conte o que houve

desde o princípio!

— Eu estava chegando a cavalo, quando avistei

Zaradyk sendo atacada por muitos inimigos. Cheguei até

eles, eram 18 homens. Lutei como pude, mas cinco deles

levaram a princesa enquanto eu lutava com os outros.

— Quem eram estes homens e para onde levaram

minha filha?

— Eram renegados de todos os reinos lutando

juntos. Não sei para onde levaram Zaradyk, mas

certamente não pretendiam matá-la, pois não o fizeram

quando tiveram chance.

O rei tentava recuperar-se do duro golpe que

recebera. Sua filha era o maior de todos os seus tesouros

e ele preferia a morte a vê-la em perigo.

— É chegada à hora Majestade! Prepare as tropas,

a guerra se inicia agora. Disse Steylrork entrando no

salão a passos largos.

— Diga-me Steylrork! São os mesmo homens que

me atacaram na invasão à Olonstreek?

Perguntou a rainha, contendo o desespero.

— Receio que sejam renegados com maior poder

ofensivo minha rainha. Forças malignas os estão

ajudando.

— Como estes homens invadiram nossos

domínios e porque não invadiram o palácio enquanto

estávamos desprevenidos?

Perguntou o rei.

— Por hora, tinham por objetivo raptar a princesa,

como fizeram, e receio saber a razão.

143

— Por que então não nos alertou Steylrork?

Perguntou a rainha com ar de decepção.

— Sempre estivemos em risco Majestade. Não

tínhamos como saber o momento exato.

— É a profecia Steylrork, está se cumprindo.

Afirmou o rei Gyllimond.

— Sim Alteza! Infelizmente não podíamos prever

o momento ou deter os fatos, mas devemos lutar, então

sugiro que chamemos os mensageiros e enviemos, aos

reinos vizinhos, nosso pedido de ajuda. Devemos

convocar nossas tropas para o resgate e para a batalha

que está por vir. Eles certamente retornarão para tomar o

reino e deveremos estar preparados para lutarmos até o

fim.

— Quer dizer que raptaram Zaradyk para nos

enfraquecer antes do ataque final?

— Não é apenas isso meu Senhor! Preciso falar-

lhe em segredo o que me fora revelado, há pouco.

A rainha permaneceu em silêncio, mas, num

olhar, deixou clara sua insatisfação face aos segredos

entre Gyllimond e Steylrork. Eles saíram do salão

deixando Zayra na companhia de Auryousrork que

demonstrava um imenso sentimento de culpa pelo

ocorrido.

— Auryousrork! Sei que fizeste tudo par que não

a levassem...

— Ela estava a minha procura, Majestade!

— Tu ouviste vosso pai Auryous! Sempre

estivemos em perigo. Sinto-me aliviada por vê-lo vivo.

144

— Eu tinha a obrigação de protegê-la e falhei,

quisera ter morrido deixando-a em segurança.

— Não diga isso meu filho! Não suportaríamos

vê-lo abatido!

O jovem manteve-se em silêncio enquanto Zayra

o abraçava. Seus pensamentos estavam repletos de

lembranças de sua bela princesa sendo levada pelos

inimigos diante dos seus olhos e uma forte agonia o

tomou por completo. Ele aguardou que a rainha se

afastasse:

— Eu a encontrarei minha Senhora! Dou-lhe

minha palavra...

Auryousrork caminhou decidido em direção à

saída do castelo, enquanto Zayra, em lágrimas, pedia-lhe

que tomasse cuidado.

Steylrork, retornando ao salão real ao lado de

Gyllimond, ainda pode ver seu filho deixando o palácio.

— Auryousrork espere um instante!

Ele continuou andando sem olhar para traz.

— Que o Senhor Supremo esteja convosco meu

querido filho! Disse Steylrork, esperançoso.

145

Os Caminhos...

Entre a Floresta de Nágora e o Vale Evilkeerts

Cavalga o corajoso guerreiro pelos perigos da cinzenta floresta, o luar verá sua força e um controverso inimigo, o seu ímpeto.

Meus olhos estão abertos e não o deixarei

cair. Mas maiores surpresas a Floresta de Nágora, a ele reserva. Seu oponente será poderoso...

... Acredita ò ferreiro! Nem tudo os vossos

olhos viram. De outros caminhos virá o reforço, que em meus planos almejei, pois sou o Senhor Supremo e estou passos à frente...

146

Auryousrork cavalgava através dos limites do

reino, pensando nas palavras de seu pai. Onde iria

começar a procurar Zaradyk? Como o conhecimento da

profecia poderia ajudá-lo a encontrá-la.

Decidiu procurá-la no território inimigo,

ignorando os grandes perigos entre a Floresta de Nágora

e o Vale Negro.

Era noite e Auryousrork atravessou as fronteiras

de Olonstreek entrando, logo após, numa trilha estreita

que seguia para dentro da floresta Cinzenta. Os caminhos

eram sombrios e certamente muito poucos homens teriam

coragem de trilhá-los, mas o jovem estava determinado e

nada o impediria de procurar sua princesa aonde quer que

fosse preciso.

A profunda escuridão, por vezes, era interrompida

pela forte luz da lua que atravessava os galhos das

arvores permitindo a Auryousrork enxergar o caminho.

De repente, o som de um rugido quebrou o silêncio,

assustando o cavalo e fazendo com que o jovem cavaleiro

parasse para ver o que acontecia.

Ele desembainhou sua espada, olhando ao redor,

quando a luz do luar revelou um ser monstruoso que

surgira entre as arvores. Era um gigante, um homem com

o dobro da estatura normal e notoriamente muitas vezes

mais forte que o mais forte dentre os homens comuns.

Sua figura era assustadora e seus olhos denotavam um

poder mortal, capaz de esmagar qualquer guerreiro que o

desafiasse:

— Um homenzinho resolveu passear na floresta à

noite! Nunca lhe disseram que este é um lugar perigoso?

Auryousrork preparou-se para lutar:

— Estou apenas de passagem rumo ao Vale

Negro não quero lutar convosco.

147

A fera gargalhou:

— Se queres morre no Vale Evilkeerts, por que

não poupar vosso tempo e perece aqui mesmo?

Auryousrork avançou com a espada golpeando,

num salto, o gigante, que bloqueou o ataque com o braço

esquerdo protegido por um bracelete. A força impressa

no golpe projetou a espada do jovem para longe, atrás do

inimigo, que novamente soltou uma gargalhada:

— Garoto corajoso! Façamos da seguinte

maneira: Se tu conseguirdes pegar vossa espada

novamente eu o deixarei viver.

Então o gigante avançou contra Auryousrork que,

veloz, rolou por entre as pernas da fera e num salto

chutou-lhe as costas.

O inimigo desequilibrou-se, caindo ao chão, e em

seguida ergueu-se, furioso, enquanto seu oponente

recuperava a espada.

— Vais morrer agora pequeno cavaleiro!

No instante em que o gigante avançava o luar fez

reluzir o medalhão no peito de Auryousrork e ao vê-lo a

fera cessou o ataque:

— Quem eis tu, jovem cavaleiro? Onde

conseguiste este objeto?

— Sou Sr. Auryousrork, cavaleiro de Olonstreek.

Este medalhão encontra-se sob minha guarda e tu não o

terás jamais...

O gigante ajoelhou-se:

148

— Perdoe-me a insolência, nobre Senhor!

Envergonho-me por ter-lhe atacado...

Auryousrork não pode esconder sua surpresa e

imaginou tratar-se de um blefe. Mas, por que um inimigo

tão poderoso precisaria de tal recurso para vencê-lo?

Precavido, ele girou sua espada junto ao ombro direito e

reposicionou-a apontando na direção do inimigo:

— Porque me saldas agora? Há pouco estavas

tentando matar-me!

— Podes chamar-me de Max! Não sou vosso

inimigo e há muito espero encontrar-lhe. Por anos

aguardei o dia em que conheceria o cavaleiro cujo

destino encontrar-se-ia ao meu, por meio deste medalhão.

— O que sabes a respeito do meu medalhão?

— É sagrado, assim como vossa missão. Meu

destino é ajudar-lhe a vencer o Senhor das Trevas, por

isso, dou-lhe minha palavra que jamais voltarei a

levantar-me contra ti e lutarei ao vosso lado até

alcançarmos a vitória ou morrermos lutando.

Auryousrork estava reticente, mas sentiu que

deveria acreditar naquele estranho homem. Tentou então

saber mais sobre ele:

— Conte-me vossa história e saberei se devo ou

não crer em vossas palavras.

— Sei que o Senhor deve ter aprendido que nas

terras fora dos domínios reais só existem renegados e

criaturas malignas e, realmente, são estes a maioria por

esses caminhos esquecidos, porem, existem exceções e

sou prova disso. Sou filho de uma família da nobreza do

reino das arvores, mas, como podes ver, não sou um

homem normal. Nasci quatro vezes maior do que deveria

e, por isso, minha mãe morreu ao dar-me a luz. Meu pai,

149

por ira ou vergonha, deixou-me aqui, longe do meu reino

e entregue a própria sorte. Apreendi com o tempo que,

neste lugar, só seria possível sobreviver se atacasse antes

que o inimigo e, por muitas vezes, esta regra salvou-me a

vida. Por essa razão vos ataquei, mas peço que me

perdoe!

— Um dia foste uma criança perdida nesta

floresta sombria. Como sobreviveste neste lugar?

— Um homem velho acolheu-me ensinando-me a

falar, lutar e viver nesta terra inóspita. Carregava consigo

o mesmo símbolo presente no seu medalhão e me disse

que meu destino era servir ao cavaleiro que surgiria a

noite, carregando aquele mesmo símbolo, vindo de

Olonstreek.

— Este homem, onde está agora?

— Ele foi o único pai que eu conheci, no entanto,

nem mesmo sei o seu nome. Após o dia em que me falou

sobre a profecia do Reino Unificado, ele desapareceu

sem deixar vestígio e nunca mais voltei a vê-lo.

— O que sabes sobre a profecia?

— Sei o suficiente para reconhecê-lo, meu

Senhor, e por esta razão é que me prostro.

Auryousrork espantou-se com a história daquele

gigante e acreditou em suas palavras. Lembrou-se da sua

origem incerta, sentiu-se grato por ter sido cuidado e

amado pelo ferreiro do reino do metal, cuja honra

despertara a confiança do próprio Senhor Supremo.

Estava agora frente a outro pobre homem que um dia

fora, como ele, abandonado por sua família e escolhido

por Deus, para salvar a humanidade de um destino

desolador. Ele guardou sua espada e estendeu a mão ao

gigante:

— Levante-se meu amigo! Seja bem vindo à

guerra. Tua força será de grande valia. Conheces o

150

caminho para o Vale negro? Poderia acompanhar-me até

lá.

— Irei convosco aonde for preciso, mas quero que

saibas o grande perigo que ronda o Vale Negro. Trata-se

da morada do mal e não será fácil voltarmos de lá ilesos.

— Minha princesa foi raptada pelo exercito de

renegados do Vale Evilkeerts e eu irei resgatá-la onde

quer que estejam.

Max logo percebeu que não se tratava apenas de

um cavaleiro honrando seu reino. Aquele jovem estava

obstinado por salvar sua amada e só a morte poderia

pará-lo.

— Entendo vosso propósito, meu Senhor! Iremos

resgatar vossa princesa ainda que seja no Vale Negro.

Sigamos esta trilha e chegaremos mais rapidamente ao

nosso destino.

Rumaram por uma trilha apagada e escondida

entre as arvores, em direção ao alto de uma colina onde

Max afirmara ser possível enxergar o centro do Vale

Evilkeerts.

151

Não perca tempo! O reforço do reino deve seguir o quanto

antes. O rei irá nesta missão e assim deverá ocorrer.

Quanto a ti ferreiro! Ficará com a rainha,

vossos caminhos há muito se entrelaçaram e vossos destinos estão selados.

Tu, Gyllimond e Zayra estarão onde em

meus planos decidi e, apesar do doloroso caminho, o destino, garanto, é o esperado...

152

A rainha arrependida exclamou:

— Porque não o impediu? Ele é apenas um

“menino”! Devo tê-lo feito sentir-se culpado e o impeli a

procurar Zaradyk sozinho.

— Acalme-se Majestade! Nem mesmo eu poderia

impedir Auryousrork de ir à procura da princesa. Como

sabemos, ele a ama profundamente e iria buscá-la ainda

que todos nós tentássemos impedi-lo. A reunião com o

rei Gyllimond teve como objetivo a organização das

tropas para resgatar Zaradyk.

— Onde as tropas irão encontrar Zara e como

Auryous saberia onde procurá-la?

— Minha Senhora, nossos inimigos são

conhecidos, bem como suas terras. Auryous sabe a quem

procurar e onde lutar. Ele certamente seguiu através da

floresta de Nágora em direção ao Vale Evilkeerts e logo

atrás dele irão nossas tropas.

— Fale-me deste segredo que tu revelaste à

Gyllimond.

— Perdoe-me Senhora! Mas receio que eu não

deva...

— Steylrork estas me insultando? Sou a rainha de

Olonstreek e exijo que me expliques o que estes

malfeitores querem com minha filha.

Steylrork abaixou a cabeça:

— Não foi minha intenção desrespeitá-la,

Majestade! Apenas queria poupá-la, pois no momento de

nada ajudará contar-lhe o que sei.

— Agradeço vossa preocupação Steylrork, mas

nada muda o fato de que minha filha foi levada e está

claro que estes homens não a levaram por boas intenções.

Quero apenas entender por que a escolheram.

153

O ferreiro pôs-se a explicar para a Zayra as

maléficas intenções por traz do sequestro de Zaradyk, e

pôde notar o desespero surgir nos olhos da rainha, à

medida que ela entendia o que estava acontecendo.

O rei já havia convocado as forças reais para o

resgate, porem não pode deixar de concordar com

Steylrork. A possibilidade de um ataque, com o reino

desguarnecido, era evidente e por essa razão ele decidiu

dividir as tropas em dois blocos, deixando um

contingente maior guarnecendo as fronteiras de

Olonstreek e um grupamento menor, porem com homens

mais eficientes no combate, para seguir o caminho de

Auryousrork.

Também foram convocados os mensageiros do

Conselho Celestial para solicitarem aos reinos próximos

o reforço das tropas em ambos os grupamentos.

A rainha aguardava ansiosa a partida das tropas,

junto a Steylrork, quando surgiu no salão o rei Gyllimond

trajando sua armadura de guerra:

— Steylrork!

— Sim meu Senhor!

— Preciso que permaneças em Galatyans e

proteja Zayra, pois irei buscar minha filha.

A rainha interrompeu:

— Mas Gyllimond, se formos atacados, o que

faremos?

— Steylrork saberá como agir. Deixei todos

avisados que transmito a ele, minha autoridade enquanto

eu estiver fora.

154

Zayra sentiu-se mergulhar numa profunda

confusão. Queria reaver sua querida filha, mas temia pela

vida do seu rei, vez que, embora bravo guerreiro, já não

disporá mais da juventude que lhe trouxera tantas vitórias

nas antigas batalhas que deram origem a ordem

estabelecida em Olonstreek. Ela permaneceu calada, num

silêncio desolador e, num abraço, desejou sorte a

Gyllimond que certamente não poderia ser persuadido da

decisão de ir à batalha.

O rei tentou tranquiliza-la, com um beijo:

— Acalme-se Zayra! Sinto que é meu destino

resgatar Zaradyk. Não poderia viver se não fizesse o

máximo para salvar nossa filha. O Senhor Supremo está

conosco e tudo correrá mediante sua vontade.

Steylrork disse ao rei:

— Majestade! Protegerei o reino e a rainha com

minha vida. Desejo êxito em vosso caminho!

— Confio em te meu nobre cavaleiro e meu

irmão, só em vossas mãos eu poderia confiar tudo o que

eu prezo nesta vida, para ir ao encontro do pedaço da

minha carne que me fora arrancado pelos nossos

inimigos. Protegerei Auryousrork a qualquer preço,

esteja certo disso!

— Acredito em ti Gyllimond...

Então, o rei tomou seu cavalo e ordenou as tropas

que o seguissem ao Vale Evilkeerts. Ao seu lado estava

Ryanor, leal como de costume.

155

A Primeira Batalha

A 1ª batalha se dará em território inimigo. Nossos guerreiros serão surpreendidos, mas, também, surpreenderão e não serão abatidos. Não todos.

O oponente fugirá, não por medo ou

cansaço e sim por ter-nos ferido irremediavelmente.

Seremos derrotados ou vitoriosos? A vitória real está distante. Não menos do

que a verdadeira derrota. Se perder nos conduz à

156

vitória, não perdemos, mas, se vencer nos levar ao abismo, então pereceremos...

O caminho é de dor. Vitoriosos ou não...

157

Auryousrork seguiu a trilha proposta por Max

chegando ao alto da montanha, após dois dias de viagem

e de lá puderam avistar o Vale Negro, bem como, o

caminho mais curto, por entre a densa floresta, que os

possibilitaria chegar até lá.

— Lá está Senhor! O Vale Evilkeerts, território

do mal, onde poderemos resgatar vossa princesa.

Max questionava-se sobre a possibilidade da

princesa não ter sido trazida para o Vale Negro e como

apenas ele e Auryousrork poderiam vencer os inimigos

em suas terras. Mas pretendia seguir Auryousrork até o

fim e calou-se, pois sabia que não conseguiria persuadi-lo

a aguardar reforços.

— Vamos Max! Não temos tempo a perder,

Zaradyk está em perigo. Desceremos e olharemos mais

de perto para encontrarmos uma forma de resgatá-la.

— Devemos chegar ao final da floresta à noite e

poderemos observar a distância, sem sermos vistos. Mas

não consigo imaginar como poderemos lutar contra todos

os renegados que lá estarão.

— Teremos que descobrir Max, a vida da princesa

de Olonstreek depende disso, dou-lhe minha palavra que

serás bem vindo, ao meu reino, após ajudar-me! Não

terás mais que esconder-se na floresta.

— Sinto-me honrado Senhor! Mas não vos

acompanho por recompensas humanas. Ajudar-lhe é o

meu destino e almejo um lugar digno no Palácio

Celestial.

158

O rei Gyllimond ordenou que Ryanor

identificasse, o mais breve possível, o caminho há pouco

trilhado por seu sobrinho. O Chefe da guarda, também

era um exímio rastreador, possuindo um talento inato

para interpretar cenários e, apesar da noite avançada, ele

logo identificou os rastros do cavalo de Auryousrork na

trilha mais próxima das fronteiras de Olonstreek, o que

os conduziu a segui-los, por ordem do rei, na busca de

minimizar o risco ao qual o jovem estava exposto.

Avançando pela trilha Ryanor pediu que a tropa

aguardasse um instante:

— Majestade! Os rastros foram interrompidos

neste ponto e há sinais de luta em seguida...

A preocupação do rei era evidente:

— Continue! O que consegues identificar desta

luta?

— Senhor! Percebo que vosso sobrinho lutou

contra um inimigo bem maior do que ele, um gigante eu

diria, mas algo aconteceu e Auryousrork retomou a

montaria neste ponto descendo por essa trilha ao lado do

inimigo.

— Estais dizendo que eles pararam de lutar e

seguiram pelo mesmo caminho por essa trilha?

— Certamente Alteza.

O rei viu-se aturdido, imaginando o que faria

Auryousrork seguir ao lado de um inimigo

pacificamente. Porem, sem perder tempo, ele ordenou

que as tropas seguissem o mesmo caminho que Ryanor

indicara.

159

Chegando aos limites da floresta que margeava o

Vale Negro, Auryousrork e Max espreitavam-se entre as

arvores, para observar os inimigos que teriam raptado

Zaradyk.

Eles olhavam, à distância, os renegados reunidos

num estranho ritual. “Banhavam-se” numa espécie de

lago sombrio.

Aquele seria o tenebroso lago Myrior. Onde o

Senhor das Trevas fora outrora aprisionado e de onde sua

maléfica energia era transmitida aos soldados do exercito

do Vale Evilkeerts. Eles entravam no lodo represado e

permaneciam alguns instantes nele mergulhados, saindo

logo após, para ceder o lugar ao próximo soldado. Por

vezes a ordem se desfazia, dando inicio às lutas

sangrentas que se seguiam entre eles. Os vencidos que

não resistiam aos ferimentos eram jogados no Myrior

tendo seus corpos consumidos pelo lodo.

Auryousrork e Max, logo perceberam o que

acontecia aos renegados. Acumulavam a energia maligna

contida no lago, saindo maiores e mais fortes. A

metamorfose se dava gradativamente e mesmo à

distância era possível identificar inimigos em estágios

variados entre homens e Myriorvus.

Aqueles que completavam a transformação

mantinham-se reunidos em outra margem do lago e de lá

não saiam. Agora haviam tornado-se feras a serviço do

mal e dependeriam para sempre do Myrior.

Enquanto observavam os inimigos, os guerreiros

notaram um estranho movimento no Lago. Haviam sido

vistos e, antes que percebessem, foram surpreendidos por

uma enorme pedra incandescente que cortou o céu escuro

em direção a eles. Em tempo Max debruçou-se sobre

Auryousrork tentando protegê-lo, no instante em que um

estrondo seguiu-se de uma clareira formada na floresta...

160

O Destino de Olonstreek Com o contingente reduzido e sem a honrosa

presença do rei, Steylrork temia uma nova invasão contra

Olonstreek e em comum acordo com a rainha Zayra, ele

decidiu convocar, em caráter de urgência, todos os

homens do reino, a fim de declarar um estado de alerta

para uma possível batalha iminente.

Ainda era madrugada quando o aviso a cerca do

pronunciamento de Steylrork foi enviado e logo os

homens de Olonstreek estavam de prontidão à frente do

castelo.

A rainha começou deixando claro que o rei

transmitira temporariamente seu poder ao cavaleiro e

irmão, Steylrork:

— Povo do 1º reino Celestial! Quero que todos

escutem atentamente. A princesa Zaradyk foi raptada

durante a cerimônia e o rei Gyllimond partiu com nossas

tropas para encontrá-la, deixando seu irmão Sr. Steylrork

161

de posse da sua autoridade, no intuito de manter a ordem

em Olonstreek neste momento difícil. Portanto eu, como

vossa rainha, ordeno a todos que escutem e pratiquem o

que Steylrork tem a dizer, como se suas palavras fossem

as do próprio rei.

— Saúdo a todos. Homens livres do Reino do

Metal. Após os últimos acontecimentos, cheguei à

conclusão de que nossos inimigos, os mesmos que

raptaram a princesa, podem estar preparando um ataque

posterior ao deslocamento de boa parte do nosso

contingente, na missão de resgate. De acordo com a

possibilidade que levantei, o rei enviou mensageiros aos

reinos vizinhos solicitando reforços e deixou-me como

substituto para organizar, junto a todos, nossas defesas.

— A ordem explicita do rei Gyllimond é que

todos estejam em alerta, com suas armas a postos, para

defender o reino, e seus lares, desde agora e a qualquer

momento. Aquele que sentir-se digno desta honra, tome

sua espada e prontifique-se nas fronteiras de Olonstreek,

em apoio a nossas tropas. Por fim, se nos sobrevier à

batalha, que estejamos preparados e que o Senhor

Supremo nos ajude.

As opiniões estavam divididas dentre os homens

de Olonstreek. Alguns acreditavam em Steylrork, outros

desdenhavam das suas suspeitas alegando que ele não

possuía conhecimento suficiente, sobre estratégias de

guerra, para mobilizar os homens e, portanto, estaria

usando o nome do rei no intuito de promover-se.

Por fim, poucos foram aqueles que decidiram ir às

fronteiras reais em reforço às tropas e ali ficaram

aguardando os acontecimentos. A maioria, dentre os que

ouviram o discurso do ferreiro, retornou às suas casas

sem acreditar que algum ataque realmente pudesse

acontecer.

162

Na manhã seguinte, as fronteiras estavam mais

tranquilas do que nunca e os poucos homens que haviam

acreditado em Steylrork dispersaram, incrédulos,

enquanto os soldados exauridos pela madrugada de

vigília reduziram o estado de alerta, face à batalha que

não se concretizou.

No castelo, Steylrork havia passado toda a noite

em alerta, sentado próximo à porta dos aposentos da

rainha, com sua espada em punho, pronto para protegê-la,

se necessário. Estava exausto, mas seu cansaço não o

impedira de pensar na estratégia do inimigo, que perdera

a oportunidade de atacar o reino em seu momento mais

vulnerável. Imaginou que o ataque não demoraria muito

para acontecer vez que os mensageiros estavam em vias

de conseguir reforços dos reinos vizinhos, o que

certamente neutralizaria o poder ofensivo dos inimigos.

Por tudo isso alguns questionamentos não o

deixavam descansar:

“Será que nossos inimigos sabem dos reforços

que estão a caminho? Será que pretendem atacar em

outro momento ou já avançaram para invadir outro

reino?”.

Steylrork tentara encontrar a voz do Senhor

Supremo, que por tanto tempo o havia orientado, mas

desde o dia em que Zaradyk foi raptada, apenas um

silêncio desesperador o acompanhava e ele entendeu que

o tempo de preparação teve fim. Agora restava lutar com

as armas que tinham e pedir que Deus os ajude a vencer...

O dia passou tranquilo e quanto mais o tempo

passava, menor era o estado de vigilância dos homens e

ate mesmo dos soldados do reino. Steylrork, por sua vez,

não deixava que a aparente tranquilidade o fizesse baixar

as defesas e logo entendeu que na realidade esta era a real

estratégia dos inimigos. Deixando que todos acreditassem

que não haveria ataque posterior para surpreendê-los

numa invasão mais eficaz.

163

A rainha procurou Steylrork para falar-lhe a

respeito das suas expectativas quanto às intenções dos

inimigos:

— Steylrork! O que devemos esperar para as

próximas horas? Acreditas que o ataque irá realmente

acontecer?

— Majestade! Não há como sabermos o que

esperar, mas creio que seremos atacados em breve e temo

que nosso povo seja surpreendido, pois o fato de não

termos sido vitimados até então deve neutralizar a pouca

credibilidade que meu discurso nos proporcionara.

— Mas o que o faz crer, com tanto fervor, neste

ataque?

— Me parece certo, pois o sucesso do ataque dos

inimigos aos outros reinos depende da neutralização do

poder ofensivo dos reinos que eles já tenham invadido

para raptar os herdeiros. Acredito que nossos inimigos

saibam do acordo firmado entre os reinos no Conselho

Celestial, o que os deve impelir a evitar que as tropas se

reúnam, reduzindo sua possibilidade de êxito.

— Vos entendo Steylrork! E acredito em vossas

suspeitas, mas o que faremos?

— Receio que já tenhamos feito o que podíamos

Alteza, nos resta esperar preparados para a guerra.

A rainha silenciou por um instante, mas logo

retomou o dialogo:

— Meu amigo! Vosso cansaço é notório! Quero

pedir-lhe que se recolha aos vossos aposentos, ao menos

por algumas horas.

— Não posso deixá-la minha rainha, vossa

segurança é minha responsabilidade.

— Como poderás defender-me se mal consegue

permanecer acordado? Façamos da seguinte maneira;

164

manteremos três dos melhores soldados comigo no salão

real e outro às portas dos vossos aposentos para chamar-

lhe caso exista alguma suspeita de ataque.

Steylrork já não era o mesmo que há anos atrás

havia protegido a rainha. Alem do peso dos anos, as

consequências da posse do livro da profecia, roubaram

lhe a juventude e as forças que o permitiriam passar dias

em alerta sem fraquejar. Por isso ele acatou o pedido da

rainha e recolheu-se.

Horas depois, recuperado, Steylrork voltou a seu

posto pela madrugada, ficando novamente de prontidão

para promover o máximo de proteção possível à rainha

Zayra. Porem uma nova manhã despontou e tudo

permanecia em paz.

O experiente cavaleiro já começava a lutar contra

a dúvida a cerca das suas suspeitas, pois o terceiro dia se

aproximava e o tempo para que os inimigos atacassem

sem serem surpreendidos por tropas dos reinos vizinhos

estava chegando ao limite extremo. Contudo, sua

expectativa permanecia vigente vez que não era possível

saber o que acontecia por de traz das fronteiras do reino e

era prudente manter-se alerta até que o contingente do

reino fosse reposto.

165

Sei da vossa aflição... Sei o que esperas... Não descanse ferreiro, pois tem estado

certo em suas suspeitas. O ataque está por vir e não tardará em demasia. Será implacável, em proporção à descrença do seu povo, pois, ver-se-á surpreendido.

Prepare-se meu filho! A guerra está a

caminho!

166

Finalmente as suspeitas de Steylrork se

confirmaram. A tarde caia quando um numeroso exército

inimigo se pôs diante das fronteiras de Olonstreek. Os

soldados estavam em alerta, pois a própria rainha enviara

ordens para garantir que as defesas fossem mantidas não

importasse o que acontecesse, até o retorno do rei. Os

reforços esperados dentre os homens do reino, por sua

vez, haviam dispersado por completo e as tropas dos

reinos vizinhos ainda não tinham sinalizado sua

proximidade.

Tratava-se de inimigos poderosos dentre os quais

estavam feras gigantes que logo espalharam temor entre

os soldados. As fronteiras do reino do metal, no entanto,

forneciam posição estratégica que atribuía expressiva

vantagem contra as linhas de frente inimigas.

As cadeias montanhosas formavam um extenso

corredor e do alto os soldados reais atacavam os

invasores com flechas, lanças e rolavam grandes pedras

que esmagavam muitos inimigos. Possuíam visão

privilegiada da formação estrutural do exército inimigo, o

que lhes conferiu eficiência no início da batalha. Porem,

o vigor dos invasores parecia inatingível. Os novos

soldados do exército do Vale Negro eram homens

dispostos a tudo para provar que seriam dignos de evoluir

na hierarquia que configurava as tropas inimigas. Eram

recrutas que desejavam tornar-se Myriorvus, os

poderosos gigantes do mal. Tal característica conferia aos

inimigos um extremo poder ofensivo, como se nada os

pudesse deter e, por isso, aos poucos, parte dos soldados

conseguiam atravessar a primeira barreira estratégica de

Olonstreek.

Os inimigos que conseguiam transpor a fronteira,

Myriorvus em sua maioria, iniciavam a luta contra a

segunda linha de defesa do reino, posta logo após as

cadeias montanhosas fronteiriças, mas, embora em menor

167

número, eles eram visivelmente mais poderosos e aos

poucos aniquilavam o exército do Metal.

Os soldados encarregados de avisar Steylrork a

respeito da invasão, logo que ela acontecesse,

conclamavam os homens de Olonstreek, para a batalha já

iniciada e, motivados, muitos deles prepararam-se para

defender a rainha, formando uma tropa de plebeus à

frente dos portões do Palácio de Galatyans.

Logo que a notícia da invasão chegou ao castelo,

Steylrork deu início à organização das tropas para a

defesa e prontificou-se para defender a rainha a todo

custo:

— Majestade! Acredito que é chegado o momento

de deixarmos o palácio para que eu possa protegê-la.

— Não deixarei meu lar, nem meu reino, ainda

que esta decisão custe-me a vida! Nosso povo deixou

suas casas e estão pondo em risco suas vidas para

proteger-me e devo fazer o mesmo em nome de

Olonstreek.

— Mas minha rainha, sua vida é...

— Não discuta Steylrork! Esta é a minha decisão

final! Quero, no entanto, liberá-lo das vossas obrigações

como meu guardião. Vossa missão frente à profecia é

maior do que minha segurança e por isso ordeno que

deixe o castelo para que, com vossa ajuda, a vontade

Suprema profetizada possa tornar-se real.

— Jamais a deixarei desprotegida, mesmo que

isso signifique desobedecê-la. Além disso, não estou

certo de que ainda serei útil aos desígnios da Suprema

Profecia.

— Não fora escolhido em vão, Steylrork! O

Senhor Supremo certamente sabia a quem estava

confiando tão importante missão, por isso, temo que

percas a vida tentando proteger-me e seja eu, por fim, a

responsável pelo descumprimento da vontade Suprema.

168

Escute-me, meu amigo! Deixe agora o palácio antes que

seja tarde!

— Não posso Zayra! Ficarei e lutarei até o fim.

Vossa proteção sempre foi minha maior missão, não

importa o que acontecerá. Como dissestes, o Senhor

Supremo conhece seus escolhidos, então ele conhece a

minha decisão...

A rainha silenciou, enquanto um profundo

turbilhão de sentimentos a rodeava. Sentia-se grata pela

lealdade de Steylrork, porem o medo do que estava por

vir não a deixava independentemente da presença do

bravo cavaleiro que sempre a protegera.

A sensação de que o fim estava próximo para

ambos ficava cada vez mais clara à medida que o tempo

passava sem que a esperada ajuda surgisse. Steylrork

preparava-se para morrer em defesa da rainha, enquanto

Zayra aguardava o momento em que entregaria a vida por

honra à Olonstreek.

Os invasores finalmente transpuseram a segunda

linha de defesa, derrotando as tropas reais que tentara os

impedir. Os poucos soltados remanescentes estavam na

defesa do castelo, tendo como reforço os homens do

reino que se voluntariaram na defesa.

Em direção ao Palácio de Prata os inimigos eram

implacáveis, vitimando tudo e todos que estivessem em

seu caminho. Após a passagem do exército do Vale

Evilkeerts, a bela paisagem do território do metal dera

lugar a um cenário de destruição e morte que contrastava

com os tempos de paz tão recentemente visto naquele

lugar. Estava claro que os acontecimentos trariam

consequências capazes de mudar a, tão conhecida, ordem

entre as terras habitadas para sempre e a primeira grande

batalha lamentavelmente definia-se como vitoriosas para

o exercito do mal.

169

Diante dos portões de Galatyans um numeroso

contingente inimigo contrastava com os poucos soldados

e plebeus dispostos a defendê-lo. Um número ainda

menor de soldados permanecia no salão real como o

ultimo recurso para a defesa da rainha Zayra e não

demorou nada para que os primeiros inimigos

começassem atravessar os portões, invadindo as

dependências reais.

Steylrork tomou a rainha pelo braço levando-a

para uma sala onde ocorriam as reuniões entre o rei e

membros importantes da nobreza dos outros reinos.

Diferente do salão real a sala dispunha de apenas uma

entrada e algumas janelas, o que proporcionaria aos cinco

soldados que o acompanhava, melhor estratégia de

defesa.

A rainha visivelmente assustada seguia sem nada

dizer, as orientações de seu guardião:

— Majestade! Peço-te que permaneças atrás de

mim, enquanto for possível, mas segure vossa espada em

posição de combate, pois receio que precise utilizá-la.

O ferreiro estava em alerta com sua espada em

uma das mãos e o livro da profecia na outra. A rainha não

pode compreender porque ele retirara o livro da bolsa que

sempre o escondia, mas sabia que algum propósito existia

por de trás daquele gesto.

Dois dos cinco soldados que reforçavam a defesa

da rainha estavam à porta e começaram a recuar lutando

contra dois renegados. Outros cinco renegados invadiram

a sala e puseram-se a lutar contra Steylrork e os outros

três soldados, porem, as habilidades do velho ferreiro

logo sobrepujaram a força de três dos inimigos,

liquidando-os.

De repente, passos barulhentos forram ouvidos e

em seguida dois Myriorvus surgiram, esmagando os

170

soldados que lutavam às portas. Os outros soldados já

haviam caído perante os renegados e restaram a rainha e

seu guardião. Steylrork deu um passo para trás buscando

aproximasse da rainha que, em pânico, não pode entender

quando ele deixou cair ao chão, sua espada.

Ele ergueu o livro da profecia sobre sua cabeça e

abrindo-o evocou seu poder. Um forte clarão emanou do

seu interior transformando em pó, todos os inimigos que

ali estavam. A rainha, perplexa com tamanha magia,

demorou alguns instantes para perceber que o ferreiro

estava caído ao chão, extremamente fraco, com se tivesse

perdido, naquele instante, anos de sua vida...

— Steylrork! O que houve?

— Afaste-se Zayra, não acabou...

O cavaleiro tentava se levantar quando um

renegado que era perseguido por dois soldados apareceu

à porta com uma adaga de vidro do reino da terra, na mão

direita.

Num esforço incomum, Steylrork ergueu-se com

a espada fracamente segura em uma das mãos.

Sem muito tempo para atacar, o renegado sorriu e

arremessou a adaga contra o ferreiro...

...Auryousrork olhou para Max numa mistura de

espanto e gratidão. Estava grato pelo gesto de proteção

incondicional e espantado, pois aquele homem poderoso

estava ileso.

O ataque não os atingiu precisamente. A pedra

rolou sobre eles e encontrou o solo logo após. A

armadura de Max o protegera da lava incandescente e seu

corpo sustentou o peso da pedra protegendo o jovem

cavaleiro, que nada sofrera.

171

Recuperados do susto, eles saíram da floresta e

prepararam-se para a luta. Renegados corriam na direção

dos dois e, dentre eles, um Myriorvus adiantou-se

buscando confrontar-se com Max.

Os renegados ainda estavam a caminho, quando a

luta entre Max e o Myriorvus se iniciou. A violência dos

golpes desferidos entre eles fazia tremer o chão nas

proximidades da batalha.

Auryousrork estava concentrado nos numerosos

inimigos que se aproximavam para liquidá-lo, quando os

gigantes caíram ao chão, rolando em sua direção. Antes

que ele pudesse reagir, fora empurrado por um

“estranho” que o salvou de ser esmagado pelos gigantes.

Atordoado, o jovem pode ver o exército de Olonstreek

chocar-se com os inimigos, em luta.

Max dispondo, não apenas de grande força, mas,

também, de uma apurada técnica de combate, já havia

derrotado o Myriorvus quando ouviu Auryousrork

chamava-lo em tom de desespero:

— Max! Ajude-o, por favor!

O cavaleiro que o havia salvado encontrava-se

preso sob o corpo do Myriorvus vencido.

Max logo se prontificou a retirar o gigante de

cima do cavaleiro, gravemente, ferido. Porem, ao retirá-

lo, pode ouvir Auryousrork lamentar-se:

— Ah meu Deus! Majestade...

O heroico cavaleiro era Gyllimond, Senhor de

Olonstreek. Auryousrork aproximou-se segurando o rei

nos braços. Os ferimentos eram mortais e sua armadura o

sufocava, danificada pelo peso do inimigo que a

esmagou.

Um gritou, num estranho dialeto, ressoou nas

linhas inimigas. Uma espécie de aviso ás tropas que

172

aguardavam para recompor a frente de batalha, emitido

por um renegado do reino do Metal, que olhava a cena ao

longe. Os inimigos recuaram entrando na floresta, como

se houvessem alcançado seu objetivo.

— Senhor o que fizeste! Como pode trocar vossa

preciosa vida pela minha?

O rei falou com dificuldade:

— Meu sobrinho! Que bom que te encontrei a

tempo...

— Majestade! Não devias...

— Acalme-se filho! Está tudo bem agora. Um rei

deve saber o momento de doar-se.

Auryousrork silenciou:

— Tenho muito orgulho de ti, meu jovem. Meu

ciclo está se fechando, nesse instante, para que o vosso

tenha inicio. Tu serás rei, e espero ser honrado neste

momento, pois sempre te amei como a um filho e sinto-

me representado por vós. Vença vossas batalhas e salve

minha filha, ela será vossa rainha...

Auryousrork não compreendia as palavras do rei,

mas nada questionou. Eram seus últimos instantes e a ele

era digno o direito de dizer o que lhe confortasse.

Com grande esforço, Gyllimond pôs a mão do

sobrinho sobre sua espada:

— Quero que a use Auryous. Com esta espada

venci grandes batalhas e sei que tu também venceras as

tuas. Sinto-me honrado por morrer amparado pelo grande

rei da unificação. Estaremos sempre juntos meu filho...

173

Com grande pesar, Auryousrork fechou os olhos

do seu rei e pôs seu corpo cuidadosamente ao chão. Ele

chorava, com se houvesse perdido seu pai, quando sentiu

em seu ombro a mão Ryanor que, com uma expressão de

orgulho pelo gesto do seu prezado rei, o tentava consolar.

— O rei Gyllimond o escolhera meu jovem!

Deveis honrar a escolha do guerreiro que lhe devolveu a

vida...

Acabada a batalha, as tropas do rei derrotaram os

renegados que se lançaram na luta. O sentimento de

vitória, por sua vez, coube aos inimigos que recuando

pouparam suas tropas, sem, no entanto, deixar de ter

sucesso com a baixa irreparável do reino do metal. O

poderoso rei Gyllimond havia “caído”...

174

A guerra é dura, meu filho! Quanto a isso, vos tenho alertado.

Compreendo a vossa dor, porem não haverá

vitória sem perdas, nem um Reino Unificado sem heróis e mártires.

A vontade de cada um dos nossos tem sido

tocada por minhas mãos e conheço-as, estejas certo. Os heróis terão a recompensa das minhas mãos e teu sofrimento, ferreiro, não será esquecido...

175

Steylrork mal conseguia ficar de pé e nada

poderia fazer para proteger-se, porem, Zayra tomou-lhe a

frete sendo ferida pela adaga de vidro:

— O que fizeste Zayra?

Perguntou o ferreiro em tom de profundo

desespero. A rainha, com a arma do inimigo cravada no

peito, esforçou-se para falar:

— Meu grande amigo! Tantas vezes me salvaste a

vida, tantos foram os momentos em que sua amizade nos

valeu que me sinto confortável por ajudá-lo agora.

— Mas uma rainha não pode trocar sua vida pela

de um plebeu...

Zayra tentou sorrir, apesar da dor que sentia:

— Sabes que nunca fomos dados a convenções!

Não se culpe Rork, eis merecedor do meu sacrifício, mas

escute-me:

— Diga-me Majestade!

— Quero que tu ajudes Zara e Auryous a vencer

este mal que nos abateu. Eles são jovens e precisam da

vossa orientação.

— Farei isso minha Senhora!

— Preciso que diga a Gyllimond que o amo, que

me entreguei pelo meu reino e...

Steylrork, em lágrimas, prometeu, enquanto Zayra

fechava os olhos:

— Dou-lhe minha palavra que vossa vida não fora

perdida em vão...

176

O assassino renegado fugiu, em seguida, saltando

pela janela do salão. Ele gritou num tom aviso que fez

com que as tropas inimigas recuassem face ao objetivo

conquistado.

Steylrork estava desolado. Não podia crer que

ainda vivia no lugar de sua querida rainha, a mesma que

protegera por tantos anos sem falhar. Sentia-se derrotado

como nunca e confuso, não sabia o que fazer. O reino

estava devastado, os poucos soldados que sobreviveram

estavam feridos e exaustos, muitos homens livres

morreram para proteger a rainha e o reino, num esforço

em vão. Tudo estava destruído, Zayra perdera a vida,

Zaradyk fora raptada, Gyllimond e Auryousrork corriam

grande perigo. Ele, o ferreiro feito cavaleiro e irmão do

rei, estava velho, muito cansado, sob o profundo silêncio

do Senhor Supremo e de posse do poderoso livro da

profecia, cujo poder certamente o mataria se ousasse

utiliza-lo novamente.

Incrédulo Steylrork sentou-se ao chão do castelo

de Galatyans destruído, buscando esvaziar-se da imensa

culpa que lhe consumia...

177

O Destino dos Mensageiros

Que se cuidem os mensageiros. O oponente os espreita no caminho...

Seus destinos secretos logo serão vistos e o

inimigo os quer usar em seu propósito. Mas a bravura destes homens será de grande valia, pois enxergo muito além das estradas que os assombram.

178

Os mensageiros de Olonstreek eram exímios

cavaleiros e rumaram, aos reinos vizinhos, cavalgando

dois dos mais velozes cavalos das terras habitadas.

Quanto mais cedo chegassem, mais rápido as tropas de

apoio alcançariam o reino, aumentando suas chances de

vitória.

Pela convenção firmada no Conselho Celestial, os

reinos manteriam postos nos limites das fronteiras

vizinhas e, com avisos luminosos, convocariam as tropas

de apoio de forma rápida e eficaz.

O mensageiro enviado para o reino da Terra

avançava velozmente em direção ao posto de apoio

quando foi surpreendido por Myriorvus que bloqueavam

a passagem. Num salto, o cavaleiro tentou desvencilhar-

se dos inimigos para cumprir sua missão, mas foi

interceptado e impiedosamente liquidado pelos gigantes.

O segundo mensageiro dirigia-se ao posto de

apoio do reino das Águas, quando foi interceptado por

uma pequena tropa de renegados montados em cavalos.

Derrubado da montaria, ele foi preso e torturado pelos

inimigos que não deixavam claras suas intenções.

Durante dois dias fora mantido prisioneiro, mediante

forte vigilância, mas, na terceira noite, os renegados

pareciam exaustos e dormiram dando-lhes a chance de

fuga.

Sem perder tempo o mensageiro, ferido e

assustado, fugiu para a estrada. Precisava de ajuda e o

local mais próximo onde a encontraria era o mesmo

destino da sua missão, o posto de apoio de Lykrolstreek.

Chegando ao posto, o mensageiro identificou-se e

relatou aos soldados o ocorrido:

— Saudações! Sou mensageiro de Olonstreek e

trago solicitações de apoio urgentes, em cumprimento ao

pacto firmado entre os reinos no Conselho Celestial, para

situações referentes à segurança real.

179

O soldado indagou:

— O que houve convosco?

— Fui raptado e torturado por renegados que

bloqueavam o caminho entre os nossos reinos, mas

consegui fugir e venho entregar-lhe o pedido com dois

dias de atraso e solicitar ajuda para a minha condição.

O soldado prontificou-se para, o mais breve

possível, enviar o sinal à sede do reino e providenciou

ajuda para o mensageiro ferido.

O que ambos não imaginavam é que a fuga do

mensageiro fora, na realidade, uma encenação

programada. Os inimigos tinham por intenção apenas

retardar o aviso para que o contingente do reino das

Águas fosse reduzido em cumprimento ao pacto.

Dada à urgência, a rainha de Lykrolstreek decidiu

enviar metade do seu contingente para ajudar na busca à

princesa e na proteção de Olonstreek, caso o suposto

ataque se confirmasse.

180

O Líder Auryousrork

Conheço o meu escolhido e o seu heroico coração. Das dores da guerra nascerá o novo líder e logo seu braço será forte, para muitas batalhas suplantar.

Poucos serão os descrentes, contudo, sem

demora entenderão quem ele é. Da honra ao rei ferido virá o respeito, e a

lealdade ao guerreiro será justa...

181

Auryousrork estava desolado. Aquele homem

admirável que por diversas vezes o compreendeu, que o

tornou cavaleiro ainda criança, o protegeu do preconceito

dos nobres e o tomou como sobrinho, morreu para salvá-

lo. Ele nada podia fazer para mudar o fato e seu coração,

alquebrado, buscava forças para continuar o difícil

caminho ainda por trilhar. Afastando-se da tropa

Auryousrork tentava arrumar seus sentimentos para

seguir em frente. Max, seu fiel companheiro, foi ao seu

encontro procurando confortá-lo:

— Senhor! Sei o quanto estais sofrendo, mas não

podes desistir.

— Sou apenas um plebeu que foi escolhido por

um rei generoso. Como pude permitir que isso

acontecesse Max! Eu é que deveria dar minha vida por

ele e não o contrário.

— Perdoe-me Senhor! Mas receio que não ouviste

o que vosso rei lhes disse. Ele reconheceu vosso valor,

salvou vossa vida, sem pensar nas consequências, e não

me parecia estar arrependido. Com o perdão pela minha

insolência, quero dizer-lhe que não há tempo para luto,

aqueles homens sabem o que o rei esperava que eles

fizessem, sabem que em honra a ele devem seguir-te e

esperam vossa liderança. Além disso, a princesa aguarda

para ser salva por ti.

Auryousrork viu-se motivado pelo discurso de

Max. Sentiu-se responsável pela vitoria almejada por seu

tio, o rei Gyllimond de Olonstreek, e, decidido a guardar

seu luto para um tempo futuro, reuniu a tropa para

continuar a busca pela princesa.

— Senhores! Como puderam perceber, nossos

inimigos são servos do mal e pretendem aniquilar nosso

182

reino. Sei que não vos entregarão sem lutar e não serei eu

a entregar-me.

— Sinto-me profundamente honrado por ter sido

escolhido pelo rei Gyllimond e jamais esquecerei o

grande homem que ele fora. Sei que também não o

esquecerão!

— Para aqueles, dentre vós, que acreditam que as

pretensões dos inimigos resumem-se à Olonstreek, e suas

riquezas, quero revelar que este exército foi preparado

pelo Senhor das Trevas para impedir que a profecia da

Unificação dos Reinos se cumprisse. Sei que para muitos

a profecia era apenas uma lenda, mas posso garantir que

a princesa foi raptada e o rei morto, em consequência

deste nefasto objetivo.

— Sei o que digo e, embora não me seja

permitido revelar maiores detalhes, estou certo que

nossos inimigos devem ter tomado o caminho em direção

à Lykrolstreek para raptar a princesa e roubar o símbolo

real, tal como fizeram conosco. Usando para tanto as

armas do nosso reino. Por isso devemos seguir o mais

rápido possível nesta direção para impedi-los e resgatar a

princesa.

As opiniões se dividiram a respeito da profecia,

mas o desejo de obedecer a ultima vontade do rei era

unanime entre os soldados e todos concordaram em

seguir Auryousrork rumo ao reino das Águas. Ryanor

gozava de grande prestígio entre os homens e pôs-se ao

lado do jovem, sem hesitações, levando consigo os

soldados que não acreditavam no novo líder.

Max prontificou-se para indicar o melhor

caminho através da Floresta de Nágora, para que eles

chegassem, o mais cedo possível, à Lykroustreek.

Auryousrork montou em seu cavalo e conclamou

a tropa:

183

— Vamos Homens! Não temos tempo a perder!

Viajaremos sem descanso e teremos uma grandiosa

batalha ao chegarmos, mas nosso magnífico rei

Gyllimond, sempre será digno da nossa bravura.

E erguendo a espada do rei, ele clamou:

— Honra ao rei!

Os soldados seguiram-no pelo caminho indicado

por Max:

— Honra ao rei!

O caminho era longo, porém, motivada, a tropa

seguiu sem descanso por dois dias até avistarem, ao

longe, as fronteiras do belo reino das Águas. Em

confirmação às suspeitas de Auryousrork, uma numerosa

tropa de inimigos, destacada do exército do Vale

Evilkeerts, postava-se diante do lago que era a fronteira

do reino.

Os soldados prepararam-se para atacar de

imediato, mas Auryousrork ordenou-os que

permanecessem em silêncio, aguardando:

— Escutem Senhores! Nossos inimigos são

soldados das trevas e por isso suas tropas são mais fortes,

e perigosas, fora dos domínios reais. Assim, quero que

todos entendam que, contra este exército do mal, sempre

teremos maior êxito se lutarmos dentro dos domínios de

quaisquer dos cinco reinos pacíficos.

184

Aguardaremos, então, que a tropa inimiga

atravesse as fronteiras de Lykrolstreek e lá, nos domínios

das águas, poderemos vencê-los mais facilmente.

Entendendo as palavras do jovem, os homens

aquietaram-se, aguardando o momento propício para o

ataque.

185

Lykrolstreek

O Segundo Reino Celestial

O mais belo de todos os reinos! Um esboço das Terras Celestiais! Se o homem pudesse entender o que é

riqueza, a cobiça do inimigo não estaria nas cavernas do reino do Metal, mas nas cascatas cristalinas do reino das Águas.

A inocência deste povo tem meu carinho

eterno, por isso, garanto! Sofrerão, menos do que

186

os outros e os crimes, contra eles cometidos, terão menor misericórdia da minha parte.

Que a humanidade os observe e aprenda, pois são meus prediletos, os filhos das Águas.

187

Exuberante em virtude das belezas naturais,

Lykrolstreek, estabeleceu-se como o mais pacífico dentre

os reinos das terras habitadas. Tranquilo e seguro, o

Segundo Reino Celestial formara seu povo na vocação

das águas, vivendo através dos bens delas advindos. Os

homens alimentavam suas famílias com o que pescavam

no Oceano Noutlong e no Lago Lykrols (o Lago

Cristalino), construindo suas próprias embarcações.

O povo das águas constituiu-se valorizando a paz,

o respeito aos bens naturais e a pureza de espírito. As

crianças passavam o dia brincando nos lagos, cascatas e

nascentes, espalhados por todos os domínios do reino, e

cresciam desprovidos dos receios comuns as outras

pessoas da terra, o que refletia na forma de agir, de vestir

e de se portar com relação aos outros.

Diferentemente dos outros povos, as roupas, os

utensílios e os ambientes, no reino das Águas, primavam

pelo conforto, em detrimento da proteção e segurança. O

comportamento hospitaleiro em Lykrolstreek atraia

pessoas livres de todos os reinos, em busca de paz e lazer

nas suas fontes de água cristalina.

Os poucos renegados banidos do segundo reino,

na maioria forasteiros, eram, em sua maioria, homens que

cometeram crimes contra a natureza, sustento e a riqueza

de todos, ou violência contra as belas mulheres que,

desprovidas das convenções sociais comuns aos outros

reinos, banhavam-se despidas nas nascentes reais.

O exército de Lykrolstreek fora formado

inicialmente para manter a ordem local e proteger o

castelo. No entanto, por exigência do Conselho Celestial,

as pequenas tropas foram ampliadas para que fosse

possível a resistência a ataques externos e o apoio aos

outros reinos, quando necessário.

O comando do exército era responsabilidade da

amazona, Akylia. Uma bela guerreira filha de um nobre

do reino do metal, que se uniu a uma das mais belas

188

mulheres de Lykrolstreek. Seu pai fora tomado de paixão

pelas belezas naturais do reino e por sua mãe, no entanto,

não deixou de educá-la nos padrões e técnicas

militarizadas de Olonstreek, estimulando o talento natural

que a permitiu sobressai-se perante qualquer outro

guerreiro nos domínios do segundo Reino Celestial.

As armas eram forjadas a gruta de Gotark (a

caverna do gelo eterno), onde a água tornava-se solida e

jamais retornava ao estado líquido. Assim era possível a

forja de lâminas cortantes tão eficientes quanto qualquer

outra, feita dos melhores metais existente.

A rainha Lynkah tornou-se a primeira autoridade

do reino, após a morte natural do rei, devido à idade

avançada. A família real também incluía a princesa

Lyrah, exemplo de pureza e bondade para todos, que

apesar de ainda manter o luto pela morte do seu amado

pai, não deixava de encantar aos visitantes com sua

gentileza e cortesia.

189

Após a chegada do mensageiro informando sobre

o rapto da princesa Zaradyk e o possível ataque à

Olonstreek, a rainha Lynkah ordenou que, diante da

ausência de perigo eminente e em cumprimento ao pacto

de cooperação, metade do contingente de Lykrolstreek

fosse deslocado para os domínios do Metal e dividido

entre o grupamento que auxiliaria na busca da princesa e

o que reforçaria as defesas do reino.

Assim, seguiram as tropas de Lykrolstreek, em

direção ao reino do Metal. Akylia imaginou que o ataque

sofrido por Olonstreek não representava um evento

isolado e que seu reino poderia ser um dos próximos

objetivos do exército do Vale Negro. Assim, temendo

problemas de segurança em decorrência do deslocamento

das tropas, a amazona exigia que os soldados acelerassem

a marcha para que o retorno às linhas de defesa de

Lykrolstreek ocorresse o mais breve possível.

Após o longo caminho em direção à fronteira do

Metal, as tropas das Águas chegaram ao destino.

Tudo estava destruído. Aquele reino conhecido,

em toda a terra habitada, como o território com o maior

poder de defesa, estava devastado por uma batalha

claramente vencida pelos inimigos.

Akylia tentou esconder a grande preocupação

com a segurança de seu povo. Estava claro que algo de

muito sério acontecia. O reino mais preparado contra

ofensivas inimigas havia caído, então, o que poderia

impedir a motivação das tropas inimigas frente aos outros

territórios pacíficos da terra? A amazona teve que conter

um impetuoso desejo de retornar ao seu reino,

abandonando a missão de apoio, no entanto, obediente à

sua rainha, decidiu partir em direção ao Palácio de

Galatyans, em busca de informações sobre o que havia

acontecido. Às portas do castelo, encontraram um

soldado que parecia não ver mais sentido em estar ali:

190

— Sou Akylia! Chefe da guarda do reino das

Águas! E venho em nome da rainha de Lykrolstreek para

trazer apoio ao vosso reino.

— Receio que tenhas chegado tarde demais minha

Senhora! Olonstreek pereceu ante aos inimigos que

sorrateiros nos invadiram...

— Onde está o rei e a rainha?

— O rei Gyllimond partiu em busca da princesa,

levando parte do nosso contingente, o que enfraqueceu

nossas defesas. A rainha foi morta durante a invasão.

— Em nome do reino das Águas, lamento a

grande perda de Olonstreek, com a morte da bela rainha

Zayra, admirada por toda a terra. Mas, diga-me soldado!

Quem responde pelo castelo?

— Apenas o ferreiro, Steylrork. Um velho que foi

adotado como irmão pelo rei e que caiu em desgraça,

pois, num ato claramente impensado, a rainha Zayra

perdera a vida por uma adaga de vidro destinada a ele.

— O que dizes? Então, o velho ferreiro do reino,

que é cavaleiro e irmão adotivo do rei, está vivo por um

ato heroico da rainha, que trocara a própria vida pela

dele?

— Como disse. O nosso reino caiu em desgraça e

este homem é o grande responsável por tudo isso! O rei

confiou o palácio, os domínios reais e a segurança da

rainha nas mãos dele e veja o que nos restou.

Akylia permaneceu em silêncio, por um instante.

Imaginava a grandeza da confiança que a família real

depositara neste homem. Não fora em vão que o rei

confiara todo o seu reino a ele e, sem dúvida alguma, a

rainha não teria doado a vida por ninguém. Steylrork

escondia algo de muito importante e ela deveria

descobrir.

— Leve-me ao cavaleiro Steylrork!

191

O soldado, com ar de reprovação, conduziu a

amazona até o ferreiro.

192

Partirão, corajosos, em vosso auxílio, mas o tempo não lhes será favorável. Envia-os de volta sem demora e afasta-os do vosso terrível sofrimento.

Salve-os Steylrork! Salve-os! Pois o

heroísmo que os trás não será válido em vossas terras feridas, mas de volta aos próprios domínios, trará a força necessária à vitória.

Sai das sombras, ferreiro! E ajude-os a

evitar maior tormento!

193

Era um homem velho que, desolado, sentava-se

num canto esquecido do salão real, com o olhar perdido

de quem procura algo inatingível. O castelo ainda

guardava vestígios inegáveis da batalha recente, numa

triste contradição com a imponência dos ambientes de

riqueza preservada.

Akylia compadeceu-se daquele cavaleiro. Estava

claro que se tratava de um homem distinto, apesar da sua

origem humilde. Um ar misterioso o rondava, como se

uma sabedoria sobrenatural o tivesse tomado e nem

mesmo a enorme tristeza que era visível naquela imagem,

conseguia esconde-la, o que tornou a curiosidade da

amazona ainda maior que antes:

— Sr. Steylrork! Meu nome é Akylia! Sou chefe

da guarda do reino das Águas...

— Não sou mais cavaleiro. Falhei na mais

importante das missões que me fora confiada e em

minhas mãos está o sangue da rainha deste reino

destruído.

— Acredito que a uma rainha deve ser dado o

direito de escolher entre viver ou salvar alguém, cuja

importância justifique tal ato de bravura. Não vejo

desonra em viver por opção de uma rainha e, a julgar

pelo desfecho da luta que ocorreu neste palácio, eu

duvido que vossa salvação, tenha influencia no fato de

que a rainha seria assassinada. Parece-me claro que este

era o objetivo dos inimigos, vez que foram embora

deixando um castelo esquecido, como se nada valesse.

— O que tu podes saber sobre estes inimigos? É

apenas uma jovem amazona. Se entendesse algo a

respeito desta batalha não estarias aqui, tão longe do

vosso reino.

— Fui enviada em respeito ao pacto firmado no

Conselho Celestial, por ordem da rainha Lynkah, mas

tenho estado em forte angustia, pois acredito que

194

Lykrolstreek, corre perigo. No entanto, estou certa de que

tu sabes dos riscos aos quais me refiro e algo me diz que

em razão deste mistério a rainha trocou a vida pela vossa.

— Não há nada para ser dito, minha jovem. Vosso

reino de certo está sobre grande risco e é vosso dever

protegê-lo, portanto, tome suas tropas e retorne às linhas

de defesa antes que seja tarde...

— Sr. Steylrork! Respeito vossa dor, mas creio

que mereço ser honrada com a verdade. Desprotegi meu

reino para ajudar o vosso...

Steylrork concordou, acenado com a cabeça:

— Já ouviste falar sobre a profecia da unificação

dos reinos da terra?

— Certamente, Senhor! E sempre acreditei que

este dia chegaria.

— Não lhe direi tudo o que sei, mas posso

garantir-lhe que o vosso reino também será atacado em

breve. A unificação é um desejo do Senhor Supremo e

por isso o Senhor das Trevas tentará, através do exercito

do Vale Negro, impedi-la. Para tanto, os inimigos

deverão providenciar que um ritual se cumpra, com o

sacrifício dos herdeiros dos cinco reinos, nas terras

neutras do Vale Evilkeerts, mediante a utilização dos

símbolos reais.

Akylia estremeceu:

— Tenho que voltar...

— Exatamente, minha jovem. Deveis partir agora,

pois receio que a batalha esteja por vir e os inimigos são

extremamente poderosos. Vosso reino precisará das

tropas que vieram contigo.

— Mas o resgate da princesa? Não precisão da

nossa ajuda?

195

— O rei Gyllimond e meu filho, Auryousrork,

estão liderando as buscas. Agora recompor o contingente

de Lykrolstreek deve ser a vossa prioridade.

— Porque o Senhor não vem conosco.

Precisaremos das vossas orientações a respeito da

profecia.

— No momento não há nada que eu possa fazer

para ajudá-la, alem do mais, devo esperar o retorno do rei

ao castelo. Peço-te, contudo, que mantenha segredo a

respeito do que conversamos. Nossos inimigos não

devem suspeitar de que estamos cientes dos

acontecimentos e não há como sabermos em quem

confiar.

— Esteja certo que este segredo ficara entre nós!

Agradeço-te por confiar em mim e desejo que o Senhor

Supremo cubra-nos todos com seu poder e proteção afim

de que sejamos vitoriosos...

Akylia reuniu suas tropas para retornar

rapidamente ao reino das Águas. Steylrork despediu-se

da amazona chamando-a para explicar, secretamente, um

caminho mais curto para chegar à Lykrolstreek.

A jovem guardou consigo as palavras daquele

profeta, cuja honra jamais imaginara conhecer. Pensou na

rainha Zayra e no seu sacrifício, nas consequências que a

morte de Steylrork traria para o reino das Águas, vez que

suas tropas não iriam retornar antes de encontrar a

princesa do reino do Metal.

196

A Batalha do Segundo Reino

Os homens da tropa de Auryousrork já

aguardavam a invasão, do exército do Vale Evilkeerts, à

Lykrolstreek, quando os inimigos começaram a ocupar as

embarcações que eram mantidas às margens do lago

Cristalino, para transpor a primeira linha de defesa do

reino, o próprio lago.

Ao ver os soldados inimigos destruindo as

embarcações que não serviriam para transportá-los, no

intuito de dificultar a entrada de reforços ao contingente

do reino, um dos soldados pediu a palavra:

— Perdoe-me Senhor! Mas, como poderemos

combater estes malfeitores se não teremos como

atravessar o lago até o campo de batalha. Eles estão

destruindo os barcos que não irão utilizar.

— Acalmem-se Senhores! Quero contar-lhes um

segredo confidenciado a mim e a meu pai, certa vez, pelo

197

nosso rei Gyllimond, quando retornávamos de uma das

reuniões do Conselho Celestial.

O rei nos revelou que havia uma passagem dos

limites do nosso reino para o interior do reino das Águas.

Esta passagem está escondida em uma das cavernas

proibidas, do lado de dentro da fronteira que separa os

dois reinos. Tal passagem nunca fora descoberta, devido

à proibição expressa para a entrada de qualquer pessoa,

exceto o rei, nas cavernas da fronteira de Olonstreek.

— Senhor! Como saberemos qual das cavernas

devemos explorar?

— A passagem encontra-se dentro de uma

caverna cuja entrada é cortada por um rochedo formando

um corredor.

Outro soldado que costumava compor o

grupamento responsável pela ronda nas fronteiras entre o

reino do metal e o reino das Águas, pronunciou-se:

— Sr. Auryousrork! Por muitas vezes realizei a

ronda nesta região e creio que conheço a entrada desta

caverna.

— Aguardaremos o momento em que os inimigos

não mais poderão notar nossa presença, para escalarmos

a fronteira e encontrarmos esta passagem.

Passado pouco tempo, os soldados aproximaram-

se e iniciaram a escalada em direção ao interior dos

domínios de Olonstreek. Transposta a fronteira, os

homens logo identificaram a caverna descrita por

Auryousrork e, diante da entrada, aguardavam instruções:

— Aqui está Senhor! A caverna que descreveste.

198

Auryousrork aproximou-se:

— Homens! Nesta caverna está nossa passagem.

No entanto, devemos identificar três pedras postas lado a

lado em seu interior. Apenas uma delas deverá ser

removida. Se removermos a pedra errada a passagem se

fechará para sempre, portanto, precisaremos decidir pela

pedra correta.

Dentro da caverna, os soldados deslumbravam-se

ante as jazidas de ouro e prata facilmente perceptíveis por

toda parte e logo ao fundo, estavam as três pedras

descritas por Auryousrork. A primeira delas era coberta,

por completo, pelo precioso ouro do reino; a segunda era

apenas uma rocha comum, sem nenhuma característica

especial; a terceira, por sua vez, era completamente

cravejada por medalhões de prata, com o brasão do reino

do Metal.

Os soldados questionavam a respeito da pedra

correta a ser removida e, em consequência disso, um

tumulto se formou no interior da caverna.

— Auryousrork! O que o rei Gyllimond falou a

respeito deste enigma?

Perguntou Ryanor:

— Acalmem-se Senhores! O rei disse apenas que

eu saberia qual a pedra correta quando as visse. Portanto,

crendo na confiança depositada em mim por meu tio,

naquela ocasião, peço que removam a segunda pedra.

Ryanor sorriu, acenado positivamente com a

cabeça. Os homens, no entanto, entreolhavam-se

incrédulos e um deles não se conteve...

199

— Mas Senhor! A segunda pedra não representa

nada, é uma rocha como qualquer outra. As outras pedras

representam de forma bem mais significativa o nosso

reino e...

— Escute soldado! O rei era um homem sábio e

conhecia-me profundamente, por isso, tenho absoluta

certeza quanto a minha escolha. Obedeçam, pois

represento a vontade do próprio Gyllimond de Olonstreek

e estou ordenando que seja removida a segunda pedra.

As opiniões estavam divididas, mas a vontade do

rei expressa através de Auryousrork, ainda imperava

entre os leais soldados do reino. Também Ryanor deixou

claro seu apoio a Auryousrork e os homens que não

acreditavam no jovem líder seguiam o chefe da guarda.

Assim, os soldados reuniram-se e removeram a segunda

pedra, conforme ordenado.

Ao removê-la, puderam sentir toda a caverna

estremecer, como se fosse desabar. Os soldados entre

olhavam-se em reprovação à decisão de Auryousrork e

alguns deles saíram da caverna, ás pressas, temendo que

tudo ruísse. Ele, por sua vez, permaneceu imóvel,

aguardando que o tremor passasse. O que aconteceu

pouco tempo depois...

A passagem logo pode ser vista e Auryousrork

fora o primeiro a entrar no extenso corredor que daria

acesso a Lykrolstreek. Fora seguido imediatamente por

Max e Ryanor e os soldados vieram logo em seguida.

O fato ocorrido dentro da caverna conferiu ao

jovem líder do grupo um grande prestígio e os homens já

não o seguiam apenas por lealdade a memória do rei

Gyllimond ou respeito à Ryanor, mas, também, por

acreditarem em sua coragem e sabedoria.

A tropa caminhou por toda a passagem,

encontrando, ao final, uma grande rocha que após ser

200

removida revelou um caminho através de uma queda

d’água no interior dos domínios de Lykrolstreek.

Dentro do reino das Águas, um corredor de rochas

separava as planícies reais do local da passagem secreta.

Max alertou sobre a possibilidade de interceptarem o

exército inimigo, ao atravessarem o corredor.

Auryousrork conclamou a tropa para a batalha

eminente nas planícies, logo à frente, então os homens

tomaram suas armas e puseram-se a correr em direção à

luta.

Chegando à planície, os soldados se depararam

com a batalha em andamento. O exército das Águas

tentava defender o reino do ataque inimigo, mas a

desvantagem numérica e o poder dos Myriorvus, já

evidenciavam a vantagem dos malfeitores.

A tropa de Olonstreek avançou para a batalha. O

medalhão de Auryousrork brilhava como nunca e o poder

ofensivo do jovem era de tal magnitude que ele seguiu

derrotando renegados e Myriorvus, tão rápido quanto

tentavam vencê-lo.

Max nunca havia lutado em território real, suas

forças cresceram assustadoramente e ele surpreendeu-se

com a facilidade que conseguia derrotar os gigantes

inimigos.

Pouco tempo após a intervenção do exército do

metal, em reforço às defesas do reino das Águas, o

cenário da batalha havia mudado e a derrota esmagadora

que antes se anunciava, já não era mais esperada. Alguns

dos renegados começavam a recuar quando Auryousrork

chamou Max para ajudá-lo:

— Max! Olhe! É Zaradyk...

A princesa estava amarrada com Myriorvus ao

redor, vigiando-a, num local próximo ao campo de

batalha.

201

— Vamos Max! Precisamos libertá-la!

O gigante disparou na direção da princesa,

desvencilhando-se dos inimigos que tentavam interceptá-

lo. Auryousrork corria logo atrás, fazendo o mesmo. Os

Myriorvus, que guardavam Zaradyk, prepararam se para

lutar avançando ferozmente contra os guerreiros. Com

força extrema Max golpeava um a um vencendo-os sem

descanso, enquanto, com estrema agilidade, Auryousrork

os aniquilava usando a espada de Gyllimond e o poder

defensivo do medalhão da profecia.

Chegaram vitoriosos ao local onde a princesa

estava presa e, sem resistências, libertaram-na:

— Zara! Tu estás bem?

A princesa, livre das amarras, abraçou

Auryousrork com grande surpresa em vê-lo e, num susto,

tentou avisá-lo a respeito do gigante que se aproximava:

— Cuidado Auryous!

— Acalme-se Zaradyk, ele está do nosso lado.

O gigante aproximou-se tentando demonstrar

cordialidade:

— Senhora! Meu nome é Max e estou ao vosso

lado nesta guerra.

— Seja bem vindo poderoso guerreiro! Agradeço

vossa ajuda.

Auryousrork interrompeu:

— Max! Proteja Zaradyk...

202

Ele relutou, preocupado com o jovem que

destemido retornava à batalha. Mas obedeceu, montando

guarda em defesa da princesa.

Serão surpreendidos! Meus olhos estão abertos e minhas mãos,

erguidas, em auxílio. Conduzirei os bravos no tempo certo e o reforço chegará sem atraso. O primeiro êxito está próximo...

Alegre-se meu filho! Vosso tormento não é

vão. Foste salvo e, este bem tu merecestes. Pois da tua voz virá a vitória.

203

Muitos inimigos já haviam recuado, porém a luta

ainda não estava terminada quando as tropas de Akylia

surgiram pelo mesmo caminho que Auryousrork havia

tomado com seus homens. A batalha definiu-se neste

instante. O contingente de defesa tornou-se maior e mais

vigoroso do que o exército inimigo, subjugando-o.

204

A união dos povos é o prelúdio da grande vitória.

É isso que espero e anseio. O reino

unificado não é menos do que as forças do bem reunidas.

Seja a ordem reestabelecida mediante esta

aliança que se inicia pela honra dos dois primeiros. E esperem os outros, pois são elos desta magnífica corrente...

205

O êxito das tropas de Olonstreek e do Reino das

Águas adveio nas planícies repletas de sinais de luta. Os

guerreiros haviam lutado juntos, contra os mesmos

inimigos, sem ao menos ter ideia dos eventos que os

reuniram.

Repentinamente, o contingente estava dividido

entre duas tropas, portando brasões de dois reinos,

seguindo a dois lideres distintos, todos reunidos,

erguendo suas armas e comemorando a vitória sobre o

temível exército do Vale Evilkeerts. Os lideres entre

olharam-se num cumprimento repleto de admiração...

— Lykrolstreek saúda os heroicos soldados do

reino do metal. Devemos a estes homens honrados nossa

vitória sobre tão terríveis inimigos. Portanto, eu, Akylia,

chefe da guarda deste reino, gostaria de pedir aos nossos

amigos que dê-nos a honra de conhecê-los e convidá-los

para nossas comemorações, pela felicidade de mantermos

nosso querido reino de pé.

— Meu nome é Auryousrork! Sou cavaleiro e

líder do exército de Olonstreek, instituído pelo rei

Gyllimond. Viemos através da Floresta de Nágora com o

propósito de resgatar a princesa Zaradyk e dar apoio ao

vosso reino que esperávamos ser atacado por estes

malfeitores.

— Estamos felizes pelo cumprimento da nossa

missão. Os inimigos, por hora, foram vencidos e a

princesa está a salvo. Aceitamos o honroso convite para

ficarmos e festejarmos o êxito da nossa batalha.

Os olhares de Akylia e Auryousrork deixavam

clara a admiração mútua que sentiram naquele instante,

momento interrompido pela aproximação da princesa que

se fez conhecer.

206

— Sou a princesa de Olonstreek, meu nome é

Zaradyk, e sinto-me feliz por poder participar da

comemoração da vitória dos nossos reinos.

Max estava fascinado pela beleza e porte daquela

amazona. Seus olhos permaneceram fixos em Akylia

durante todo aquele momento de confraternização entre

os exércitos, porém, o gigante recolheu-se,

envergonhado, quando a chefe da guarda procurou

conhecê-lo.

— Quem és tu poderoso guerreiro?

Auryousrork respondeu, após um instante de

silêncio.

— Este nobre guerreiro, que me acompanha,

chama-se Max e sua lealdade não é menor do que seu

porte e força extrema.

Akylia olhou para Max com um ar de admiração e

curiosidade. Era um gigante sendo liderado por um

jovem guerreiro, sem, no entanto, deixar de transparecer

uma postura altiva como a de um príncipe. Tudo

contrastava com a timidez de quem tenta, sem sucesso,

esconder-se.

De repente, Akylia lembrou-se das palavras de

Steylrork a respeito de seu filho cavaleiro. Não pode,

porém, deixar de lembrar-se do reino destruído que

encontrara e dos tristes fatos que tinha conhecimento.

Olhando para Zaradyk, a amazona imaginou a dor da

princesa ao saber que sua mãe havia morrido nas mãos

dos inimigos. Ela decidiu guardar este segredo até um

momento que considerasse propício e, também, se calou

ao notar a falta do rei Gyllimond, imaginando o que

207

deveria ter-lhe acontecido. Quando surgiu uma

oportunidade Akylia pediu a Auryousrork que se

reunissem, após as comemorações, a fim de esclarecer

questões futuras de segurança entre os dois reinos. Por

fim, foram todos juntos ao castelo das Águas, festejar a

vitória. As comemorações começaram naquela noite e

estenderam-se por três dias.

Zaradyk mal conseguia esconder o ciúme que

sentia dos olhares trocados entre Auryous e a chefe da

guarda. Ele, porém, estava ainda mais apaixonado e sua

felicidade por tê-la em segurança quase o fez esquecer

que deveria revelar-lhe que o rei Gyllimond estava

morto.

Enquanto Akylia, e sua tropa, escondiam o triste

destino da rainha e do reino do Metal, Auryousrork, e

seus soldados, escondiam o trágico destino do rei

Gyllimond. Mas à medida que as comemorações

caminhavam ao encerramento, as verdades dolorosas

tendiam a ser reveladas aos seus interessados.

Max estava tomado de grande paixão por Akylia,

porém, dada a sua condição, empenhou-se arduamente

em esconder seus sentimentos. Enquanto a amazona era

uma jovem de beleza exuberante, em seus cabelos negros

ondulados, profundos olhos castanhos, corpo escultural e

pele bronzeada pelo sol que iluminava as nascentes de

Lykrolstreek; ele era um gigante corpulento com feições

proporcionais ao seu corpo, ameaçadores olhos verdes e

longos cabelos castanhos que reforçavam a figura de um

ser sobre-humano.

Akylia, no entanto, parecia não notar o efeito que

sua presença exercia sobre o gigante e passara muito

tempo com ele, curiosa quanto a sua história de vida.

Ela não o tratara como uma aberração. Percebia

algo de muito especial naquele guerreiro poderoso que,

notoriamente, tentava esconder-se da sua curiosidade,

208

mas, gentil, respondia suas perguntas com grande

sinceridade.

— Qual a sua origem Max? És um cavaleiro de

Olonstreek?

— Não minha Senhora! Nasci no reino das

arvores!

— Como conhecera Auryousrork?

— Fui abandonado, ao nascer, na floresta de

Nágora e lá vivi por toda a minha vida até então.

Encontrei meu Senhor quando atravessava a floresta em

busca de sua princesa.

A amazona silenciou por um instante, lamentando

o sofrimento que aquele homem certamente vivera por

tanto tempo sozinho na sombria floresta Cinzenta.

Imaginou como conseguira sobreviver, na infância, e

porque o isolamento não o tornara um selvagem. Ao

contrário, ele demonstrara gentileza, e alguma cultura,

com se houvesse sido criado num palácio.

Retornando ao dialogo, ela decidiu deixar de lado

o passado sofrido de Max, acreditando não ser um

assunto no qual o guerreiro sentia-se confortável em

falar.

— Porque demonstra tanta reverência a um jovem

cavaleiro que conheceste há pouco?

— Nossos caminhos há muito foram traçados pelo

Senhor Supremo e entrelaçaram-se agora. Ele será um

grande rei se conseguirmos vencer este mal que nos

ronda e creio ser meu destino ajudá-lo neste caminho.

Akylia espantou-se com as palavras do gigante.

Sabia que Auryousrork era um plebeu feito cavaleiro por

força da generosidade do rei Gyllimond, mas a fé que

Max demonstrara a fez acreditar que, de algum modo, ele

tinha razão.

209

O gigante mal conseguia esconder seu

encantamento. Olhava para a amazona como se nunca

tivesse visto tão bela mulher e, embora fosse cuidadoso

com seus segredos, ele respondia as perguntas de Akylia

com o simples intuito de poder continuar em sua

companhia pelo máximo de tempo que conseguisse.

Conversaram por horas e ambos sentiam-se muito bem

juntos.

Auryousrork estava radiante junto à Zaradyk. Os

eventos que se sucederam, após o rapto da princesa, os

fizeram esquecer os conflitos que estavam vivendo

anteriormente e o sentimento, de ambos, havia tomado

um rumo definitivo. Estavam apaixonados e não

demorariam a viver este sentimento mutuo.

— Zara! Estou muito feliz por ter te encontrado.

Não saberia o que fazer se algo de mal lhe acontecesse.

Ela olhou para o cavaleiro, sem nada dizer. Seu

olhar, porém, deixava claro que toda a antiga confusão

dos seus sentimentos havia dado lugar à certeza de que

ele era mais do que um amigo.

Auryousrork percebeu a mudança e encorajou-se

num pedido repentino. Estavam a sós, diante de uma

cascata iluminada pela luz do luar, quando o cavaleiro

tomou as mãos da princesa e, olhando-a nos olhos,

declarou decidido:

— Zaradyk eu sei que não é o momento ideal,

mas não posso esperar. Sabes dos meus sentimentos e eu

sei que não sou digno de tal privilégio, mas preciso pedir,

uma ultima vez, que tu sejas minha esposa. Sou apenas

um plebeu agraciado e nada tenho a oferecer-lhe alem do

meu coração, contudo, prometo fazer o impossível para...

210

Ela o interrompeu com um beijo desconcertante,

que ele, ao recuperar-se, retribuiu repleto de felicidade.

Permaneceram juntos por toda a noite recordando as

antigas histórias vividas. Estavam felizes como nunca, no

entanto, uma nuvem de dor pairava sobre eles e

Auryousrork sabia que o momento de revelar o triste

destino do rei, estava próximo...

211

O Amigo Markvellus

O castelo estava escuro e silencioso, como um

mausoléu. Sozinho, num canto do salão real, Steylrork

imaginava como estariam o rei, seu filho e a princesa; os

pedaços restantes do reino, que talvez o fizesse superar a

dura derrota que amargava. Sonhava em ver Auryousrork

erguendo sua espada em comemoração à vitória sobre os

inimigos, na batalha final, e a magia do reino unificado

envolvendo a todos os nobres guerreiros. Mas seus

sonhos intercalavam-se com o terror de imaginar seu

filho caído ao chão, derrotado por um Myriorvus.

Steylrork tentava desvencilhar-se dos maus

pensamentos, lembrando-se das promessas dos anjos que

sempre o visitaram em seus sonhos. Porém, onde

estavam eles agora? Onde se esconderam os enviados

pelo Senhor Supremo, que por tantas vezes lhe

anteciparam fatos importantes? Gostaria de ouvi-los dizer

212

que tudo estava acontecendo conforme o esperado e que

aquela escuridão era apenas o prelúdio de um tempo de

luz. Mas nada escutava, senão o aterrador silêncio da

incerteza.

O silêncio do Palácio de Prata fora,

repentinamente, quebrado por uma voz familiar que

chama insistentemente:

— Steylrork! Steylrork! Onde estais?

Markvellus procurava seu amigo pelos corredores

do castelo. Num tempo comum, apesar da conhecida

amizade entre eles, um plebeu jamais entraria nas

dependências reais sem ser anunciado. Contudo, nenhum

dos poucos soldados da guarda estaria preocupado com

um homem simples procurando o cavaleiro que se

escondia no castelo destruído.

— Steylrork! Finalmente o encontrei meu amigo!

Venho dar-lhe um importante aviso.

— Diga-me o que quer Markvellus!

— É a respeito do vosso filho, Auryousrork.

— O que aconteceu ao meu filho?

— Conheço uma família de Lykrolstreek e eles

disseram-me que havia um jovem cavaleiro, do reino do

Metal, de nome Auryousrork, que estaria gravemente

ferido, recebendo cuidados numa taberna na vila daquele

reino. Então corri até aqui para avisá-lo.

— Preciso vê-lo Markvellus! Leve-me até ele!

— Então vamos ferreiro. O que estais esperando?

— Na realidade eu não deveria deixar o castelo,

mas tentarei encontrar alguém para substituir-me,

enquanto irei buscar meu filho.

— Steylrork! Porque ainda te preocupas com este

palácio abandonado? Não há mais nada o que guardar

aqui cavaleiro!

213

O ferreiro calou-se por um instante, tentando não

concordar com o amigo, porém, não encontrou

argumentos e deixou o castelo preocupado com Auryous.

A caminho do reino das Águas, Steylrork,

acompanhando por Markvellus, cruzou a fronteira de

Olonstreek, sem, no entanto, deixar de observar a

ausência de soldados para vigiá-la. O reino estava

realmente abandonado e, curiosamente, as riquezas

escondidas nas cavernas, motivo de tantos crimes,

pareciam ter perdido o valor, permanecendo intocadas

sem proteção alguma.

Após algum tempo cavalgando, os dois foram

surpreendidos por renegados que cercaram os cavalos,

ameaçando-os. Entre eles estava o soldado traidor de

Olonstreek, que tempos atrás tentara roubar o livro da

profecia.

Steylrork ergueu sua espada disposto a enfrentar

os inimigos, mas viu-se rendido pela espada de

Markvellus que tocou suas costas de forma ameaçadora...

214

Há muito vos alertei, oh ferreiro! O amargo toque da traição ronda teus

caminhos. A primeira; já conheceste por meio de um

soldado, e a segunda; sentirás em vossa carne. Ainda que eu, o Senhor Supremo, quisesse

alertá-lo. Não o faria, pois não seria este o caminho correto. No entanto, de nada adiantaria vez que vossa fé mantém-se abalada e vossos olhos e ouvidos se fecharam por hora. Mas, com a traição virá o arrependimento e logo estenderei minha mão para ti, Steylrork!

Estarás, por fim, protegido!

215

— Perdoe-me cavaleiro, mas vossos inimigos

raptaram minha esposa e filha, prometendo soltá-las se eu

os trouxesse o velho ferreiro e o seu misterioso livro.

Steylrork estremeceu. Seu melhor amigo o havia

traído, usando como pretexto o jovem que vira crescer e

tratava como sobrinho. Ele lembrou-se do longo tempo

em que Markvellus o ajudara a esconder o segredo da

profecia e lamentou profundamente o golpe que sofrera.

— Traístes-me em vão meu amigo! Não conheces

estes malfeitores e não sabes quem realmente é digno da

vossa lealdade. Espero que tenhas sorte...

Os renegados renderam o traidor logo após

dominarem Steylrork e levaram-nos prisioneiros para o

interior da floresta de Nágora...

216

Revelações...

Pobres filhos! Envoltos por essa luta insana, pela vida e liberdade. Sei que tens sofrido e mais conflito os espreita.

Resistam pequenos! O amor lhes servirá de

consolo, agora, e a vitória trará a merecida felicidade.

Não desistam da luta! Ainda existem

muitos caminhos por trilhar. As vidas ceifadas devem ver a justiça, para que o inimigo entenda a quem ofendeu sem esquecer-se das forças que o subjugaram.

217

Acreditem na vitória! Ela será possível aos que crerem, abraçando, corajosos, a justiça e a honra!

218

Terminadas as comemorações Akylia procurou

Auryousrork para que, em reunião, estabelecessem novas

diretrizes sobre os caminhos da guerra, bem como, para

revelar-lhe o triste destino que se abateu contra o reino

do Metal:

— Auryousrork! Preciso falar-lhe um instante.

— Certamente Akylia. Vamos conversar.

Zaradyk acompanhou-os até a sala de reuniões do

castelo.

— Perdoe-me princesa! Mas preciso falar com

Auryousrork a sós.

— Os assuntos da guerra também me dizem

respeito, amazona! Meu reino responde pela vossa

vitória.

Disse Zaradyk, com o coração tomado pelo

ciúme. Auryousrork chamou-a aparte:

— Zara! Não há porque preocupar-se.

Conversaremos sobre tudo que for discutido após a

reunião.

Ela hesitou, porém acatou o pedido:

— Está bem Auryous! Mas não demore ou

entrarei neste salão.

Auryousrork conteve o sorriso...

Iniciada a reunião, Akylia deixou clara sua

intenção de lutar junto às tropas de Olonstreek para

aniquilar o exército do Vale Negro, porém, pediu que o

219

jovem cavaleiro ouvisse, com calma, o que ela tinha a

dizer:

— Auryousrork! Receio não ter boas notícias a

respeito do vosso reino.

— O que houve Akylia, meu pai está bem?

— Conheci vosso pai no Palácio de Galatyans e

ele estava bem, apesar da tristeza que o abatia. O reino

foi devastado pelos inimigos e encontrei Steylrork

desolado, pois a rainha Zayra morreu para salvá-lo.

Auryousrork sentiu uma grande dor esmagar-lhe o

coração. Zayra era a única mãe que ele conhecera e

perde-la fora o pior momento da sua vida. Em sua

memória, um turbilhão de lembranças o fizera perder o

chão. O carinho, a atenção e o cuidado da sua nobre mãe,

o deixaram para sempre e ele nem mesmo pode despedir-

se.

A reunião perdera todo o sentido naquele instante.

Auryousrork, com a voz embargada, desculpou-se com

Akylia e retirou-se do salão, atordoado.

Zaradyk logo percebeu a angustia do cavaleiro, ao

vê-lo sair da reunião. Ela o seguiu até um local reservado

nas dependências do castelo das Águas e espantou-se ao

perceber que lágrimas corriam em seu rosto. Quis então

saber o que havia acontecido:

— O que houve Auryous? Nunca o vi sofrendo

assim.

— Perdoe-me Zara! Mas não tive coragem de

contar-lhe o que houve até agora.

A princesa deixou-se guiar até uma pedra onde se

sentaram:

220

— Nosso reino caiu, Zaradyk! E com ele vosso

pai e vossa mãe.

— O que queres dizer com isso Auryousrork?

— O rei morreu salvando-me a vida, numa

batalha no interior do Vale Negro, enquanto

procurávamos por vós. E acabo de saber, através de

Akylia, que a rainha trocou a própria vida pela do meu

pai, no massacre sofrido pelo nosso reino.

Zaradyk estremeceu, sentindo um frio parar-lhe o

coração naquele instante. Jamais voltaria a acalentar-se

nos braços do seu querido pai e não ouviria outra vez a

doce voz de sua mãe a dar-lhe amorosos conselhos. Eram

heróis que doaram suas vidas por pessoas as quais

amavam como ela mesma. Perdera a metade da sua

amada família, em detrimento da outra, e sua dor não

poderia ser maior. O consolo dos braços de Auryousrork

não reduziria seu sofrimento, mas a princesa não

conhecia lugar melhor para estar naquele momento tão

difícil...

221

Os traidores estão ao redor e agirão, trapaceiros, sem piedade. Seus anseios são escuros como a noite, pois perderam o dom de ver a luz.

São fracos e ambiciosos! Egoístas, querem

para si o bem que é de todos. Serão, no entanto, provados um a um. E

sentirão o fel do próprio ardil. Outros, num tempo próximo, mostrarão sua

maldade e o arrependimento lhes servirá de consolo...

222

Importante!

“Se a leitura valeu o tempo dispensado, envie uma cópia digital (PDF) aos seus amigos, parentes e contatos para que eles também conheçam esta

obra.”

Obrigado!

Marcelo Bessa

223

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