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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
FACULDADE DE TEOLOGIA
MESTRADO INTEGRADO EM TEOLOGIA (1.º grau canónico)
JOÃO MIGUEL PEREIRA
A “nota” de catolicidade na essência da Igreja Trabalho realizado no âmbito de Eclesiologia, sob orientação de: Prof. Dr. Pe. Tiago Freitas
Braga 2017
1
Introdução
«O Credo Niceia e Constantinopla [(381)] disse: “Cremos na Igreja una, santa, católica e
apostólica”. Estas quatro propriedades são basicamente idênticas à essência de Igreja:
expressam-na em concreto sob quatro aspetos distintos. Por tanto, não se podem separar, mas
formam um todo em que se implicam reciprocamente»1 e só se distinguem pela sua análise (Y.
Congar). «A Igreja não existe antes das suas próprias “notas” pois estas são a sua essência e
identidade»2. A terceira propriedade essencial da Igreja é a catolicidade. De seguida procurarei
desenvolver o que isto significa.
Apontamento histórico:
Atualmente, compreendemos “igreja católica” num sentido delimitador face à igreja
ortodoxa, às igrejas evangélicas e às comunidades eclesiais evangélicas. No entanto, no sentido
original do termo, “católico” não teria que ver com essa significação limitadora, mas antes pelo
contrário: queria dizer universal ou totalidade, no sentido de plenitude, que é mais que uma soma
das partes3, ou seja, «como expressão sinónima de Igreja “verdadeira”, “ortodoxa”, “completa”,
“integra”, na qual se manifesta a plenitude de graça e de verdade que nos foi dada em Jesus
Cristo»4.
O termo “católico” não se encontra no Novo Testamento mas tem significados
equivalentes, como a plenitude salvífica abrangente em Jesus Cristo (Col 1, 19;2,9)5. «O
conceito em si, encontrámo-lo a primeira vez em Inácio de Antioquia: “Ali onde está o bispo,
está a comunidade, como onde está Jesus Cristo, está a Igreja católica”. Aqui, Igreja católica
significa, diferentemente de comunidade particular cuja cabeça jurídica é o bispo, a Igreja global,
que está em todas as partes em que está Jesus Cristo e a sua Palavra»6. Assim, «cada uma das
1 Walter Kasper, Iglesia Católica – Esencia – Realidad – Missió, (Salamanca: Ediciones Sígueme, 2013), 227. 2 Albino Cazzago, «As “Notas” da Igreja no cristão», Communio, XXIX (2012/4), 424. 3 Cf. Walter Kasper, «Catolicidade como unidade na multiplicidade», Communio, XXIX (2012/4), 392. 4 José E. Borges Pinho, «Ministério petrino e colegialidade episcopal ao serviço da catolicidade da igreja»,
Communio, XXIX (2012/4), 406. 5 Cf. Walter Kasper, Iglesia Católica – Esencia – Realidad – Missió, (Salamanca: Ediciones Sígueme, 2013), 260. 6 Walter Kasper, Iglesia Católica – Esencia – Realidad – Missió, (Salamanca: Ediciones Sígueme, 2013), 260.
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Igrejas locais, cuja cabeça é o bispo, torna-se presente na Igreja católica que está onde se acolhe
a palavra de Jesus Cristo»7.
Catolicidade, plenitude da verdade na universalidade:
«A Igreja católica é a Igreja una, que está estendida pelo mundo inteiro»8 e cada uma das
igrejas dispersas participa desta plenitude desde, como especifica Agostinho, estejam em
comunhão e unidade de amor9, ou seja, superando obstáculos e objeções humanas: longe da
heresia10
.
O adjetivo “católico” «ainda que não deixe de valorizar a dimensão “quantitativa” do
conceito (seja em termos geográficos, históricos, numéricos ou sociológicos) [(…) admite] como
determinante o “sentido qualitativo“ da palavra, traduzindo a consciência de se estar perante a
verdadeira Igreja espalhada pelo mundo ou a comunidade local em união com ela»11
e, como tal,
perante a «plenitude de verdade e de salvação que brota da ação redentora de Jesus Cristo,
testemunhada e vivida na comunidade eclesial»12
.
As tentativas pioneiras de voltar a recuperar o sentido de “católico”, presente na
patrística, podem verificar-se em pensadores como Johann Sebastian Drey e Johann Adam
Möhler ou em movimentos como o denominado “Movimento de Oxford” (Sec. XIX).
Incentivados por estes e outros, Henri de Lubac e Yves Congar, por exemplo, voltaram a
redescobrir o sentido totalizante do “católico”13
. A ideia é «sublinhar-se o plano salvífico
universal de Deus, concretamente em Jesus Cristo, é conduzir os seres humanos de todos os
tempos, de todas as raças, de todos os lugares e em todas a relações através da ação do Espírito
Santo numa unidade orgânica e viva em Cristo»14
. «O Concílio Vaticano II fez sua esta renovada
visão global, e voltou a pôr em vigência o alcance universal e totalizante [(omniabarcante)] do
7 Idem, «Catolicidade como unidade na multiplicidade», Communio, XXIX (2012/4), 392. 8 Idem, Iglesia Católica – Esencia – Realidad – Missió, (Salamanca: Ediciones Sígueme, 2013), 260. 9 Cf. Ibidem. 10 Cf. Albino Cazzago, «As “Notas” da Igreja no cristão», Communio, XXIX (2012/4), 430. 11 José E. Borges Pinho, «Ministério petrino e colegialidade episcopal ao serviço da catolicidade da igreja»,
Communio, XXIX (2012/4), 406. 12 Ibidem. 13 Cf. Walter Kasper, Iglesia Católica – Esencia – Realidad – Missió, (Salamanca: Ediciones Sígueme, 2013), 264. 14 José E. Borges Pinho, «Ministério petrino e colegialidade episcopal ao serviço da catolicidade da igreja»,
Communio, XXIX (2012/4), 406-407.
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católico, a sua unidade na multiplicidade interna dos povos, culturas, igrejas locais e carismas
(LG 13), sem abandonar, desde logo, a vinculação especial à igreja católica em sentido
institucional, que é a única que possui a plenitude dos meios salvíficos (LG8; UR3)»15
.
Deste modo, e mesmo sem que os ortodoxos reconheçam o primado do bispo de Roma, o
Vaticano II abriu as portas a uma aproximação entre as igrejas do Ocidente e Oriente:
«reconheceu que toda a herança espiritual, litúrgica, disciplinaria e teológica das igrejas do
Oriente, com as suas diversas tradições, pertence à plena catolicidade e apostolicidade da Igreja
(UR 17)»16
. Complementariamente, esta dimensão da catolicidade da igreja deixa espaço à
diversidade de expressões, teológicas, litúrgicas, espirituais, e canónicas da fé católica no seio
das igrejas particulares, valorizando-se a colegialidade episcopal em instâncias intermédias,
revalorizando a sacramentalidade do episcopado (Cf. LG 22) e tomando-se consciência de que a
Igreja está integralmente presente em cada uma das igrejas particulares17
, «sem detrimento do
primado da cátedra de Pedro, que preside à universal assembleia da caridade» (LG 13)18
.
Todos os bispos em conjunto têm colegialmente solicitude pela Igreja universal; fica
contudo por esclarecer, como defenderam Hervé Legrand, Y. Congar e J. Famerée, as formas de
efetiva participação do episcopado no governo pastoral da igreja universal conciliando a
jurisdição nas igrejas particulares com a da igreja universal19
. Os bispos são vistos desde o Séc.
II como a personalização da comunhão das igrejas locais ao passo que na sé romana se coloca o
centro da consciência, até normativa, de uma igreja única de extensão virtualmente universal.
Mais vigente na atualidade, a «“especulação moderna”, preocupa-se sobretudo com o “poder
pleno e supremo” do colégio sobre a Igreja universal e a maneira de o equilibrar com o “poder
supremo” do papa»20
.
15 Walter Kasper, Iglesia Católica – Esencia – Realidad – Missió, (Salamanca: Ediciones Sígueme, 2013), 264. 16 Ibidem. 17 Cf. José E. Borges Pinho, «Ministério petrino e colegialidade episcopal ao serviço da catolicidade da igreja»,
Communio, XXIX (2012/4), 412. 18 Ibidem, 407. 19 Ibidem, 410-411. 20 José E. Borges Pinho, «Ministério petrino e colegialidade episcopal ao serviço da catolicidade da igreja»,
Communio, XXIX (2012/4), 414.
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A Igreja é sacramento de Cristo e «tem por única missão tornar presente Jesus Cristo no
meio dos homens»21
, Ele em quem habita «toda a plenitude da divindade» (Cl 2,9). Diria
Balthasar: «“a Igreja pode ser católica só porque em primeiro lugar Deus é católico, e porque em
Jesus Cristo e por último no Espírito Santo esta catolicidade de Deus se abriu ao mundo:
revelando-se e dando-se ao mesmo tempo»22
, e ainda, «a catolicidade é a totalidade da verdade
revelada por Deus e dirigida ao mundo inteiro: a Igreja é simplesmente o instrumento para que
esta verdade chegue aos homens»23
.
Falar-se de “plenitude católica” significa que o seu fundamento é, em última instância,
trinitário e cristológico: a Igreja é o corpo de Cristo; ela é a plenitude daquele que tudo preenche
em todos (cf. Ef 1, 23), é «sacramento, isto é, sinal de íntima união com Deus» (LG1).
«Percebeu-se melhor, ao aprofundar-se o mistério da Igreja como communio, ícone da Trindade,
que estava em jogo a compreensão da sua catolicidade: “A multiplicidade na unidade e a unidade
na multiplicidade é mais adequada para a compreensão da unidade trinitária do que um modelo
monolítico de unidade”»24
. «Universalizar e realizar esta catolicidade essencial é obra do
Espírito Santo, que a introduz em toda a verdade (Jo 1, 23) e a impulsiona à missão, ou seja, a
estender-se a todos os povos e suas culturas»25
. A catolicidade tem a sua dimensão escatológica e
não é uma realidade estática mas dinâmica. Ela tem a missão de crer no conhecimento da
plenitude e nas riquezas de Cristo, de as realizar em todas as dimensões da sua vida e do homem,
de fazê-las presentes por via da missão em todos os povos e todas as culturas, inclusive, dar
sempre novo espaço nas suas linhas aos múltiplos carismas e superar divisões, aniquilamentos e
toda forma de horizontes estreitos26
sem querer com isto fazer corresponder a catolicidade «a
qualquer sincretismo de religiões e mundividências, em que elementos estranhos e contraditórios
21 Albino Cazzago, «As “Notas” da Igreja no cristão», Communio, XXIX (2012/4), 420. 22 Ibidem, 424. 23 Ibidem, 429. 24 José E. Borges Pinho, «Ministério petrino e colegialidade episcopal ao serviço da catolicidade da igreja»,
Communio, XXIX (2012/4), 412. 25 Walter Kasper, Iglesia Católica – Esencia – Realidad – Missió, (Salamanca: Ediciones Sígueme, 2013), 265. 26 Cf. Ibidem, 266.
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entre si se misturam numa amálgama indefinida e onde se perca tudo o que no cristianismo é
inequívoco e distintivo»27
.
Proponho as palavras de Walter Kasper: «Pode, pois, dizer-se que a Igreja católica está
ali onde se mantem não um evangelho passado pelo crivo, nem uma ideologia partidista, mas
toda a fé de todos os tempos e lugares, sem nenhuma subtração da sua plenitude, e onde se dá
testemunho dela ao longo de todo o mundo, em todos os povos, em todas as culturas, ante todos
os homens, sem considerar a sua posição social, o sexo, a etnia a que pertencem, a sua cultura
peculiar; está ali onde a fé se vive de modo total e se a refere a todas as dimensões humanas; ali
onde, dentro da unidade, se deixa espaço para a maior multiplicidade possível, e onde, no
Espírito Santo, se está sempre disposto a escutar e aprender mais e mais novidade da plenitude
de Jesus Cristo. Catolicidade quer dizer o contrário de estreitamento, o contrário de não ter dois
dedos de testa, o contrário da mentalidade que se limita a fazer delimitações polémicas e
apologéticas. Significa amplitude, totalidade, plenitude, universalidade»28
.
Catolicidade e unidade:
Nesta síntese, procurei tratar da “nota” da catolicidade essencial para a compreensão da
Igreja, ela que é uma das quatro “notas” (unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade) que,
como vimos, são inseparáveis e «formam um todo em que se implicam reciprocamente»29
. Desde
logo, ao tratar apenas da “nota” de catolicidade fica vigente que esta toca todas as outras e deixa-
se ser por elas tocada em especial pela “nota” de unidade. Como acima falei na renovada visão
global que o Concílio Vaticano II fez procurando pôr em vigência o alcance universal e
totalizante do católico, gostava de terminar tocando a importância da consciência de unidade na
multiplicidade para levar adiante a união do corpo de Cristo na reconciliação dos seus membros.
Desde logo, fica claro que todas as igrejas que tomam Cristo como centro, à medida que dele se
aproximam, as suas divergências não podem deixar de se esbater30
: «Jesus morrendo em dom
27 Walter Kasper, «Catolicidade como unidade na multiplicidade», Communio, XXIX (2012/4), 404. 28 Idem, Iglesia Católica – Esencia – Realidad – Missió, (Salamanca: Ediciones Sígueme, 2013), 266. 29 Ibidem, 227. 30 Cf. Irmão François, «Estará Cristo dividido?», Communio, XXIX (2012/4), 430.
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total de si mesmo na cruz, fez morrer, no coração da natureza humana, a necessidade de oposição
que existe em cada um de nós»31
e Deus espera que a sua Igreja incarne essa reconciliação. A
unidade dos apóstolos foi preocupação de Cristo na cruz (cf. Jo. 17,11) pois ela é e permite o
testemunho do Pai32
. A unidade dos cristãos «deve, agora e sempre, testemunhar o carácter único
da revelação do Pai em seu Filho»33
, mantendo, para isso, a caridade e um renovado acordo entre
vontades, consciente da gratuidade da salvação porque: «a única condição exigida para pertencer
a Cristo será a “confiança da fé” (Ef. 3,12), pois nenhum estilo de vida, património cultural ou
código moral deverão sobrepor-se ao Evangelho, e impedir de se aproximarem de Cristo aqueles
que procuram»34
. Concluo com a ideia de que a “nota” de catolicidade parece-me ser
possibilidade indutora da união entre as igrejas particulares e sustento do ecumenismo Ocidente-
Oriente, superando os confrontos da diversidade35
.
31 Irmão François, «Estará Cristo dividido?», Communio, XXIX (2012/4), 438. 32 Cf. Ibidem, 439. 33 Irmão François, «Estará Cristo dividido?», Communio, XXIX (2012/4), 440. 34 Ibidem, 441. 35 Cf. Walter Kasper, «Catolicidade como unidade na multiplicidade», Communio, XXIX (2012/4), 397:
«Reconhece-se que fora dos limites institucionais da Igreja católica se encontram múltiplos elementos de catolicidade».
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