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Escola Viva: um centro comunitário de convivência Ana Beatriz Barroso 1 Resolvi escrever esta proposta aberta porque me preocupo com os rumos que a educação está tomando no nosso país e sei que o governo federal está prestes a investir milhões, do Présal, em um modelo educacional que, a meu ver, está totalmente equivocado. Vejam, não é preciso procurar longe, basta olhar ao redor: as pessoas estão basicamente mal educadas, grosseiras, nervosas, agressivas, sem modos, no trânsito, na televisão,nos supermercados, nas padarias, nos ônibus (fingem que não vêem o idoso, a gestante, o deficiente,para não sair do lugar reservado, falam alto demais coisas desconexas), enfim, no dia a dia é raro a gente encontrar uma pessoa educada, que saiba conversar, ouvir, falar de coisas pertinentes, com calma e polidez. Vejam o depoimento de um brasileiro que foi morar no Japão porque se sentia estrangeiro em seu prório país: De que adianta ter os amigos e a família por perto, e viver próximo das suas raízes, falando a sua língua materna, se todo dia você sai de casa sem saber se vai voltar – se as ruas da sua “cidade civilizada em um país democrático” respira um clima de guerra civil, expresso em um número de mortes semelhante ao de regiões deflagradas na África ou do Oriente Médio? A vida é muito curta para passar os dias batendo de frente com gente que não entende as mínimas regras de convívio social e que é orientado desde pequeno, na família, na escola, a resolver as coisas batendo, xingando, usando os cotovelos e mostrando o dedo médio aos outros pela janela — seja do SUV novinho em folha ou do Chevette sem placa. - See more at: http://projetodraft.com/por-que-sai-do-brasil-e-por-que-nao-vou- voltar/#sthash.FXDPrFuE.dpuf. É ou não é? Por isso pensei em um outro tipo de escola, completamente diferente, pois este, que aí está, não está funcionando, não está servindo para nada. Só não vê quem não quer. É chato, um tédio, maçante,é caro e é ineficaz. Por isso proponho uma nova forma de educar, uma nova escola, que represente uma ruptura radical em relação à essa que aí está, que vem exigindo que se dope com Ritalina muitas crianças saudáveis para que se encaixem em um mecanismo, ele sim, doente. Por isso proponho uma ESCOLA VIVA Imagino uma escola que seja como um centro comunitário, onde as crianças sejam deixadas simplesmente para conviver em paz, para brincar e aprender em um ambiente amoroso, onde a aprendizagem venha naturalmente através do exemplo e de algumas ações simples, com muito pouca intervenção. Os próprios pais e pessoas da comunidade seriam os professores e ajudantes, seriam os agentes, dessa escolacentro de convivência comunitária. Esta proposta é baseada no Zenbudismo, na pedagogia de Paulo Freire e nos livros: Tao te king, de Lao Tse, sábio chinês; O manifesto da transdisciplinaridade, de Basbarab Nicolescu,físico teórico e nuclear; O mestre ignorante, do filósofo e pedagogo francês Jacques Rancière; Educar na era planetária, de Edgard Morin; e 1 Universidade de Brasília. Instituto de Artes. Departamento de Artes Visuais. Doutora em Comunicação. Mestre em Arte e Tecnologia da Imagem. Artistapintora.Nadadora e velejadora. Deficiente físico.Website: http://www.abeatrizb.com

Escola viva

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   Escola  Viva:  um  centro  comunitário  de  convivência  

 Ana  Beatriz  Barroso1  

 Resolvi    escrever  esta  proposta  aberta  porque  me  preocupo  com  os  rumos  que  a  educação  está  tomando  no  nosso  país  e  sei  que  o  governo  federal  está  prestes  a  investir  milhões,  do  Pré-­‐sal,  em  um  modelo  educacional  que,  a  meu  ver,  está  totalmente  equivocado.  Vejam,  não  é  preciso  procurar  longe,  basta  olhar  ao  redor:  as  pessoas  estão  basicamente  mal  educadas,  grosseiras,  nervosas,  agressivas,    sem  modos,  no  trânsito,  na  televisão,nos  supermercados,  nas  padarias,  nos  ônibus  (fingem  que  não  vêem  o  idoso,  a  gestante,  o  deficiente,para  não  sair  do  lugar  reservado,  falam  alto  demais  coisas  desconexas),  enfim,  no  dia  a  dia  é  raro  a  gente    encontrar  uma  pessoa  educada,  que  saiba  conversar,  ouvir,  falar  de  coisas  pertinentes,  com  calma  e  polidez.  Vejam  o  depoimento  de  um  brasileiro  que  foi  morar  no  Japão  porque  se  sentia  estrangeiro  em  seu  prório  país:  De que adianta ter os amigos e a família por perto, e viver próximo das suas raízes, falando a sua língua materna, se todo dia você sai de casa sem saber se vai voltar – se as ruas da sua “cidade civilizada em um país democrático” respira um clima de guerra civil, expresso em um número de mortes semelhante ao de regiões deflagradas na África ou do Oriente Médio? A vida é muito curta para passar os dias batendo de frente com gente que não entende as mínimas regras de convívio social e que é orientado desde pequeno, na família, na escola, a resolver as coisas batendo, xingando, usando os cotovelos e mostrando o dedo médio aos outros pela janela — seja do SUV novinho em folha ou do Chevette sem placa. - See more at: http://projetodraft.com/por-que-sai-do-brasil-e-por-que-nao-vou-voltar/#sthash.FXDPrFuE.dpuf.

 É  ou  não  é?  Por  isso  pensei  em  um  outro  tipo  de  escola,  completamente  diferente,  

pois  este,  que  aí  está,  não  está  funcionando,  não  está  servindo  para  nada.  Só  não  vê  quem  não  quer.  É  chato,  um  tédio,  maçante,é  caro  e  é  ineficaz.  Por  isso  proponho  uma  nova  forma  de  educar,  uma  nova  escola,  que  represente  uma  ruptura  radical  em  relação  à  essa  que  aí  está,  que  vem  exigindo  que  se  dope  com  Ritalina  muitas  crianças  saudáveis  para  que  se  encaixem  em  um  mecanismo,  ele  sim,  doente.  Por  isso  proponho    uma      

   

ESCOLA  VIVA      Imagino  uma  escola  que  seja  como  um  centro  comunitário,  onde  as  crianças  sejam  deixadas  simplesmente  para  conviver  em  paz,  para  brincar  e  aprender  em  um  ambiente  amoroso,  onde  a  aprendizagem  venha  naturalmente  através  do  exemplo  e    de  algumas  ações  simples,  com  muito  pouca  intervenção.  Os  próprios  pais  e  pessoas  da  comunidade  seriam  os  professores  e  ajudantes,  seriam  os  agentes,  dessa  escola-­‐centro  de  convivência  comunitária.  

Esta  proposta  é  baseada  no  Zen-­‐budismo,  na  pedagogia  de  Paulo  Freire  e  nos  livros:  Tao  te  king,  de  Lao  Tse,  sábio  chinês;  O  manifesto  da  transdisciplinaridade,  de    Basbarab  Nicolescu,físico  teórico  e  nuclear;  O  mestre  ignorante,  do  filósofo  e  pedagogo  francês  Jacques  Rancière;  Educar  na  era  planetária,  de  Edgard  Morin;  e  

                                                                                                               1  Universidade  de  Brasília.  Instituto  de  Artes.  Departamento  de  Artes  Visuais.  Doutora  em  Comunicação.  Mestre  em  Arte  e  Tecnologia  da  Imagem.  Artista-­‐pintora.Nadadora  e  velejadora.  Deficiente  físico.Website:  http://www.abeatrizb.com  

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 O  ócio  criativo,  do  sociólogo  italiano  Domenico  de  Masi.    

Pautando-­‐se  neste  último  livro,    a  proposta  se  fia  na  idéia  de  que  estamos  vivendo  uma  transição  importante:  da  sociedade  industrial  para  a  sociedade  pós  industrial.  A  escola  que  conhecemos  e  que  ainda  se  pratica  é  feita  para  atender  as  demandas  da  sociedade  industrial,  onde  cada  pessoa  é  considerada  e  tratada  como  peça  de  uma  engrenagem  maior,  o  sistema  capitalista,  nessa  engrenagem,  cada  um  é  preparado  desde  pequeno  para  desenvolver  uma  função  especializada  e  perder  a  noção  do  todo  da  engrenagem,  confiando  que  se  ele  fizer  a  sua  parte,  tudo  funcionará  perfeitamente  e  o  dinheiro  regerá  livremente,  como  um  lubrificante,  essa  engrenagem.  Ora,  alguma  coisa  aconteceu  com  o  sistema,  que  apresenta  sinais  claros  de  decadência.  Também  nós  percebemos  que  não  queremos  mais  ser  meras  peças  dessa  engrenagem  insustentável  e  insuportável,    do  ponto  de  vista  ético  e  ecológico.  Sendo  assim,  precisamos  de  uma  nova  escola,  que  nos  prepare  para  um  outro  tipo  de  sociedade,  que  já  está  nascendo:  a  sociedade  pós-­‐industrial  ou  pós-­‐moderna,  a  nomenclatura  é  controversa,  e  para  nós  mesmos,  que  já  temos  uma  outra  consciência,  mas  nos  vemos  injustamente  alijados  dos  meios  de  desenvolvê-­‐la.  Precisamos  retomar  as  rédeas  das  nossas  vidas,  que  foram  colocadas  nas  mãos  da  indústria,  ou  do  sistema.  Antropofagizemos  a  Escola  da  Ponte,  de  José  Pacheco,  em  Portugal,  http://educacaointegral.org.br/experiencias-­‐internacionais/escola-­‐da-­‐ponte-­‐radicaliza-­‐ideia-­‐de-­‐autonomia-­‐dos-­‐estudantes/.    Passamos  anos  e  anos  em  salas  de  aula  e  saímos  sem  saber  fazer  nada,fica  uma  sensação  desagradável  de  perda  de  tempo,  tudo  que  precisamos,  nós  compramos.Tudo,  tudo,  compramos  nossa  comida,  nossa  bebida,  nossa  diversão,  discos,  livros,  espetáculos,  nossa  roupa,  sapatos  remédios  e  cosméticos.  Tem  algo  errado.  Se  pensarmos  bem,  o  que  aprendemos  de  bom  nessa  vida,  o  que  tem  de  fato  valor,  aprendemos  com  nossos  pais  e  amigos,  informalmente,  ao  longo  da  vida.  É  ou  não  é?  Que  escola  é  essa  que  não  nos  ensinou    a  fazer  nada  daquilo  que  precisamos  para  viver????  Tudo  o  que  sabemos  é  colocar  a  mão  bolso  e  comprar.  Fomos  “educados”  para  sermos  eternos  “bebezões”  cuidados  a  preço  de  ouro  pela  indústria(  têxtil,  farmacêutica,  tecnológica,  automobilística,  cosmética,  cultural,  alimentícia,etc).É  hora  de  mudar.  CHEGA!!!!  Precisamos  de  uma  escola  que  nos  ensine  a  plantar,  a  fazer  hortas,  a  cultivar  alimentos,  a  prepará-­‐los  e  conservá-­‐los.  Que  nos  ensine  a  preparar  shampoos,  sabonetes  e  cremes  de  beleza  caseiros.  Que  nos  fale  responsavelmente  de  plantas  medicinais  e  de  cuidados  com  o  corpo  e  com  o  próximo,  de  primeiros  socorros  e  pára-­‐medicina.  Que  nos  ensine  a  ajudar  pessoas  e  salvar  vidas,  a  projetar  e  construir  casas  e  móveis.  A  fazer  tecidos,  cortar  e  costurar.  Para  que  nos  libertemos  de  vez  das  garras  de  um  sistema  industrial  e  econômico,  o  maldito  CAPETALISMO,  falido  e  condenado,  e  possamos  criar  aos  poucos  um  outro  sistema,  auto-­‐sustentável.    Por  isso  imagino  uma  escola  que  seja  um  centro  comunitário  de  convivência,onde  as  pessoas  se  reúnam  a  fim  de  trocar  conhecimento  e  ensinar  a  seus  filhos    e  aos  filhos  dos  seus  vizinhos,  aquilo  que  sabem,  sem  divisão  alguma  entre  teoria  e  prática  ,  tampouco  entre  disciplinas.Sem  grandes  hierarquias,  apenas  uns  ensinando  aos  outros  aquilo  que  sabem  e  que  fazem  com  amor,  com  simplicidade,  naturalmente,  com  prazer  e  dedicação.  Depois  da  alfabetização  começaria  algo  assim...  

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Na  aula  de  costura  já  se  falaria  de  geometria,  vamos  cortar  uma  calça  jeans  retangular  e  uma  camiseta  em  forma  de  triângulo,  que  tal  fazer  um  bolso  em  círculo  à  direita?  Na  de  culinária,  de  português(  para  leitura  e  interpretação  das  receitas)  e  matemática  (  para  ter  as  medidas  certas  dos  ingredientes).  E  assim  as  crianças  iriam  aprendendo  de  maneira  natural  e  viva,  sem  drama.Com  o  pedreiro  da  comunidade,  aprender-­‐se-­‐ia  a  levantar  uma  parede,  a  bater  o  nível  de  um  piso  e  a  cimentar  um  muro,  com  isso,  noções  de  física  estariam  sendo  aprendidas.  

A  arquitetura  dessa  escola  seria  um  fator  muito  importante  e  completamente  diferente    da  construção  das  escolas  atuais,  que  mais  parecem  presídios.  Um  horror!    

Seria  um  projeto  arquitetônico  auto-­‐sustentável,  com  reaproveitamento  de  água,  fossa  séptica  e  energia  solar.    

Seria  importante  ter  uma  sala  ampla  de  leitura  e  conversa  livre  sobre  os  livros  lidos,  para  aprofundamento  e  exploração    do    que  foi  visto.  As  crianças  aprenderiam  desde  cedo  a  participar  de  uma  roda  de  conversação,  a  levantar  a  mão  e  pedir  a  palavra,  quando  a  palavra  lhe  fosse  dada,  falar  algo  que  tivesse  a  ver  com  o  que  estivesse  sendo  discutido  e  não  um  disparate  qualquer;  sim,  tudo  isso  se  ensina  e  se  aprende.  É  preciso.  Também  seria  importante  ter  uma  pequena  sala  de  cinema  ou  de  vídeo-­‐projeção  para  haver  constantes  seções  de  filmes  selecionados  a  dedo,  filmes  específicos  que  possibilitem  boas  discussões  posteriores  e  filmes  que  já  são  em  si  verdadeiras  aulas  de  história  ,  de  fotografia,  de  diversidade  ou  de  ecologia...  tem  tanto  filme  bom  atualmente  para  se  ver  e  tantas  lições  que  podem  ser  tiradas  deles.  É  preciso  um  espaço  e  um  tempo  para  isso.  Ah  sim,  não  se  pode  esquecer  de  um  bom  laboratório  de  informática  aberto  o  dia  todo  com  trânsito  livre  para  todos.  

A  escola  adotaria  uma  metodologia  de  aprendizagem  orientada  para  solução  de  problemas,  onde  se  dispensa  o  professor,  tal  como  o  conhecemos  hoje,  um  ser  maioral,  responsável  por  transmitir  o  conhecimento;  ao  contrário,  por  essa  metodologia  de  aprendizagem  orientada  para  solução  de  problemas,  que  já  vem  sendo  utilizada  com  sucesso  em  alguns  lugares  do  mundo,  os  estudantes  são  largados  a  sós  e  devem  cooperar  uns  com  os  outros  a  fim  de  chegar,  juntos,  à  solução  do  problema  que  lhes  foi  proposto.  Podem  contar  com  a  ajuda  de    tutores  e  instruções,  a  fim  de  solucionar  um  determinado  problema.  Assim,  desenvolvem  o  espírito  cooperativo  e,  não,  competitivo,  como  acontece  hoje  em  dia,  gerador  de  diversas  formas  de  violência,  das  quais  o  bullying  e  os  trotes  universitários  são  apenas  as  expressões  mais  grotescas  e  as  pontas  de  um  iceberg  bem  maior,  que  culmina  muitas  vezes  em  homicídios  encomendados,  dos  quais  nunca  os  mandantes  são  descobertos  porque  são  homens  de  muito  poder.  Mas  que  sabemos  que  existem,  que  são  uma  triste  realidade,  não  só  no  nosso  país,  mas  também  no  mundo.  Vide  o  filme  brasileiro  O  Invasor,  de  Beto  Brant,  com  interpretação  primorosa  do  titã    Paulo  Miklos,  que  ilustra  muito  bem  essa  realidade.    

Bem,  essa  escola  comunitária  seria  para  crianças  de  dois  a  quatorze  anos.    Depois,  o  adolescente  já  seria  encaminhado  para  oficinas  profissionalizantes  na  própria  comunidade:  na  padaria,  na  oficina  mecânica,  na  confeitaria,  na  confecção,  no  estúdio  fotográfico,  no  SOS  informática,  na  construção  civil,na  marcenaria,  enfim,  para  onde  fosse  a  sua  área  de  interesse.  Quem  ainda  estivesse  perdido,  sem  saber  que  profissão  seguir,  poderia  permanecer  na  escola  por  quanto  tempo  ainda  julgasse  necessário,  ajudando  os  outros  e  lecionando  uma  ou  outra  área  mais  específica.  Isto  é,  contando  história  do  Brasil,do  mundo,  ou  literatura,fazendo  geografia:  organizando  pequenas  excursões  para  localidades  escolhidas  pelos  alunos,  planejando    e  realizando  viagens,  para  perto  ou  para  longe.  

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Termino  aqui  essa  proposta,  certa  de  que  agora  a  sua  imaginação  já  está  funcionando  e  que  ela  é  mais  poderosa  que  minhas  palavras.  Só  não  sei  bem  agora  por  onde  começar,  a  quem  encaminhar  esta  proposta  de  mudança.  Se  você  tiver  uma  idéia,  ou  quiser  dar  continuidade  ela,  pensando  outras  coisas  ou  preenchendo  lacunas,  que  certamente  há,  fique  à  vontade.  Qualquer  colaboração  é  bem  vinda,  basta  me  escrever    no  email  [email protected],  e  lhe  envio  o  texto  em  arquivo  aberto,  .docx,  que  pode  ser  mexido  e  republicado  em  pdf.  Aja!