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O trabalho O artigo 3º da Constituição Federal de 1988, o PNEDH e os entraves históricos impeditivos as suas realizações de Sérgio Henrique da S Pereira está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional. Podem estar disponíveis autorizações adicionais às concedidas no âmbito desta licença em http://transitoescola.net. Página 1 Constituição Federal de 1988: ―Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação‖. O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) O PNEDH contempla várias áreas importantes que estão para além dos direitos civis e políticos. O documento compreende, também, os direitos sociais, ambientais, econômicos, culturais, solidariedade dos povos e as convenções e pactos internacionais nos quais o Brasil é signatário. Índices: 1. Introdução; 2. Na aurora humana; 3. Origens das discriminações; 4. Guetos e guetos brasileiros; 5. Pobreza é doença [étnica]; 6. Solução higienista, imigração; 7. Os pobres no século XXI; 8. Manifestações universalistas e retaliações; 9. Manifestações unilaterais e o engessamento do Estado; 10. A gênese das favelas e os problemas atuais; 11. O que se esperar de conceitos darwinistas e eugenistas?; 12. Conclusão.

Eugenia e entraves ao artigo 3° da Constituição Federal

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Tanto os Poderes Públicos como a sociedade civil organizada são responsáveis pelos objetivos e materializações do PNEDH e do artigo 3º da CF. Ambas devem caminhar como um só corpo e mente para que o Brasil se torne um país livre de conceitos históricos de segregações e discriminações. Não se tratam de exclusividade brasileira as teorias discriminatórias quanto à etnia e a condição socioeconômica, pois são frutos de acontecimentos históricos mundiais. O Brasil, infelizmente, abraçou tais teorias, que ainda existem nas concepções ideológicas de muitos brasileiros, pois se perpetuaram de gerações a gerações.

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O trabalho O artigo 3º da Constituição Federal de 1988, o PNEDH e os entraves históricos impeditivos as suas realizações de Sérgio Henrique da S Pereira está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional. Podem estar disponíveis autorizações adicionais às concedidas no âmbito desta licença em http://transitoescola.net. Página 1

Constituição Federal de 1988:

―Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do

Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,

idade e quaisquer outras formas de discriminação‖.

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH)

O PNEDH contempla várias áreas importantes que estão para além dos

direitos civis e políticos. O documento compreende, também, os direitos

sociais, ambientais, econômicos, culturais, solidariedade dos povos e as

convenções e pactos internacionais nos quais o Brasil é signatário.

Índices:

1. Introdução; 2. Na aurora humana; 3. Origens das discriminações; 4.

Guetos e guetos brasileiros; 5. Pobreza é doença [étnica]; 6. Solução

higienista, imigração; 7. Os pobres no século XXI; 8. Manifestações

universalistas e retaliações; 9. Manifestações unilaterais e o engessamento

do Estado; 10. A gênese das favelas e os problemas atuais; 11. O que se

esperar de conceitos darwinistas e eugenistas?; 12. Conclusão.

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1. Introdução

Tanto os Poderes Públicos como a sociedade civil organizada são

responsáveis pelos objetivos e materializações do PNEDH e do artigo 3º da

CF. Ambas devem caminhar como um só corpo e mente para que o Brasil

se torne um país livre de conceitos históricos de segregações e

discriminações. Não se tratam de exclusividade brasileira as teorias

discriminatórias quanto à etnia e a condição socioeconômica, pois são

frutos de acontecimentos históricos mundiais. O Brasil, infelizmente,

abraçou tais teorias, que ainda existem nas concepções ideológicas de

muitos brasileiros, pois se perpetuaram de gerações a gerações.

Incinerar morador de rua, fuzilamento de crianças moradoras de ruas,

piadas maldosas quanto ao tipo morfológico, cor, sexualidade, etnia, estado

psíquico, eis o que se presencia, ainda, nos tempos atuais. As mulheres

ainda são vistas como posses masculinas cujos corpos devem satisfazer as

lascívias masculinas, a capacidade intelectual delas ainda são consideradas

absurdas e duvidosas, a força de trabalho feminino é coadjuvante no

cenário masculino de poder, fama e status. Todas as discriminações têm

suas origens em teorias pretéritas.

Em meu outro artigo - O darwinismo Social Presente no Brasil do Século

XXI - foram abordados questões sobre preconceito e racismo. O texto

abordou uma parte da história humana, mas fundamental para compreensão

do racismo e discriminação tão comuns em nossa sociedade, em pleno

século XXI.

Este texto não tem a pretensão de se esgotar em si tamanha a história

humana, contudo oferece uma [possível] síntese para se chegar aos

problemas em que os brasileiros enfrentam desde violência, serviços

públicos péssimos etc.

O assistencialismo do Estado, desde a década de 1990, tem causado

indignações e revoltas em alguns grupos sociais, pois a ajuda apenas estaria

fomentando a indolência dos grupos assistidos pelo Estado, em outras

palavras, para os que condenam o assistencialismo do Estado tais pessoas,

que recebem Bolsa Família, por exemplo, só querem se dar bem à custa do

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trabalho alheio, no caso, das camadas sociais mais altas. Essa visão nas

classes sociais mais altas tem origens científicas, que eclodiram como

verdadeiras e importantes para a sobrevivência humana. De outra maneira,

tais teorias foram passadas de geração a geração, mesmo que tais teorias

não tenham sido detalhadas, substancialmente transmitidas. Todavia

conceitos discriminatórios foram passados com justificativas respaldadas

em jornais, que na grande maioria, antes da Constituição de 1988, por

exemplo, na grande maioria, só noticiavam crimes envolvendo moradores

de áreas não nobres. Por quê? Porque a censura era muita, a ponto de evitar

notícias de pessoas elitizadas que cometiam crimes. A maioria era

encoberta, pois a elite brasileira tinha grande influência na imprensa, de

forma a abafar os acontecimentos com alva de autoridade policial, ou ajuda

política. Atualmente, o jornalismo é plenamente livre, ressalvados limites

encontrados na própria Constituição. Crimes até então considerados de

favelados passaram a ser noticiados: passional, estelionato, estupro etc.

2. Na aurora humana

Sobrevivência e subsistência nortearam a vida dos seres humanos em seus

primórdios. Sem os meios de produções, nos quais os conhecemos

atualmente, grupos humanos desenvolverem mecanismo de sobrevivência,

com ou sem violência. Em algumas tribos africanas (caçadores e coletores)

era comum, quando havia fartura de alimento, o compartilhar de alimentos,

a tribo que tinha mais comida oferecia a outra tribo que tinha pouco. A

solidariedade – redistribuição de alimento - servia, então, como

sobrevivência. A ideia era simples: ―hoje se tem, amanhã não, mas alguém

me ajudará mais tarde‖.

Harris (1974) vê a redistribuição como um sistema regional de ―seguro‖.

Ele argumenta que em sociedades onde existe maior probabilidade de

sofrer crises de fome precisa-se de um sistema de redistribuição.

O antropólogo Richard Lee (1968) conta que certa vez comprou um boi

para fazer uma festa ao bando dos! Kung, com o qual andava. Quando Lee

falou do considerável tamanho do animal, sempre recebia a resposta de que

o animal não valia nada. Lee depois perguntou por que as pessoas

desmereciam o seu presente. A resposta veio: o caçador não pode ficar

orgulhoso, pois algum dia poderia matar alguém.

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3. Origens das discriminações

Em 1789, o economista Thomas Malthus criou uma teoria onde o controle

populacional seria preciso, pois a população mundial crescia de forma

geométrica enquanto os recursos para manutenção da humanidade cresciam

em proporção aritmética. Para impedir que a humanidade passasse fome

seria preciso acabar com as políticas caritativas aos mais pobres porque

sendo mais pobres estariam naturalmente tirando dos mais abastados, mas

gerando diminuições nas riquezas destes. Em outras palavras, os miseráveis

deveriam morrer de fome, já que estes não tinham a capacidade de

sobreviverem por si mesmos.

Herbert Spencer influenciado por Malthus dizia que as condições sociais

modernas favoreciam a multiplicação dos menos aptos. A ―sobrevivência

do mais apto‖ foi uma expressão criada por ele, e não Charles Darwin. Mas

muitas das teorias justificando controle populacional dos inaptos, e até suas

mortes, quando os abastados não dessem qualquer ajuda, encontravam

fortes adeptos de tais teorias na burguesia industrial inglesa, que

incentivava a concorrência entre os homens, todavia, de forma ideológica

onde somente os mais inteligentes e corajosos poderiam conseguir

melhores condições sociais. A mobilidade entre classes sociais era, então,

conceituada como condição aos que tinham melhores condições – seleção

natural – a própria sobrevivência.

Charles Darwin:

" Os notáveis êxitos dos ingleses como colonizadores, em comparação com

outras nações europeias, foram atribuídos à sua "energia audaz e

persistente"; um resultado que ficou bem evidenciado ao comparar o

progresso dos canadenses de extração inglesa e francesa; mas, quem pode

dizer como é que os ingleses adquiriram a sua energia? Aparentemente

existe muita verdade na opinião de que os maravilhosos progressos dos

Estados Unidos e o caráter deste povo são o resultado da seleção natural;

com efeito, os homens mais enérgicos, irrequietos e corajosos de todas as

partes da Europa emigraram durante as últimas dez ou doze gerações para

esse grande país e lá tiveram o melhor êxito. Olhando para o futuro

distante, não creio que o Revdo. Zincke sustente uma hipótese exagerada

quando afirma: "Todas as outras séries de acontecimentos — como da

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civilização espiritual da Grécia ou aquela do Império Romano — parecem

ter um significado e um valor somente quando pensadas em conexão, ou

antes, como subsidiárias da grande cheia da emigração anglo-saxônica no

ocidente". Por mais obscuro que seja o progresso da civilização, podemos

pelo menos ver que uma nação que, durante um período prolongado,

produziu o máximo número de homens de maior intelecto, enérgicos,

corajosos, patrióticos, generosos, em geral deveria prevalecer sobre as

nações menos favorecidas.

A seleção natural deriva da luta pela existência e esta de uma rápida taxa de

aumento. Não é possível deixar de lamentar a taxa com que o homem tende

a aumentar; mas se isto é prudente, é outra questão. Efetivamente, nas

tribos bárbaras isto leva ao infanticídio e a muitos outros males e, nas

nações civilizadas, à pobreza abjeta, ao celibato e aos matrimônios mais

tardios dos homens prudentes. Mas, dado que o homem está sujeito aos

mesmos males físicos dos animais inferiores, ele não tem o direito de

esperar por uma imunidade contra os males resultantes da luta pela

existência. Se nos temos primitivos não tivesse estado sujeito à seleção

natural, seguramente não teria atingido a situação atual". (Hemus Editora,

1974, p. 170).

Francis Galton, primo de Charles Darwin, publicou a obra ―A

Hereditariedade do Gênio‖. Para Galton, ―pobres e indolentes‖ eram

obstáculos hostis ao aumento numérico dos ―homens superiores‖, estes, os

ricos, os aristocratas, os industriais, poetas etc. Para Galton, a seleção

artificial seria o meio eficaz para conter o avanço dos pobres, dos

medíocres intelectualmente, pois a mistura genética destes com os ―homens

superiores‖ macularia a genética positiva dos ―superiores‖, o que causaria

graves problemas a humanidade, como vandalismo, homicídios,

empobrecimento intelectual etc. O restabelecimento das qualidades

biológicas ao ―homem superior‖, ou ―sangue-bom‖, se daria com o não

casamento ou relações sexuais com qualquer ―sangue-ruim‖.

―Sangue-ruim‖, ou ―degenerado‖, na visão de Galton eram os criminosos

contumazes, os irremediavelmente pobres, os deficientes físicos e mentais,

os epilépticos e todas as pessoas que eram tidas como um peso para a

sociedade. Assim, nas palavras de Galton ―Nenhum progresso ou

intervenção social poderia ajudar o incapacitado‖. A teoria de Galton

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ganhou tamanha expressividade que o próprio governo norte-americano

mandou, compulsoriamente, esterilizar mulheres que possuíssem

ascendências com características de ―degenerados‖. Porém não ficou só na

esterilização feminina, a deportação dos imigrantes indesejados, a castração

de criminosos e deficientes mentais, a eutanásia passiva e até a ideia de se

usar a câmara de gás foram medidas tomadas – no último caso, não foi

aplicado.

A" higiene ou profilaxia social ", com o intuito de impedir a procriação de

pessoas portadoras de doenças tidas como hereditárias e até mesmo de

eliminar os portadores de problemas físicos ou mentais incapacitantes,

proliferaram em vários países, eis alguns: Alemanha, França, Dinamarca,

Tchecoslováquia, Hungria, Áustria, Bélgica, Suíça União Soviética,

Estados Unidos, Brasil, Argentina, Peru.

4. Guetos e guetos brasileiros

Se por um momento na história brasileira os guetos se formaram por

conceitos de civilização e higiene populacional – segregação aos menos

capacitados à sobrevivência, que tiveram que residir em morros e nos

subúrbios -, na atualidade, por não ser capaz de se isolar, eficientemente,

nos morros e subúrbios, os menos capacitados, os capacitados a seleção

natural, ou geneticamente, se isolam em condomínios de luxo.

No tempo do Império brasileiro, a nobreza tinha a vida social em locais

pré-estabelecidos para as reuniões [edificações]. Com o passar do tempo,

principalmente com as reformas urbanas ao estilo europeu, na República,

as ruas passaram a serem pontos de encontros e lazer da elite.

Em finais do século XIX, a tônica da República brasileira era a ordem

pública. A sua proclamação nada tinha de revolucionário, pois era resultado

de uma cisão entre as classes dominantes que compuseram o Segundo

Reinado de onde eclodiu a articulação entre as oligarquias agrícolas

paulistas e as Forças Armadas (Patto, 1999).

A concentração de escravos na capital federal já era uma grande

preocupação desde a época imperial, pois o negro era visto como

naturalmente propenso à desordem, o que poderia trazer–na visão da elite

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urbana – levantes populares prejudiciais à ordem pública (Pechman, 2002;

Valladares, 2000).

No Rio de Janeiro, do início do século XIX, que era a Capital Federal do

Brasil, com as políticas higienistas e de modernidade do Estado, as famílias

que não possuíam nome e sobrenome conceituados (desde o Império), ex-

escravos e, posteriormente, os nordestinos (ex-soldados da Guerra de

Canudos) foram forçados a se alojarem nos morros cariocas – no caso dos

nordestinos, em 1897, os ex-combatentes exigiam do governo moradia

própria, como premiação por terem lutado na guerra, como não

conseguiram nada, os ex-combatentes se instalaram, informalmente, nos

terrenos do morro, que passaram a chamar de Morro da Favela, em alusão

ao morro chamado ―favela‖, onde se alojaram para o combate. O termo

―favela‖ se deve a uma planta, que tinha no morro onde se alojaram durante

a guerra.

Como alternativa de habitação, a população pobre aglomerou-se em

habitações coletivas conhecidas como cortiços e sem quaisquer condições

de habitabilidade; porém, a localização central e o baixo preço do aluguel

faziam com que se tornassem opção válida de moradia (Santos, 2006;

Gonçalves, 2007).

A cidade do Rio de Janeiro passava por transformações profundas como

reurbanização e melhoria nos transportes a interligar a cidade favorecendo

o escoamento de mercadorias e pessoas. A elite da época queria uma

França [estilo] dentro do Rio de Janeiro e, como tal, não poderia comportar

pessoas pobres, pois representavam uma ameaça à modernidade da cidade.

Os cortiços foram derrubados para dar lugar às novas edificações dignas do

desenvolvimento urbanístico que se esperava.

Esse contexto fazia das favelas a única opção de habitação por parte da

população mais pobre. Sem capacidade de intervenção, o Estado torna-se

complacente com a situação. A expansão das favelas tornou-se, então, a

maior representação da moradia popular do início do século XX, vistas, à

época, muito mais como um problema de segurança do que de habitação

(Mattos, 2007)

Apesar dos esforços da elite da época, de mandar para bem longe os

incompatíveis com a modernidade, os morros cariocas passaram a ser

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moradias para os excluídos, por serem locais próximos da cidade, o que

frustrou muitíssimo a elite brasileira, principalmente com os assentamentos

- consentimento velado da administração pública - de casas irregulares nos

morros.

Mesmo com o assentamento dos indivíduos ―desiguais‖ nos morros

cariocas, a pobreza passou a ser um grande problema de saúde, o que

tornou mais acentuado o desprezo pelos pobres:

―Pobreza passou a significar sujeira, que significava doença, que

significava degradação, que significava imoralidade, que significava

subversão. A doença não era só um mal do físico, mas deterioração da

alma, da raça, que se traduzia nos mais variados vícios.‖(Patto, 1999:184).

Como a Constituição Federal de 1988 preconiza os direitos humanos sem

distinções, resta aos descontentes o refúgio e isolamento das classes sociais

―perniciosas‖. A violência presente no Brasil, pelo poder de guerra dos

narcotraficantes, milicianos e agentes públicos ímprobos, e pela

incompetência dos administradores públicos, justificam as construções de

condomínios com todos os aparatos ao lazer, à alimentação

(minissupermercados) e à segurança, o que gera não só a perpetua divisões

sociais abissais, mas discriminações.

5. Pobreza é doença [étnica]

Com modernização de cidades como o RJ e SP, no início do século XIX, os

higienistas encontraram a possibilidade de se isolarem os ―problemáticos‖

étnicos. Como a vida nos cortiços era precária, tais habitações eram

problemáticas à saúde pública, além de não serem arquitetonicamente

aceitáveis ao novo estilo [europeu] que se queria edificar nas cidades.

Para os eugenistas, beleza e estética se aliam à estética e tudo que não seja

estética burguesa – europeu – não poderia ser existir no novo quadro

sociopolítico nas reformas das cidades brasileiras. Assim, a higienização

das cidades deveria começar pela destruição dos cortiços, que eram

habitações dos negros libertos, para dar lugar à nova estética.

Apesar da existência de certa preocupação meramente sanitarista por parte

de determinados médicos [eugenistas], o movimento higienista também

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estava articulado com setores econômicos, que se apropriavam das áreas

centrais das metrópoles com intuito de futuros ganhos com a especulação

imobiliária (Patto, 1999).

6. Solução higienista, imigração

Para muitos, o que foi ensinado nas escolas e colégios, a imigração se deu

por fatores de Guerras Mundiais, o que favoreceu o desenvolvimento

econômico brasileiro, e só. Mas, na realidade, a imigração tinha grande

apreço pelas elites brasileiras ao processo de higienização social e eugenia

racial.

Ao invés do imigrante ser visto como um inimigo, a imigração é fomentada

– notadamente a europeia, visto o período das duas Grandes Guerras. Na

visão da elite brasileira, o imigrante branco europeu poderia auxiliar no

embranquecimento da população e na regeneração do povo (Patto, 1999).

Não se pode esquecer que foi na Europa que surgiu as ideias higienizadoras

do darwinismo social. As colonizações na África serviram, além da

exploração econômica, como processo higienizador. Apartheid foi a

máxima das atuações dos higienizadores europeus darwinistas.

7. Os pobres no século XXI

Pobreza, imoralidade, criminalidade e vício estão vinculados, de forma que

pobreza é sinônimo de degradação humana, o que representa grave

problema ao desenvolvimento social, econômico e espiritual. Não é de se

espantar que, infelizmente, moradores de rua, viciados ou não, representam

―sujeiras e doenças‖, cânceres sociais a importunar a vida dos que pagam

caro por loteamentos urbanos, que transitam com seus carros, que

deambulam com calçados da última moda, que se sentam em bancos nas

praças públicas, mas tendo que suportar a sujeira deixada pelos indigentes.

As metrópoles se misturam com as modernidades da vida com os corpos

humanos, em dissonância com esta modernidade. De certo, na visão dos

darwinistas e eugenistas, moradores de ruas viciados ou não são

considerados incapazes por natureza, o que causa dependência ou até

―vampirismo‖ as pessoas que lutaram e alcançaram patamares

socioeconômicos capazes de proporcionar condições de sobrevivência

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digna – isto em muitas mentalidades presentes no Brasil, infelizmente. Se

tais presenças de moradores de ruas representam incapacidades emocionais

e intelectuais aos moradores ―civilizados‖ em habitats de concreto e aço,

por outro, o descaso enseja uma representação íntima de que o simples

olhar para estas pessoas pode ―contaminar‖ a vida dos que possuem certa

condição de vida digna, em outras palavras, o medo de ser aquela pessoa

desencadeia pavor.

A sobrevivência capitalista, em países cujas políticas de desenvolvimento

catalogam e excluem pessoas (quanto ao regionalismo, à etnia etc.) e

alicerçam interesses não universalistas, mantém a mobilidade

socioeconômica acessível a certos setores e classes sociais, se verifica,

então, mobilizações sociais parciais e, quando se fala em direitos humanos

de segunda dimensão, o dever do Estado em agir, vozes eclodem contra o

assistencialismo do Estado, pois o Estado apenas está mantendo a

sobrevivência de pessoas incapazes para a vida competitiva aos mais

―adaptados‖ e ―fortes‖.

8. Manifestações universalistas e retaliações

As manifestações nas ruas servem como demonstrativos do que se passa no

Brasil (momento sociopolítico). As manifestações de junho de 2013

surpreenderam a todos, desde intelectuais até jornalistas, pois, até então,

nunca, na atual Constituição, os brasileiros (os esquecidos e delegados a

última importância – seria continuação da mentalidade eugenista?) se

uniram contra a corrupção, as desigualdades sociais. O movimento ―não é

por R$ 0,20‖ mostrou que a preocupação não era somente com os

estudantes, mas com todos os brasileiros que, em grande maioria,

dependem do serviço de transporte público – que reconhecido como

transporte de massa [inferiores], que é precário, perigoso e desumano. As

manifestações forçaram os senadores e deputados federais a agilizarem

alguns projetos ―esquecidos‖ – interesses pessoais, claro - há anos, como o

fim do voto secreto, que favoreceu muitas maracutais.

Em primeiro momento, os manifestantes ―não é por R$ 0,20‖ foram

chancelados de ―vândalos‖ por suas pichações nas paredes e muros, por

exemplo. Somente após as gravações feitas pelos próprios manifestantes e

postados, posteriormente, em sites de compartilhamentos de vídeo e,

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depois, de repórteres de grandes empresas de jornalismos serem violados

em seus direitos constitucionais, tanto físico como profissionalmente, a

situação mudou e passou a se questionar ação dos policiais e das

autoridades públicas.

No meio do fogo cruzado restaram os discursos oportunistas de

Democracia e direitos Constitucionais aos legítimos manifestantes. Até

então, antes das manifestações, os discursos enfadonhos e a contínua

violação de direitos humanos, o que ainda persiste, aos passageiros de

transportes públicos.

9. Manifestações unilaterais e o engessamento do Estado

Bem diferentes são as manifestações ocorridas nas comunidades. Em

muitos momentos se vê a influência do narcotráfico para desacreditar a

presença do Estado nos morros cariocas incitando os moradores à

violência. Certo que há policiais que agem com mentalidades eugênicas –

não se pode esquecer que as polícias no Brasil foram ensinadas a

reprimirem os excluídos, os desiguais, os problemáticos ao

desenvolvimento do Brasil -, de forma que menos um é atuação profilática

à cidade. Misturam-se também interesses econômicos subversivos, pois os

morros cariocas são extensos e podem esconder armamentos, drogas. Não

se pode esquecer que os morros cariocas surgiram por ações sociopolíticas

higienizadoras, ou seja, afastar os pobres, os incapacitados da convivência

dos ―superiores‖ (elitizados). Como o Estado não intervia, diretamente, no

crescimento dentro das favelas, cada qual achou a sua maneira de

sobreviver, uns honestamente, outros pela marginalidade. Dentro do caos,

nada se tem de concreto, mas articulações diversas para confundir e se

manter poderes e negociatas diversas – querendo ou não, o filme Tropa de

Elite 2 retratou o Rio de Janeiro.

O que é de se estranhar é que as intervenções nos morros cariocas

acontecem justamente para a Copa do Mundo, que atrairão estrangeiros.

Outro importante enfoque é que boa parte do dinheiro empregado pelos

cofres públicos se faz em áreas que sediarão a Copa, nas periferias

brasileiras, onde não se terá a Copa do Mundo, a infraestrutura aos serviços

públicos permaneceu intocável, ou seja, o pior do pior ainda continua

existindo para as populações de tais localidades.

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10. A gênese das favelas e os problemas atuais

Se a escravidão era desumana, a liberdade não trouxe tantos benefícios aos

negros. Como não tinham estudo e não haviam aprendido uma profissão, os

negros não conseguiam empregos por falta de qualificação. Ficaram

marginalizados, sofrendo preconceito e discriminação, o que já era

costumeiro desde a colonização do Brasil. Na luta pela sobrevivência, o

furto era um dos meios de sobrevivência. Mesmo que alguns negros

cultivassem alguns alimentos em seus terrenos, mesmo assim, não eram

suficientes – pense que para colher feijão, arroz, milho, necessita-se de

terrenos e tempo -, já medicamentos, roupas e utensílios necessitavam de

dinheiro. Para a elite era muito fácil catalogar os negros como delinquentes,

pois nos lares daqueles não faltava comida, a qualificação profissional

estava presente, assim como o saber ler e escrever, os maridos, geralmente,

eram industriais. Muito fácil falar dos problemas alheios de uma visão

privilegiada sem passar necessidade.

Em certos momentos os punguistas furtavam dinheiro não para ostentação,

poder, mas por necessidades a sobrevivência pessoal. Mesmo libertos, os

negros encontravam dificuldades em conseguir empregos formais, o que os

levavam a vender, em certos locais, comidas que preparavam em suas

casas, por exemplo, mas mesmo assim não provinham todas as

necessidades.

Mas foi no Golpe de Estado promovido pelos militares (1964 a 1985) que a

situação dos morros cariocas mudou. No início dos assentamentos de

habitações nos morros, os excluídos socialmente, os detentores de ―más

qualidades‖ tentavam sobreviver como podiam. Num ambiente sem

educação, água e esgoto encanados, o crescimento desordenado das casas e

a falta de policiamento – quando havia era para conter os desordeiros, em

outras palavras, incursões para controles limitadores para áreas próximas

de loteamentos urbanos de algum político, magnata -, nada mais entendível

que se surgissem grupos ―criminosos‖. Esses criminosos eram frutos de um

ambiente desumano, os desajustamentos sociais eram consequências do

desequilíbrio econômico e a má assistência social governamental, além

disto, as mentalidades darwinistas imputavam conceitos desumanos aos

negros, o que dificultava ainda mais a sobrevivência destes. O inferno em

vida.

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O trabalho O artigo 3º da Constituição Federal de 1988, o PNEDH e os entraves históricos impeditivos as suas realizações de Sérgio Henrique da S Pereira está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional. Podem estar disponíveis autorizações adicionais às concedidas no âmbito desta licença em http://transitoescola.net. Página 13

Mas como dito, o Golpe de Estado (militar) mudou a vida dos habitantes

das favelas cariocas. Os presos políticos ensinaram aos presos comuns

como poderiam conseguir melhorias em suas comunidades, claro que com

intuito de combater o Estado Ditador Militar. As trocas de informações

entre os presos políticos e os presos comuns (analfabetos politicamente)

foram decisivas para as formações de facções nas favelas cariocas. O

Comando Vermelho foi uma das primeiras facções no Rio de Janeiro, ou do

Brasil.

Amorim transmite um pouco desta realidade ao relatar no livro CV_PCC:

A Irmandade do Crime, trechos de diálogos seus com algumas pessoas que

estiveram no presídio como presos políticos:

Ele me disse na ocasião que os presos comuns, quando reunidos aos presos

políticos, ―viviam uma experiência educadora‖. ―Passavam a entender o

mundo e a luta de classes‖, explicou, ―compreendendo as razões que

produzem o crime e a violência‖. O mais importante da conversa com o

velho comunista se resume num comentário: - A influência dos prisioneiros

políticos se dava basicamente pela força do exemplo, pelo idealismo e

altruísmo, pelo fato de que, mesmo encarcerados, continuávamos mantendo

organização e a disciplina revolucionárias. (AMORIM, 2004, p.64).

Os presos comuns passaram a ler livros onde aprenderam técnicas sobre

guerrilha e sobre o marxismo, tais como: A guerrilha vista por dentro,

Guerra de guerrilha (Che Guevara), O Manifesto do Partido Comunista

(Karl Marx e Friedrich Engels), A Concepção Materialista da História

(Afanassiev), A História da Riqueza do Homem (Leo Hubberman) e

Conceitos Elementares de Filosofia (Martha Hannecker) (AMORIM, 2004,

P. 95). Sobre a herança deste intercâmbio cultural também falou Willian

(1991 apud AMORIM, 2004, p. 95), fundador do Comando Vermelho:

[...] Quando os presos políticos se beneficiaram da anistia que marcou o

fim do Estado Novo, deixaram na cadeia presos comuns politizados,

questionadores das causas da delinquência e conhecedores dos ideais do

socialismo. Essas pessoas, por sua vez, de alguma forma permaneceram

estudando e passando suas informações adiantes [...]Repercutiam

fortemente na prisão os movimentos de massa contra ditadura, e chegavam

notícias da preparação da luta armada. Agora Che Guevara e Régis Debray

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eram lidos. Não tardaria contato com grupos guerrilheiros em vias de

criação. (WILLIAN, 1991 apud AMORIM, 2004, p. 95).

Em certo momento, os presos comuns, os excluídos socialmente, passaram

a ter conhecimentos sobre direitos até então desconhecidos. Ao retornarem

para suas localidades começaram a organizar as populações locais, de

forma que eles mesmos pudessem ter os direitos inalienáveis qualquer ser

humano: dignidade. Mas como ter direitos e qualidade de vida? Armas,

contrabandos e venda de drogas ilícitas. Em suas raízes, os ―donos‖ dos

morros davam proteções aos moradores, como segurança, além disto,

forneciam alimentos e tudo o que fosse possível para suprir as necessidades

dos moradores.

Todavia, com o tempo, os ―donos‖ viram que poderiam lucrar com isso,

mas não só os ―donos‖, mas inescrupulosos agentes públicos vislumbraram

inúmeras possibilidades de ganhos, afinal, para estes, nos morros poderiam

fazer de tudo, pois, o Estado era omisso, e a elite nada queria saber sobre os

―desiguais‖; enquanto no asfalto a vida seguia tranquilamente – termo

usado pelos moradores das favelas para classificar os moradores que

viviam fora das favelas – nas favelas se forjava as mais ignóbeis ações.

Sim, o darwinismo social e a eugenia são as mazelas que culminaram nos

problemas sociais do Brasil atual.

11. O que se esperar de conceitos darwinistas e eugenistas?

[...] Vou aos morros e vejo crianças com disposição, fumando e vendendo

baseado. Futuramente, elas serão três milhões de adolescentes que matarão

vocês [a polícia] nas esquinas. Já pensou o que serão três milhões de

adolescentes e dez milhões de desempregados em armas? Quantos Bangu

Um, Dois, Três, Quatro, Cinco... Terão que ser construídos para encarcerar

essa massa? (AMORIM, 2004, p. 348)

As raízes dos problemas atuais presenciados no Brasil têm suas bases em

teorias aceitas no passado, principalmente na Constituição brasileira de

1934. Os séculos se passaram, mas as mentalidades e as políticas públicas

não. A aprovação automática, por exemplo, serviu de miragem aos países

desenvolvidos, mas que prejudicou, substancialmente, o Brasil, e manteve

mais uma vez, a ignorância política. A educação pública, assim como todos

os demais serviços públicos violam direitos humanos, mas direitos de

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quem? Dos mesmos excluídos em outrora. O que houve foi uma mudança

na polarização. Nos transportes públicos, por exemplo, os interesses

empresariais (elite) – Barão de Mauá entendeu muito bem em sua época -

coadunados com interesses subversivos de gestores públicos, se distanciam

dos interesses do povo (desiguais), que quer transporte eficiente, seguro,

humanizado. Sim, mais uma vez se vê o darwinismo social, queira ou não.

Pode-se dizer que, no Brasil, o capitalismo serve aos interesses de

minorias, as elites empresariais. E é muito fácil de ver isso. Há incentivos

ao consumismo desenfreado, para melhorar a economia, que melhorará o

desenvolvimento nacional, o que é de se estranhar é que tais

desenvolvimentos continuam, secularmente, nos polos e regiões onde se

concentram grupos sociais elitizados, enquanto nas regiões, nas localidades

onde se concentram os excluídos, se veem poucas mudanças. Não é à toa

que as periferias, os subúrbios continuam como estão: ruas não asfaltadas;

saneamento inexistente etc.

E quando acontece algum evento? Da mesma forma que aconteceu com a

derrubada dos cortiços o êxodo dos moradores para outras localidades,

ainda se vê nos tempos atuais, porém com o nome de Supremacia do

Interesse Público, mas de quem mesmo? Mesmo que as populações locais

sejam remanejadas, e que tenham casas para morarem, a mobilidade urbana

continua a cercear a mobilidade social destes excluídos. Em muito se

discute o porquê de moradores removidos de certas áreas retornarem para

as suas localidades originais, se o Estado deu moradia. O problema não está

em dar casa, mas fatores que dificultam a vida dessas pessoas a deus dará.

Se as primeiras casas construídas nos morros cariocas, ou as cidades

satélites, no Distrito Federal – nordestinos que participaram da construção

de Brasília e, depois, construíram casas perto de Brasília – tinham como

propósitos de atender as necessidades dos primeiros moradores – logística -

, não é de se estranhar que muitos moradores removidos preferem retornar

aos antigos locais que foram expulsos. Um grande entrave no Brasil é a

falta de concretização da mobilidade urbana. A concentração de riquezas se

faz em algumas cidades, o que não mudou muito desde o século XIX.

12. Conclusão

O artigo 3º, assim como muitos outros artigos Constitucionais, como o

artigo 7º, por exemplo, não passam de tintas gastas em árvores cortadas

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(folhas). Apesar das mudanças, o Brasil continua sendo um dos países mais

desiguais socioeconomicamente, do mundo. A economia cresce, mas não

se veem melhorias substanciais igualitariamente, universais. Apesar de ser

um Estado Democrático, o que se vê, na realidade é um Estado Absolutista.

Brasília passou a ser o Palácio de Versalhes no coração do Brasil, os que

querem ingressar na política, salvo em alguns casos, é para se dar bem. As

construções, as urbanizações acontecem quando há algum evento mundial,

ora, se não houve dinheiro para se construir, reformar, ampliar os serviços

públicos, antes, como houve agora?

Os moradores de ruas são deslocados para alguns pontos da cidade, quando

importunam com seus corpos maus cheirosos em frente a estabelecimentos

comerciais e residências, sem que haja interesse dos ―superiores‖ sobre o

destino de cada morador. Pedem-se a liberação da maconha, como

diminuição do crime organizado, mas sem se ater aos problemas cotidianos

de milhões de brasileiros subnutridos, aos que rogam a Deus uma morte

rápida, para não sofrerem com o mercantilismo da saúde humana; ao

evento esportivo mais adorado do país, centenas de milhares entram e

frenesi, sem se importarem com os problemas aflitivos dignos da Idade

Média; na construção de novas vias públicas e facilidades creditícias ao

comprar veículos particulares, filas se formam nas concessionárias, o sonho

da libertação, aos ônibus, soa como grande oportunidade e ascensão social,

sem, contudo, a visão de que se aumentará mais a poluição atmosférica e os

problemas de mobilidade urbana, tudo por conta de mentalidade de status

grandioso, o que se observa muito diferentemente em países desenvolvidos,

cujos cidadãos valorizam o transporte público.

Nos presídios brasileiros, as condições desumanas, mas com propósitos

higienistas e capitalização. No primeiro caso, higienista, a maioria são

pessoas de classes sociais relegadas ao esquecimento por séculos, desde

que se matem e não importunem fora dos presídios, não há o que se

importar com os presidiários, tanto a sociedade como os agentes públicos

políticos higienista nada fazem para mudar a situação deles, no caso, a

ressocialização. No segundo caso, capitalização, pois sem ressocialização e

individualização das penas dos presidiários, o caos aumenta e se formam,

dentro dos presídios, doutores do crime. Lucram [capitalizam] quem tem

interesse no caos social, de forma que, lucros advindos da insegurança

pública, engrandeça a venda de parafernálias tecnológicas de segurança

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particular, que passa a ser um dos mercados mais lucrativos da história

brasileira. Aos que podem pagar pelas parafernálias tecnológicas de

segurança, o direito à vida, aos que não podem o não direito de viver.

Estranhamente é que se mantêm as mesmas engrenagens higienistas do

passado brasileiro: de um lado, a elite a ter todo o aporte das políticas

públicas em melhorias em seus bairros, de outro lado, o ―povão‖, que sofre

a cada dia com as políticas públicas de desenvolvimento precaríssimas em

suas localidades.

Nos primórdios, os serviços públicos eram eficazes, pois a elite os usava. A

partir do momento em que a elite começou a deixar de usufruir os serviços

públicos é que estes começaram a se deteriorarem. Em suma, o que houve

foi uma forte atuação, incentivo empresarial na forma de atuação do

Estado, de forma que os serviços particulares tomassem o lugar dos

serviços públicos. Um exemplo é quanto aos transportes públicos. Por

pressões de empresários de ônibus, os bondes foram deixando de existirem.

Se as privatizações passaram a ser necessárias, para alguns, a certeza de

que tais privatizações meramente especularam melhorias na vida dos

brasileiros não é falsa. Escuto muito o dizer que somente com a

privatização da telecomunicação foi possível ter telefone. Concordo que é

mais fácil ter telefone e celular, mas o que adianta tê-los se os serviços são

péssimos? Quantas reclamações existem nos PROCONs quanto às

gravíssimas violações aos direitos dos consumidores? E o que dizer da pífia

atuação da Agência Reguladora, que permite que os direitos dos

consumidores sejam violados? E o que dizer das empresas públicas de

saúde?

Há fortes pressões de empresários, de todos os tipos (transportes,

medicamentos etc.), ao Estado, de forma que este passa os favorecer. E

conseguem, pois ímprobos políticos estão vendendo o Brasil e a saúde do

povo.

Enfim, os problemas são muitos, e não apenas de uma parcela, mas

cultural. Só o conhecimento traz os direitos humanos, não para alguns, mas

todos, sem distinções de credo, raça, sexo.

Abaixo uma frase muito importante nos dias atuais, e ao futuro de nossa

nação, quanto às necessidades reais de todos os brasileiros. Enquanto

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houver grandes feitos faraônicos (estádios esportivos, Cidade da Música

etc.), mas se mantém milhões de brasileiros na miséria, no mínimo do

mínimo de subsistência, não se poderá dizer que o Brasil é realmente um

país universalista e, principalmente, que abrace o dilema de" Liberdade,

Igualdade e Fraternidade ", que deu origem a Declaração Universal dos

Direitos Humanos.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

"Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto

resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato

contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça,

respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das

instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins

a atingir; entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela

auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os

encargos impostos à maioria dos cidadãos.

Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração

Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou

mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação,

moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à

existência digna.‖

Fiat Lux! ("Faça-se a luz")

Referências:

1) Associação Cultural Montfort. Eugenia: o pesadelo genético do Século

XX. Parte I: o início. Disponível em:

http://www.montfort.org.br/old/index.php?seção=veritas⊂secao=ciencia&a

rtigo=eugenia1⟨=bra#, acessado em 23 de Abril de 2014;

2) Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes. OS

PENSADORES QUE INFLUENCIARAM A POLÍTICA DE EUGENIA

DO NAZISMO. Disponível em:

http://ruisoares65.pbworks.com/f/darwinismo+social+e+eugenismo.pdf,

acessado em 23 de abril de 2014;

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3) Mendes, Iba. Apartheid e darwinismo social. Disponível em:

http://www.ibamendes.com/2010/05/apartheidedarwinismo-social.html,

acessado em 23 de abril de 2014.

4) Werne, Dennis. Uma Introdução às Culturas Humanas. Ed. Vozes, 1987;

5) Ballone GJ - Alfred Adler, in. PsiqWeb, internet, disponível em

http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=186,

revisto em 2008. Baseado no livro "Teorias da Personalidade"- J. Fadiman,

R. Frager - Harbra – 1980. Acessado em 23 de abril de 2014;

6) Loughnan, Stephen. Quanto mais desigual uma sociedade, mais as

pessoas se acham melhores que seus pares. Disponível em

http://direito.folha.uol.com.br/6/post/2012/06/quanto-mais-desigual-uma-

sociedade-mais-as-pessoas-se-acham-melhores-que-seus-pares.html,

acessado em 23 de abril de 2014;

7) Geraldi, Juliano. E assim nasceu a Favella: cidadania de segunda classe

no início da República Brasileira. Disponível em

http://cabodostrabalhos.ces.uc.pt/n7/documentos/04-JulianoGeraldi.pdf,

acessado em 25 de abril de 2014;

8) GRILLO, CRISTINA. Guetos no Brasil são das classes média e alta, diz

sociólogo francês. São Paulo, domingo, 22 de abril de 2001. Disponível em

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2204200119.htm, acessado em

25 de abril de 2014.

9) IPEA. História - O destino dos negros após a Abolição. Disponível em

http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2673

%3Acatid%3D28&Itemid=23, acessado em 25 de abril de 2014;

10) Benedito, Deise. As mulheres negras no dia 14 de maio de 1888.

Disponível em

http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=8598

&cod_canal=71, acessado em 25 de abril de 2014;

11) AMORIM, Carlos. CV_PCC: A irmandade do crime. 4. Ed. Rio de

Janeiro: Record, 2004;

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12) Revista de História. Com. Racismo à brasileira. Disponível em

http://www.revistadehistoria.com.br/seção/educacao/racismoabrasileira,

acessado em 25 de abril de 2014