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IGREJA DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE BARCELOS Campo da Républica • 4750-275

253 802 270Barcelos

IGREJA DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA

DE BARCELOS

Edição: Santa Casa da Misericórdia de BarcelosTexto: Joaquim VinhasFotografia: José Eduardo Reis e Joaquim VinhasBarcelos – 2012

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A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos foi fundada nos iní-cios do século XVI, por iniciativa do poder régio, que encontrou nas organi-zações cívico-religiosas uma resposta moderna para os velhos problemas do aro assistencial. Por conseguinte, a Santa Casa de Barcelos foi o rosto local da política ma-nuelina dos inícios de Quinhentos, traduzida na aplicação das 14 obras de misericórdia: 7 corporais e 7 espirituais. É sabido que a primeira confraria surgiu em Lisboa nos finais do século XV, quando, em 15 de Agosto de 1498, a rainha D. Leonor (com a anuência de D. Manuel I) mandou constituir na Sé Catedral uma irmandade com a invoca-ção de Nossa Senhora. No ano seguinte, D. Manuel fez saber o seu intento de fazer chegar às principais cidades e vilas do reino o exemplo da novíssi-ma organização da capital. Como também deve saber-se, a vila de Barcelos fora e havia de continuar a ser um sítio principal do reino. É pois nossa convicção que as orientações régias, contidas na carta que chegou ao Porto em 1499, rapidamente che-garam a Barcelos e aqui nasceu, a exemplo da cidade invicta, a Confraria de Nossa Senhora da Misericórdia. Embora não tenha sido encontrado o documento da sua fundação, pensa-mos que os homens bons de Barcelos não perderam tempo na organização da sua confraria. Sabe-se que, no famoso milagre do aparecimento da Cruz em Barcelos, no ano de 1504 (fenómeno registado em notário segundo fon-te do século XVII), os irmãos da Confraria de Nossa Senhora da Misericórdia, da então vila de Barcelos, terão desfilado na solene procissão que consa-grou o divino e histórico acontecimento. Pode pois inferir-se que, nos inícios de Quinhentos, a Misericórdia de Barce-los exercia já uma ação de relevo na vila que foi sede do primeiro condado português.

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A bandeira da Irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia, que se guar-da na sacristia, é composta de duas telas a óleo – com moldura, haste e cruz de prata – que apresentam a se-guinte iconografia: de um lado, a Mãe de Deus com o seu manto protetor das elites sociopolíticas e religiosas do Antigo Regime; do outro lado, a muito humana Senhora, aparenta um sofrimento contido pela perda irre-parável do Filho, que sustenta no re-gaço, talvez algo inconformada com o drama da Paixão de Cristo, que ao mundo veio para remir os pecados da humanidade.

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Enquadrada na extensa fachada arquitetónica que corre de norte a sul, no lado nascente do Campo da República (vulgarmente conhecido como Campo da Feira), a igreja da Misericórdia de Barcelos constitui um excelente cartão de visitas para quantos querem conhecer e melhor compreender a história da cidade. Sem os edifícios da Misericórdia, e em especial a sua igreja, uma parte significativa do urbanismo e da ar-quitetura de Barcelos permanece-ria incompreendida. Edificada pela extinta Ordem Ter-ceira de S. Francisco, esta igreja e o seu convento foram entregues por D. Maria II, em 1836, à Irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia de Barcelos que, desde então, pas-sou a escrever a sua história neste moderno espaço conventual, dei-xando as antigas instalações adstri-tas à Câmara Municipal.

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A fachada da igreja da Misericórdia é definida por um retângulo granítico, delimitado por duas poderosas pi-lastras toscanas e uma competente cornija a partir da qual se organiza o frontão, acentuando a verticalidade do edifício e conferindo-lhe robustez e monumenta-lidade. Três arcos de volta-inteira, de inspiração clássico-re-nascentista, dão acesso à galeria ou nártex que ante-cede o interior da igreja. A monumentalidade arqui-tetónica convida o visitante a estender o seu olhar em direção à estatuária setecentista, de apreciável labor escultórico, de feição barroca, no quadro de uma retó-rica da perfeição, associada a uma narrativa discursiva de elevado simbolismo: no registo superior, majestosa e divina, encontra-se Nossa Senhora da Conceição, no centro de um frontão ondulante; no centro da com-posição, surge-nos o tema da Visitação – Virgem Ma-ria visita Santa Isabel –, ladeado pelas imagens de S. Francisco e de S. Boaventura.

Decerto o visitante já reparou no escudo pétreo que se encontra sobre o arco central, com o emblema de bronze que nos recorda a antiga proprietária desta igreja – a Or-dem Terceira de S. Francisco –, extinta como as demais em 1834, no desfecho da guerra civil (1832-1834) de que resultou a vitória do liberalismo em Portugal.

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O Dia de Santa Isabel – que segundo o texto bíblico de S. Lucas diz respeito à Visitação que a Virgem Maria, após a Anunciação, realizou à prima Isabel, grávida de S. João Batista –, é um tema comum à generalidade das irmandades de Misericórdia, quanto mais não fos-se, pela relação estabelecida com o cumprimento de uma das 7 obras corporais. Não é por acaso que, ao longo da sua história, a irman-dade barcelense festejou o Dia de Santa Isabel, a 2 de julho, justificando-se assim a colocação do grupo es-cultórico na janela do coro da igreja, posteriormente à sua tomada de posse em 1836. (De notar que a Festa da Visitação havia sido decretada pelo papa Urbano VI, em 1389, visando a intercessão de Maria pela paz e unidade da cristandade católica, na época dividida pelo Grande Cisma do Ocidente… Atualmente o calendário litúrgico celebra o Dia da Vi-sitação a 31 de maio).

No lado esquerdo do nártex existiu, no século XIX, uma capela dedica-da a Santo António dos Esquecidos, com a sua imagem colocada no ni-cho atualmente ocupado por Nossa Senhora da Misericórdia.

Do lado direito, a imagem de Santo António da Portaria tinha o seu lugar no respetivo nicho sobre o portal de en-trada no antigo convento franciscano, e que a partir de 1837 passou a dar acesso ao Hospital da Misericórdia de Barcelos.

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A entrada no interior do templo faz-se pela portada que se abre para o vestíbulo ou nártex interior. A planta da igreja é de cruz latina, com uma só nave e um transepto pouco pronunciado: do lado do Evan-gelho deparamo-nos com a capela de Santo António, enquanto uma porta do lado da Epístola permite o acesso à sacristia onde se guardam a bandeira da Ir-mandade, os paramentos, as alfaias litúrgicas e outras obras de valor museológico.

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A pintura de Nossa Senhora da Conceição, que atual-mente se encontra no lado esquerdo de quem entra (lado do Evangelho), deve ter sido executada para a tribuna do retábulo-mor, construído provavelmente na sequência de obras que se realizaram na igreja no século XVIII.Nesta tela a óleo (repintada nos finais do século XX) Nossa Senhora repousa serenamente sobre as forças do mal representadas por um dragão, uma iconogra-fia que o artista organizou em três registos: no plano superior emerge do céu o Espírito Santo da sua geo-metria triangular – o dogma da Santíssima Trindade –, numa paleta quase monocromática e escaldante, qual fogo do mistério divino, sem subtrair importância ao centro da composição que é dominado pela presença da Senhora (envolvida por um movimentado manto azul), enquanto no plano inferior a força do dragão mais não pode que tentar atrair com o fogo maligno o grupo dos potenciais anjos destinados a uma descida aos Infernos, não fosse a força protetora da Senhora que mantém o dragão imobilizado no seu mundo in-ferior.

Pode ver-se, acima, a capela-mor com o seu retábulo neoclássico.Atente-se na cadeira e nos bancos (séc. XVIII) e no pormenor do frontal do altar-mor, ao lado, onde é visível a poética do rococó.

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Junto ao arco-cruzeiro, dois anjos lampadários, exi-bem ainda uma certa teatralidade associada ao estilo barroco. Os anjos tocheiros ou lampadários, colocados na base do arco-cruzeiro, constituem dois belos exemplares da arte da talha barroca, policromada. De elevada qualidade estética, estas esculturas reve-lam um caráter festivo e sensual, em consonância com o espírito e a mentalidade de Setecentos. Foram origi-nalmente encomendados para a capela-mor da antiga igreja da Misericórdia, tendo transitado para a atual igreja em 1837.

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O retábulo-mor é de um fino recorte neo-clássico!... Delimitando o espaço do cama-rim e da tribuna, em cujo topo se expõe o Senhor, um arco de inspiração clássica foi por sua vez enquadrado por dois pares de colunas marmoreadas, que lembram a antiga ordem compósita; para embelezar o conjunto optou-se por enrolamentos de volutas, anjos, grinaldas, festões e outros elementos vegetalistas. O sacrário sobre o altar e a banqueta com os seus castiçais, no sopé do trono eucarístico, completam a estrutura retabular, enriquecida pictorica-mente com o branco e o dourado.A tela que se encontra na boca do camarim e nos esconde a tribuna foi executada em 1993 por Fernando Rosário, de Esposende e inaugurada a 17 de dezembro de 1995. Trata-se de uma pintura a óleo, onde se reproduziu a temática tradicional presente em bandeiras e estandartes de irmandades da Misericórdia: no registo superior, Nossa Senhora com o seu manto azul que a todos protege, sobretudo os representantes dos poderes espiritual e temporal; no registo inferior são retratadas figuras como o papa João Paulo II, o arcebispo de Braga D. Eu-rico Dias Nogueira, o padre Virgílio Lopes, o mítico impulsionador Frei Contreiras, que enquanto confessor de D. Leonor tê-la-á convencido a instituir a confraria em lis-boa… D. Leonor e D. Manuel I tiveram igual-mente o seu lugar na pintura.

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A igreja, concebida com uma nave única, recebeu dois altares colaterais, também em talha branca e dourada, combinando elementos dos estilos rococó e neoclássico: o do lado do Evangelho, tem como invocação o Senhor da Cana Verde – oriundo da igreja da antiga Praça da Vila, onde tinha a designação de Senhor Ecce Homo –; no altar do lado da Epístola venera-se Nossa Senhora da Conceição, uma imagem feita no Porto por F. A. Costa, conforme pode ler-se numa inscrição.

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Localizada no transepto, lado do Evangelho, a capela de Santo António (que servia também para o Santíssimo Sa-cramento), revela o carinho e a devoção que a Santa Casa de Barcelos dedicou e dedica a este santo português, considerado um importante Doutor da Igreja.

Na pronunciada sanefa da porta de acesso à sacristia, pode ver-se uma iconografia de elevado sim-bolismo: à Cruz da Paixão encosta-ram-se dois braços que se cruzam na zona axial, um braço de Cristo e outro franciscano, dando origem à organização de oito triângulos. No plano superior, a tarja que se fixou na moldura da janela recebeu a se-guinte inscrição: O REVERENDÍS-SIMO PADRE PROVINCIAL FREI FRANCISCO DO PORTO SARMEN-TO MANDOU FAZER. No lado oposto, destaca-se o cor-deiro místico, na sanefa de talha fixada no arco da capela de Santo António. Enquanto na base da ja-nela semi-entaipada, que se vê no plano superior, uma epigrafia em latim faz referência ao labor da obra franciscana.

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O arco-cruzeiro, em granito, que, para além da função estrutural estabelece a separação entre a nave-salão (onde os leigos têm acesso) e a capela-mor – espaço por excelência das cele-brações litúrgicas –, foi enriquecido com um arco de talha branca-dourada, uma obra datável de meados do século XVIII. Mais uma vez, é notória uma solução de compromisso entre o estilo barroco/rococó, que entrara em desuso, e o retorno ao classicismo, então na moda. No remate pode observar-se um majestoso escudo com a coroa real, numa clara afirmação do poder absoluto e/ou despótico do monarca, presença por outro lado justificada pela unidade histórica entre os poderes régio e eclesiástico.

Os púlpitos, com a sua base granítica curvilínea e umas breves notas vegetalistas que a decoram, sobressaem pela talha branca-dourada que se estende às sanefas, de onde pendem os cortinados. (Até mea-dos do século XX, o púlpito funcionou como palco privilegiado da pre-gação, meio fundamental de comunicação arrebatada com os fiéis). No seu prolongamento abre-se uma janela até à cornija, podendo ob-servar-se uma outra sanefa, formando um conjunto harmonioso que contribui para a decoração interior do templo. Estilisticamente obser-va-se um compromisso entre o rococó e o neoclássico, solução que se repete em quase toda a talha da igreja.

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Na parede da capela-mor, lado do Evange-lho, pode contemplar-se a Conversão de S. Paulo, uma pintura a óleo realizada para a igreja maneirista da Misericórdia e que foi transferida para esta igreja em 1837. (Note-se que aquela igreja, cuja construção foi iniciada em janeiro de 1593, serve hoje de salão nobre da Câmara Municipal, a mesma entidade que em meados do século XIX a arruinou mas que recentemente ordenou o seu restauro).Quanto ao quadro alusivo à Ceia de Emaús, que se encontra no lado oposto, surge-nos documentado no inventário de 1847, estando então localizado no corpo da igreja, lado da Epístola. (Nesta data, o painel da Conversão de S. Paulo estava pendurado no lado do Evangelho do referido corpo da igreja).

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Cristo Crucificado, esculpido e pintado em 2003-2005 por Domingos da Silva Miranda e Fernando Rosário, tem marcado a sua presença na Procis-são das Endoenças que se realiza na Quinta-Feira Santa, uma tradição secular que se havia perdido e que foi reativada a 28 de março de 2002.

O velho órgão ibérico – mandado construir em 1818 pelos padres franciscanos –, que se arruinou e desmembrou em várias peças, foi objeto de estudo e restauro, pelo empenho do falecido Provedor Eng.º Mário de Azevedo e pela mão do organeiro barcelense Manuel Fonseca, contribuindo para abril-hantar as solenidades e eventos culturais que demandam música e arte sacra.As notas musicais que do órgão ecoam sintonizam com o luzimen-to das demais obras de arte que embelezam a igreja: a talha branca e dourada, as imagens esculpidas e pintadas, os tocheiros de talha policromada, a paramentaria, os in-strumentos da Paixão de Cristo, as bandeiras e estandartes… que nos

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revelam uma parte do vasto acervo museológico que bem merece conservação e ser dado a conhecer aos visitantes.Nesse sentido, a Irmandade da SCMB, através da sua atual mesa administrativa liderada pelo Provedor Dr. António Pedras, está a desenvolver esforços no sen-tido de preservar, recuperar e divulgar o seu vasto património histórico-cultural, artístico e religioso, abrindo cada vez mais as suas portas aos cidadãos.

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