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Colégio do Amor de Deus – Cascais Português – 10º ano Ficha Informativa Para compreender melhor… A LÍRICA CAMONIANA – poesia de transição Luís de Camões é considerado o maior poeta português de sempre. A sua produção poética lírica constitui uma admirável síntese artística da lírica tradicional portuguesa, das grandes correntes literárias e linhas de força ideológicas do seu tempo (Petrarquismo, Neoplatonismo,…) e da influência clássica (Virgílio, Teócrito, Horácio, Ovídio, etc.) Essa síntese do antigo e do novo, tanto nos temas como nas formas, constitui um dos momentos mais altos, se não o mais alto, na evolução da lírica portuguesa, porquanto o poeta não se limitou a receber e continuar uma tradição, a imitar os clássicos, a assimilar o neoplatonismo cristão ou a seguir Petrarca. Para além de todas as influências, […] Camões soube repassar os seus poemas da sua experiência vivida (os seus amores, ilusões e desenganos, as frustrações, cansaços e recordações, a observação do real, etc.), emprestando‐lhe um grande dramatismo, uma vibrante autenticidade, impondo‐se‐nos não só como exemplo do humanismo renascentista mas, sobretudo, como poeta que reflecte sobre os grandes problemas do homem, «bicho da terra vil e tão pequeno», sempre inquieto, instável, verdadeiro titã que se interroga perante o tempo, a mudança, a vida e o Destino, que é perseguido, que sofre a ingratidão dos homens e os ardis do desconcerto do mundo, que chega a ceder ao pessimismo e cuja obra se constitui em autêntico momento de afirmação humana. VERTENTE TRADICIONAL Poesia que aproveita a temática da poesia trovadoresca e as formas da poesia palaciana. 1. A nível dos temas: Sofrimento amoroso; Partida do objecto amoroso; A saudade; As confidentes; Cenário campestre e pastoril; Presença de elementos, como o mar, a fonte e os pastores (Influência da poesia trovadoresca). 2. A nível da forma: Métrica (medida velha): Versos de redondilha maior (7 sílabas métricas); Versos de redondilha menor (5 sílabas métricas). Variedade estrófica: Mote (que introduz o tema) e glosas (que desenvolvem o tema); Vilancete;

Lírica camoniana

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Page 1: Lírica camoniana

C o l é g i o d o A m o r d e D e u s – C a s c a i s Português – 10º ano

Ficha Informativa

Para compreender melhor…  

A LÍRICA CAMONIANA – poesia de transição    

Luís  de  Camões  é  considerado  o  maior  poeta  português  de  sempre.  A  sua produção  poética  lírica  constitui  uma  admirável  síntese  artística  da  lírica  tradicional portuguesa,  das  grandes  correntes  literárias  e  linhas  de  força  ideológicas  do  seu  tempo (Petrarquismo,  Neoplatonismo,…)  e  da  influência  clássica  (Virgílio,  Teócrito,  Horácio, Ovídio,  etc.)  Essa  síntese  do  antigo  e  do  novo,  tanto  nos  temas  como  nas  formas, 

constitui um dos momentos mais altos, se não o mais alto, na evolução da lírica portuguesa, porquanto o poeta não se limitou a receber e continuar uma tradição, a imitar os clássicos, a assimilar o neoplatonismo cristão ou a seguir Petrarca. Para além de todas as influências, […] Camões soube repassar os seus poemas da sua experiência vivida (os seus amores, ilusões e desenganos, as frustrações, cansaços e recordações, a observação do real, etc.), emprestando‐lhe um grande dramatismo, uma vibrante autenticidade, impondo‐se‐nos não só como exemplo do humanismo  renascentista mas,  sobretudo,  como  poeta  que  reflecte  sobre  os  grandes  problemas  do  homem, «bicho da terra vil e tão pequeno», sempre inquieto, instável, verdadeiro titã que se interroga perante o tempo, a mudança, a vida e o Destino, que é perseguido, que sofre a ingratidão dos homens e os ardis do desconcerto do mundo, que chega a ceder ao pessimismo e cuja obra se constitui em autêntico momento de afirmação humana.  

   

VERTENTE TRADICIONAL  

Poesia que aproveita a temática da poesia trovadoresca e as formas da poesia palaciana. 

1. A nível dos temas: 

• Sofrimento amoroso;  • Partida do objecto amoroso; 

• A saudade; 

• As confidentes; 

• Cenário campestre e pastoril; 

• Presença de elementos, como o mar, a fonte e os pastores (Influência da poesia trovadoresca). 

 

2. A nível da forma: 

• Métrica (medida velha): 

Versos de redondilha maior (7 sílabas métricas); 

Versos de redondilha menor (5 sílabas métricas). 

 

• Variedade estrófica: 

Mote (que introduz o tema) e glosas (que desenvolvem o tema); 

Vilancete; 

Page 2: Lírica camoniana

Vilancete  

Mote 

____________ ____________ ____________  

Glosa ou Volta 

____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ 

  

Cantiga; 

Cantiga Mote 

____________ ____________ ____________ ____________ ____________  

Glosa ou Volta 

____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ 

  

Esparsa  –  composição poética  em  redondilha,  que  apresenta  entre oito  e  dezasseis  versos. Não apresenta mote nem refrão. 

Trova ‐ poema composto por apenas uma estrofe, de quatro versos em redondilhas maiores de rimas alternadas. 

Endecha  ‐  composição  de  tom  melancólico  e  triste  em  versos  de  cinco  ou  seis  sílabas, geralmente  agrupados  em  quadras,  segundo  o  esquema  rimático  ABCB,  ABAB  ou  ABBA.  O plural endechas deve‐se ao facto de a cada quadra se atribuir a designação de endecha e o poema ser constituído por mais de uma estrofe. 

Dois ou três versos 

Uma ou mais estrofes de sete versos  

O Vilancete é perfeito quando:   ‐ O mote tem dois ou três versos e  o  último  repete‐se  no  fim  de cada estrofe ou glosa;  ‐ Cada glosa tem sete versos;  ‐  A  glosa  se  divide  em  duas partes:  cabeça  de  quatro  versos e  cauda  de  três,  rimando  o ultimo  verso  da  cabeça  com  o primeiro da cauda.  

Quatro ou cinco versos versos 

Uma ou mais estrofes de oito, nove ou dez versos  

A cantiga é perfeita quando:  ‐ o último verso do mote repete‐se no último verso de cada estrofe ou glosa, com ou sem alterações. 

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VERTENTE CLÁSSICA OU RENASCENTISTA  

Poesia de influência italiana trazida por Sá de Miranda e António Ferreira. 

1. A nível dos temas: 

1.1. Influência Petrarquista (Francesco Petrarca, poeta italiano) 

• O retrato idealizado da mulher amada. Ela caracterizada e descrita como sendo uma deusa, um objecto divino – é  intocável, misteriosa e sempre  ausente. A  ausência  permite  ao poeta  ver mais  intensamente dentro da alma a essência da sua beleza, de que os cabelos, os olhos e as faces são apenas um reflexo da beleza divina. Assim, a idealização da mulher concretiza‐se,  sobretudo, em retratos em que o aspecto  físico atinge  a  impessoalidade  do  convencional  ‐  olhos  sempre  claros, cabelos  louros,  tez  nívea,  faces  rosadas  –  e  o  aspecto  espiritual  se  caracteriza  pela  serenidade,  a doçura  do  riso,  a  brandura  do  gesto  (rosto)  sossegado.  Esta  visão  da  mulher  traduz,  também,  a concepção platónica do amor ideal e inacessível. 

• A  concepção do amor puro e  ideal  já  se  encontrava  nas  cantigas  de amor.  Petrarca  renovou  essa  concepção,  criando  o  modelo  da  mullher perfeita,  divina,  emanação  de  Deus,  da  qual  brota  o  que  há  de  belo  na Terra.  O  amor  é  uma  aspiração  a  um  objecto  inatingível.  Inatingível porque  não  existe  neste  mundo.  O  que  aqui  se  vê  é  um  reflexo  do verdadeiro modelo,  essência que mora num mundo  superior – o mundo inteligível ou das ideias. Assim, o verdadeiro amor (amor platónico) é um sentimento  ausente  de  desejo  físico,  mas  apenas  concentrado  na contemplação de uma deusa – a mulher amada.  

• Os  efeitos  contraditórios  do  amor,  que  levam  à  inconstância  no  estado  de  espírito  do  sujeito poético. 

• A  invocação  da  Natureza,  ora  como  reflexo,  ora  como  contraste  do  estado  de  alma  do sujeito: alegre se a amada está presente; triste se ela se ausentou ou a relação amorosa se rompeu. 

1.2. Influência de Platão (filósofo): 

• Platão  considerava  a  existência  de  dois  mundos:  o mundo sensível, que nos rodeia e no qual vivemos e o  mundo  inteligível,  mundo  em  que  vive  Deus, mundo  ideal,  onde  impera  a  Suprema  Beleza, Bondade e Justiça. A beleza da Natureza e o encanto físico  e  moral  da  mulher  amada,  presente  no mundo sensível, não são mais do que um reflexo da beleza  divina,  presente  no  mundo  inteligível.  Esta teoria  platónica  já  estava  presente  na  poesia provençal e na poesia petrarquista, que divinizava a mulher por a considerar um raio de eterna luz, raio da divina formosura. 

1.3. Influência greco‐latina (de poetas, como Virgílio, Homero, etc.) 

• a  brevidade  da  vida  que  traduz  a  angústia  do  poeta  perante  a  passagem  do  tempo  e  a aproximação inevitável da morte; 

Page 4: Lírica camoniana

• a mudança; 

• o elogio da vida rústica, campestre, em que o poeta descreve  a  vida  calma dos  lavradores  e  dos  pastores,  o colorido da paisagem, os frutos saborosos, em contraste com a agitação da guerra e da vida urbana e cortesã. 

 

2. A nível da forma: 

• Métrica (medida nova): 

Versos decassílabos (10 sílabas métricas); 

Menos  frequente  versos  hexassílabos  (11  sílabas métricas). 

• Variedade estrófica: 

Soneto – composição poética fixa de assunto fundamentalmente lírico ou amoroso, constituída por catorze versos distribuídos por duas quadras e dois tercetos. Os versos são decassílabos e o esquema rimático  mais  frequente  é  abba/  abba/  cdc/  dcd.  Quanto  ao  conteúdo,  o  soneto,  normalmente, desenvolve‐se em quatro partes:  

____________________a ____________________b ____________________b ____________________a  ____________________a ____________________b ____________________b ____________________a 

 ____________________c ____________________d ____________________c  ____________________d ____________________c ____________________d  

canção; 

sextilha ‐ Estrofe de seis versos, cujos esquemas rimáticos podem ser variados; 

elegia  ‐  poema  de  tom  terno  e  triste.  Geralmente  é  uma  lamentação  pelo  falecimento  de  um personagem público ou de um ser querido. 

 

 

1ª  quadra:  apresentação  do tema 

2ª quadra: desenvolvimento 

1º terceto: confirmação 

2º terceto: conclusão ou síntese de todo o conteúdo do poema («chave de ouro»)