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Escola Estadual Professora Beathris Caixeiro Del Cistia
Trabalhos de Língua Portuguesa
Nome: Wesley Germano Otávio Nº 41 Série: 3ºB
Música Asa Branca e livro Vidas Secas abordam
o contexto da seca no Nordeste
Ser forte não significa apenas resistir, representa também a sabedoria
de escolher a hora certa para se retirar em um momento de perigo. Muito
conhecida é a seca que castiga o nordestino, fazendo com que esse povo
deixe sua região em busca de condições de sobrevivência. O momento de
retirada dessas pessoas inspira a arte brasileira. Entre elas a canção de Luiz
Gonzaga, ''Asa Branca'' e a literatura de Graciliano Ramos, no livro ''Vidas
Secas.''
A música foi lançada no ano de 1.947 e o livro em 1.938. Atualmente o
êxodo diminuiu, mas ainda acontece. Como a natureza tem seus caprichos ''O
sertão continuaria a mandar para a cidade homens fortes, brutos como
Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos. '' A família inteira sai a procura de um
abrigo salvador. Na canção o personagem faz seu percurso sozinho, mas
promete voltar, com o verde da plantação.
Já em ''Vidas secas'', o receio do contato com uma cultura
desconhecida e a tentativa de criar esperanças para vencer o caminho faz os
personagens se dividirem entre a saudade da terra natal e a promessa de
nunca mais voltar.
Figuras presentes nas duas obras são os animais que também sofrem
com a estiagem. A ave que dá nome a música Asa Branca partiu em busca de
refúgio. Enquanto em ''Vidas secas'' a cachorra Baleia sofre e sonha com um
osso cheio de tutano. A morte do gado serve como alerta para que os
sertanejos consigam perceber o momento desfavorável.
Tanto na música como na obra literária são apresentadas
características da seca. Em ''Asa branca'' a terra é comparada com a fogueira,
quente e vermelha, a mesma de ''Vidas secas'' , que logo no início apresenta
como cenário uma planície avermelhada. O braseiro e o fornalho dão a
dimensão do calor que Luiz Gonzaga quis retratar e Graciliano Ramos fala de
uma manhã, sem pássaros, sem folhas e sem ventos.
Asa Branca é um baião, que foi composto por Luiz Gonzaga e
Humberto Teixeira. Na voz de Luiz Gonzaga, a música fez e ainda faz sucesso
nacional e internacional. ''Vidas Secas'', de autoria de Graciliano Ramos, fala
sobre a seca do nordeste e também da secura nos atos dos personagens, que
precisam dessas atitudes para resistir aos muitos obstáculos, impostos pela
natureza.
Antropofagia e Tropicália
Contra a realidade social, vestida e opressora,
cadastrada por Freud – a realidade sem complexos,
sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias
do matriarcado de Pindorama.
Oswald de Andrade – Manifesto antropófago
a alegria é a prova dos nove
e a tristeza é teu porto seguro
minha terra é onde o sol é mais limpo
e mangueira é onde o samba é mais puro
tumbadora na selva selvagem
pindorama – país do futuro
Gilberto Gil & Torquato Neto – Geléia geral
“O Tropicalismo é um neoantropofagismo”: assim definiu Caetano
Veloso, em entrevista concedida a Augusto de Campos , o movimento que
ajudara a fundar e deflagrar.A explosão do Tropicalismo (ou Tropicália), se deu
nos Festivais da Música Brasileira, no fim da década de 60, quando “Alegria,
Alegria”, de Caetano Veloso e “Domingo no Parque” de Gilberto Gil chamaram
a atenção da mídia e do público por trazerem uma proposta inovadora em suas
letras e arranjos, misturando Rock’n’roll, música experimental de vanguarda e
ritmos brasileiros. Pouco depois, seria lançado o LP Tropicália, do qual
participaram Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Torquato Neto, Rogério
Duprat, Os Mutantes, etc.
Neste texto, procuraremos investigar mais afundo esse que é “antes de
tudo um movimento dessacralizador. Irônico e parodístico” (SANTANA, 1977,
p. 233), segundo nos diz Afonso Romano de Santana. Observar a importância
deste movimento para a formação da (contra-) cultura brasileira no que se
chama modernismo tardio ou pós-modernismo, e sua poética dessacralizadora
que mescla o popular e o erudito, que incorpora o “canônico” a “cultura de
massa” (ou vice-versa), que deglute os monumentos de cultura das fontes
irradiadoras (seja do colonialismo ou neoimperialismo), carnavaliza-as e
descentra sua influência.
A partir daí, podemos observar as origens imediatas e remotas da
Tropicália, que busca desde a tradição barroca, do já antropófago Gregório de
Matos, retoma as propostas do modernismo de 22, principalmente as lançadas
no “Manifesto Antropofágico” de Oswald de Andrade (“Tupy, or not Tupy...”) e,
dessa forma, se relaciona com outros movimentos de vanguarda de sua época,
como o Cinema Novo e o Cinema Marginal, o Poema-Processo, a Poesia
Marginal, a psicodelia hippie, todos marcados pelo seu aspecto experimental e
iconoclasta, que mescla elementos heteróclitos, de diferentes linguagens e
contextos, para criar uma arte autêntica de caráter híbrido. É importante
ressaltar que tudo isto se deu em plena ditadura militar, e a estética arrojada da
Tropicália era também uma forma de velar uma crítica, dessa forma, o protesto
social adquiria caráter estético, de maneira que forma e conteúdo se uniam em
uma proposta revolucionária que extrapolava para o comportamento: as cores,
roupas e danças, a libertação dos instintos e o caráter muitas vezes andrógino
dos artistas dialogavam em um sistema de signos constituindo uma mensagem
subversiva.
O grupo Secos e Molhados surge pouco depois da deflagração da
Tropicália. Formado por Ney Matogrosso, João Ricardo e Gerson Conrad,
lançaram dois discos, o primeiro em 1973 e o outro em 1974, trazendo ainda as
concepções estéticas do movimento, evidenciadas nas performances e visual
pitorescas e na musicalização de poemas de Fernando Pessoa, Manuel
Bandeira, Oswald de Andrade, Julio Cortázar resinificando estes textos
transpondo-os para outra realidade histórico–social e retomando, ainda, a
proposta de Mallarmé, de [re]junção entre música e poesia.
Dessa forma, o Secos e Molhados talvez refine ainda mais a proposta
tropicalista de transgressão estética e comportamental, trazendo em suas
letras críticas veladas através de jogos intertextuais, confirmando em suas
canções a equivalência entre os termos “antropofagia”, de Oswald de Andrade,
“intertextualidade” de Kristeva e “dialogismo” ou “carnavalização” de Bakhtim, e
o poder subversivo que essas práticas textuais assumem por meio da paródia,
quando o dominado assume a força do discurso dominante para denunciar as
próprias instituições de poder, onde o nivelamento da arte dita “elevada” e a
arte “baixa”, popular, é uma forma de provocar e atacar a cultura oficial, elitista
e colonizada, colocando a expressão da margem no centro da discussão e
derrubando as hierarquias. Isto é, antropofagia e carnavalização são meios de
inversão e resistência.
Para melhor ilustrarmos essas afirmações, cabe partirmos para a
análise de uma letra dos Secos e Molhados. Trata-se de “El Rey”, canção
composta por Gerson Conrad e João Ricardo e lançada no disco de 1973:
“Eu vi El Rey andar de quatro
De quatro caras diferentes
De quatrocentas celas
Cheias de gente
“Eu vi El Rey andar de quatro
De quatro patas reluzentes
De quatrocentas mortes...
“Eu vi El Rey andar de quatro
De quatro poses atraentes
De quatrocentas velas
Feitas duendes”
Devemos observar, primeiramente, que o texto é permeado pela
relação entre três ideias: Poder — decadência — resistência. El Rey é o signo
do poder. A forma castelhana nos remete ao poder colonial: opulência, riqueza
e dominação. Entretanto, o primeiro verso da canção diz: “Eu vi El Rey andar
de quatro”. Neste verso entra também o elemento da decadência. O rei de
quatro é a ridicularizarão do grandioso, e, quando no verso seguinte, lemos
“quatro caras diferentes”, observamos que a palavra “cara” traz um sentido
diferente de “face” ou “rosto”, pois, apesar de serem aparentemente sinônimos,
a forma utilizada no texto é cotidiana, uma gíria comum em contextos informais
e referente ao que é baixo, sem apresentar qualquer reverência ou respeito,
então aqui a palavra “cara” aparece como índice se dessacralização.
Quatro caras: o poder se apresenta de várias formas, muda as
máscaras (as personas, como no teatro grego), transforma o discurso. Assim
como em um teatro, o poder muda de máscaras, e, assim como em um
carnaval, suas máscaras trazem o brilho da riqueza na forma de extravagância.
E, como bem traduz o barroco, o grandioso e o grotesco — a opulência e a
decadência — andam juntos. O índice do despotismo surge no verso seguinte:
“De quatrocentas celas cheias de gente”. Aqui vemos que o poder se
despersonaliza, muda de máscaras e de discursos, mas, seja o discurso
colonial imperialista, seja o neoliberal pretensamente democrático, vemos as
história dos vencedores marchando sobre os corpos dos vencidos, e a tirania
aparece no fim desta primeira estrofe na forma da supressão da liberdade do
outro.
A estrutura da primeira estrofe se repete na seguinte, isto é, o estribilho
inicial, no segundo verso, “patas reluzentes” aparece no lugar de “caras
diferentes”, apresentando, contudo, a mesma estrutura morfológica:
caras/patas, assim como diferentes/reluzentes, apresentam o mesmo número
de sílabas, as silabas tônicas na mesma posição e as mesmas terminações,
mantendo a cadência e a melodia do texto. Além disso, essa correspondência
estrutural anuncia que também será mantida as relações de ideias, pios,
“quatro patas reluzentes” podem referir-se tanto à imagem de uma montaria,
símbolo de altivez cavalheiresca, ou às quatro patas do próprio rei. O reluzente
da riqueza vem novamente associado ao rebaixamento da imagem grotesca do
“rei de quatro”.
Cabe aqui enfocarmos a peculiaridade da palavra “morte” dentro do
texto. Como podemos observar, o poema é dividido em três estrofes, duas de
quatro versos, e uma, à qual nos reportamos agora, de três. Porém, na
cadência da música, o lugar do quarto verso da segunda estrofe fica vazio, ou
melhor, é preenchido pelo silêncio. Silêncio expressivo. Os três pontos que
seguem a palavra “morte” corroboram essa ideia. Assim, podemos
compreender a morte como forma maior de violência e coação, a pena capital
empreendida pelo poder, sobre a qual não se faz necessário o uso de nenhum
adjetivo: diante da (ameaça de) morte, o coagido deve calar, não por respeito à
autoridade, mas por medo de sua força.
A terceira estrofe traz a mesma estrutura das anteriores: após o
estribilho, surge, no segundo verso, “poses atraentes”, que se relaciona
morfologicamente a “caras diferentes” e “patas reluzentes” reiteram a idéia da
elegância atrativa ligada à imagem de riqueza ostentada pelo rei se
relacionando à extravagância humorística, por meio da imagem caricatural
atribuída à elegância e à riqueza na paródia carnavalizante. E nos dois últimos
versos temos novamente o índice da dominação em “quatrocentas velas”. Num
primeiro momento, o vocábulo “velas” pode ser visto como índice da
dominação colonizadora se associado metonimicamente às caravelas que
cruzaram o oceano subjugando povos. Por outro lado, “velas” pode também ser
relacionado metonimicamente à morte. Visto por essa segunda perspectiva, a
palavra “duentes”, presente no último verso, apresenta-se como uma chave de
leitura por ilustrar como a resistência se integra no texto.
Este ente fantástico, muito comum na mitologia céltica, é um símbolo
de travessuras, de caráter semelhante aos sátiros da mitologia grega. Dessa
forma, o duende é o que satiriza, ironiza, parodia, ridiculariza, ou seja, uma
figura carnavalizante. As quatrocentas velas, quatrocentos mortos — políticos,
culturais, etc. —, os vencidos e marginalizados dos centros de poder, erguem-
se para novamente se opor, utilizando da carnavalização como instrumento de
resistência. A carnavalização, apresentando-se como paródia, isto é,
reescritura e transformação de outro texto, torna-se antropofagia quando o
autor imerso em uma situação desfavorável, ou subdesenvolvida, como diz
Antonio Candido, isto é, na situação de dominado, assume o texto do outro, do
dominador, e o transforma. Dessa forma, como diz Robert Stam:
O artista não pode ignorar a presença da arte estrangeira; tem de
engoli-la, carnavalizá-la e fazer uma reciclagem para objetivos nacionais.
‘Antropofagia’, nesse sentido, é um outro nome para o que Kristeva, traduzindo
Bakhtin, chamou de ‘intertextualidade’ e que o próprio Bakhtin chama de
‘dialogismo’ e carnavalização. (STAM, 1992, p. 49)
Nesse sentido, a carnavalização como resistência apresenta-se no
plano estético e textual assim como no plano social:
[O carnaval é] uma celebração coletiva que funciona como um modo de
resistência simbólica, da parte da maioria marginalizada dos brasileiros, às
hegemonias internas de classe, raça e gênero. Para Da Matta, o carnaval é o
lócus privilegiado da inversão. Todos os que foram socialmente marginalizados
invadem o centro simbólico da cidade (Idem, Ibidem, p. 50.)
E, mais adiante, afirma que “A lógica do carnaval é a do mundo de
pernas para o ar, onde se zomba dos poderosos e onde reis são entronizados
e depostos” (Idem, Ibidem. p. 52)
A carnavalização é a principal forma de subversão do oprimido contra o
discurso oficial do dominador e é amplamente utilizada pela Tropicália e, mais
especificamente, pelos Secos e Molhados.
Nesse ponto, cabe ainda ressaltar o diálogo do texto com a tradição
literária colonial, marcadamente o Barroco. Esse diálogo é já evidente na
linguagem medievalista do texto, mas pode ser aprofundado observando-se
algumas características barrocas dentro do poema em análise. Uma delas é o
exagero das imagens. Tal característica é evidenciada não só nas imagens
exóticas e grotescas, mas também com a utilização do conceptismo, recurso
que cria um jogo verbal, o qual se estende a um jogo de idéias antitéticas.
Assim, os números quatro e quatrocentos se referem ao exagero do poder: o
quatro a riqueza que atrai, o quatrocentos a tirania que oprime. E, desse jogo
de idéias antitéticas que desvela a decadência daquilo que é grandioso através
da ironia e da paródia, resulta a resistência. Gregório de Matos é um baluarte
dessa prática, com suas elaboradas sátiras ao governo colonial antecipou a
Antropofagia oswaldiana, quando parafraseou o poema “Triste Tejo” do
português Francisco Rodrigues Lobo em seu ácido “Triste Bahia”.
Dessa forma, nota-se também, o aspecto metalinguístico de “El Rey,
pois evidencia a atitude do artista Latino Americano, que, ao tomar consciência
de seu subdesenvolvimento, não se isola da cultura dominante, símbolo do
poder colonial outrora, e neo colonial atualmente, e sim devora-a, parodia e
dessacraliza, impondo sua resistência.
Intertextualidade Manuel Bandeira e Millôr
Fernandes (Pasárgada)
Vou-me embora de Pasárgada
Sou inimigo do rei
Não tenho nada que quero
Não tenho e nunca terei
Vou-me embora de Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
A existência é tão dura
As elites tão senis
Que Joana, a louca da Espanha
Ainda é mais coerente
Do que os donos do país.
(Millôr Fernandes. Folha de S. Paulo,
março/2001)
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive.
(Manuel Bandeira. “Bandeira a Vida
Inteira”. Editora Alumbramento – Rio
de Janeiro, 1986, pág. 90)
Pasárgada, poesia de Manuel Bandeira (que é um poema conhecido,
consagrado, um cânone) e uma releitura do mesmo poema realizada por Millôr
Fernandes. Manuel Bandeira é da Primeira Geração Modernista e sua
característica é uma linguagem renovada ao falar do cotidiano. As lentes líricas
de Manuel Bandeira transformam cenas banais do dia-dia em poesia "é o olhar
terno para o cotidiano". Segundo o próprio autor, o poema "veio" na sua
primeira vez, na adolescência quando traduzia textos em latim e nestes textos
Ciro estava construindo uma casa de veraneio e o nome era Pasárgada, que
significa campo dos persas. Então sua imaginação começou a tentar criar este
lugar, como seria Pasárgada. Mas foi na vida adulta, cansado da vida, vindo do
trabalho que o autor falou: "Vou-me embora pra Pasárgada!" e o poema veio
inteiro. A Pasárgada de Manuel Bandeira é uma cidade imaginária que o eu-
poético idealiza como um lugar perfeito e onde tudo pode ser realizado. A voz
que fala está desapontada, sem esperanças e cansada da sua realidade e usa
a fuga para o seu imaginário onde fica uma cidade em que todos os seus
desejos serão realizados. Em Pasárgada o eu poético é amigo do rei, a
autoridade maior do lugar e consequentemente tudo que quiser ou que desejar
estará ao seu dispor, pois no verso "Aqui eu não sou feliz" fala claramente que
no mundo real é infeliz. A ausência de leis ou regras a cumprir, a liberdade
sexual para ter a mulher que quiser e "um processo seguro contra concepção"
refletem o desejo de realizar coisas que no seu "mundo" real não são
possíveis. Bem como o uso de drogas "à vontade", é mais um desejo que só
em Pasárgada pode ser realizado. E ainda há a referência dos contraceptivos
que funcionam e portanto não há motivos para preocupação com gravidez
indesejada em Pasárgada. Outro fato interessante é o fato do eu poético tratar
de forma idílica as prostitutas no verso "pra gente namorar", termo só usado
para as "moças de família", é como se fosse uma forma de respeito também.
Tudo é tão subversivo em Pasárgada, que o parentesco também "quebra sua
ordem" e Joana a Louca da Espanha é a contraparente da nora que ele nunca
teve! A rainha espanhola Joana, era uma mulher a frente de seu tempo,
inteligente, ousada, que não se conformava em ficar sem fazer nada, queria
governar, realizar coisas...E ainda amava seu marido, o rei Felipe "O Belo", e
demonstrava isso em uma época de casamentos arranjados para juntar
fortunas, não era comum e até "loucura" demonstrar amor. Outra "imagem"
existente no poema é a infância do autor que foi privado da liberdade das
brincadeiras infantis e em Pasárgada ele realiza o sonho de tomar banho de
rio, banho de mar, subir em pau-de-sebo, montar à cavalo e ouvir as histórias
de Rosa, sua babá, que é homenageada no poema. E quando estiver triste,
com vontade de se "matar", há a fuga para Pasárgada, lá tudo é possível, lá
"sou amigo do rei". A Pasárgada de Millôr Fernandes é o retrato do desencanto
com a situação política e econômica brasileira, pode-se afirmar que o autor fala
do Brasil devido a semelhança dos fatos narrados com os problemas do nosso
país. No primeiro verso do poema, que também é o título, em vez do eu poético
ir para Pasárgada, seu desejo é de ir embora de Pasárgada. E então se inicia o
poema com a crítica social a esta cidade imaginária que é a representação do
pessimismo diante da realidade da vida. Após o primeiro verso, que é a
repetição do título do poema, o eu lírico afirma que é inimigo do rei, informação
contrária ao poema de Manuel Bandeira. E ser inimigo do rei significa também
não aprovar as atitudes desta pessoa, no caso, pode-se entender que a
referência é feita ao presidente do país, que é a nossa autoridade máxima. Nos
versos seguintes em que o eu poético afirma que a existência é dura, as elites
são senis e que não tem e nem nunca terá nada do que deseja, podemos
confirmar o seu sentimento de revolta e pessimismo diante da situação caótica
de Pasárgada. No verso "Aqui não sou feliz" que é o mesmo verso de Manuel
Bandeira em Pasárgada, mas há a diferença de sentido atribuído que para um
significa a realidade com a perspectiva de ser feliz em Pasárgada e para o
outro o eu poético é a realidade do seu sentimento e sem ter nenhuma opção
de fuga para a felicidade. A rainha espanhola Joana, no verso de Millôr
Fernandes, mesmo com toda sua "loucura" é mais "coerente do que os donos
do país". O contexto social brasileiro é denunciado no poema ao se referir,
também, na forma como a polícia age "baixando o pau", ou seja, com violência,
o exercício que o trabalhador tem tempo para fazer é nos velhos trens, lotados,
a caminho e na volta do trabalho. A voz que fala está angustiada que fala está
cansada do país em que tudo a revolta, sem esperança, que já comprou ida
sem volta e diz "Aqui não quero ficar", não tem nada, nem mesmo a
recordação. Está muito claro seu sentimento e o que quer dizer, não há
metáforas ou outro meio de disfarçar o que quer transmitir, o poema é muito
objetivo. E a outra crítica social que há no texto poético é sobre a alta taxa de
natalidade, a falta de planejamento familiar que é uma das causas do aumento
desordenado da população. O Estado não consegue alimentar, abrigar e
educar tanta gente. E é nos versos "Nem a fome e doença, Impedem a
concepção" que estes fatos podem ser relacionados. E ainda fazendo uma
comparação entre o poema e a realidade brasileira e até mundial, o telefone
não telefona: como está sendo o serviço prestado pelas operadoras de telefone
fixo e móvel?
Não é atual esse tema? E preços altos, linhas cruzadas, clonadas, fora
de área...
No verso "A droga é falsificada" é também um fato contemporâneo que
se confirmava imprensa escrita, televisiva e outras fontes que atualmente
falsifica-se inclusive drogas, que são misturadas com produtos químicos para
render, não há mais droga pura.
Em se falando de prostitutas aidéticas é outro retrato atual.
A expansão do vírus da AIDS, que embora não tenha mais tanta vez na
mídia, está aí e é preocupante. E mesmo assim, a "geração do ficar" não
parece preocupada com isso.
Finalizando, a tentativa de interpretar um poema claro como este,
percebemos as características contemporâneas no texto de Millôr Fernandes,
com a presença da crítica social e humor sarcástico para denunciar os
problemas sociais e políticos que presenciamos nessa época de mensalão,
juízes presos, memórias de Bruna Surfistinha, cracolândia, chacinas...
O autor está ou não está falando da realidade?
Resenha Sociedade dos Poetas Mortos
O filme sociedade dos poetas mortos, dirigido por Peter Weir é um
drama vivido na Academia Welton no ano 1959, nos Estados Unidos. Uma
escola tradicional de segundo grau, que aplica um ensino rígido como na
academia militar e adota uma concepção didática racionalizada com
prospecção para formação superior.
No início do filme, uma solenidade de abertura do ano letivo, onde os
alunos adentram o auditório com trajes formais exibindo os brasões, a farda e o
comportamento sisudo exigido pela escola. Na plateia, os pais e funcionários
acompanham o hino exaltando a herança histórica e os legados da
colonização. O discurso formal do diretor Nolan(Norman Lioyd), enfatizando os
cem anos da escola e o orgulho estribado nos quatro pilares, que ainda
garantiam o sucesso daquela instituição: Tradição; Honra; Disciplina;
Excelência. A menção desses princípios empolga muito os pais de alunos no
auditório, pois sabem que ali as chances são bem maiores de seus filhos
ingressarem em curso superior e a garantia de um futuro promissor.
A apresentação do novo professor John Keating (Robin Willins) que já
fora aluno dessa escola.
Na sua primeira aula, o professor Keating inicia a leitura com uma frase
de um poema de Walt Whitman a respeito de Abraham Lincoln: “Meu Capitão,
Meu Capitão”, o que se pode entender teria chamado assim também seu
mestre que o inspirou. Pede aos alunos que leiam o primeiro verso do poema
“Às virgens para aproveitar o tempo” da página 542 do livro de hinos:
“Pegue seus botões de rosas enquanto podem...”. O professor explica
que o termo em latim para esse termo é Carpe Diem - Aproveite o dia. Viver
cada dia intensamente como se fosse o último.
Na aula seguinte, solicita a leitura da introdução do livro: “Entendendo
a Poesia”. O texto diz que a poesia pode ser demonstrada com gráfico
matemático, não parece ser aplicação da interdisciplinaridade, mas apenas um
método antiquado de olhar a poesia. Keating pede que arranquem essa e
outras páginas semelhantes. Diz ele: “Poesia é para ser vivida e não
calculada”. Que não pensem como são mandados, mas pensem por si
mesmos. Com certa dificuldade consegue convencê-los. O professor sobe na
mesa, pede aos alunos que subam também e vejam de forma diferente. Ver de
outro ângulo, por si mesmos e não apenas como são induzidos.
O professor Keating é do tipo que entra na sala assoviando; Descontrai
os alunos; Leva-os para aulas ao ar livre; Pede que façam poesias
espontâneas; Incute neles o desejo de viver cada momento intensamente.
Adota um estilo divergente da escola tradicional. Leva os alunos a uma nova
forma de ver as coisas.
Os alunos começam a tomar gosto pela literatura e a perceberem a
sensação de viver a poesia. Sentem o ambiente, que aliás é propício para
aulas ao ar livre. O ambiente evoca a tradição inglesa: Árvores altas, extensos
jardins, a exuberância da natureza, espaços bem definidos. Os alunos se
sentem à vontade com o professor Keating, deixam fluir suas inspirações. As
aulas começam a produzir efeitos.
Neil Perry (Robert Sean) um dos alunos, descobre o anuário do
professor Keating e o questiona sobre o que seria a Sociedade dos Poetas
Mortos, da qual ele fazia parte. O professor hesita, mas fala dos hábitos e do
local secreto onde costumavam se reunir para ler poesia. Isso foi o bastante
para aguçar a curiosidade no grupo, que nas horas de folga com facilidade
conseguiam chegar até a caverna onde principiaram suas primeiras leituras
ainda tímidas.Tomaram gosto e as idas até lá viraram o hobby preferido deles,
às vezes até as garotas também participavam.
Essa nova sensação despertou em Neil o gosto pela dramatização e
resolveu se inscrever para uma peça de teatro, onde concorreu e conseguiu o
papel principal. Empolgado contou aos colegas, mas não conseguiu o apoio do
pai. Ficou muito triste. Pediu a opinião do professor Keating, que o aconselhou
a ser aberto com seu pai. Neil não tem liberdade para se expressar. Seu pai, é
um linha dura, que não abre mão dos seus princípios e lhe nega o
consentimento. Neil forja uma autorização da escola com assinatura falsa do
diretor. Saiu-se bem na peça. Festejou o sucesso da apresentação. Recebeu
os aplausos do auditório. O abraço dos colegas e amigos, mas teve de suportar
a dura chamada do pai. A gota d’água para sua decepção com relação à futura
carreira. Desanimou totalmente. Desistiu de viver. A arma do próprio pai foi seu
carrasco. Aquela noite de glória foi também de caos. Entrou definitivamente
para a sociedade dos poetas mortos, mas de forma trágica. O tão
entusiasmado Neil, agora deixa tristeza na família, na escola, nos colegas e
amigos. É a notícia do momento. Assunto dos corredores. A escola não iria
perder sua reputação. O diretor tem de punir alguém. Não poderia ser outro: O
professor Keating, seria demitido. Convoca os alunos do professor Keating e
interroga-os, quer saber quem faz parte da sociedade. Terão de renunciar e
assinar o termo de responsabilidade. Os pais estão presentes e certificam-se
de que tal professor não lecionará mais ali. Os jovens não têm escolha. Grande
é a sua dor em ter de separar-se do professor. As aulas voltarão a ser com
antes dele. O diretor assume a sala. Todos terão de pagar as matérias
atrasadas. Rever o assunto antes refutado.
O professor Keating entra na sala para pegar suas coisas no armário.
Será o último encontro com aqueles alunos. Ao sair, mesmo sem se despedir,
Anderson um dos alunos, com uma atitude inusitada, sobe na carteira, e
exclama: Meu capitão! Esse era o apelido carinhoso que lhe deram. Os outros
imitam. O diretor que está lecionando perde o domínio da sala. O professor
keating agradece, pois sabe, mesmo não podendo mais continuar ali, leva a
certeza de que algo ficou marcado naqueles garotos.
A conclusão desse episódio é que o filme Sociedade dos Poetas
Mortos mostra uma crítica à educação tradicional, onde o aprendizado
acontece de forma mecânica: O professor fala, o aluno ouve. O discente não
inclui suas experiências do dia-a-dia no processo de aprendizagem. O
professor Keating rompe com o tradicional e mostra um novo ideal pedagógico
no qual a relação entre professor e aluno deve ter uma vivência democrática e
interativa de forma espontânea, permitindo ao aluno poder extrair o melhor de
si.
Carpem Die Sociedade dos Poetas Mortos
“Mas se você escutar bem de perto, você pode ouvi-los sussurrar o seu
legado. Vá em frente, abaixe-se. Escute, está ouvindo? - Carpe - ouve? -
Carpe, carpe diem, colham o dia garotos, tornem extraordinárias as suas
vidas."
Nesta cena do filme o Prof. Keating está em frente a uma galeria de
fotos de ex-alunos que formaram na tradicional escola Welton, ele pede para
que os alunos se aproximem da galeria para ouvirem o espirito de seus
predecessores a dizer: "carpe diem"1.
1 Carpe diem é uma expressão em latim que significa "aproveite o dia". Essa é a tradução literal, e não significa aproveitar um dia específico, mas tem o sentido de aproveitar ao máximo o agora, apreciar o presente.
Intertextualidade Triste Bahia! Ó quão dessemelhante (Gregório de
Matos) e Triste Bahia (Caetano Veloso)
Triste Bahia
Caetano Veloso
*A primeira estrofe da música é parte
do poema homônimo de Gregório de
Mattos
Triste Bahia, oh, quão dessemelhante
estás
E estou do nosso antigo estado
Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado
Rico te vejo eu, já tu a mim abundante
Triste Bahia, oh, quão dessemelhante
A ti tocou-te a máquina mercante
Quem tua larga barra tem entrado
A mim vem me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante
Triste, oh, quão dessemelhante, triste...
Pastinha já foi à África
Pastinha já foi à África
Pra mostrar capoeira do Brasil
Eu já vivo tão cansado
De viver aqui na Terra
Minha mãe, eu vou pra lua
Eu mais a minha mulher
Vamos fazer um ranchinho
Tudo feito de sapê, minha mãe eu vou
pra lua
E seja o que Deus quiser
Triste, oh, quão dessemelhante
Ê, ô, galo canta
O galo cantou, camará
Ê, cocorocô, ô cocorocô, camará
Ê, vamo-nos embora, ê vamo-nos
embora camará
Ê, pelo mundo afora, ê pelo mundo
afora camará
Ê, triste Bahia, ê triste Bahia, camará
Bandeira branca enfiada em pau forte
Afoxé leî, leî, leô
Bandeira branca, bandeira branca
enfiada em pau forte
O vapor da cachoeira não navega mais
no mar
Triste recôncavo, oh, quão
dessemelhante
Maria pegue o mato é hora, arriba a
saia e vamo-nos embora
Pé dentro, pé fora, quem tiver pé
pequeno vai embora
Oh, virgem mãe puríssima
Bandeira branca enfiada em pau forte
Trago no peito a estrela do norte
Bandeira branca enfiada em pau forte
Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Gregório de Matos
Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh quisera Deus que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
No soneto, Gregório de Matos lamenta o estado de sua cidade, outrora
rica, agora pobre. Há a personificação da cidade, por o eu-lírico se identificar
com sua condição/a ti trocou-te e a mim foi me trocando. A condição de miséria
da cidade se deve ao fato de ela se dar ao estrangeiro/brichote. O desfecho do
poema possui teor moralizante, já que o poeta propõe como saída o retorno da
cidade á condição de humildade, desejando – por Deus! – vê-la em simples
capote de algodão, desprovida da sedutora seda.
Gravado integralmente em Londres, em1972, Transa é o terceiro
trabalho solo de Caetano Veloso. Marcante pela mistura de ritmos e de
referências culturais e literárias, o disco traz em Triste Bahia uma analogia do
compositor com o Boca do Inferno – ambos perseguidos. Na letra, Caetano
Veloso destaca aspectos culturais – Mestre Pastinha, responsável pela difusão
da capoeira na África e perseguido pelos militares - musicais e literárias – para
lamentar a perda da identidade de sua terra.
A música inicia com alguns versos de Triste Bahia (Gregório de
Mattos). Apesar da grande diferença de épocas entre Gregório e Caetano,
ambos criticam a Bahia com o mesmo poema: Gregório num cenário
econômico, quando itens de necessidade eram trocados por especiarias
europeias e Caetano no cenário político da Ditadura Militar.
Máquina mercante na música de Caetano refere-se à Ditadura.
A partir do trecho "Pastinha já foi à África", Caetano adiciona seus
próprios versos à música.
Durante a Ditadura Militar, a capoeira foi marginalizada e perseguida.
Caetano faz uma citação ao mestre Pastinha, capoeirista que visitou a África
para mostrar a capoeira brasileira. Caetano faz um jogo com o acontecimento e
a época dizendo que Pastinha preferiu ir à África à ficar no Brasil.
Caetano sempre cita uma fuga da Ditadura, como quando diz querer ir
morar na lua e "Vamo-nos embora pelo mundo afora, camará. Triste Bahia
camará" ou "Maria pegue o mato é hora, Arriba a saia e vamo-nos embora". E
"Bandeira branca enfiada em pau forte" significa um pedido de paz, de fim da
Ditadura Militar.
Da poesia barroca, identifica-se o hipérbato, ou seja, a troca da ordem
direta dos termos da oração, a antítese, que consiste na exposição de ideias
opostas e a obsessão pela linguagem culta, característica barroca.
Sermão de Santo Antônio aos Peixes
Resumo
O sermão foi proferido em São Luís do Maranhão em 13 de junho de
1654, dia de Santo Antônio e três dias antes da partida de Vieira para Portugal,
onde pretendia interceder em favor dos índios diante das autoridades
portuguesas. O sermão é construído em forma de alegoria, dirige-se aos peixes
mas, na verdade, fala aos homens.
O texto está dividido em seis partes. A primeira delas é o exórdio, ou
introdução, na qual faz o chamamento "Vós sois o sal da terra". Os pregadores
são o sal da terra, cabendo ao sal impedir a corrupção. Mas na terra não lhes
dão ouvidos, por isso voltam-se para o mar, onde estão os peixes. Há também
a invocação da Virgem Maria.
Nas partes II a V temos o desenvolvimento do sermão. Antônio Vieira
exalta as qualidades dos peixes, como a obediência, e repreende os vícios,
como a soberba e o oportunismo. Deve-se destacar aí a citação de diversos
tipos de peixes. As virtudes são descritas nos peixes de Tobias, Rémora,
Torpedo e Quatro-Olhos. Já os defeitos estão nos seguintes peixes:
Roncadores, Pegadores, Voadores e no Polvo. O principal defeito apontado é a
voracidade, já que os peixes devoram uns aos outros, e, pior ainda, os maiores
devoram os menores.
A última parte é a peroração, ou conclusão, na qual Vieira exalta os
peixes que, por sua natureza, não podem ser sacrificados vivos a Deus e
sacrificam-se então, em respeito e reverência. Confessando-se pecador, o
orador se despede com uma oração de louvor a Deus.
Contexto
Sobre o autor
Antônio Vieira é o maior representante da prosa barroca no Brasil e o
maior orador sacro do Brasil-Colônia. Nascido em Portugal, veio para o Brasil
ainda criança e estudou no Colégio dos Jesuítas, em Salvador.
Importância do livro
Os sermões do Padre Vieira são o melhor exemplo do Barroco
Conceptista no Brasil. São textos que usam a retórica, com jogos de ideias e
palavras, para convencer os leitores (no caso, os assistentes) pelo raciocínio,
mais que pela emoção. No Sermão de Santo Antônio aos Peixes, além de
exaltar a necessidade da pregação, Vieira usa a alegoria dos peixes para
criticar a exploração do homem pelo homem e, mais especificamente, para
condenar a escravidão indígena.
Período histórico
Na época em que o sermão foi escrito, 1654, Padre Antônio Vieira
lutava contra a escravidão indígena e contra a exploração portuguesa. Logo
depois do sermão, o Padre foi para Portugal interceder pelos índios.
Análise
No Sermão de Santo Antônio aos Peixes, Vieira junta sua devoção ao
santo à preocupação que o levaria, dias depois da pregação, a fugir
secretamente para Portugal: a questão da escravidão e dos maus tratos contra
os indígenas. A alegoria e a ironia são a chave de um discurso argumentativo
que quer levar o ouvinte à reflexão. Ao mesmo tempo, a saudação inicial “Vós
sois o sal da terra” é um chamamento à participação ativa na sociedade.
A discussão sobre as virtudes e os vícios humanos passa
necessariamente por uma preocupação social. A ideia de que peixes maiores
comem os peixes menores, ou seja, que a grandeza de cada um na sociedade
tem valor relativo, surge espantosamente à frente do seu tempo. Em plena era
mercantil, o texto de Vieira, por meio da alegoria, desvenda para os colonos do
Maranhão a realidade da competição proto-capitalista: são peixes grandes na
colônia, pois escravizam os nativos, que consideram inferiores, porém, uma
vez na metrópole, serviriam de alimento para outros peixes maiores, contra os
quais não teriam defesa.
Portanto, o texto de Vieira, datado do século XVII, traz para nós uma
inquietante contemporaneidade, pois seus temas principais são a ganância
humana e a corrupção da sociedade, assuntos mais do que presentes em
nosso cotidiano. Por meio de sua linguagem finamente elaborada, Vieira nos
faz refletir sobre os desafios da sociedade de seu tempo, nos ajudando
também a pensar sobre a nossa realidade.
Morte e Vida Severina
RESUMO
Na abertura da peça, o retirante Severino se apresenta à plateia e se
dispõe a narrar sua trajetória. Sai do sertão nordestino em direção ao litoral, em
busca da vida que escasseava em sua terra. Ao longo do caminho, mantém
uma série de encontros com tipos nordestinos. Logo de saída encontra os
irmãos das almas, lavradores encarregados de conduzir a um cemitério
distante o corpo de um colega, assassinado a mando de latifundiários. Aos
poucos, assiste à seca do rio Capiberibe, que Severino segue em sua viagem
ao litoral. Passa por um lugarejo e ouve uma cantoria vinda de uma casa.
Trata-se do canto de excelências, isto é, fúnebre, em honra a outro Severino
morto.
Com a morte definitiva do rio, Severino pensa em desistir de sua
viagem, mas acaba por optar pelo prosseguimento. Assim, planeja instalar-se
naquele mesmo lugar. Conversando com uma moradora, percebe que
nenhuma das atividades que poderia desempenhar – agricultura e pecuária –
encontraria espaço ali, mas apenas aquelas ligadas à morte, como rezadeira e
coveiro.
Severino continua sua jornada e passa pela Zona da Mata, região de
relativa prosperidade no interior do sertão. Encanta-se com a natureza
verdejante do lugar, mas percebe ainda a presença da morte ao testemunhar o
funeral de um lavrador que se realiza no cemitério local. Abandona o
pensamento inicial de encerrar ali a busca que mantinha pela vida e continua
sua viagem.
Por fim, chega ao Recife, onde resolve descansar ao pé de um muro.
Trata-se de um cemitério, e Severino escuta então o diálogo entre dois
coveiros. Os trabalhadores conversam sobre o trabalho que lhes dão os
retirantes que saem de suas casas sertanejas para morrer ali, fazendo-o
ademais no seco e não no rio – o que lhes daria menos serviço e mais
sossego. Diante desse novo encontro com a morte, Severino resolve entregar-
se a ela e se matar, atirando-se em um dos rios que cortam a cidade.
Ao se aproximar do rio, inicia um diálogo com José, mestre carpina
(carpinteiro), morador ribeirinho. Pergunta-lhe se aquele ponto do rio era
propício ao suicídio. O mestre responde positivamente, mas tenta convencer o
retirante a não se atirar. Severino pede então que lhe dê uma única razão para
não fazê-lo.
A resposta do mestre é interrompida pelo anúncio do nascimento de
seu filho. José o celebra com vizinhos e conhecidos, recebe os presentes
pobres que lhe trazem, ouve as previsões pessimistas de duas ciganas a
respeito do futuro da criança e, por fim, recordando-se da pergunta de
Severino, dispõe-se a respondê-la. Afirma então que ele, José, não tem a
resposta para a questão de saber se a vida vale ou não a pena, mas que o
nascimento de seu filho funciona como resposta, representando a reafirmação
da vida diante da morte.
CONTEXTO
Sobre o autor
João Cabral é o maior poeta da terceira fase modernista. Mais do que
isso: forma, ao lado de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira o trio
de poetas mais importantes da nossa história. É o poeta da pesquisa formal, da
exatidão, da linguagem enxuta cuja matriz está, reconhecidamente, em
Graciliano Ramos.
Importância do livro
Em Morte e Vida Severina, sem abrir mão do rigor imagético e da
síntese expressiva, João Cabral alcança uma comunicabilidade maior, talvez
em função do fato de ter sido desafiado a escrever uma peça de teatro –
destinada, portanto, a um público mais amplo do que aquele que sua poesia
poderia alcançar. A abordagem do drama da seca é feita de tal forma a
dialogar com o romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, do qual funciona
quase como continuação.
Período histórico
Os anos 1950 se caracterizam na história brasileira pelo
desenvolvimentismo do governo de Juscelino Kubitscheck. Trata-se de um
período de grande entusiasmo cultural e intelectual, que atinge o campo da
literatura em autores como Guimarães Rosa e Clarice Lispector, além do
próprio João Cabral.
ANÁLISE
João Cabral classificou sua peça de auto de natal pernambucano,
levando em conta tanto a forma popular dos versos curtos, comuns nos autos
medievais, quanto a circunstância de tratar de um nascimento (natal) e de
ambientar-se no sertão pernambucano. O título promove uma proposital
inversão entre vida e morte, colocando esta em primeiro lugar. Essa troca da
ordem natural indica os encontros com a morte e a vitória da vida, no final.
LEMBRETE
Morte e Vida Severina é uma peça de teatro em versos. O autor
resgata uma forma popular – os versos curtos – para tratar de um assunto que
atingia particularmente o povo nordestino: a seca.
Além disso, o nome próprio Severina é usado como adjetivo no título,
sugerindo uma ampliação de sentido que é confirmada logo nas primeiras
palavras do retirante, que, ao tentar se apresentar, evidencia que sua situação
particular é, na verdade, uma metonímia do que ocorre com outros sertanejos,
igualmente vítimas da seca.
Em seu caminho em direção ao litoral, Severino alterna diálogos e
monólogos. Os primeiros representam os encontros sucessivos com figuras
simbólicas da morte – irmãos de almas, carpideiras, rezadeiras, funeral –,
inseridas no fundo social da peça, que é a disputa pela terra. Já os monólogos
mostram as reflexões do retirante, que tenta redefinir seus rumos depois de
cada diálogo.
Os pontos culminantes da trajetória fatalista do retirante são a morte do
rio cujo percurso ele acompanha até o litoral – representação de um meio que
se rende à morte como o morador instalado nele – e o paradoxo do contato
com ofícios que demonstram vitalidade justamente porque associados à morte
– rezadeira, coveiro, farmacêutico etc.
A chegada à cidade é a desilusão final do retirante. O diálogo travado
entre os coveiros funciona como sua sentença de rendição à morte, ato
máximo de seu desespero. Por outro lado, o nascimento de uma criança instala
a contradição entre a opção de saltar fora da vida, desistindo dela e a
alternativa de agarrar-se à existência e resistir à morte opressora. Nesse
sentido, a simbologia da criança – para além de figurar o nascimento de Cristo,
em sua condição de filho de carpinteiro – abarca a ideia da purificação, da
limpeza de toda a podridão associada à morte.
A peça não resolve a contradição, já que sua última fala é a do carpina
propondo a vida a Severino, sem que se saiba a opção feita por este. No
entanto, o título da peça, que propõe o encontro final com a vida, parece
sugerir a vitória da resistência e da insistência na esperança.
O que é uma vida severina?
'Vida severina' é uma vida dura, de labuta, dissabores, coragem, força
e fé.
O que é morte severina?
A história começa com um homem chamado Severino que, ao
percorrer todo o sertão, em busca de trabalho só se depara com funerais de
pessoas que morreram de fome, caracterizando a "morte severina", pois eram
todos iguais, tanto na vida, como na morte, morrem sempre da mesma causa:
a fome, provocada pela falta de recursos em decorrência da seca. Uma
passagem do livro que exemplifica bem a morte severino é quando o
personagem Severino diz:
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o
sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
O que ser severino?
Severino é uma metáfora para nordestino, que na maioria das vezes
sai do sertão acreditando que no Recife, ou outras cidades nas quais a seca é
mais branda, a vida pode ser melhor, mas em todo percurso ele vai
percebendo que a vida Severina, independe do lugar, ou das condições
climáticas.
Se a vida dos severinos é tão sofrida, com tantas
dificuldades deve continuar sendo vivida?
José, não tem a resposta para a questão de saber se a vida vale ou
não a pena, mas que o nascimento de seu filho funciona como resposta,
representando a reafirmação da vida diante da morte.
Resenha Filme "Xica da Silva" 1976
O filme Xica da Silva (1976) foi dirigido por Cacá Diegues, grande
cineasta brasileiro. Formou-se em Direito na Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (PUC-RJ), mas seu amor pelo cinema falou mais alto. Dirigiu
filmes como Ganga Zumba (1964), Bye Bye Brasil (1979) e Deus é Brasileiro
(2003). Venceu inúmeros prêmios em variados festivais pelo mundo, como o
Festival de Londres e de Cartagena.
Xica da Silva é um filme de comédia baseado no livro homônimo de
João Felício dos Santos. Narra a estória da escrava Francisca da Silva, mais
conhecida como Xica, que se envolve com o contratador português João
Fernandes, e causa grande alvoroço na cidade e até em Portugal.
Xica da Silva é uma esperta escrava que serve ao Sargento-Mor e a
seu filho, José, um rapaz rebelde que sonha com o fim da exploração. O maior
desejo de Xica é ter a liberdade e ser tratada como “gente”, mas nunca é
levada a sério, e sempre é vista como objeto sexual.
Chega à cidade o Contratador João Fernandes de Oliveira, enviado
pela Coroa para liderar a busca por diamantes. É tratado como um rei pela
população e pelo interesseiro Intendente. Xica é outra que se interessa por ele,
e consegue chamar sua atenção usando seu exotismo e sensualidade. Logo,
vira amante de João Fernandes e tem todos os seus desejos realizados, até os
mais extravagantes, sentindo-se uma rainha. A relação entre escrava e
comendador é vista por maus olhos entre a “elite” da cidade, que acha uma
grande burrice um homem rico e prestigiado gastar fortunas com uma escrava.
Como passo final para sentir-se tratada como “gente”, Xica consegue
sua carta de alforria, mas ao tentar entrar na igreja, é barrada por conta de sua
cor da pele, o que a deixa furiosa. João Fernandes lhe dá um palácio e um
navio para ratificar que ela é uma rainha, e tais atitudes são denunciadas ao rei
de Portugal.
O rei de Portugal envia o Conde de Valadares para inspecionar o
trabalho do Contratador. Sua chegada causa medo em João Fernandes, que
teme ter que voltar a Portugal, e por isso, enche o Conde de presentes como
meio de “amansá-lo”. Logo, Xica percebe que presentear Valadares não está
funcionando e tenta criar um exército, com ajuda de Teodoro, um garimpeiro
ilegal, mas ele acaba sendo pego por Valadares e seus capangas. Como última
cartada, a dama do contratador oferece um banquete africano ao Conde, que
fica furioso. João Fernandes é obrigado a voltar a Portugal, deixando sua
amante na colônia. Xica vê seu prestígio e poder se diluir com a partida forçada
de seu companheiro. Volta a ser anônima.
O filme de Cacá Diegues é comédia de forte apelo popularesco com
personagens estereotipados e até exagerados. Na primeira cena, um dos
personagens diz ao Contratador “Somos artistas e não nos metemos com
política”. Tal fala parece ser um recado para a censura militar da época com o
intuito de frisar que o filme ali produzido não tocará no assunto política. Mas,
claro que Diegues não deixaria de fazer sua crítica, para tanto, usa o
personagem José, interpretado por Stepan Nercessian, um jovem que é contra
a exploração vivida pela colônia. Em um momento, diz “O povo gosta de quem
os explora”. José é da era colonial, mas suas ideias são atuais. Ele,
como muitos, lutam contra a exploração do sistema.
Zezé Motta foi feliz em sua interpretação como Xica da Silva, que, no
filme, veio buscando sua liberdade e reconhecimento. Xica viu em João
Fernandes o meio mais rápido de atingir seus objetivos. Ela queria ser
reconhecida como um branco era reconhecido na sociedade, para isso, passou
a se vestir, comer e frequentar os mesmos lugares que os brancos, mas não
importava o que ela fizesse, sua cor de pele sempre estaria a frente na hora de
ser julgada. Assim é a realidade, não importa o que as pessoas façam, sempre
serão julgadas pela cor da pele, opção sexual, peso... Ao final do filme, quando
seu amante vai embora, Xica, mesmo livre, é ainda tratada como escrava.
Xica da Silva se passa na metade do Séc. XVIII e trata de questões
como escravidão e extração de diamantes, além de ser uma adaptação de um
livro de grande sucesso. Portanto é uma boa pedida para quem se interesse
em estudar o período colonial do Brasil.
Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles
RESUMO
Na Idade Média, romance era o nome que se atribuía a uma obra
poética de caráter narrativo. Uma reunião de romances formava um
romanceiro. O Romanceiro da Inconfidência narra a história da Conjuração
Mineira, movimento revoltoso de 1789 promovido por colonos brasileiros que
pretendiam tornar a região de Vila Rica (Minas Gerais) independente do
domínio português. O sucesso poderia levar à utilização da riqueza produzida
pelo ouro na própria região, acabando com a sangria monetária promovida
pelos interesses metropolitanos.
Em uma “Fala inicial”, o narrador, assumindo a primeira pessoa,
manifesta a sensação imperativa de tornar pública a revolta que toma conta da
colônia, o que funciona como justificativa para a própria obra. A partir daí, a
história narrada é dividida em “Cenários”, obedecendo à ordem cronológica dos
acontecimentos.
Assim, o primeiro Cenário enquadra o desenrolar da febre do ouro na
região: a busca enlouquecida pelo metal, a crescente intervenção das
autoridades, a consequente luta dos colonos contra o poder instituído (como a
Revolução de 1720, liderada por Felipe dos Santos), a prática do contrabando
e, por fim, a presença ativa dos escravos na mineração. A atuação dos negros
acabou por gerar a lenda do Chico-Rei, lendário negro que, enriquecido,
dedicava-se a comprar a liberdade de outros, e a de Chica da Silva, a sedutora
namorada de um rico minerador. Essa primeira parte da narrativa se encerra
com o nascimento de Tiradentes (1746).
O segundo Cenário é a cidade de Vila Rica. Esta parte retrata a vida
local: a bucólica e pacífica poesia dos árcades convive com o crescimento do
espírito de rebelião, que envolve um número cada vez maior de colonos. Surge
o herói Tiradentes, o “animoso alferes”, e, ao mesmo tempo, aquele que viria a
ser o traidor, Joaquim Silvério dos Reis. Espalha-se o terror, com a prisão dos
envolvidos.
Uma “Fala aos pusilânimes” serve como página de acusação aos
traidores de todos os tempos e trata da consequência das prisões: a morte
suspeita do inconfidente e poeta Claudio Manuel da Costa, os padecimentos de
Tomás Antônio Gonzaga, autor dos versos de Marília de Dirceu e o abandono
a que é relegado Tiradentes, que acaba por assumir a culpa solitariamente.
O Cenário seguinte mostra os desdobramentos da Inconfidência para
seus participantes, destacando a relação de Gonzaga com Maria Joaquina, a
Marília de seus poemas: ele se casa no exílio africano, enquanto ela sofre em
terras brasileiras.
O último Cenário relata as atitudes das autoridades portuguesas
responsáveis pela punição dos revoltosos. Narra-se aqui ainda a morte de
Marília. A obra termina com uma homenagem aos rebeldes (“Fala aos
inconfidentes mortos”).
CONTEXTO
Sobre o autor
Cecília Meireles é bem o retrato da poesia de seu tempo. Tendo se
destacado no resgate de recursos da estética simbolista, criando uma
atmosfera difusa para explorar temas abstratos – como fizeram muitos poetas
da época – também enveredou por caminhos mais concretos, como aqueles
pertinentes à temática social – que atravessa igualmente a obra de muitos de
seus contemporâneos.
Importância do livro
Mesmo que destoe um pouco do sentido geral que a autora imprimiu à
sua obra, o fato é que o Romanceiro da Inconfidência se tornou a obra mais
conhecida de Cecília Meireles. De um lado, por apresentar uma linguagem
mais clara e comunicativa; de outro, por tratar de um assunto familiar a muitos
leitores. Seja como for, trata-se de grande poesia.
ANÁLISE
A fala que abre o livro, tratando da necessidade imperativa do canto,
sugere uma concepção da arte como instrumento de eternização da ação
humana. O Romanceiro assume, com essa proposição, uma postura de
combate, opondo-se aos relatos produzidos pela história oficial – pelo menos
aquela construída no período da Conjura. Essa oposição se dá de duas
maneiras: em primeiro lugar, porque aqueles que a história oficial poderia
conceber como traidores são vistos aqui como heróis; segundo, porque a
narrativa de seus atos será feita de uma perspectiva lírica e não apenas factual
– como ocorre no “Romance X”, no qual a Inconfidência é vista da perspectiva
de uma donzela: “Donzelinha, donzelinha / dos grandes olhos sombrios, / teus
parentes andam longe, / pelas serras, pelos rios, / tentando a sorte nas catas, /
em barrancos já vazios!”.
LEMBRETE
Um evento histórico conhecido é abordado sob um prisma subjetivo, no
qual a voz lírica se confunde com atores ou testemunhas do fato. Muitas vezes,
explora-se a função apelativa da linguagem, isto é, aquela que é centrada no
receptor da mensagem. Destacam-se ainda as analogias criadas pela autora.
No entanto, é curioso verificar certa persistência de concepções
maniqueístas – as mesmas que costumam fundamentar algumas produções da
historiografia oficial, pródiga em criar heróis da pátria. Assim, no Romanceiro,
reforça-se a imagem dos inconfidentes como vítimas de perseguições políticas
e indivíduos antecipadores da independência brasileira. Particularmente, a
figura de Tiradentes ganha destaque: mesmo com sua morte, a ideia libertária
permanece, o que sugere o triunfo do heroísmo. Por outro lado, temos o
estereótipo do vilão em Joaquim Silvério dos Reis, o traidor da causa
inconfidente, que merece do Romanceiro a mesma verve acusatória que
acabaria por receber da própria história.
Embora essas ressalvas possam – e devam – ser feitas, é preciso
sempre lembrar que a proposta da autora nunca foi produzir uma obra
documental, mas lírica. Tal característica é comprovada pela insistência com
que a voz poética assume a primeira pessoa, explicitando um olhar subjetivo
mais próprio da poesia que da historiografia. Dessa forma, o livro conduz a um
envolvimento mais lírico que ideológico.
A própria linguagem da obra parece confirmar esse viés: Cecília
resgata algumas expressões árcades, como ocorre no “Romance LIV ou Do
enxoval interrompido”: “Sabeis, ó pastora, / daquele zagal / que andava num
prado / sobrenatural?”. Convém lembrar que muitos poetas do arcadismo
brasileiro se envolveram diretamente com a Inconfidência, como foi o caso de
Claudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga – ambos referidos no
Romanceiro.
Por fim, é importante notar que a força dos versos do texto de Cecília
Meireles é transcendental, isto é, vai além do tempo e do espaço referidos ali.
Na obra, passado e presente dialogam de forma produtiva, de maneira a
iluminar questões que não dizem respeito apenas ao século XVIII da
Inconfidência. Afinal, o livro trata de assuntos bastante atuais, como a ambição
humana, a ação de traidores e a necessidade de se continuar lutando contra
ambos. A “Fala aos pusilânimes”, por exemplo, que encerra uma das partes do
livro, é dirigida aos traidores de todos os tempos, tratados ali por “vós”, o que
sugere um olhar voltado para o presente. Assim, o Romanceiro aponta para um
fato histórico isolado, mas estende suas reflexões para toda a história humana.
Contexto político que deu origem à Inconfidência
(o plano e porque fracassou)
Na segunda metade do século XVIII, Minas Gerais entrou em fase de
decadência econômica (jazidas de ouro esgotadas, mineiros empobrecidos,
altos impostos sobre os mineradores).
Em 1788, a Coroa Portuguesa nomeou o Visconde de Barbacena.
Objetivo: aplicar a Derrama (cobrança dos impostos atrasados).
Movidos pela revolta, importantes membros da elite econômica e
cultural de Minas planejaram um movimento contra as autoridades
portuguesas: a Inconfidência Mineira.
Os planos dos inconfidentes eram:
1) Libertar o Brasil de Portugal, criando uma república com capital em
São João Del Rei.
2) Adotar uma nova bandeira que teria um triângulo no centro com a
frase latina: Libertas quae sera tamen (liberdade ainda que tardia).
3) Desenvolver indústrias no País.
4) Criar uma universidade em Vila Rica.
Sem tropas, sem armas, sem a participação do povo, sem intenção de
libertar os negros, sem o mínimo de organização, bastou que o coronel
Joaquim Silvério dos Reis denunciasse os planos dos inconfidentes ao
Governador de Minas Gerais para que o movimento fracassasse.
Todos os participantes foram presos, julgados e condenados. Só
Tiradentes (o mais pobre, o mais entusiasmado) teve sua pena de morte
mantida: na manhã de 21 de abril de 1792, numa cerimônia pública no Rio de
Janeiro, foi executado. Em seguida, teve a cabeça cortada e o corpo
esquartejado.
Intertextualidade Cláudio Manuel da Costa e
Vladmir Herzog
Cláudio Manuel da Costa
Sua morte está cercada de detalhes obscuros. Há mais de duzentos
anos que o assunto suscita debates e há argumentos de peso tanto a favor
como contra a tese do suicídio. Os partidários da crença de que Cláudio
Manuel da Costa tenha se suicidado se baseiam no fato de que ele estava
profundamente deprimido na véspera da sua morte.
Isso está estampado no seu próprio depoimento, registrado na
Devassa. Além disso, seu padre confessor teria confirmando seu estado
depressivo a um frade que trouxe o registro à luz. Os partidários da tese de que
Cláudio tenha sido assassinado, contestam tanto a autenticidade do
depoimento apensado aos autos da Devassa, quanto a honestidade do registro
do frade.
Quem acredita na tese do assassinato se baseia em um argumento
principal: o próprio laudo pericial que concluiu pelo suicídio. Pelo laudo, o
indigitado poeta teria se enforcado usando os cadarços do calção, amarrados
numa prateleira, contra a qual ele teria apertado o laço, forçando com um braço
e um joelho. Muitos acreditam ser impossível alguém conseguir se enforcar em
tais circunstâncias.
O historiador Ivo Porto de Menezes relata que ao organizar antigos
documentos relativos à Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto,
em 1957 ou 1958, encontrou no livro de assentos dos integrantes da
Irmandade de São Miguel e Almas, a anotação da admissão de Cláudio Manuel
e à margem a observação de que havia "sufragado com 30 missas" a alma do
falecido, e "pago tudo pela fazenda real". De igual forma procedera a
Irmandade de Santo Antônio, que lançou em seu livro: "falecido em julho de
1789. E feitos os sufrágios." Relembra que havia à época proibição de missas
pelos suicidas.
Também Jarbas Sertório de Carvalho, em ensaio publicado na Revista
do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, defende com boa
documentação a tese do assassinato.
Há ainda quem acredite que o próprio governador, Visconde de
Barbacena, esteve envolvido na conspiração e Cláudio teria sido eliminado por
estar disposto a revelar isso. Mas o fato é que somente a tese do suicídio pôde
se lastrear em documentos, ainda que duvidosos quanto a sua honestidade e
veracidade, como bem salientam os adeptos da tese de assassinato.
Júlio José Chiavenato lança um dado que reforça a tese da farsa
montada do "suicídio" de Cláudio Manuel da Costa. Na tarde do mesmo dia em
que o advogado é preso, são assassinados no sítio da Vargem a sua filha, o
genro e outros familiares, bem como alguns escravos e roubados todos os
seus bens. O Visconde de Barbacena só informou Lisboa da morte de Cláudio
Manuel da Costa a 15 de julho, onze dias depois de ter ocorrido e quando dera
conhecimento a Lisboa do seu interrogatório a 11 de Julho, sem nunca referir o
facto. Se a morte do alferes (Tiradentes) não causaria embaraços em Lisboa a
de Cláudio e da sua família poderia causar, daí a necessidade da farsa ser
montada.
Dez dias depois da sua morte, a população de Paris tomava a fortaleza
da Bastilha, marcando o início do fim da dinastia dos gloriosos Luíses de
França. Começava a tomar corpo então, um projeto político, sonhado pelo
próprio Cláudio Manuel da Costa para seu país. Demoraria, no entanto, mais
trinta anos para que o Brasil se tornasse liberto de Portugal. Cem anos a mais
seriam necessários para a realização da segunda parte do sonho, a
implantação do regime republicano no Brasil.
Vladmir Herzog
O Serviço Nacional de Informações recebeu uma mensagem em
Brasília de que naquele dia 25 de outubro: "cerca de 15h, o jornalista Vladimir
Herzog suicidou-se no DOI/CODI/II Exército". Na época, era comum que o
governo militar divulgasse que as vítimas de suas torturas e assassinatos
haviam perecido por "suicídio", fuga ou atropelamento, o que gerou
comentários irônicos de que Herzog e outras vítimas haviam sido "suicidados"
pela ditadura. O jornalista Elio Gaspari comenta que "suicídios desse tipo são
possíveis, porém raros. No porão da ditadura, tornaram-se comuns, maioria
até."
Conforme o Laudo de Encontro de Cadáver expedido pela Polícia
Técnica de São Paulo, Herzog se enforcara com uma tira de pano - a "cinta do
macacão que o preso usava" - amarrada a uma grade a 1,63 metro de altura.
Ocorre que o macacão dos prisioneiros do DOI-CODI não tinha cinto, o qual
era retirado, juntamente com os cordões dos sapatos, segundo a praxe
naquele órgão. No laudo, foram anexadas fotos que mostravam os pés do
prisioneiro tocando o chão, com os joelhos fletidos - posição em que o
enforcamento era impossível. Foi também constatada a existência de duas
marcas no pescoço, típicas de estrangulamento.
Vladimir era judeu, e a tradição judaica manda que suicidas sejam
sepultados em local separado. Mas quando os membros da Chevra kadisha –
responsáveis pela preparação dos corpos dos mortos segundo os preceitos do
judaísmo – preparavam o corpo para o funeral, o rabino Henry Sobel, líder da
comunidade, viu as marcas da tortura. "Vi o corpo de Herzog. Não havia
dúvidas de que ele tinha sido torturado e assassinado", declarou. Assim, foi
decidido que Vlado seria enterrado no centro do Cemitério Israelita do Butantã,
o que significava desmentir publicamente a versão oficial de suicídio. As
notícias sobre a morte de Vlado se espalharam, atropelando a censura à
imprensa então vigente. Sobel diria mais tarde: "O assassinato de Herzog foi o
catalisador da volta da democracia".
Anos depois, em outubro de 1978, o juiz federal Márcio Moraes, em
sentença histórica, responsabilizou o governo federal pela morte de Herzog e
pediu a apuração da sua autoria e das condições em que ocorrera. Entretanto
nada foi feito. Em 24 de setembro de 2012, o registro de óbito de Vladimir
Herzog foi retificado, passando a constar que a "morte decorreu de lesões e
maus-tratos sofridos em dependência do II Exército – SP (Doi-Codi)", conforme
havia sido solicitado pela Comissão Nacional da Verdade.
Quem sobe ao alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.
Gregório de Matos
Bibliografia
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