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O Estado isonómico e o declínio das políticas públicas 1 Estado Isonómico e o declínio das Políticas Públicas Prof. Doutor Rui Teixeira Santos

O estado isonómico e o declínio das políticas públicas, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (Plano, nº1, Bnomics, Nov. 2013, Lisboa)

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O Estado isonómico e o declínio das políticas públicas 1

Estado Isonómico e o declínio das Políticas Públicas

Prof. Doutor Rui Teixeira Santos

Publicado no Bookezine Plano, número 1

BNOMICS

Lisboa

Novembro de 2013

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2 Rui Teixeira Santos

“No estado normal das sociedade nao existe o povo, só existem interesses que vencem e interesses que sucumbem, opinioes que lutam e opinioes que se amalgamam, partidos que se combatem e que se reconciliam."

(Donoso-Cortès)

"O despotismo, detestava-o como nenhum liberal é capaz de o aborrecer; mas as teorias filosóficas dos liberais, escarnecia-as como absurdas, rejeitava-as como perversoras de toda a ideia sa, de todo o sentimento justo, de toda a bondade praticável. Para o homem em qualquer estado, para a sociedade em qualquer forma nao havia mais leis que as do decálogo, nem se precisavam mais constituiçoes que o Evangelho: dizia ele. Reforçá-las é supérfluo, melhorá-las impossível, desviar delas monstruoso. Desde o mais alto da perfeiçao evangélica, que é o estado monástico, há regras para todos ali, e nao falta senao observá-las."

(Almeida Garrett, Viagens na minha terra)

"Ser de izquierdas es, como ser de derecha, una de las infinitas maneras que el hombre puede elegir para ser un imbécil: ambas, en efecto, son formas de la hemiplejia moral…” "

(José Ortega e Gasset, 1937)

“Igualdad de trato no significa redistribuir”.

(José María Maravall)

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"Give me control over a nation’s currence and I don’t care who makes the laws”

(Maeer Amschel Rothschild)

“Todas as grandes verdades começam por ser blasfémias"

(Bernard Shaw)

“Ce n'est pas de la bienveillance du boucher, du

marchand de bière et du boulanger que nous attendons notre dîner,

mais du soin qu'ils apportent à leur intérêt”.

(Adam Smith, 1723-1790)

"Que pode haver de mais admirável do que uma República governada pela virtude, quando aquele que manda nos outros nao obedece a nenhuma paixao, quando nao impoe aos seus concidadaos nenhum preceito que ele próprio nao observe; quando nao dita ao povo qualquer lei a que ele próprio se nao obrigue, e a sua conduta inteira pode apresentar-se como exemplo para a sociedade que governa?"

(Cícero)

“Importa evitar o governo das famílias ricas, sempre em

potencial guerra civil com os pobres; a cidade enferma em luta consigo

mesmo; é uma forma de governo, onde o censo decide sobre a

condiçao de cada cidadao; onde os ricos, por consequência, exercem o

poder sem que os pobres nele participem”.

(Platão).

“Há três espécies de homens: o filósofo, o ambicioso, o interesseiro. Sao movidos, respectivamente, pelo saber, pelo

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prazer das honrarias e pelo lucro. É dessa fricçao é que surge a dinâmica dos regimes” (adaptado).

(Platão)

"As monarquias corrompem-se logo que, pouco a pouco, tiram as prerrogativas às ordens e os privilégios às cidades ... A monarquia perde-se logo que o príncipe, relacionando tudo a si próprio, chamando Estado à sua capital, chama capital à sua Corte e Corte à sua pessoa ... logo que retira aos grandes o respeito dos povos e os transforma em instrumentos do poder arbitrário. "

(Montesquieu)

“Todas as crises financeiras no Estado Moderno sao provocadas pelo binómio Estados-Banca. A Fed e o BCE só servem para que os Estados se possam endividar em condiçoes mais favoráveis e como contrapartida, a corporaçao dos banqueiros fica a salvo dos problemas de solvabilidade: os cidadaos pagam tudo.”

(Rui Teixeira Santos)

Por Rui Teixeira Santos

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O ajustamento que o sector privado português sofreu com a estagnação económica e a eficiência da máquina fiscal desde 1999, foi agora feito no Sector Público em apenas três anos - o período de intervenção da Troika em Portugal.

Foram três anos seguidos de recessão e com a redução dos benefícios dos funcionários públicos colocaram-se desafios novos à Administração que tem que dar resposta aos cidadãos em circunstâncias de forte desestabilização interna.

Deste modo Administração Pública portuguesa enfrenta o típico problema de uma organização em crise.

A descida dos salários compulsivamente em 24% e o aumento dos impostos (10% em média), a redução dos benefícios sociais na área da saúde, bem como os despedimentos de cerca de 5% dos funcionários por ano e o aumento da idade de reforma para os 65 anos, necessariamente reduziu a produtividade, piorou o desempenho, afastou os mais qualificados e aumentou a corrupção, sem que a redução a despesa fosse suficiente para equilibrar o Orçamento de Estado (95% do ajustamento foi feito por via do aumento dos impostos).

A primeira resposta foi uma tentativa de despolitizar o recrutamento da alta administração pública entregando o recrutamento a uma comissão de peritos independentes , o que rigorosamente veio ainda agravar mais a desconfiança que já antes existia relativamente à classe política.

A segunda foi a da racionalização dos serviços, com a extinção de direções gerais e fundações públicas. Mas o que se verificou é que se criaram estruturas gigantescas e sem funcionalidade onde se somaram funcionários com as mesmas competências e o problema só aumentou. A extinção de fundações e empresas publicas e municipais acabou por não ser expressiva, numa clara manifestação do fracasso do plano imposto pela Troika e implementado pela regência de Lisboa.

O desafio da boa administração publica portuguesa (que esta consagrado na proposta de revisão do Código do Procedimento Administrativo) será o aumento da sua eficiência como garante do principio da igualdade dos cidadãos, numa altura de desmantelamento do estado social e de declínio das politicas publicas, assumindo a privatização de funções sociais como a Educação e a Saúde publicas, mas reservando para si cada vez mais um papel de fiscalizador, regulador e garante da justiça social. É o que carateriza o Estado Isonomico, típico do Estado Social de Garantia.

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A Crise

A crise financeira de 2008 e a envolvente das crises soberanas na zona euro, criaram no sul da Europa um problema semelhante ao dos países do Magreb e do médio oriente assolados pela onda de democratização da primavera árabe, repetindo aliás o cenário vivido nos países de leste depois da queda do muro de Berlim: persistente desemprego, recessão e aumento da divida publica.

A solução proposta pela Troika de aumento das politicas de austeridade tendo em vista o reequilíbrio orçamental acabou por ampliar a recessão e tornar ainda mais vulnerável a sustentabilidade das finanças publicas, aumentando o desemprego e acelerando a destruição de riqueza. As dificuldades adicionais de financiamento externo, a deterioração dos valor dos ativos e a queda da atividade económica condenou à falência ou à nacionalização os sistemas bancários dos países periféricos que curiosamente não tinham sido afetados em 2007 pela crise do subprime e dos derivados.

E a situação, não prevista aliás nos modelos do FMI, foi a de aumento do sector publico e a deterioração das politicas publicas, nomeadamente das politicas sociais, com o progressivo desmantelamento dos apoios sociais do Estado, mas a nacionalização dos sistema bancário e aumento dos impostos para cobrir os custos adicionais com os subsídios de desemprego e o aumento da taxa de juros do financiamento publico. Além disso, assiste-se a um aumento substancial do empobrecimento da classe média e ao aumento das assimetrias entre ricos e pobres, aumentando também os níveis de corrupção, exatamente por causa da redução dos salários na administração publica.

Esta internalização do modelo chinês de baixos salários e flexibilização laboral se tiver algum impacto será a muito longo prazo, pelo que não pode ser solução para o relançamento da economia. A redução dos preço do trabalho nestes países só pode ser feito com imigração, resolvendo ainda o maior problema de longo prazo que é o declínio populacional e o envelhecimento.

E relativamente ao Estado? Sendo as democracias dos países europeus assentes no voto dos funcionários, todos os programas da Troika (FMI, BCE e CE) têm evitado o óbvio: reduzir substancialmente o peso do Estado na economia, ou seja reduzir as funções sociais do Estado, através da privatização dos Sistemas de Saúde e de Educação e sobretudo, com desregulação da atividade económica e maior concorrência, acabando também com as rendas garantidas nas Parcerias Publico-Privadas que, na ultima década, ajudaram a financiar as politicas intervencionistas na área das infraestruturas rodoviárias, ferroviárias e de saúde.

O problema é que no caso português, o estatuto de quase-protetorado ou de dependência financeira da Troika não permitiu nos dois primeiros anos de intervenção reduzir o número de funcionários públicos em cerca de 100 mil (de uma total de 700 mil, ou seja 7% da população total). E para manter esses professores, médicos ou policias, foram destruídos cerca de 200 mil empregos no sector privado, com a

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recessão nesses dois anos. E finalmente, para o terceiro ano da intervenção mantendo-se o desequilíbrio e agravando-se a insustentabilidade das receitas publicas por causa da recessão, a opção acabou por ser uma compulsiva descida dos salários da função pública e a redução de todos os efetivos contratados a prazo no Estado (0,5% da população total), o que a ter sido feito no inicio teria evitado o brutal aumento dos impostos (10% do PIB) a redução do consumo interno e a recessão.

O fracasso do programa da troika do ponto de vista orçamental e de emprego nao pode ser contudo estendido a uma compulsiva redução do peso da burocracia publica, ainda que directa e indirectemte (através da nacionalizaçãoo de facto da banca) o sector publico tenha crescido para níveis quase equivalentes aos que existiam depois das nacionalizações de 1975 em Portugal, embora o poder de decisão do governo enquanto órgão central do Estado esteja cada vez mais capturado por entidades nao democráticas ligadas ao universod o banco de Portugal ou dos grupos partidários, mais ou menos mafiosos que devidem entre si o recursos do Estado.

Vamos entrar no sétimo ano da crise económico financeira, com a consciência que nos últimos três anos o regime de protectorado ter permitido à troika e ao governo do PSD-CDS implementar um programa que agravou a recessão e o emprego, sem ter atingido os objetivos macroeconómicos e financeiros traçados. O fracasso do Programa negociado pela troika, demonstrando que os programas libertários do concensod e Washington não podem ser aplicados a países sem moeda propria – neste aspecto é curioso como os programas de acordados entre Portugal e o FMI em 1978 e em 1983 foram casos exemplares de sucesso enquanto o de 2009 foi tum total fracasso.

As medidas que o Governo tem anunciado no âmbito do programa de assistência financeira vão contra os objetivos da Estratégia Europa 2020, assinada pelos Estados Europeus em 2010, que visava reduzir em 20 milhões o número de pessoas em risco ou em situação de pobreza e de exclusão social - no caso português são menos 200 mil.

Neste particular, o posicionamente da Comissão Europeia demasiado acrítico relativamente ao fundamentalismo libertário acabou por condzir a um aumentod a burocracia comunitária (calendário europeu) sem verdadeiramente ter garantido por um lado o aprofindamento da coesão e da componente federal necessária e por our outro lado, a democracia e a participação dos povos da União Europeia, condição essencial para que este projecto de elites ilumionadas ganhe legitimidade e possa ser sustentável depois dos EUA terem abandonado simbolicamente as suas bases militares na Europa, o o próprio Fundo Monetário Internacional ter entregue aso mecanismos comunitários de salvaguarda a gestão das situaçãoes de crise dos estados membros da UE.

Em causa está a política de austeridade seguida pelo Governo, nomeadamente, os cortes das prestações sociais, com medidas como a redução do subsídio de desemprego, o rendimento social de inserção ou o complemento solidário para idosos, que vão levar ao aumento da pobreza e da exclusão social.

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Os factos são fáceis de constatar e o problema está a agravar-se há quatro anos, como apontava em 2012 o investigador Carlos Farinha Rodrigues que se tem dedicado a estudar as desigualdades sociais em Portugal1.

"O acordo com a troika não foi o único que o Governo assumiu a nível europeu, mas esquecem-se disso. Desde 2010 que a Estratégia 2020 foi posta na gaveta, sendo que a única política que temos em marcha é a da austeridade", diz Carlos Farinha Rodrigues

As metas definidas na Estratégia 2020 já eram pouco ambiciosas em relação ao que tinha sido alcançado na última década, sendo que agora estão completamente ameaçadas, segundo o professor do ISEG que esta semana apresentou, em livro, o resultado uma investigação entre 1993 até 2009, intitulado "Desigualdade Económica em Portugal".

Enfraquecimento das políticas sociais

Portugal está a assistir a um enfraquecimento das políticas sociais, numa altura em que estas são mais necessárias, prejudicando as pessoas com mais dificuldades.

O Programa Nacional de Reformas (PNR) 2020, que foi aprovado em Conselho de Ministros, a 20 de março de 2011, na sequência da Estratégia Europa 2020, previa uma série de medidas com vista ao cumprimento das metas do acordo europeu, mas sempre em linha com a conjuntura económica.

"O PNR foi elaborado em articulação com o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), garantindo a coerência entre os dois instrumentos, com reformas que no curto prazo levem em conta a prioridade da consolidação orçamental e da correção dos desequilíbrios macroeconómicos", podia ler-se no documento.

O principal objetivo do PNR seria o de promover a inclusão e a redução da pobreza e das desigualdades sociais, através de ações de qualificação e promoção da empregabilidade.

Relativamente aos mais desfavorecidos, o Plano Nacional de Reformas prevê medidas como a requalificação de 20 mil desempregados, a promoção do emprego e da formação a 115 mil beneficiários do IRC e a atribuição do Complemento Solidário para Idosos.

Entretanto, o Ministério da Segurança Social anunciou ainda em 2012, o corte das prestações sociais, nomeadamente, a redução em 6% do limite mínimo do subsídio de desemprego, a diminuição do Rendimento Social de Inserção para 178 euros ou o

1 Ler mais: http://expresso.sapo.pt/austeridade-ameaca-combate-a-pobreza-europeia=f762458#ixzz2Afl8eC92

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corte de 2,25% do limite para a atribuição do Complemento Solidário para idosos (350,64 euros), que prejudicam as pessoas mais desfavorecidas e comprometem as metas do PNR. O corte de mais 10% nas penções dos funcionários públicos no âmbito da 7º avaliação do programa de estabilização financeira, em 2013, acaba por ser um forte contributo para o aumento das tensões sociais.

Aumento da pobreza e da exclusao social

Segundo o estudo coordenado por Carlos Farinha Rodrigues para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, a desigualdade familiar diminuiu até 2009, mas Portugal continuou a ser um dos países mais desiguais a nível europeu e a percepção actual vai no sentido que a probreza está a aumentar e com ela as desigualdades.

"Há uma redução na desigualdade dos rendimentos das famílias, mas mantêm-se, no entanto, os altos níveis de desigualdade salarial" confirma o citado estudo.

Entre 1993 e 2009, a pobreza em Portugal diminuiu de 23% para 18%, encontrando-se apenas a dois pontos percentuais acima da média europeia.

O estudo termina em 2009, altura em que começou a crise económica e financeira, sendo de antecipar uma inversão na tendência de decréscimo das desigualdades.

Há actualmente a percepção, de que 2009 representa o fim de um ciclo de diminuição das desigualdades e da pobreza, uma vez que a partir de 2010 a medidas de combate à crise põem em causa os fatores que são apontados como diminuidores destes dois problemas sociais: o crescimento e o emprego.

Os números provisórios do Instituto Nacional de Estatística (INE) referentes a 2010 já apontavam para uma inversão desta tendência, assim como os dados do Banco Alimentar e de outras instituições de solidariedade social. O aumento da pobreza e das desigualdades vão assim contra os objetivos do Plano Nacional de Reformas 2020, situação que se agravou com as medidas tomadas pelo governo subsequente.

É certo que nas duas ultimas décadas2, globalmente a pobreza no planeta foi cortada pela metade devido sobretudo ao forte crescimento das economias emergentes e à subida dos preçlos das matérias primas. Essa diminuição da pobreza deu-se também na Europa e nos EUA, mas o abrandamento do crescimento económico e sobretudo a falta de prespectivas futuras sobre o que vem a seguir, não só ameaça esses níveis de bem estar – e no caso dos paisis intervencionados pela Troika ja ha um forte aumento dessa probreza – como também cria movimentos sociais que podem fracturar as sociedade e o Estado tal como o conhecemos. O caso das revoltas das classes médias no brasil e na Turquia em medados de 2013 são exemplos de como depois da democracia poderemos estar a viver momentos anárquicos que obviamente proporcionam a emergência de soluções políticos populistas e totalitárias, mais estáveis e sobretudo condição para a reconstrução de Estados falhados.

2 http://knowledge.wharton.upenn.edu/papers/download/06182013_PoverteInequalite_Book_v7.pdf

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Este presságio platºonico da necessidade da ditadura é talvez um dos maiores desafios desta grande recessão do inicio do século XXI.

E tal como na grande depressão dos anos 30, a natureza das soluções públicas ditará o destino dos sistemas políticos. É certo que não dforama as medidas keenesiana do New Deal que resolveram o problema do desemprego nos EUA, mas foi onate a guerra na Europa que permitiu exportar 5 milhões de desempregados americanos mobilizados nas colunas militares que desembarcaram nas costas da Normandia e depois bem pensado Plano Marchal, com as suas soluções de Estado Social de Providência, condição mínima necessária para, naquele estado de desenvolvimento e riqueza, a reconstrução dos estados e das sociedades europeias (em particlar da França, Alemanha e Reino Unido) totalmente destruídas pela guerra.

Mas se no países anglosaxonicos vingou o a estabilidade do modelo democrático foi porque através de fundos públicos se garantiu à classe média a propriedade das sua própria casa, enquanto na europa continental, napoleónica e prussiana, o modelo paternalista estatizante da propriedade das casas arrendadas a funcionários e às classes médias com emprego seria o passaporte para a irresponsabilidade social, a ditadura fascista ou socialista e a revolução.

Com a liberalização financeira e a inovação bancária subsequente, estes valores do New Deal vão ser espalhados globalmente e estão hoje de novo à prova sobretudo nos BRICS. Até que ponto as classes médas que recentemente ascenderam à propriedade das suas casas de habitação como créditos bonificados de 10 a 40 anos , está disponível para colocar em risco o valor do seu activo com a agitação política e ate que ponto pode resistir ao abalo libertariano imposto pelas novas condições de sustentabilidade bancária (Basileia III) e as politicas mais restritivas dos bancos centrais em particular os de influencia europeia?

É uma questão que a ciência política e os governos devem antecipar, nomeadmenet entendemdo para onde vamos. A ideia de rumo é, salvo melho opinião, critica na abordagem da conflitualidade emergente dos excessos da democracia e de uma certa anarquia e falaencia do estado que carateriza o colapso do modelo.

É de algum modo esse o contributo que queremos dar nesta nossa abordagem.

A nível global sabemos que os padrões de pobreza e desigualdade têm origens complexas na cultura e estrutura social, e que são também impulsionados pela mudança na dinâmica dos mercados de trabalho, do sector de saúde/segurança social e sobretudo do sistema financeiro.

Mas não podemos ser ingénuos. As mudanças políticas, especialmente relativas ao papel do governo na economia e no bem-estar social, têm fundamentalmente redesenhado o mapa global da pobreza e da desigualdade, e detêm a chave para a solução de algumas das tendências mais preocupantes, especialmente aquelas que têm a ver com crianças, jovens desconectados (aqueles que estão simultaneamente fora do mercado de trabalho e da escola), e futuros conflitos inter-geracionais em face dos recursos cada vez mais escassos.

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As soluções para o problema da pobreza e das desigualdades podem ser encontradas nos programas de apoio sobretudo aos mais carenciados, olhando para a aestrutura social como um todo e provocando com intervenções nos custos efetivos das polºiticas publicas, defendendo oportunidade orientadas, especialmente em alturas cruciais na vida as pessoas, quando fazem as transições da vida entre os diferentes níveis de ensino, ou quando passam do ensino para o trabalho, ou quando mudam de emprego. A abordagem destes problemas sócias em nosso entender so pode ser baseada em metas de desenvolvimento, estabelecendo critérios médios e nunca na base de normas globais e sobretudo comparações de benchmarking. Mas sobretudo, como decorre da nossa concepção do Estado isonómico, o estado vai apenas garantir as condições de igualdade, no sentido da discriminação positivas dos mais desfavorecidos nas politicas publicas ao mesmo tempo que deve actuar no contexto como politicas de fomento e de incentivo mas tambemd e marketing político e social favoráveis ao empreendedorismo privado e social, como caminhos para sair da pobreza.

Vivemos na história da humanidade um momento critico para o Estado moderno. Do que ele conseguir ser nas próximas décadas depende se a pobreza e a desigualdade entram ou não numa nova fase de declínio em todo o mundo.

É o desafio de uma geração.

O Estado Isonómico

O próximo desafio do Estado moderno é o da separação entre a Economia e o Estado. A esse Estado Pós-moderno chamo Isonómico.

Tal como aconteceu com a separação entre religião e Estado, à origem do Estado moderno e depois das guerras religiosos na Europa, a questão religiosa passou para a ordem pessoal e deixou de ser assunto de estado e objeto de guerras sangrentas e de conflitualidade sem limites. Hoje não concebemos na Europa o estado religioso como infelizmente ainda existe em alguns países islâmicos ou em Israel. O laicismo foi o equivalente à Paz na Europa, em matéria religiosa.

Porém, com inicio no século XIX - e aproveitando as inovações tecnológicas no espaço público (eletricidade, água canalizada, correios, vias férreas e estradas) e os monopólios naturais, mas sobretudo com a socialização dos prejuízos dos bancos com a nacionalização da Federal Reserve nos anos 30 do século XX e as ideias intervencionistas de Keenes e do New Deal, a par do neocoletivismo europeu – os Estados cresceram com politicas publicas sociais orientadas à realização de direitos fundamentais de terceira geração.

Com as populações a exigirem sempre mais direitos, bem e serviços públicos ao mesmo tempo que o eleitoralismo impunha cortes e menos impostos, assiste-se à inovação das Finanças do Estado Democrático, com uma verdadeira privatização das finanças Públicas, no sentido da utilização de instrumentos financeiros típicos do comercio, para financiar os gastos públicos. Os estados passaram a emitir moeda ou a endividar-se já não para assegurar o regular funcionamento dos negócios, mas para

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garantir crescimento e sustentar artificialmente a sua produção de bens e serviços por parte do próprio Estado.

Da mesma maneira que em Jesus era clara a separação entre Cezar e Deus3 - mas o Império Romano converteu o cristianismo em Religião de Estado - também o liberalismo político implicou a separação entre as funções publicas politicas do Estado e a Economia.

É nesse sentido que as finanças publicas são a disciplina que regula a tributação e os princípios da tributação em Adam Smith são basicamente princípios operacionais de cobrança de impostos e não medidas de intervenção publica na economia.

Toda a construção posterior é feita a partir de duas falácias: (1) a falácia marxista do Materialismo Dialético e do Materialismo Histórico e (2) a falácia keenesiana de que existem ciclos económicos independentes dos Estado e que as politicas publicas os podem estabilizar.

A partir destas duas ideias foi possível construir o coletivismo nas sociedades democráticas e nas sociedades totalitárias. Esse coletivismo leva por exemplo a que na Europa alguns estados no século XXI, tenham um peso superior a 50% do PIB e nos sistemas políticos socialistas chegou-se mesmo à quase extinção da propriedade privada.

A questão vem do inicio do século XX. Por exemplo, o Estado alemão depois da primeira guerra mundial era considerado dualista, tendo em vista o confronto entre Estado e a Economia, conforme lembra Camila Dores4. “A Constituição era tida como um contrato entre o monarca e o povo. Em verdade, o Estado dualista representava o equilíbrio entre dois tipos de Estado: o Estado dirigente e o Estado legiferante. À medida que o Estado se desenvolvia no sentido da superioridade do parlamento sobre o governo, isto é, da supremacia das leis, tornava-se cada vez mais legiferante.

Ocorre que, com o decurso do tempo, essa tensão entre Estado e sociedade, governo e povo, finanças e economia foi-se tornando paulatinamente fragilizada. O Estado legiferante foi substituído, então, pela auto organização da sociedade. Com isso, todos os problemas sociais e económicos passam à esfera de interesse estatal, desaparecendo a diferenciação entre matérias político-estatais e matérias de cunho socioeconómico e apolítico”.

Além disso, o Estado neutro, não intervencionista deu lugar ao Estado Intervencionista. Sequestrados por interesses que precisavam da chancela publica para

3 “Então, retirando-se os fariseus, projetaram entre si comprometê-lo no que falasse. E enviaram-lhe seus discípulos, juntamente com os herodianos, que lhe disseram: Mestre, sabemos que és verdadeiro, e não se te dá de ninguém, porque não levas em conta a pessoa dos homens; diz-nos, pois, qual é o teu parecer: é lícito dar tributo a César ou não? Porém Jesus, conhecendo a sua malícia, disse-lhes: Por que me tentais, hipócritas? Mostrai-me cá a moeda do censo. E eles lhes apresentaram um dinheiro. E Jesus lhes disse: De quem é esta imagem e inscrição? Responderam-lhe eles: De César. Então lhes disse Jesus: Pois daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. E quando ouviram isto, admiraram-se, e deixando-o se retiraram.” (Mateus, XXII: 15-22; Marcos, XII: 13-17).4 http://jus.com.br/revista/texto/21201/o-guardiao-da-constituicao-segundo-as-concepcoes-de-carl-schmitt-e-hans-kelsen#ixzz1rX83Lh5b, consultado em 9 de Abril de 2012.

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assegurarem os monopólios (sem intervenção publica nenhum monopólio é durável, como explica Aen Rand) propagandeou-se que a não intervenção do Estado dava margem à assunção e ao monopólio da economia pelos grupos de poder.

Dessa forma, a Alemanha, como aliás outros estados europeus, tornou-se um Estado assistencial e passou a preocupar-se com o bem estar social. O caso alemão é aliás paradigmático.

“Verifica-se a importância da reforma da Constituição então vigente no Reich, posto que ela não era uma Constituição econômica, mas política. Assim, estabeleceu-se a justaposição de dois sistemas políticos diferentes – o atomístico e o orgânico -, atribuindo-se ao sistema orgânico, isto é, de organização estatal, importância secundária. As possibilidades de solução dessa discrepância poderiam ser resumidas em três: harmonização do Estado, deseconomização do Estado ou economização do Estado”, refere Camila Dores.

A descolonização do Estado implicaria na transformação dos partidos políticos em produtos independentes e na criação de incompatibilidades entre o mandato parlamentar, o posto de funcionário e os lugares económicos.

A economização estatal ou o domínio do Estado pela Economia, por sua vez, corresponderia à transformação do Estado moderno teocrático e absolutista em Estado liberal e burguês em plena primeira Revolução Industrial. Mas é com o que denominamos Estado Económico, intervencionista, conferindo-lhe uma autêntica Constituição económica, que a consciência do domínio do estado por interesses económicos aumenta, pois esta em causa a distribuição de partes cada vez mais significativas do rendimento nacional, capturado pelo Estado, por via fiscal e diretamente pela gestão do capital de empresas e negócios protegidos pelo direito publico.

Essa opção foi muito criticada por moralistas e liberais, dado que não teria como objetivo tornar a economia livre, eficiente e autónoma, mas, ao contrário, entregá-la na mão do Estado e submetê-la a ele (ou à elite que o domina).

Ao estudar o caso alemão, a neutralidade da política interna do Reich poderia assumir alguns significados negativos, afastando-se da decisão política. Em primeiro lugar, poderia dizer respeito à não intervenção, isto é, um Estado restrito ao mínimo de conteúdos, pautando a sua intervenção pelas básicas funções de soberania. Todavia, ele ainda poderia tornar-se político, em face da percepção do inimigo, aquele que se opõe à neutralidade do modo de pensar.

“A neutralidade poderia ser compreendida, outrossim, no sentido de concepções instrumentais de Estado, para as quais o Estado seria um recurso técnico que deveria funcionar com objetiva calculabilidade e dar a todos igual oportunidade de uso. Seria um modelo de Estado despolitizado” (Dores, 2012).

Além disso, na República de Weimar a neutralidade poderia ser caracterizada como o fornecimento de iguais oportunidade diante do Estado, na medida em que fosse conferida a paridade no direito de voto e igualdade universal perante a lei. Com a

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democracia política, dava-se a oportunidade aos partidos de terem votos necessários para alcançarem seus objetivos.

Por fim, haveria a neutralidade no sentido de paridade, isto é, admissão igual de todos os grupos e orientações de interesse, sob condições iguais e com tratamento isonómico na contemplação com vantagens ou demais prestações estatais.

“As divergências de opinião e diferenças entre os titulares de direitos políticos de decisão poderia ser resolvidas não judicialmente, mas por meio de um poder político mais forte situado acima das opiniões divergentes, ou mediante um órgão em relação de coordenação com os outros poderes constitucionais, ou seja, um terceiro neutro” (Dores 2012). Este poder moderador entregue ao Rei nas monarquias parlamentares vira a sobreviver num órgão político parajurisdicional uma quase câmara alta de recurso político-jurisdicional – os tribunais constitucionais evitando-se assim a jurisdicialização da política – e que nas situações de crise europeia acabou tendo um papel decisivo na legitimação da intervenção financeira em socorro de estados membros da União Europeia ou na moderação dos excesso dos memorandos impostos pela Troika nos países intervencionados5.

Sob esse prisma, surge com Benjamin Constant a teoria do poder neutro, destinado a solucionar a luta da burguesia francesa por uma Constituição liberal contra o bonapartismo e restauração monárquica. A função do terceiro neutro seria intermediária, defensora e reguladora, ativa apenas em caso de emergência, mediante o poder preservador, uma vez que ela não deveria concorrer com os outros poderes no sentido de uma expansão do próprio poder.

O guardião da Constituição liberal deveria ser independente e político-partidariamente neutro. Ao rechaçar a possível atribuição da guarda da Constituição ao Judiciário, aduz-se que se a justiça fosse compelida a resolver todas as tarefas e decisões políticas, para as quais fossem desejadas independência e neutralidade político-partidária, ela receberia uma carga insuportável. E mais: essa situação teria como obstáculo o princípio democrático.

Às diversas independências corresponderiam inamovibilidades, imunidades e incompatibilidades. É isso que vamos encontrar modernamente no estado intervencionista com a Administração Publica Independente. Além disso, a independência poderia corresponder à proteção defensiva e negativa contra a vontade política ou, ao contrário, poderia garantir uma participação positiva na determinação ou influência da ação política. A independência dos membros do Judiciário, Legislativo e do Presidente da República deveria estar estritamente ligada com a ideia do todo da unidade política.

5 No caso Portugues, o Tribunal Constitucional impediu o corte de dois salários à função Publica decidida pelo Governo conservador da Passos Coelho em violaçãoo do seu próprio programa de governo, co base no princpio constitucional da igualdade de tramaneto entre o sector privado e o publico e sobretudo entre os diversos níveis de rendimentos (salários, mais valias, lucros, etc.)

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“Essa concepção contém uma oposição aos agrupamentos pluralistas da vida social e económica” (Dores, 2012)6. E nesse sentido encontramos a especial diferença entre o Economico e o Estado.

O Estado é neutro, no sentido de ser uma organização da sociedade com uma hierarquia de leis encimadas modernamente pelos tratados internacionais e pela Constituição, perante a qual todos são iguais7. A ideia de neutralidade do guardião constitucional garante a unidade política do Estado - principio ético – por oposição à pluralidade da Economia, onde prevalece o principio da ação moral.

6 http://jus.com.br/revista/texto/21201/o-guardiao-da-constituicao-segundo-as-concepcoes-de-carl-schmitt-e-hans-kelsen#ixzz1rX83Lh5b 7 O Direito positivado e sua imperatividade pressupõem o preterimento do conceito moral de Justiça na aplicação da lei, forçando os magistrados, quando aplicam o direito ao caso concreto, a limitar sua atuação jurídico-social à legalidade positivista em vigor, definida pelo Estado neutro.´contra esta neutralidade que surge, em meados de 1990, uma corrente doutrinária que se propôs a romper essa relação juspositivista em função da realização da Justiça – em sua acepção ética e moral –, através da aplicação alternativa do Direito. O Direito Alternativo foi um movimento que por exemplo no Brasil, floresceu entre os juízes gaúchos, no momento pré-constituinte, mas que em Portugal nao teve expressão o que é típico do meio fechado e do autismo e magistratura lusitana. Essas doutrinas procuravam uma sociedade mais justa, pois havia muitas desigualdades e contradições no meio social brasileiro. Os idealizadores do movimento procuravam influenciar os operadores do direito (advogados, promotores, juízes); aqueles que produzem teorias para produzir uma nova racionalidade (professores, intelectuais); e, também, a síntese de tudo (estudante).Eles defendem que é necessário ouvir a sociedade civil, na luta por um direito mais democrático, já que é desta que vêm os limites da atividade do jurista e as condições do seu trabalho. Acreditam, ainda, que é preciso construir uma teoria que consiga explicar o fenômeno jurídico no contexto da sociedade atual. E tal teoria só poderá ser implantada se houver uma ponte entre direito alternativo, operadores e movimentos sociais de vanguarda.Pretende-se evidenciar que, por meio do Direito alternativo, a discussão pode transpor a idéia fixa de legalidade e neutralidade posta, como absoluta, pelo paradigma dominante, conseguindo, assim, atingir os pressupostos do direito.Outra nuance intrínseca ao tema abordado é o que se denomina de pluralismo jurídico, enquanto contrário à inexorabilidade do Estado como fonte exclusiva de toda a produção do Direito. Dessa forma, “trata-se de uma perspectiva descentralizadora e antidogmática que pleiteia a supremacia de fundamentos ético-político-sociológicos sobre critérios tecno-formais positivistas” (WOLKMER, 2001, p.7). Em consonância com essas palavras pontuadas por Wolkmer, impõe-se encarar o pluralismo jurídico a partir da multiplicidade de manifestações normativas num mesmo espaço político-social. Esse caráter múltiplo decorre justamente do reconhecimento de que o Direito estatal, perante a complexidade, instabilidade e contradições das atuais sociedades, é apenas uma dentre inúmeras fontes de direito.Entretanto, dadas essas constatações, em que cenário deve ser contemplado o fenómeno do pluralismo jurídico? Faz-se necessário enxergar sua pertinência em face da ineficácia do atual aparato jurídico tecno-formal perante relações sociais cada vez mais imprevisíveis; daí a importância do reconhecimento de manifestações normativas fora da égide estatal e oriundas das necessidades e particularidades dos novos sujeitos sociais.Desse modo, o que se defende é que, se o Direito deve ser enxergado como reflexo de uma estrutura pulverizada também pelo conflito entre múltiplos atores sociais (WOLKMER, 2007, p.1), é lógica e plenamente possível a existência de normas derivadas de fontes diversas, desde que reiteradas nas práticas e interações sociais.Busca-se, assim, realçar as principais características dos movimentos brasileiros do “Direito Alternativo” e do “Direito Achado na Rua” e as particularidades do Pluralismo Jurídico no âmbito da jurisdição brasileira. (Rafael Ramos da Silva, http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6898/Alternativas-

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É esta ausência de separação entre Estado e Economia que gera o choque do século XXI, verdadeira guerra dos trinta anos, ja não em nome de lutas religiosas e pelo Estado Laico, mas em nome das lutas económicas pelo Estado Isonómico. A isonomia que quer dizer igualdade carateriza exatamente o estado pós-intervencionista, no sentido em que recupera as funções politicas do Estado e reduz as funções publicas ao mandato constitucional estabelecido pelos fundadores da América na Constituição de 17 de setembro de 1787

As guerras económicas

Tal como o conhecemos o Estado nacional moderno é uma construção recente formada, no plano internacional, no século XVII, depois da guerra dos Trinta anos, com a Paz de Vestefália.

Basicamente, o que esteve em causa era o reconhecimento da autonomia dos Estados na ordem interna (o monopólio da violência num território e sobre uma população pertence exclusivamente ao Estado) e do principio da não ingerência nos assuntos internos dos outros estados no plano das relações internacionais.

Do ponto de vista conceptual o Estado moderno contrapõe á confusão entre a Igreja e o Estado, o contrato social. Uma afirmação laica do poder baseado no novo soberano: o povo.

Consideramos como Nozick que a ideia de Estado surge de um processo de seleção e agregação de grupos orientados à defesa das populações, ou seja, é fruto da insegurança, o que define a missão básica do Estado-Polícia.

Esta noção de Estado entrou em colapso no século XX por três razões.

Em primeiro lugar, com a integração regional e coordenação de politicas ao nível das organizações internacionais. Neste particular, dois modelos se defrontam: o “modelo da integraçãa Federal” onde os Estados-membros são considerados como iguais e onde as transferências do centro para a periferia asseguram a coesão, e o “modelo imperial/colonial” onde o centro dita as regras e apodera-se dos benefícios da integração, fazendo as periferias pagar com austeridade e desertificação, ou seja, à custa do empobrecimento dos restantes Estados-membros.

Em segundo lugar, porque na Ordem Internacional o “principio da guerra preventiva” para assegurar a democracia e o respeito dos direitos humanos derrogou o “principio da não ingerência na ordem interna”, diminuindo não só a capacidade dos Estados na ordem interna, como reconhecendo o “direito de intervenção internacional”.

Finalmente e em terceiro lugar, apesar da globalização ser um discurso massificador de natureza ideológica que permitiu a atualização, na ordem interna, dos preços e novas regras de mobilidade, somos confrontados com o Market State, onde os mecanismos de mercado tem um papel central nas identidades e desidentidades contemporâneas,

plurais-de-aplicacao-do-Direito-com-vistas-a-isonomia-como-principio-de-justica )

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mesmo que a crise financeira a partir de 2007 tenha trazido de volta de volta um novo contexto de desglobalização neo-mercantilista.

O Estado-Nação de Vestefália não existe desde o inicio dos anos noventa do século passado, apesar de fazer ainda parte do discurso ideológico nacionalista que justifica a “captura” dos Estados, sobretudo “transicionais”, por parte de elites corruptas e/ou intelectuais utópicos, sempre agarrados ao protecionismo.

Mesmo as concepções mais contratualistas do Estado Moderno mostram hoje ser absolutamente incapazes de explicar a complexidade das instituições no espaço político contemporâneo e de enquadrar as politicas públicas, por exemplo, da União Europeia, onde emergiu, de facto e à margem dos tratados, um modelo de organização política de tipo imperial - que pode paradoxalmente despertar o mesmo nacionalismo que tornou obsoleto e ameaçar a paz que se pretendia garantir – caracterizado já não pela confusão entre a Religião e o Estado, como até à guerra dos trinta anos, mas tipicamente caraterizado pela intervenção estatal e o coletivismo, numa clara confusão entre Estado e Economia.

Como no Estado intervencionista do século XX, os modernos estados do século XXI ganharam novas competências económicas e mesmo onde as politicas de austeridade e as privatizações diminuíram a produção direta dos estados com dividas públicas excessivas ou sistema s bancários à beira do colapso e resgatados pela ajuda internacional, nos termos do Consenso de Washington, estes ganharam novos poderes de garantia, acentuaram as medidas de controlo fiscal e o abuso da usurpação da propriedade privada para fins financeiros.

Os estados ganharam mais poderes sobre os cidadãos e sobre a economia, provocando o colapso do crescimento económico nos países mais desenvolvidos, onde apenas ganham países que souberam instituir rendas à custa do empobrecimento de outros ou se tornaram competitivos internalizando custos de mão de obra periférica muito mais baratos, numa lógica de império económico.

Mas como se chegou aqui, a esta tão grande confusão entre o publico e o económico? Por via do estado social e das ideias keenesianas certamente que confundiram finanças publicas com economia, provocando a guerra atual entre os estados e o aumento das desigualdades e ineficiência.

O domínio alemao na Europa

"À medida que a crença e os hábitos que mantiveram o poder tradicional decaem, vão cedendo gradualmente lugar ou ao poder baseado em alguma crença nova, ou ao poder "nu", isto é, à espécie de poder que não implica aquiescência alguma por parte do súbdito. Esse é o poder do carniceiro sobre o rebanho, de um exército invasor sobre uma nação vencida e da polícia sobre os conspiradores desmascarados. O poder da Igreja Católica sobre os católicos é tradicional, mas o seu poder sobre os hereges que são perseguidos é um poder nu. O poder do Estado sobre os cidadãos leais é tradicional, mas o seu poder sobre os rebeldes é um poder nu. As organizações que

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mantêm o poder durante muito tempo passam, como regra, por três fases: primeira, a da crença fanática, mas não tradicional, que conduz à conquista; depois, a do assentimento geral ao novo poder, que se torna rapidamente tradicional e, finalmente, aquela em que o poder, sendo usado agora contra todos os que rejeitam a tradição, se torna de novo nu. O carácter de uma organização sofre grandes transformações ao passar por essas fases." (Bertrand Russell)

Esta abordagemde Russel podemos reconhece-la no estado moderno dominado pela economia. O próprio direito positivo típico do Estado moderno não é mais que a tentativa de neutralizar outras fontes do direito e assim sequestrar a própria sociedade.

Para Wolkmer (2006)8 “as fontes de produção jurídica que se estruturam em termos de um conteúdo (sentido material) e de uma configuração simbólico-cultural (sentido formal), reproduzem a manifestação de seres humanos inter-relacionados, que vivem, trabalham, participam de lutas e conflitos, buscando a satisfação de necessidades cotidianas fundamentais num interregno marcado pela "convivência das diferenças". Nestas condições, a produção jurídica não pode deixar de retratar o que a própria realidade dimensionaliza, bem como de corresponder às reais necessidades da sociedade em dado momento histórico, moldando-se a flutuações cíclicas que afetam também os demais fenómenos do mundo cultural (aspectos sociais, económicos, políticos, éticos, religiosos, lingüísticos etc.). As transformações da vida social constituem, assim, a formação primária de um "jurídico’ que não se fecha em proposições genéricas e em regras fixas formuladas para o controle e solução dos conflitos, mas se manifestam como o resultado do interesse e das necessidades de agrupamentos associativos e comunitários, assumindo um caráter espontâneo, 8 É através da compreensão não apenas dos conceitos, mas da adoção dos pressupostos e atitudes dos movimentos do Direito Alternativo, do Movimento Achado na Rua e do Pluralismo Jurídico, intrinsecamente relacionados em uma concepção democrática de justiça, embasados por valores plurais, humanos e sociais de comprometimento com o princípio da isonomia. Tal intento extravasa os limites de uma pretensa positivação normativa do direito, e que tem uma única fonte: a estatal. Fator fundamental faz-se da capacidade do magistrado atender às demandas cada vez mais plurais da sociedade, item que é diretamente proporcional a sua vontade de atuar interdisciplinarmente e de forma não-robotizada, com a finalidade precípua de valorizar o direito emergente dos conflitos e manifestação dos que mais necessitam e historicamente sofrem pela exclusão pelas classes dominantes: o direito que bebe da fonte das aspirações e anseios mais profundos das pessoas comuns da sociedade, surgindo então a esperança de uma sociedade mais democrática e isonômica.

REFERÊNCIAS

WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Alfa Omega, 2001.WOLKMER, Antônio Carlos. As fontes de produção na nova cultura jurídica. São Paulo: Alfa Omega, 2006.WOLKMER, Antônio Carlos. Disponível em: < http://www.alfaomega.com.br/pluralismo-jur.php>. Acesso em: 04 de Julho de 2011.PAULA, Rafael Gonçalves de. Palmas, 2003. Disponível em: <http://reimel.blogspot.com/2007/09/sentena-roubo-das-melancias.html>. Acesso em 05 de Julho de 2011.CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito alternativo em movimento. São Paulo: Acadêmica, 2006.

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dinâmico e flexível. Esta concepção afasta-se das expressões normativas pré-fixadas e abstratas, criadas e impostas, com exclusividade, pela moderna estrutura estatal de poder típica do poder” no Estado moderno economico. A produção jurídica formal e técnica do Estado moderno só atinge parcelas da ordem social, achando-se quase sempre em atraso, relativamente às aspirações jurídicas mais desejadas, vivas e concretas da sociedade como um todo. Evidentemente, que o Direito projetado pela sociedade burguêso-capitalista, corporificado pelo modelo de centralização estatal, impõe um rígido sistema de fontes formais caracterizado pela supremacia do Direito legiferado e escrito sobre o Direito consuetudinário e a doutrina ou a jurisprudencia, e pelo sufocamento e exclusão de práticas informais vinculadas ao Direito Comunitário autónomo. “Parece claro, por conseguinte, que o problema das fontes do Direito numa sociedade determinada e historicamente concreta não está mais na priorização de regras técnico-formais e nas ordenações teórico-abstratas perfeitas, porém na dialética de uma práxis do cotidiano e na materialização normativa comprometida com a dignidade do novo sujeito social. Os centros geradores de Direito não se reduzem, de forma alguma, às instituições e aos órgãos representativos do monopólio do Estado, pois o Direito por estar inserido nas e ser fruto das práticas sociais, emerge de vários e diversos centros da produção normativa, tanto na esfera supra-estatal (organizações internacionais) como no nível infra-estatal (grupos associativos, organizações comunitárias, corpos intermediários e movimentos sociais). Portanto, o que o direito no estado moderno nao pode amitir é que a ideia de justiça, o ponto de partida para a Constituição e o desenvolvimento do Direito não se prende nem à legislação, nem à ciência do Direito nem à decisão judicial, mas às condições reais da vida cotidiana, cuja real eficácia apóia-se na ação de grupos associativos e organizações comunitárias”.

Para WOLKMER(2006) o critério do "justo" resulta daquilo que os grupos comunitários reconhecem como tal, correspondendo eficazmente aos padrões da vida cotidiana almejada pelas coletividades submetidas às relações de dominação, a noção de Justiça acaba se constituindo numa necessidade por liberdade, igualdade e emancipação9.

´E a apartir destes conceitos que se começa a desenhar a ideia de um estado isonomico, que rompa com o perfil jurídico dominante.

Em harmonia com Wolkmer (2002, p.100) – amparado no pensamento de Lera Filho, “[...] o Direito não mais refletirá com exclusividade a superestrutura normativa do moderno sistema de dominação estatal, mas solidificará o processo normativo de base estrutural, produzido pelas cisões classistas e pela resistência dos grupos menos favorecidos.” O autor assevera que o Direito Achado na Rua se insere justamente na proposta desse Direito novo que vai ao encontro da capacidade popular de se afirmar como agente determinante e não só determinado por esta ou aquela estrutura estatal. É assim que a classe mais baixa do corpo social se mostra soberana quanto à afirmação de seus interesses, visto que manifestam, nas relações sociais, formas jurídicas

9 É conveniente entender alguns conceitos sobre o “Direito achado na rua” que se desenvolveu no Brasil. Preliminarmente, devemos aqui contemplar a rua justamente como o palco das organizações populares, o espaço fértil às mobilizações e aos clamores do povo. O “Direito achado na rua”, expressão original de Roberto Lera Filho, emerge do pluralismo jurídico na medida em que nasce, não do ventre do Estado, mas do clamor dos oprimidos e das práticas dos novos sujeitos sociais.

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completamente novas, desformalizadas e contrárias à inércia do Direito posto em códigos.

Conseqüentemente, busca-se justamente definir novas categorias jurídicas a partir das reiteradas práticas sociais inovadoras e propagadoras de novos direitos – aproximando-se da perspectiva do Pluralismo Jurídico, quando atenta para a existência de mais fontes jurídicas do que se está de fato positivado nas estruturas jurídicas estatais.

De um lado temos a tensão nos BRIC10 e em particular a conscencia que o direito serve o discurso dominante do Estado – no caso do estado moderno controlado pelos interesses económicos – mas que os tribunais, em busca da justiça, devem procurar outras fontes, e por outro lado, temos o colapso do Estado Europeu Moderno, devastado pela crise financeira de 2008 e o empobrecimentodas populações, com as politicas de austeridade, fazendo emergir novos equilíbrios políticos e económicos entre as antigas potências nacionais.

No século XXI, a França, pela primeira vez na história da União Europeia, é claramente o seu número de dois. O modelo de sucesso está do outro lado do Reno: na Alemanha, cujos interesses saem reforçados com a crise europeia e que controla o projeto europeu.

A própria ideia de Europa abandonou o debate político como foi patente nas eleições presidenciais francesa de 2012. Tentar agora no debate das próximas europeias reativar a discussão pode nao ser possível também porque os partidos políticos europeus em vez de refletirem sobre a Europa pós-crise, vão capturar as campnaha eleitorais com o lançamentod e nomes para lugares específicos da UE, tentando dessa maneira aproximar as eleiçies europeias de eleições federais ou do escrutínio do presidente da Comissão Europeia.

A partir do Euro e sobretudo, depois da crise das dividas soberanas, a UE está dominada pela hegemonia de Berlim e o roteiro passou a ser escrito pela chanceler Angela Merkel, uma Chanceler com maioria renovada em setembro de 2013, oriunda da Alemanha de Leste e que foi formatada dentro dos canones do coletivismo socialista, mas que sobretudo tem que responder a uma clientela interna crente no modelo sofredor-pagador de pecados.

Nas questões relacionadas com a crise do euro (o Tratado Orçamental, os fundos de resgates, o debate sobre a solidariedade, os Eurobonds e do papel do Banco Central Europeu) a Alemanha lidera, chegando mesmo um primeiro ministro português a dizer-se germanófilo e a Espanha a anunciar a reforma da saúde e educação, ambos num jornal alemão.

Estes são exemplos do estado da União Europeia e do que a confusão entre economia e finanças públicas no Estado intervencionista conduziu no final do ano de 2012: um verdadeiro ambiente de pré-guerra com tensões insanáveis entre os Estados membros da UE.

10 Brasil, Russia, India e China

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Num primeiro momento, antes das presidenciais americanas e sobretudo antes da sua própria reeleição,Merkel recusou-se a socorrer países, a que o BCE comprara títulos, a criar um firewall para as dívidas soberanas. Essa Merkel do não, não e não terminou dizendo sim: os tabus alemães caíram. Além disso, a Alemanha não está confortável com esse papel de líder e procurara associar a França à fotografia: sempre foi e sempre será assim na Europa.

A Alemanha com a ajuda da França acabou por criar um conjunto de mecanismo, com mecanismos técnicos complexos, indecifráveis, falíveis e incapazes de resolver a crise económica. E na falta de uma resposta que funcione resulta apenas a lei da gravidade: a forte atração que o centro exerce sobre a periferia, e que se tem ampliado nesta crise mutante. Os números falam por si: Pela primeira vez desde a segunda guerra mundial a Alemanha é o líder indiscutível, quase em pleno emprego, com finanças publicas equilibradas, superavit na balança de pagamentos e paga juros irrelevantes pela divida publica, ao contrario da periferia europeia que atinge níveis de desemprego superiores a 20% e 50% nos jovens (como é o caso da Espanha) e cuja espiral recessiva faz reduzir as economias para os níveis dos anos 90 do século passado.

Percebe-se que a questão não é técnica, nem económica, mas apenas política.

O que carateriza a época dos impérios é a crescente tensão económica e a corrida ao controlo das matérias primas para se manter o complexo industrial e militar em que assenta o poder imperial e burguês na europa do século XIX e XX.

Desde o século XVII que a laicização, ou seja a separação entre o Estado e a Igreja levou à paz. Mas os estados substituíram, com a nova ordem capitalista e a industrialização a religião, que caracterizou o primeiro Reich – o Sacro Imperio Romano-Germânico – pela Economia.

E nesse sentido a economia captura o estado e os seus interesses, cria um discursos ideológico próprio e naturalmente passa a ser o motivo da guerra entre os povos. É a essa luz que deveremos explicar a transformação da globalização renascentista em ocupação colonial e imperialismo, do mesmo modo que não podemos deixar de ver nas grandes guerras civis europeias do século XIX e XX a evidente prevalência dos valores económicos.

E atualmente (aliás, desde o século XVII), a economia ocupa o mesmo papel que a religião na Europa do século V ao século XVI.

Note-se do ponto de vista da natureza do Estado, não é a economia que condiciona a política, como antes não foi a religião que determinou a política. Do que se trata é da Economia enquanto política como antes se tratou da Religião enquanto Política do Estado.

Diria que onde antes havia uma religião política agora haverá uma economia política, não no sentido da economia da política, mas em termos ideológicos como discurso dos interesses do próprio Estado.

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E se coincide com o capitalismo esta captura do Estado pelos interesses económicos, isso não decorre da natureza burguesa do Estado, como queria Karl Marx, mas do facto do Estado politicamente liberal e democrático ter um vício básico de populismo eleitoralista, legitimador onde antes era legitimador o medo da insegurança ou o temor a Deus.

É na questão da legitimidade do poder que se coloca a reflecção da ciência política sobre a natureza do Estado economicista ou de Finanças Públicas Intervencionistas.

A Alemanha ganhou depois da unificação e do tratado que Instituiu a União Europeia tudo nesta ultima guerra económica. Ganhou primeiro a batalha monetária impondo o paradigma do marco alemão e do seu banco central e chegou ao cúmulo de impor intelectualmente o seu modelo económico, aproveitando a crise para impor a clonagem da sua estrutura político-económica a todo o continente europeu, baseando-se na sua evidente superioridade económica.

A Alemanha cometeu vários erros e tem o estigma da sua história e por isso mesmo este influencia não pode ser mais que parte do processo de guerras económicas que desde 19 de julho de 187011 assolam a Europa.

E como contraponto à hegemonia alemã, franceses e ingleses apenas conseguiram derrogações, pequenas vírgulas no diktat alemão, verdadeiras vitórias de Pirro, que não ameaçaram o poder que se instituiu à margem dos próprios tratados europeus.

A pretensão dos fundadores da Europa foi sempre a de uma federação de estados nacionais, que na versão de Jaques Delors se poderia acelerar por via do euro. A moeda única pode ter sido a contrapartida da unificação alemã. Mas acabou por se converter, num contexto de guerra psicológica e fractura política, no garante da estabilidade económica alemã, induzindo ciclos, ora expansionistas e ora recessivos, na periferia, sem que as sociedades tenham sido disso responsáveis.

Esta Europa conduziu a cifras incontornáveis: em 2011, a despesa publica atingiu em França 56% do PIB (seis pontos mais que a Alemanha e 10 mais que a Espanha). A França como Portugal não têm equilíbrio orçamental desde 1974 e ambos perderam a qualificação máxima creditícia, tendo Portugal chagado mesmo ao nível de lixo, pelas empresas de ratting mais significativas. O desemprego em França é superior a 10% em Portugal de 16% e em Espanha de mais de 22% o que compara como os menos de 5% da Alemanha e da Holanda, sendo a medida da decadência industrial da periferia.

Este contraste permitiu à Alemanha impor o seu modelo dogmaticamente, sem qualquer divergência de opinião, sem atender à especificidade de cada região nem à lógica das transferências para a coesão europeia, com base na disciplina do mercado e onde o Eurogrupo réplica ao modelo alemão de austeridade nas finanças publicas, desendividamento publico e privado e aumento das exportações. Esta armadilha colonial de pensar que os 17 estados membros do eurogrupo podem replicar a Alemanha como se de 17 “alemanhas” se tratassem, parte de uma ideia matematicamente impossível de que o somatório de superavits é possível, sem que

11 Guerra franco prussiana (1970-1871) a que se seguiram as duas grandes guerras no século XX.

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existam défices equivalentes, e de uma ideologia de guerra comercial neo-mercantilista, que acabará por dita a desglobalização, o que inevitavelmente compromete o próprio modelo.

Mas mais que isso, o modelo da guerra comercial e económica que a Alemanha adoptou leva inevitavelmente a que no final possam ser os próprios alemães a terem que pagar os défices agravados pelas politicas monetárias e orçamentais dos estados membros, sob risco de colapso da própria Alemanha. Tentar medir o sucesso da sua política pelo prémio pago pelos mercados como faz a Europa dominada pela modelo alemão nem sequer é novo. Shumpeter por exemplo considerava que seriam as grandes empresas a desejar o socialismo de modo a excluir da concorrências a pequenas e médias empresas fixando as suas rendas com recursos ao poder do Estado e admitia mesmo que o socialismo pudesse planificar usando critérios de mercado, que é basicamente o que se passa na Europa.

Os rattings das dividas soberanas e os cânones do Pacto Orçamental e dos controlos do semestre fiscal europeu são as ultimas fases de confusão entre a Economia e o Estado, como de certo modo a Santa Inquisição foi a ultima instituição da complexa relação entre o Estado e a Religião.

E rigor financeiro, tal como com a regras do Santo Ofício, acaba por se revelar mais duro e extremo nos estados periféricos mais pobres, onde as elites políticas são mais impreparadas e radicais12.

Mas o mesmo se passa nos EUA. A Reserva Federal (Fed) insistiu sempre que a sua política monetária dependia da evolução da sua economia. Imprimiu dinheiro para comprara tempo sem que verdadeiramente tenha conseguido estimular a economia com bases sustentáveis.

E o efeito não se fez esperara: uma alta generalizada dos preços das matérias primas e do ouro em 2011 chegou aos 1900 dólares a onça, para compensar a perda de valor do dólar.

Como era evidente a volatilidade passou a ser dominante nos mercados do ouro desde que a Reserva Federal recorreu ao ser arsenal clássico para conter os efeitos da crise financeira. O inchar da bolha do ouros, e a ideia que a Fed manterá a sua política fazem com que os mercados acabem por viver ao sabor das próprias politicas, sem criar riqueza mas sempre ameaçados por novos crash e colapsos financeiros que ampliam o desemprego e aprofundam a recessão.

Salvar a Europa

Na terça-feira março 26, 2012, Ron Paul e sua equipa organizaram uma reunião da política monetária doméstica e da Subcomissão de Tecnologia do Comitê de Serviços Financeiros. O título da audiência foi "A ajuda da Reserva Federal para a Zona Euro:.

12 Os excessos da inquisição fizeram-se sobretudo sentir em Portugal e Espanha nos séculos XVI e XVII tal como os rigores das politicas orçamentais impostas pela Alemanha no século XXI

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Seu impacto sobre os EUA e a União Europeia" e os argumentos aí dirimidos mostram bem o nível do debate nos Estados Unidos em vésperas da reeleição do presidente Obama.

Basicamente o Banco central procurava argumentos técnicos para justificar a guerra cambial e sobretudo, a escondida operação americana de resgate europeu em face da obsessão europeu pela a austeridade sincronizada que esta a arrastar toda a europa para a recessão e desse modo a prejudicar a economia global.

Ben Bernanke, que não será reconduzido à frende da Federal Reserve, não compareceu à audiência, pois estava ocupado com palestras de propaganda. Compareceram William C. Dudlee (presidente e diretor executivo, Federal Reserve Bank of New Eork) e Steven B. Kamin (diretor da Divisão de Finanças Internacionais, Conselho de Governadores do Sistema da Reserva Federal ), que responderam a perguntas da comissão sobre os swaps de moedas com outros bancos centrais.

A audiência tratou principalmente sobre o swap de moedas da Fed com o BCE, o que equivale a um salvamento secreto dos bancos europeus.

Mas por que os bancos europeus precisavam de ajuda da Fed, em primeiro lugar?

Bancos europeus tinham emprestado dólares a curto prazo nos mercados internacionais de comercio e reemprestaram mais dólares a longo prazo a empresas norte-americanas ou a famílias. O desfasamento é altamente arriscado, porque uma vez que um banco não pode renovar suas dívidas de curto prazo torna-se ilíquido.

Os bancos europeus foram pressionados pelos seus governos para comprar dívidas de seus governos. Bancos italianos estão carregados com títulos do governo italiano, os bancos espanhóis com títulos espanhóis e assim por diante. Como a crise da dívida soberana aumentou mais uma vez no verão de 2011, com governos estão perto do colapso por falta de liquidez, os bancos europeus mostram dificuldades crescentes em renovar e refinanciar os seus empréstimos de curto prazo em dólares.

Como o BCE só pode imprimir euros, não dólares, os banqueiros europeus ficaram nervosos. Enquanto os bancos americanos não querem emprestar para os bancos europeus mais, em setembro de 2011, a Fed interveio e socorreu os bancos europeus através de swaps cambiais. Através dos swaps, a Fed assumiu o seu papel de emprestador internacional de última instância.

Durante a crise financeira entre 2007 e 2009, a Fed havia socorrido os bancos europeus, principalmente através de empréstimos diretos para subsidiárias nos Estados Unidos. A fim de ocultar os resgates, a Fed agora usa swaps cambiais, principalmente.

No swap, a Fed vende dólares ao BCE e compra-os de volta mais tarde pelo mesmo preço, recebendo interesses (juros). Essa construção assemelha-se a um empréstimo em dólar ao BCE, a cerca de 0,6 por cento (0,5 por cento acima da taxa federal-fundos). O BCE pode, em seguida, usar esses dólares para emprestá-los a bancos europeus com problema.

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Na audiência, as autoridades da Fed não negaram o óbvio: o resgate de bancos europeus pela Fed. Em vez disso, eles alegaram que o resgate era basicamente um almoço gratuito para os contribuintes norte-americanos, porque eles iriam receber um benefício quase livre de risco na forma de juros sobre o swap.

Além disso, as autoridades da Fed afirmaram que o socorro era necessário porque um colapso dos bancos europeus causaria stress nos mercados financeiros. Através da interligação dos mercados financeiros, os bancos americanos teriam em problemas; empréstimos às famílias e empresas norte-americanas seriam afetadas negativamente.

Por último, deram garantias de que a Fed vai acabar a política de troca de resgate uma vez que é imprudente e os custos e riscos de uma tal política exceder os benefícios para o contribuinte dos EUA é real.

Vale a pena analizar estes argumentos surpreendentes do banco central americano.

Primeiro, não há almoços grátis, nem mesmo para a Fed, o produtor/criador do dinheiro. Basta lembrar que os bancos americanos não querem emprestar para os bancos europeus, porque consideravam demasiado arriscado. Mesmo num swap, o banco central não fica isento de riscos. É verdade que a Fed tem bloqueado a taxa de câmbio e espera cobrar mais juros. No entanto, ainda há um risco da contraparte: e se o BCE falir?

Se isso acontecer os credores, incluindo a Fed, vão assumir os ativos da BCE. Os credores receberiam ativos, como títulos do governo grego, ou empréstimos a bancos portugueses. Esses bancos dependem linhas de liquidez do BCE e estão garantidos por títulos emitidos pelo Governo Português, que também dependem do BCE para apoiá-lo.

No final, o balanço do BCE é feito em grande parte por títulos de governos insolventes que só são mantidos à tona graças a promessas do BCE de manter a impressão de dinheiro e com a promessa do apoio dos contribuintes alemães.

Enquanto uma falência BCE não parece iminente, o BCE aumentou o seu capital para cobrir as perdas potenciais já em 2010, e o Bundesbank aumentou suas provisões para perdas em 2011. Nesse meio tempo, o BCE comprou dívida do governo grego ainda mais, começou a comprara divida Portuguesa, espanhola e italiana, na expectativa de novos resgaste.

O BCE é, provavelmente, um dos bancos mais altamente alavancadas da história.

É claro que a Fed espera que os governos da zona do euro irão sempre recapitalizar o BCE se for necessário, para que finalmente os contribuintes europeus acabarão por devolver os dólares emprestados pela Fed.

Mas o que se passaria se a Alemanha deixa a zona euro?

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É verdade que isso é improvável no curto prazo, e mesmo que seja a Grecia ou Portugal a pedirem para sair voluntariamente, essa possibilidade só se coloca no longo prazo.

Acresce nesse cenário que, de seguida, os governos europeus do sul não poderiam pagar suas dívidas – o que levaria os seus bancos comerciais e o BCE fossem à falência com eles.

E nesse cenário quem pagaria os swaps de dólares à Fed?

O swap é também um almoço grátis com custos de oportunidade envolvidos.

É verdade que se a Fed se abstiver de emitir dólares para emprestar ao BCE, a necessidade de moeda seria menor e estaria confortada por ativos de melhor qualidade (e não indiretamente por títulos do governo grego ou do governo português).

A produção do dólar também implica uma redistribuição para os primeiros receptores dos novos dólares, o BCE, os bancos europeus, e seus devedores (principalmente os governos insolventes europeus) dos inconvenientes dos receptores últimos, os cidadãos, principalmente dos EUA, que são confrontados com uma desvalorização do dólar.

Existem outros custos de oportunidade. A Fed poderia ter produzido a mesma quantidade de dólares e não investido nos swaps do banco central. Estes swaps cobram juros muito baixos. Em vez dos swaps, a Fed poderia ter comprado outros ativos, como ações da Apple ou ouro, que poderia ver subir o valor do seu activo.

É o custo político desta nova intervenção americana na Europa. Mas fica a questão dos sinais que se estão a dar:

Poderão os bancos e governos em todo o mundo esperar que a Fed os virá sempre salvar, também, especialmente se eles estiverem bem conectados com o sistema financeiro dos EUA? Então, por que ser prudente?

O maior custo dos swaps, no entanto, pode ser outro. Através dos swaps, a Fed está ajudando o BCE para salvar os bancos europeus que financiam governos insolventes. A Fed está indiretamente socorrer países como Grécia, Portugal, Irlanda, Chipre e Espanha, rebaixando o dólar. Graças aos resgates, o projeto político do euro continua. Sem os swaps, alguns bancos europeus teriam falido, e com eles os seus países. Graças aos swaps, a zona do euro permanece intacta.

O projeto do euro levou à criação a um fundo e depois de um Mecanismo de resgate cada vez maior (Tratado sobre o Mecanismo Europeu de Estabilização) e, gradualmente, em orientou os tratados e as decisões do Conselho no sentido de uma união fiscal e de maior centralização. Um governo financeiro europeu e um super-Estado europeu, que irá provavelmente abolir a concorrência fiscal na Europa, está no horizonte: este é o projecto alemão.

O maior custo da política de Fed, portanto, pode ter que ser a liberdade na Europa.

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As autoridades da Fed também deixaram claro que acham que o acordo de swap beneficia os cidadãos dos EUA, por manter o stress longe de bancos norte-americanos e dos mercados financeiros. A Fed não quer os mercados de ações a cair ou taxas de juros para aumentar. Para a Fed, as taxas de juro baixas são a panaceia para todos os males económicos.

No entanto, com taxas de juros artificialmente baixas, subir de volta para níveis mais normais não é nenhum desastre.

Ha duas evidencias economicas. Investimentos sustentáveis são sempre restritos pela economia real. Redução das taxas de juros não aumenta a quantidade de economias reais. Além disso, uma característica importante da economia de mercado é a componente da responsabilidade moral: que as pessoas assumam a responsabilidade por suas ações. Se os bancos americanos concederam empréstimos a bancos e governos europeus, devem assumir os prejuízos decorrentes de seu comportamento arriscado.

Finalmente, a Fed afirma ser prudente.

Mas a questão é a de saber como pode a Fed saber o ponto em que já não é prudente para salvar bancos estrangeiros? A União Bancaria que a Alemanha quer fazer avançar na europa esta mal desenhada. Acaba por responsabilizar os crediores, quer afastara a socialização dos prejuízos em nome de uma opção puritana pela sustentabilidade e transparência herdadad do discurso solidário dos anos secenta, da casa comum e da sustentabilidade ecológica que tanto ameaçou aordem capitalista.

Como é possível saber quando os custos dos resgates começam a exceder os benefícios para os contribuintes dos EUA? Como pode a Fed saber o que é melhor para os Estados Unidos?

As comparações pessoais e de utilidades são arbitrárias. Graças aos resgates, alguns bancos podem ganhar, alguns proprietários de ações podem ganhar, mas à custa da liberdade na Europa e em detrimento dos usuários de dólares, que o podem ver desvalorizar.

Além disso, salvamentos produzem perigos morais, crises e perdas para os indivíduos no futuro. No entanto, a Fed afirma saber o que fazer: engenharia social no seu melhor - ou, como Haeek diria, um conceito fatal por parte dos planeadores centrais (leia-se planeadores bancários).

Em suma, a Fed assumiu com pragmatismo a tarefa de resgate do setor financeiro e os governos em todo o mundo para desvalorizar o dólar, no âmbito de uma guerra cambial julgando assim beneficiar os EUA, aumentando a competitividade da economia americana. As autoridades da Fed afirmam saber que o resgate de swaps é basicamente um almoço gratuito para os contribuintes americanos e uma operação prudente.

Mas a situação europeia complicou-se bastante, por causa da fé dos governantes e dos conservadores alemães na austeridade que não entedneram que o fenómeno típico de

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especialização económica das regições nas uniões monetárias obriga a politicas compensatórias e de coesão, como condição de estabilidade social e política. A confiança foi minada no sucesso das políticas e neste momento os mais fundamentalistas na Alemanha ainda discutem sobre se os apoios do BCE e as ajudas da Fed não acabam finalmente por conduzir a uma hiperinflação na Alemanha, afinal a maior beneficiaria do modelo de austeridade implementado depois da crise das dividas soberanas em 2010.

É certo que existem na Eurozona politicas monetárias e fiscais nacionais que podem travar os efeitos da inflação: por exemplo o aumento das reservas dos bancos (Core Tier 1) acima das recomendações de Basileia III, como aliás se exigiu a Portugal no âmbito do Memorando de entendimento com a Troika a quando do resgate em 2011) ou a subida dos impostos para refrear a procura, derivada da baixa taxa de juros do BCE ou da excessiva quantidade de moeda emitida para mutualizar as dividas dos estados membros em dificuldade – naturalmente sempre à margem dos Tratados Europeus, nomeadamente, em violação do Tratado de Maastricht, como mais tarde ou mais cedo acabarão por decidir as instancias judiciais da União Europeia.

Mas o problema quatro mãos depois das primeiras medidas de combate à crise das dividas soberanas é que é evidente o irrealismo dos programas implementados pela troika nos países e a fadiga da austeridade está também a afectar países como o Reino Unido e a França onde claramente se percepciona que os únicos países que beneficiam da União, para além da Alemanha, são os países de leste que ainda estão a usar os apoios comunitários para refazer as infraestruturas de saneamente basicoa e a de estradas – e com isso conseguem manter crescimentos equivalentes aos das década de oitenta do século passado, no resto da Europa Ocidental.

Este evidencia do autericidio na Europa resgatada leva ao afastamento do FMI da Troika para onde tinha sido convocado, não só pela aleagada comtencia técnica mas sobretudo para evitar que o apoio entre estados europeus, violador dos tratados europeus pudesse ser travado no Tribunal Constitucional alemã, chamado pontualmente a pronunciar-se sobre o envolvimento orçamental da Alemanha nos mecanismos de resgate da União Europeia.

E esta nova separação dos Estados Unidos, depois de em Março de 2013 terem evacuado o ultimo soldade do território “ocupado” alemão, não significa necessariamente uma maturidade dos mecanismos de resgate europeus – embora seja evidente que hoje a Europa dispõe de mecanismos que antes não tinha – decorrentes do tratado sobre a coordenação e estabilização das politicas económicas e monetárias e do Tratdo do Mecanismo Europeu de Estabilidade.

Significa sobretudo e como aconteceu depois da primeira guerra mundial, que os americanos nao estão disponiveis para continuar a sustentar a europa colocando em risco a sua prorpia economia, quando observam que as politicas do partido germanófilo na europa estão erradas e conduziram a grandes desasteres económicos e sociais por exemplo na Grécia e em Portugal.

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E este afastamento americano, do ponto de vista português é mais um erro estratégico. Não porque em concreto as politicas preconizadas pelos técnicos do Fundo Monetário Internacional fossem mais adequadas, mas sim porque do ponto de vista estartegico, significa um maior alinhamento nacional pela opção continental, o que tem sido uma opção recorrente do partido germanófilo em Portugal desde 1991, com a celebração do Tratado de Mastricht.

O problema secessionista na Europa

As crises funcionam como artefactos de esquematização: o relato alemão da crise europeia é, como já Krugman havia denunciado, um conto moral, baseado na crença de que o problema económico se deve à irresponsabilidade fiscal dos pecadores do Sul, a quem há que castigar.

A partir desse falso guião, as soluções são mais difíceis, os mecanismos de solidariedade escasseiam, a cidadania de alguns países do Norte receia, o Sul soma um sentimento anti-alemão (o antieuropeu) e em muitas das últimas eleições ressurgem os extremismos, que na Europa funcionam como esse génio que sai da lâmpada e que tão difícil é depois voltar a mete-la dentro dela.

Espanha e Portugal são una espécie de microcosmos da crise do euro: o desencontro especificado pela Catalunha traz estranhos paralelismos com essa história, em paralelo com a autonomia de Portugal e as lutas ibéricas contra Castela. De novo um génio do passado sai da lâmpada —o espectro da independência nacional— em plena crise.

As causas diretas dos problemas económicos catalães são a profunda recessão, depois da borbulha imobiliária: o mais que discutível esbulho fiscal - pese a que o sistema de financiamento publico é imperfeito e injusto (como se verificou em Portugal com a tentativa de aumento das contribuições dos trabalhadores para a Segurança Social para financiar a descida das mesmas contribuições pelas empresas e assim aumentar a competitividade da economia) e o tamanho do deficit orçamental pode ser discutível. A catalunha esgrime o separatismo para justificar suas pretensões, segundo a análise de Bruxelas. Por isso, a UE viu regressar essa polémica nacionalista com estranheza, que se foi metamorfoseado em preocupação ao aflorar no pior momento da crise espanhola da divida soberana e que nos últimos momentos se converte em oportunidade de diminuição do prestigio dos estados nacionais para se aprofundar a europa federal com especial ligação às regiões.

A Catalunha, evidentemente, não é a Alemanha: para começar, sofre na própria carne os estragos da recessão e do desemprego. Mas em muitas outras coisas a analogia funciona: una vez mais o Norte rico, no meio da crise, quer limitar as suas transferências de solidariedade com a desculpa de que esse dinheiro se usa “para ir al bar del pueblo” (Duran i Lleida), o “para construir autoestradas e aeroportos para parte nenhuma” (Merkel).

Mas em Bruxelas ha também quem assista a este jogar com o fogo com preocupação: “a Catalunha é uma fonte adicional de inquietação; A Espanha tinha já muitos

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problemas e agora acontece que uma das comunidades mais ricas teve que solicitar um resgate ao Estado (e todos se perguntam como estarão as outras?), e quase ao mesmo tempo ameaça com a independência, realiza eleições antecipadas (com a agenda do referenco nacionalista em marcha) e negoceia um mal amado pacto fiscal, que no fim consiste em transferir menos recursos para o Estado, agora que a saúde de as contas públicas geram duvidas”.

O presidente da Generalitat fez ao menos um par de incursões a Bruxelas em busca de compreensão para a procura de um sistema de financiamento, de apoio para el compromisso de Catalunha com a austeridade. Mas ninguém para além da ambiguidade habitual deu espaço para a afirmação secessionista que cresce na rua.

“Não renunciamos o que somos... Mais Catalunha e mais Europa é o nosso lema”, disse Mas (presidente do Catalunha) à comunicação social. Ou seja, ¿menos Espanha?, - alguém lhe perguntou. “Não. Nós somos positivos; afirmamos, não negamos nada”, explicou Mas.

Daí que a primeira reação e Bruxelas tenha sido de incredulidade. Seguida de uma advertência clara: “Algumas das reivindicações catalãs se vêm com certa simpatia. Mas está-se cruzando una fronteira perigosa. Pode entender-se essa aspiração para melhorar o financiamento, mas nem na Alemanha, que tem um sistema fiscal federal que pode servir como modelo para a Espanha, se entende que se avance tanto nessa linha das aspirações independentistas, fazendo disparar em Bruxelas os alarmes ante de risco dos efeitos miméticos noutros lugares, nomeadamente em Itália, Grã-Bretanha ou França.

É certo que a independência de Catalunha comportaria evidentes problemas jurídicos, a julgar pela redação do artígo 4.2 do Tratado da União. Além disso, a tomada de decisões na UE encaminha-se para maiorias qualificadas, salvo num ponto que sempre requererá unanimidade: a entrada de novos Estados. Essas barreiras podem funcionar como diques de contenção: el presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão, deixou clara a doutrina a esse respeito. Por um lado, esse é um assunto “interno” de Espanha. Por outro, no caso de um hipotético caso de um processo secessionista num Estado membro, “a solução teria que encontrar-se dentro do ordenamento legal internacional”. E a Europa adverte que a Catalunha ficará fora da União se declarar a Independência...

O Governo do Partido Popular (PP) deixou cair que o problema do deficit espanhol não existe por culpa das comunidades autónomas, do mesmo modo que aconteceu em Portugal onde o Governo conservador de Passos Coelho nao quis culpar a Região Autónoma da Madeira.

Contudo, ambos tentaram iniciar uma certa recentralização de competências (com a desculpa dos deveres que impõe Bruxelas) que gera receios na Catalunha ou na Madeira e que explica em parte essa reação nacionalista que agora se sente.

Aí, una vez mais, o paralelismo entre Portugal e a Catalunha na sua luta pela independência em 1640 ou da Madeira agora com Alberto João Jardim, e agora com a

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Europa é inquietante: a Troika envia os homens de negro a Madrid, e por sua vez eo Governo de Madrid envia os seus próprios homens de negro ás comunidades resgatadas como Catalunha, como antes fizeram a Inquisição e o ministro de Filipe IV, o Conde Duque de Olivares, com Portugal ou Lisboa de Vitir Gaspar fez com a Madeira e os Açores.

Madrid evita referir-se diretamente a um resgate e prefere aludir a uma línha de crédito em condições vantajosas, e Artur Mas exige que a ajuda no tenha “condicionantes políticas”.

Em Portugal o governo pro-germanico de passos coelho vai alentando com o fim da presença estrangeira ao mesmo tempo que nao renegoceia as condições de resgate com a Madeira.

Wolfgang Münchau, que dirige el think tank Eurointelligence, assegura que o circo político montado a esse respeito “seria cómico se não estivesse relacionado com a profunda crise espanhola e as suas consequências para a gente da rua”.

Em Portugal por seu lado, desde a quinta análise da Troika, em setembro de 2012, que ficou evidente o falhanço das politicas de austeridade impostas pela Troika e sancionadas pela Comissão Europeia, em manifesta violação dos tratados europeus e do espírito de solidariedade europeia. Esta evidencia só se tornou mais evidente com as ulimas 8º e 9º avaliação do Programa de Assistencia Externa Financeira ao nosso país.

Ao contrário do que se passou na Grécia, Portugal cumpriu todos os requisitos impostos no Memorando de Entendimento (MOU) com a Troika e tudo falhou. Portugal parece juntar tudo o de pior que aconteceu na Irlanda e na Grécia, mas a manobra ideológica europeia num primeiro momento parece iludir os mercados, mais preocupados com o resgate da Espanha e Itália e com a eventual saída voluntária da Grécia do Euro ou com as tenções entre o FMI e a Comissão Europeia. As exportações aumentaram porque aumentaram também as importações para as exportações. O desemprego e a recessão puseram em causa a consolidação orçamental e começa a ser óbvio que só há dois caminhos para aumentar a competitividade económica e consolidar as finanças publicas: perdão da dívida ou saída do Euro. A Europa já não tem mais tempo.

Com efeito, Portugal anda a fazer um pouco como a China. De acordo com um estudo de Augusto Mateus, entre 1986 e 2008 registou-se um aumento do conteúdo importado da produção nacional de 12,6% para 14,6%. Esta trajetória assumiu uma expressão mais significativa na exportação (20,2% em 1986 e 25,9% em 2008) e se nos focarmos apenas na secção exportadora na indústria, a análise revela que, neste período, o conteúdo importado subiu de 25,5% para 38,2%.

Nestas duas décadas, por cada cinco exportações a mais efectuadas pela indústria portuguesa, quatro foram de conteúdo importado. As indústrias de baixa tecnologia têm sido, de resto, as únicas com maior peso na incorporação de valor acrescentado nacional do que na incorporação de importações intermédias.

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O contributo global da exportação para o valor acrescentado desceu de 21% em 1986 para menos de 17% em 2005, revelam os trabalhos de Mateus.

Por outro lado, a internalização do modelo chinês na Europa coloca vários problemas científicos. Tentar substituir uma desvalorização cambial por uma medida de redução de salários é um erro destes programas de estabilização com negociados com a Troika. As medidas têm consequências diferentes. Há alguma confusão entre desvalorização cambial e queda do nível de vida. A desvalorização cambial no programa de assistência financeira a Portugal pelo FMI em 1983 foi da ordem dos 20%, mas a queda dos salários reais não chegou a 8%. Uma coisa é a moeda desvalorizar-se, outra é o nível de vida baixar. Na altura os salários reais desceram cerca de 8%, o que é bastante menos do que será com as exigências de redução e flexibilização dos salários impostos pela Troika.

A redução dos salários por via fiscal ou das contribuições para a segurança social (TSU), como o Governo conservador de Passos Coelho chegou a propor em Portugal criando manifestações históricas que mobilizaram na rua mais de 10 % da população do País, não é a mesma coisa que a desvalorização cambial por várias razões.

Em primeiro lugar, porque a redução salarial é a mesma para todos os sectores e não privilegia os bens transacionáveis. Por isso é muito pouco eficiente. Nas exportações o peso direto e indireto dos salários – diretamente dos sectores exportadores, mais o peso dos sectores que produzem bens para os sectores exportadores – é da ordem dos 30%, segundo João ferreira do Amaral.

Uma descida de menos de 6% da Taxa Social Única [5,75%] não chega a 1,8% de melhoria de competitividade, o que é irrisório.

Porquê? Porque essa descida é distribuída por todos os sectores e como tal o impacto nos sectores de bens transacionáveis é pequeno. A desvalorização cambial, pelo contrário, incide sobre bens transacionáveis. É uma espécie de subsídio que se dá a esses sectores no imediato e é um bom incentivo para os empresários investirem nesse tipo de sectores.

E acresce ainda que a receita da descida da TSU já antes estava implementada em Portugal, pois as empresas que empregassem trabalhadores desempregados beneficiavam de total isenção da TSU por dois anos, o que rigorosamente não criou emprego, devido à falta de estabilidade nas politicas fiscal e monetária e à falta de confiança no futuro da economia portuguesa.

Em segundo lugar também são diferentes os efeitos sobre a riqueza: quando há uma desvalorização cambial todos sofrem em relação ao exterior uma desvalorização, quer nos rendimentos do trabalho, quer nos outros, incluindo o próprio património. Aqui não: todo o ajustamento cai sobre os salários.

Se os salários descessem 7% e se somarmos o efeito preços – 2% a 3% de inflação – iríamos aos 10% de perda de salário real. É mais do que em todo o programa de ajustamento de 1983/84. Com a agravante de não resolver nada. E com a agravante adicional, muito pouco discutida, de que uma desvalorização do rendimento das

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famílias é muito perigosa em termos de equilíbrio financeiro porque as famílias estão muito endividadas, coisa que não se via em 1983.

Se estamos a reduzir drasticamente o rendimento das famílias – e isso já se notou no caso dos funcionários públicos em Portugal e na Catalunha – estamos a aumentar muito as condições para o incumprimento, além de criarmos um problema social sem solução e que pode indiciar o fracasso do Estado.

Outro dos erros destes programas de estabilização é não terem em conta o que chamamos efeito riqueza negativo. As famílias estão muito endividadas o que leva a que qualquer descida de rendimento se amplifique muito mais no consumo.

E sem consumo a recessão instala-se, até porque o modelo do crescimento pelas exportações é ilusório.

Sobra portanto o legitimo problema político e de justiça: com as medidas introduzidas pela Troika em Portugal ou na Grécia, “as pessoas estão a pagar não de acordo com os seus rendimentos, como a Constituição obriga, mas de acordo com o estatuto que têm. Isto é uma concepção medieval. É uma regressão de séculos em termos de base de incidência fiscal. As sociedades civilizadas tributam de acordo com o rendimento ou segundo o património e não de acordo com a categiria profissional.

Além disso, a Europa esteve a tentar fazer uma desvalorização fiscal, o que nos traz à discussão a viabilidade de Portugal continuar dentro da zona euro, com muito poucos instrumentos macroeconómicos para assegurar a sua competitividade internacional.

A saída pode ser o único caminho e a monitorização do processo é portanto critica nesta altura. Mas, fazendo um esforço para evitar a ainda de Portugal do Euro, há uma coisa que convém evitar: pensar que uma desvalorização fiscal é equivalente a uma desvalorização cambial. Não é e não resolve o problema chamou oportunamente a atenção Ferreira do Amaral.

O problema da competitividade, supondo que Portugal continua sem moeda própria, só pode ser resolvido gradualmente. Por isso estes programas de ajustamento são um erro brutal ao quererem uma terapia de choque que não resolve nada.

O que é adequado para estas situações são programas cujo design das medidas permita alguma margem durante algum tempo para que se faça uma reforma gradual dentro da tradição reformista da social democracia europeia ou do humanos cristão. É essa componente social de colocar o cidadão em primeiro luga que falha logo nos programas europeus de resgate. Incomtenecia e insensibilidade social ou sobretudo falat da componente emocional na resolução a crise o que antecipou os sintomas de fadiga com a austeriadade por parte das populações e os programas mostrem à evidencia os erros cometidos.

Só há uma hipótese de, sem moeda própria, a economia reequilibrar a sua balança de pagamentos – é ir reformulando a estrutura produtiva para incentivar a produção de bens transacionáveis e sobretudo na substituição das importações. (Isso com uma desvalorização cambial faz-se logo. É rápido. Na sua ausência tem de dirigir as políticas

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publicas de fomento – a fiscal, a de crédito, etc. – para privilegiar a produção de bens transacionáveis e substituir as importações.

É difícil imaginar um programa tão ineficiente como o que a Troika impôs a Portugal. Portugal fez uma subversão completa dos rendimentos, com aumento brutal de desemprego (que se aproxima dos 20% partidno dos 12 % no inico do programa) , e o défice orçamental desceu apenas 1,5% em relação a 2011. Em 2013 Portugal não vai cumprir objectivo de 4,5% para o défice, com a política negociada com o a Troika, e se cumprir o programa negociado a decida não será superior a 0,5%. E para 2014 o défice devera mesmo ficar acima dos 5%, muito longe dos 2,5% provistos. É das maiores ineficiências que se encontra e resulta da Troika ter concepções que se baseiam em pressupostos económicos errados.

Passos coelho e a Alemanha acreditam que a desvalorização fiscal é a mesma coisa que a desvalorização cambial e por outro lado, que o emprego só depende dos custos do trabalho, quando depende basicamente da evolução da procura interna. O governo nao teve ainda em conta com o efeito riqueza negativo, motivado pelo grau de endividamento, nem com a fadiga da austeridade.

A Europa dominada pelo discursos ideológico libertariano, tem demonstrado uma grande dificuldade em fazer programas que funcionem. Estes não funcionam e já não há desculpa que deram em relação aos gregos, pois no caso dos portugueses, nós cumprimos e tudo falhou na mesma. E o que é critico é qye como em todos os programa europeuas a avaliaçãoo nao serve para corrigir e para aprender actuando comncomitantemenete. Na Europa os programas, mesmo os que estão erados são para serem implementados ate ao fim e so corrigidos aposteriori. Uma característica da Governanças europeia ate 2013 que acaba por consttuir o seu maior erro político, e nome da teimosia de tecnocratas e euroburocratas sem legitimidade democrática e que acham que têm mais inforação que os povos e os mercados. Um comloexo totalitaro típico do modelo de economia planioficada.

A Europa falhou e corre o risco de despertar os horrores do nacionalismo e da guerra secessionista.

O New Deal e a deriva Intervencionismo

A grande crise inicada em 2007 veio colocar um ponto final nas ilusões neokeynesianas que a partir do discurso da Terceira Via tentaram reformar a social democracia, conciliando os objetivos de combate à pobreza e à desigualdade com os mecanismos do mercado. A falência do modelo da esquerda europeia, que o presidente Clinton replicou, à maneira americana, permitiu o sequente ensaio das políticas de austeridade que a União Europeia protagonizou depois disso e que resultaram numa dupla recessão (2008 e 2012) , com particular incidência nos países da periferia europeia, mais afetados pela crise das dívidas soberanas.

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O colapso das políticas públicas trouxe o desemprego para níveis históricos na Europa e ampliou substancialmente as desigualdades levando alguns Estados à beira da ruptura social e política, o que ameaçou a própria estabilidade europeia.

É neste contexto que a crise das politicas publicas reconduziu o debate político à procura de novas definições das funções do próprio Estado e sobretudo de uma matriz para o discurso ideológica que permita à esquerda voltar ao poder ou à direita conserva-lo.

A reflexão sobre as funções políticas, económicas e sociais do Estado marcam todo o debate político à volta da República e do estado moderno.

Logo em Sócrates, com a ideia de estabilidade a remeter-nos para o direito positivo, que se deverá impor ao próprio sentido de justiça (ao direito natural) e que conduzem à tragédia da própria morte do filosofo, mas também na “República” de Platão onde a realidade da diferença se esbate pela ação da política, como força que harmoniza tensões sociais e económicas. No debate da ordem justa, a propósito da questão sobre se a justiça é melhor que a injustiça ou se o homem injusto terá uma vida mais regalada que a do justo, e após o debate prolongado sobre a ordem justa, Platão na República tem a resposta conclusiva de que a justiça é preferível à corrupção.

As politicas publicas de Roma para além das de soberania e de direito incluem politicas sociais orientadas à saúde publica através dos bancos públicos e da cultura física de entretenimento (circo) e desporto profissional (gladiadores e Olimpíadas). E o principio na República é o de que a justiça é o que permite que os homens vivam em sociedade. Sem uma ideia de justiça o próprio homem não se realiza individualmente.

No livro 3 de A República define-se como objetivo do Estado, o estabelecimento da justiça entre as pessoas. Sem relações de justiça não há a mínima possibilidade de haver harmonia nem Estado. É a justiça que garante a participação de todos no processo social e político da cidade.

Sobre a participação de todos no bem comum é necessário frisar que a concepção platónica não fere de modo algum a individualidade dos membros da sociedade, pois é em vista do bem de todos que cada um deve colocar o seu interesse pessoal. Se o indivíduo não renuncia a parte de sua individualidade, a sociedade pode deixar simplesmente de existir. A luta pelo bem comum não é a luta contra o bem individual, já que ela permite que o todo prevaleça e, assim sendo, que o individual também tenha seu espaço preservado.

Basicamente o Estado é logo em Platão um sacrifício da liberdade segundo a ideia de justiça, sendo que nesse sentido a própria consciência de humana é mais uma ideia de justiça que uma afirmação empírica de liberdade.

A justiça diz respeito a uma atividade interna do homem, aquilo que ele verdadeiramente é. A liberdade tem que ver com a atividade externa do homem.

A justiça não deve permitir que qualquer uma das partes internas da alma se dedique a tarefas alheias nem que interfiram umas das outras. A justiça consiste em dispor, de

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acordo com a natureza, os elementos da alma, para serem dominados ou dominar uns aos outros.

A injustiça é resultado de uma ação livre conduzida pela ignorância, que leva à ingerência, à sedição dos elementos da alma, fazendo os elementos da alma governar uns aos outros em desacordo com a sua natureza.

A justiça não consiste numa convenção estabelecida como lei pelos homens, diante da lei natural, para defender os fracos contra os mais fortes. Nesse sentido não inclui a equidade nem o combate à pobreza.

Para Platão a Justiça na cidade e no indivíduo é a mesma, ou seja, é a unidade da ordem, por oposição à desordem insustentável ou contranatura.

A cidade é um grande todo integrado por indivíduos, famílias e classes sociais com atividades e interesses diversos. Não seria possível uma entidade social se entre suas diversas partes não reinasse uma ordem rigorosa que reduzisse a diversidade à unidade, assinalando a cada parte o lugar e a função que lhe correspondem dentro da totalidade. É a mesma ordem que deve reinar dentro de cada um, pois a justiça é uma virtude da alma que introduz unidade dentro do composto humano.

Para que haja justiça em todo o contexto da cidade, cada cidadão deve desenvolve-la dentro de si. O homem deve trabalhar a sua inteligência voltado para esse objetivo. Para isso, tem que elevar o seu entendimento acima do senso comum, acima da acção livre, compreendendo que há uma metafísica para além das relações económicas e sociais mercado. Se o indivíduo só der valor àquilo que existe no mundo sensível, permanecerá na mediocridade humana e apenas viverá de acordo com as convenções do meio em que vive, achando, inclusive, a injustiça uma coisa normal, tomando-a muitas vezes como justiça. Mas, a verdadeira justiça é a que existe no mundo das ideias, onde tudo é perfeito e eterno, e, é essa justiça que deve ser copiada para que haja uma “República” perfeita.

É esta dualidade metodológica que vamos ver no liberalismo clássico de Adam Smith.

Adam Smith formula duas abordagens na sua teoria da tributação (Cap V): ora encara uma sociedade ideal onde há a harmonia dos interesses, ora descreve a sociedade real dividida em classes e com interesses divergentes. E é, justamente, nesta visão de sociedade real que o papel do Estado tem relevância, pois sua ação deve impedir que o conflito de interesses dificulte e emperre o funcionamento da sociedade e o crescimento econômico. O liberalismo político, que Smith acredita, "reconhece explicitamente a divisão da sociedade em classes e que estas tem interesses diferentes, até opostos... e sempre considerou estes interesses possíveis de serem conciliáveis, contradição irreconciliável de classes é uma ideia que só apareceu mais tarde, com alguns socialistas chamados utópicos" (Corazza, 1984. pág.26 e 27). Assim o liberalismo político poderia ser um meio para que a sociedade real com seus conflitos se aproximasse da harmonia social vislumbrado na visão de sociedade ideal de Smith.

O ponto central que sustenta a visão otimista de funcionamento da sociedade capitalista, que se encontra na obra de Smith, é a conciliação entre o interesse

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individual e coletivo. No plano económico, há uma exaltação à divisão do trabalho entre produtores individuais e ao comércio e uma tendência em aceitar que a ação individual movida por interesses próprios resultará em benefícios para toda a sociedade. O capitalista movido pelo lucro e produzindo valor de troca (mercadorias) é dirigido, via mercado, para atender ao desejo da sociedade, sua acumulação de capital é encarada como geração de riqueza para a nação. Ao atribuir um papel socialmente positivo para o egoísmo, Smith está justificando racionalmente uma economia movida pelo lucro, daí sua importância para a ideologia capitalista. "Os planos e projetos dos investidor de capital regulam e dirigem todas as operações mais importantes do trabalho, sendo que o lucro constitui o objetivo e propósito visado por todos esses planos e projetos. Entretanto, a taxa de lucro não aumenta com a prosperidade da sociedade e não diminui com seu declínio – como acontece com a renda da terra e os salários. Ao contrário, essa taxa de lucro é naturalmente baixa em países ricos e alta em países pobres, sendo a mais alta, invariavelmente, nos países que caminham rapidamente para a ruína. Por isso, o interesse dessa terceira categoria (os capitalista) não tem a mesma vinculação com o interesse da sociedade como das outras duas (donos da terra e trabalhadores)... Ora, o interessados negociantes, em qualquer ramo específico de comércio ou manufatura, sempre difere sob algum aspecto do interesse público, e até se lhe opõe. O interesse dos empresários é sempre ampliar o mercado e limitar a concorrência ... É proposta que advém de uma categoria de pessoas cujo interesse jamais coincide exatamente com o do povo, as quais geralmente tem interesse em enganá-lo e mesmo oprimi-lo e que, consequentemente, tem em muitas oportunidades tanto iludido quando oprimido este povo". (Smith, 1983).

O liberalismo económico revela seu caráter principal de dar liberdade aos capitalistas individuais no seu processo de acumulação. Esta visão é importante quando nos preocupamos em entender o papel do Estado na concepção liberal, que se revela não uma doutrina de não intervenção do Estado mas um apoio do Estado a expansão da ordem capitalista de produção, sendo que uma forma ( mas não a única) de apoio é dar liberdade aos capitalistas.

O liberalismo económico, na concepção de Smith, revela seu caráter contraditório: a exaltação da organização da sociedade baseada no lucro tem um caráter ideológico importante na justificação do sistema econômico, mas não explica como resolver os problemas sociais criados por este sistema. Cabe a ideologia liberal propagar o otimismo de Smith para com a sociedade burguesa e relegar as descrições de seus problemas. "O Estado deve deixar a atividade económica andar por si mesma, por duas razões: primeiro, porque a produção da riqueza não necessita de intervenção estatal; e depois, porque, mesmo que o Estado quisesse auxiliá-la, não teria condições de fazê-lo melhor que os indivíduos" (Corazza, 1984, pag. 32).

O liberalismo económico de Smith está baseado em dois pontos que se relacionam. Primeiro, baseia-se na sua aceitação da organização social capitalista, o que implica em aceitar que os capitalistas comandem a produção. Como um desdobramento do coloca do, o segundo ponto baseia-se na ideia de que é impossível o Esta do controlar toda a atividade econômica, além do que também seria desnecessário. Portanto, o liberalismo de Smith fundamenta-se na própria aceitação da sociedade capitalista

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como natural. Entretanto, esta visão liberal tem uma grande importância em sua época pois representou uma crítica a regulamentação mercantilista, que naquele momento do Capitalismo inglês não se fazia mais necessário.

O liberalismo económico de Smith não é um princípio dogmático de não intervenção do Estado como o define a vulgarização da ideologia liberal. O liberalismo de Smith está ligado à ideia de que o produtor individual tem maiores e melhores condições de organizar e comandar a economia do que o Estado, mas esta visão não significa que o Estado não tenha um papel na economia. Seu papel não é de organizar e comandar mas apoiar a dinâmica capitalista de produção. Os deveres do Estado, relacionados e analisados por Smith, como a de representação externa, justiça, obras públicas e educação, estão vinculados a proteção da propriedade e riqueza dos capitalistas, em dar condições a expansão do comércio e em formar a força de trabalho. No dever de educação, Smith está preocupado que o Estado dê uma formação moral para os cidadãos, que amplie seus ideais além das exigências imediatas do mercado de trabalho.

De um lado, o Estado não deve intervir no comando que o capital tem sobre a vida económica, e de outro lado deve, além de dar garantias de liberdade de ação individual, apoiar a acumulação de capital naquelas atividades que não interessam aos capitais individuais e, por fim, deve corrigir as distorções do processo de acumulação e amenizar os problemas sociais gerados.

Sobre a função distribuição, podemos dizer que Smith está preocupado em descrever a divisão do produto entre as três classes sociais (donos de terra, capitalistas e trabalhadores) e em dar uma noção do movimento dos rendimentos em relação á dinâmica económica. Assim, como aceita um preço natural como tendência do mercado , aceita também um salário natural ao nível de subsistência e uma taxa de lucro suficiente para dar uma "justa" remuneração ao capital empregado. A explicação para a renda da terra está também baseada na ideia de taxa natural, é somente em Ricardo que iremos encontrar uma explicação mais elaborada para a rendimento. Portanto para Adam Smith os rendimentos na sociedade capitalista estão divididos em renda da terra, lucro e salário, mas sua teoria é mais uma descrição das oscilações do salário e do lucro em relação a sua taxa natural, do que uma explicação sobre a natureza da renda no Capitalismo.

Como consequência do avanço técnico verificado na época, após a Primeira Revolução Industrial em que a introdução de máquinas provocou alterações nos processos produtivos e modificações radicais a nível de relacionamento social em virtude da transformação do artesão em proletário, verificou-se uma mudança radical na relação entre o meio urbano e o meio rural inglês.

Este ciclo económico ocasionava, de tempos em tempos, as crises no comércio, reduzindo o lucro dos empresários que como consequência gerava desemprego, piorando cada vez mais a situação das massas urbanas. Esta situação criava agitação por parte dos trabalhadores. Estes encontravam-se numa situação crítica de miséria com taxas de mortalidade elevadas.

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Para David Ricardo o produto é resultado conjunto do trabalho, da maquinaria e do capital fornecido por classes sociais diversas contra três tipos de rendimentos: a propriedades de terra (sob a forma de renda da terra), trabalhadores assalariados (sob a forma de salários) e os arrendatários capitalistas (sob a forma de lucros de capital). O papel da ciência económica seria determinar as leis naturais que orientassem essa distribuição.

Enquanto que para Adam Smith o valor das mercadorias era determinado pela quantidade de trabalho que essas mercadorias poderiam comprar, designando-se por teoria do valor trabalho comandado, para David Ricardo o valor da troca das mercadorias era determinado pela quantidade de trabalho necessário à sua produção, não dependia da abundância, mas sim do maior ou menor grau de dificuldade na sua produção ficando, assim, conhecida por teoria do valor do trabalho incorporado. Os preços das mercadorias são, então, proporcionais ao trabalho nelas incorporado. Para David Ricardo a teoria dos preços não é mais do que uma teoria de preços relativos, ou simplesmente de razões de troca entre diferentes mercadorias.

David Ricardo considerava como fontes do valor de troca a escassez e a quantidade de trabalho. A escassez explica o valor de troca das mercadorias não reprodutíveis, enquanto que a quantidade de trabalho explica o valor de troca de mercadorias reprodutíveis. Para Ricardo a economia deveria preocupar-se com as mercadorias reprodutíveis, por serem estas a esmagadora maioria das mercadorias que se trocam em economia, em virtude deste pensamento a escassez deixa de ser importante para a economia.

David Ricardo desenvolve depois uma Teoria da Distribuiçao ou Teoria da Renda

Como se determina a prestação a pagar ao proprietário fundiário pela disponibilidade do uso da terra? Esta é a principal questão a colocar-se relativamente à renda “ diferencial “ (aquela que resulta da diferente fertilidade das terras e da concorrência dos empresários para a sua exploração). E daqui decorre a questão económica seguinte: Qual é o papel da renda fundiária na economia? A resposta a esta última questão permite uma melhor compreensão dos mecanismos económicos da sociedade capitalista.

Ao analisar estas duas questões, David Ricardo apresentou um modelo de repartição de rendimentos com implicações importantes sobre o crescimento económico e política económica.

Foram três as hipóteses consideradas por David Ricardo para a elaboração do seu modelo de repartição de rendimentos:

• A lei dos rendimentos decrescentes reflecte que para conseguir quantidades adicionais iguais de um bem, a sociedade tem de utilizar quantidades crescentes de factores. Se existirem rendimentos decrescentes na produção de um bem, o custo de oportunidade de produzir unidades sucessivas do mesmo bem é cada vez maior.

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• A lei malthusiana da população. A população cresce ou diminui de acordo com a disponibilidade de alimentos. Dessa forma, os salários tendem a permanecer no nível de subsistência, sempre que eles se afastam desse nível, verifica-se a lei do crescimento demográfico, aumentando ou diminuindo a oferta de trabalhadores.

• O móbil do crescimento do produto e, assim, dos investimentos, encontra-se no lucro, mais propriamente no lucro por unidade de capital investido.

Para David Ricardo a sequência e correlação destas três hipóteses ocasionou o aparecimento do estado estacionário, em que a produção na economia deixa de crescer. Ou seja, a pressão demográfica leva à utilização de mais terras, sendo as mais férteis as, inicialmente, mais cultivadas pelos empresários, o que leva a que, estas se tornem cada vez menos férteis, com consequência de tal facto, a taxa de lucro torna-se cada vez menor e a renda cada vez mais elevada. Assim, cultivando novas terras (menos férteis), tem que se aumentar a quantidade de trabalho para se produzir os mesmos bens, aumentando assim o seu valor e consequentemente o salário natural também. Os proprietários das melhores terras, vendem os produtos a um preço superior ao seu custo de produção, constituindo a diferença, a renda diferencial.

Perante tal situação, David Ricardo combate todo este pessimismo com a sua ideia de liberdade de comércio. A importação levaria a que os empresários não fossem obrigados a utilizar terras menos produtivas, e deste modo a um aumento de renda e redução da taxa de lucro. Desta forma a taxa de lucro não desceria e o estado estacionário poderia ser evitado. Note-se que esta liberdade de comércio não conviria aos proprietários fundiários que veriam os seus rendimentos reduzirem-se.

Na sua época, Ricardo participou ativamente numa polémica sobre se a Inglaterra deveria praticar o livre-cambismo, liberdade de trocas internacionais com eliminação de direitos alfandegários protectores, ou proteccionismo, com a supressão de impostos sobre importações e com a exclusão de entraves administrativos à liberdade de comércio entre as nações.

David Ricardo foi um defensor da separação entre o Estado e a economia e um importante defensor do livre-cambismo e argumentou que o comercio internacional poderia beneficiar dois países, mesmo que um deles produzisse todos os produtos de forma mais eficiente, pois um país não precisa de ter uma vantagem absoluta na produção de um determinado produto. De notar que na teoria da vantagem comparativa no há espaço para o Estado.

O intervencionismo vai aparecer mais tarde, no século XIX por efeito das condições de trabalho em algumas zonas industriais que, tal como a “ladroagem” e a corrupção que caraterizavam Londres, acabaram por desaparecer com a desregulamentação liberal por contraponto da intervenção publica do Estado mercantilista, mas também pela existência de uma consciência moral na sociedade que assumiu o combate à corrupção e à pobreza como uma tarefa da sociedade.

O Estado descriminalizou comportamentos anteriormente criminais, fez amnistias generalizadas e com isso reduziu a delinquência e os presos nas cadeias. Como reflexo

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a sociedade assumiu o compromisso moral do combate à pobreza através de beneficência e do terceiro sector e emergiu um dos pilares essenciais da modernidade: o da separação entre a ética política e a moralidade social.

A ética diferencia-se da moral social, pois, enquanto esta se fundamenta na obediência a normas, tabus, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos recebidos, a ética política, ao contrário, busca fundamentar o bom governo e o bem estar pelo pensamento humano. A moralidade tem que ver com a ação e o respeito das normas, enquanto a ética tem que ver com os fundamentos do próprio Estado, com a ideia de justiça e bem comum que o cimentam e realizam.

E é nessa área que a questão do intervencionismo também se vai pôr, quando as sociedades democráticas modernas exigem mais direitos sociais, não estando contudo dispostas a pagar muito mais pelo que recebem.

New Deal e a deriva Intervencionismo

A deriva intervencionista do New Deal e a receita keenesiana que se espalhou pelo ocidente acabou por ditar também a natureza dos próprios regimes políticos.

Não sou adepto das teses marxistas do determinismo materialista e dialético como modo de explicação do processo histórico. Mas não podemos ficar indiferentes à evidencia dos fatos que o intervencionismo gerou na Europa continental e nos países anglo-saxónicos.

Se todas as políticas keenesianas falharam no New Deal, numa ilusão intervencionista que apenas socializou os prejuízos dos bancos com a nacionalização da Fed, criando problemas morais ao capitalismo que foram bem evidentes na segunda década dos anos trinta, o certo é que partindo do problema do credit crunch, aliás muito parecido com o que existe na crise atual na Europa, a respostas que a europa totalitária (fascista ou socialista) encontraram foram diferentes das resposta americanas.

Tal como agora é critico financiar as pequenas e medias empresas para estabilizar os regimso políticos e pacificar a europa, nos anos de 1930, o crédito à habitação ajudou a estabilizar a classe média e os regimes políticos.

E os modelos seguidos ditaram também a natureza dos regimes e as formas como os regimes económicos se desenvolveram depois

No modelo europeu os estados contruiram as habitações e arrendaram os imóveis construídos pelo Estado (caso do salazarismo, numa solução totalitária tardia, com a utilização dos excedentes da Segurança Social para a construção de habitação para arrendamento a funcionários e à classe média); e no modelo americano do New Deal pelo contrario o Estado criou instituições publicas para contornar o bloqueio provocado pela desconfiança dos banqueiros e deu diretamente crédito crédito hipotecário para as classes médias (através da Fannie Mae e do Freddie Mac).

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Estes são os dois modelos que vão permitir alguns resultados no regresso da estabilidade e confiança, embora verdadeiramente a economia só saia da recessão com a segunda Grande Guerra e depois com a reconstrução da Europa (onde os EUA ocuparam mais de 5 milhões de desempregados).

Nos sistemas totalitários assente nos funcionários públicos que podem pagar as rendas e no caso americano na classe media empregada que pode garantir a sustentabilidade das instituições e a recuperação do crédito. Mas em ambos os casos o sistema financeiro é afastado do crédito ao fomento da habitação própria ou arrendada, assumindo o Estado a ligação direta aos cidadãos.

Esgotado o alojamento das classes médias, o Estado Social é confrontado com as novas políticas públicas de combate à pobreza. Sobretudo depois da falência do Estado social de Providencia havia que encontrar mecanismo para a nova moda do combate à pobreza (Rawls), eventualmente usando o sistema financeiro e a inovação financeira permitida pelo neo-monetarismo de de Ronald Reagan. E é sobretudo usando essa liberdade criativa das instituições financeiras que o modelo americano e europeu da Terceira Via (nascida na London School of Economics, pela pena do seu Dean) vão poder realizar o sonho (o direito constitucional à habitação) de dar a cada cidadão a sua casa, mesmo sem ter recursos para tal.

O chamado Socialismo Liberal vai traduzir-se exatamente pela utilização dos mecanismos de crédito do capitalismo para a realização de politicas sociais de combate à pobreza e no ciclo pós 9/11 vamos assistir ao culminar dessas politicas, com o crédito sem documentos contra a hipoteca de imóveis realizados pelas agencias federais exatamente cumprindo os programa ideológicos do Governo.

Ora é este mecanismo financeiro que vai levar em 2007 à crise do subprime por causa da utilização destas hipotecas no mercado dos derivados.

E obviamente no pós-crise 9/11 e no ciclo da grande depressão do final de primeira década do século XXI vamos observar o mesmo credit crunsh e alteração de objetivos do crédito bancário, como aconteceu na crise de 1929.

Note-se que a intervenção pública prolongou a crise de 1929, e agravou a situação de tal maneira que mergulhou o mundo numa segunda recessão em 1937.

De um modo geral todas as políticas falharam porque os bancos não concediam crédito. Olhemos para a história:

O governo acabou por ter apenas dois sucessos: o apoio às PME e a politica de reanimação do mercado imobiliário através da criação de duas instituições vocacionadas para o crédito hipotecário às classes médias: Fannie Mae e Freddie Mac .

Fannie Mae foi criada como uma agência governamental, em 1938, como parte do New Deal de Franklin Delano Roosevelt, a fim de dar liquidez ao mercado de hipotecas. Nos trinta anos seguintes, Fannie Mae deteve o virtual monopólio do mercado secundário de hipotecas nos Estados Unidos.

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Em 1968, foi convertida em empresa privada, deixando de ser avalista das hipotecas geradas pelo governo. Essa responsabilidade passou à nova Government National Mortgage Association (Ginnie Mae).

Em 1995, Fannie Mae começou a aceitar créditos habitacionais subprimes. Segundo The New York Times, a empresa estava sendo pressionada pela administração Clinton para facilitar a concessão de empréstimos hipotecários à população de baixa e média renda.

Fannie Mae foi colocada sob intervenção do governo dos Estados Unidos em 7 de Setembro de 2008.

E basicamente foi sempre a orientação dos governos nas sua politicas públicas que estão na base da intervenção dos instrumentos financeiros públicos e que vão acabar por desencadear a crise do século XXI.

O sonho nacionalista e a crise do Estado-Naçao

O ponto culminante do projeto do Iluminismo, um pouco mais de dois séculos, Immanuel Kant especulado sobre o futuro desaparecimento de Estados soberanos, guerras e fronteiras, substituída principalmente por uma federação internacional de poderes resolução dos litígios até implementar uma "paz perpétua ". Paz, o que não era o estado natural do homem, seria a conseqüência do "progresso", a regra da "razão" no campo espinhoso das relações entre os grupos humanos.

Neste sentido os europeus na segunda metade do século XX tentam construir uma União que unifica estados nacionais. Foi o único projeto utópico realmente emocionante das últimas décadas na Europa.

O seu primeiro objetivo era acabar com as guerras europeias, mas foi-se mais longe:. Reduzindo os poderes do Estado tradicional moderno, transferidos para organizações supranacionais, o Estado Nação westefaliano deixava de ser uma referencia universal, ele que ja tinha entrado em crise com a ONU e sobretudo as guerras preventivas. O acervo de politicas europeias é de tal modo impressionante que a mera hipóteses de recolocar tudo em causa é simplesmente assustador. E contudo...

Acontece que tudo isso era apenas um sonho. Com a crise económica, a resposta da União Europeia tem sido lenta e errada. E as eleições o populismo ganha e cultiva-se o ódio contra vizinhos: os outros tiram proveito do nosso trabalho, o euro gerou inflação e nos impede de sair da crise através da manipulação de sua própria moeda ...

Em vez de mais europa para asair da crise acentuou-se o sebtimento anti-europeu e como dissemaos na Catalunha e no país Basco ha memso opções nacionalistas e independentistas.

O nacionalismo separatista do século XIX tinha conduzido a duas guerras mundiais no século XX e o projecto europeu era a resposta passifica e de bom senso. Isso é o que está em crise agora.

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Em vez de se insistir no europeísmo, ressurgem as tentações impor españolismo monolítico em Espanha um pouco à imagem do renasciomento teutónico que assistimos numa certa Alemanha. Já os mesmo tinha acontecido na década de trinta coma guerra civil espanhola a aservir de tirocínio para a experiencia do Reich.

No caso espanhol, as circunstâncias políticas atuais têm pouco a ver com aqueles que protagonizaram o nacionalismo catalão e basco. Em 1898, o país era caracterizado por atraso económico, pelo analfabetismo, pela falta de influência internacional, pela distorção do sistema democrático, pelas vastas desigualdades do mundo agrícola, pela interferência militar na política cultural e eclesiástica, pela localização do centro político longe dos dois principais pólos industriais ... Um século mais tarde, felizmente, nessa lista de problemas foi atenuada. Mas ainda está vivo a questão territorial. As elites políticas catalães e bascos, apoiadas por uma parte significativa da população exige um Estado-nação, soberano e independente da Espanha.

Porem agora como antes as elites centrais não têm a flexibikidade para oferecer à catalunha opções europeístas, mas à falta de alternativas pretendem impor por decreto a base monolítica do españolismo de Don Pelaeo, El Cid e Isabella.

É verdade que o desacreditado franquismo nacionalismo espanhol tinha conseguido o esquecimento da federação das quatro identidades: Catalunha, País Basco, Galiza e "Castilla", (algo bastante rudimentar, porque não há homogeneidade no espaço que fica entre Cantábria e nas Ilhas Canárias) com as 17 autonomias que a Monarquia haveria de legitimar. Mas será tarde demais para tentar repensar a regra de autonomia em Espanha?

Poucos benefícios poderia trazer ao cidadão comum neste momento a independência da Catalunha ou do País Basco. A introduçãoo de uma nova zona monetária na Ibéria seria finalmente a própria sentença de morte da União Economica e Monetaria Europeia.

Mas se não ha grandes vantagens económicas e sociais, porque é que as elites insistem no processo. Simplemente porque ao contrários dos outros momentos hiostoricos em que a questão se colocou ninguém consegue apresentar um futuro dentro ou fora da União Europeia.

E é este o maior drama que Portugal também enfrenta hoje.

Mas temos que ter noção que se esta a brincar com o fogo: vimos como nos balcâs a guerra destruiu e dividu, no seio da civilizada europa foi possível crimes de guerra, tragédia e sofrimento sem limite de novo. Por isso não podemos deixar que as elites políticas cultivem as paixões povos a favor de seus interesses particulares, como aconteceu em termos europeus com os paisees resgatados como Portugal, pois corre-se o risco de entrarmos na deriva dos estados falhados.

A Europa tem que ter consciência que quanto melhor tentar ajustar a forma de pensar e as categorias jurídicas à complexidade e fluidez da vida social europeia, e aceitar que temos identidades múltiplas e que nenhum delas tem que ter prioridade sobre a outra e que os interesses dos estados membros têm como pressuposto a solidariedade e a

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coesão, continuando as experiencias multiculturais dos antigos impérios coloniais europeus e que isso se consegue apenas através do metdo comunitário, ou seja de uma Europpa federal e não pela afirmação dos interesses individuais que se traduz o medtodo de decisão intergovernamntal.

Neste sentido a Europa desde o tratado de Lisboa tem sido uma negação do próprio progecto europeu, seno Durão Barroso a face visível deste desastre europeu.

Quer em Espanha quer na Europa- afinal uma grande espanha - se uma racionalização global do sistema, nesta linha federal complexa, for impossível, pelo menos, devemos manter a situação atual (anterior a Merkel), com um novo acordo sobre a partilha das responsabilidades e uma clara reafectação dos meios tendo em vista a coesão e a estabilidade social.

É de responsabilidade das elites políticas europeias evitar o crescemento dessas emoções primárias que alimentam o populismo e nacionalismo e que ameçam com guerra a Europa. Se as elites fizerem isso, cabe-nos a nós, cidadãos da Europa, não deixar que nossas paixões excitem os seus interesses.

Direito Constitucional

Esta articulação entre interesses e paixões acabam por ser actualmente os paraetros da definiçãodo próprio interesse nacional mo Estado democrático.

Entendido o Eestado como mais uma entidade com interesses próprios capturado por grupos económicos e financeiros que se sentam à mesa do orçamento, o realismo manda que a legitimidade do poder se traduza no cumprimentos das promeças feitas ao eleitorado.

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E nesse sentido o isonomia ou a igualdade13 acabam tor ter uma tradução muito mais concreta que nos estado moderno muitas vezes nao passa de discuros ideológico queno na realidade ve ser instituto jurídico consagrado nos tratados.

Mas se os tratados consagram o tratamento isonómico, como questionar diferenças entre estados membros?

E a lógica alemã é que para que os estados estejam na mesma situação na União Economica e Monetaria, há que exercer um princípio discriminador , que se traduz pelos programas de resgate ou de estabilizaçãoo financeira.

O mesmo se passa no plano interno dos estados com a discriminação positiva no ambido das políticas publicas de igualdade.

13 Princípio da igualdade» Noção:O princípio da igualdade vincula a Administração Pública à não discriminação, positiva ou negativa, dos cidadãosO princípio da igualdade tem um duplo conteúdo: a obrigação de dar tratamento igual a situações que sejam juridicamente iguais, e a obrigação de dar tratamento diferenciado a situações que sejam juridicamente diferentes. Assim, o princípio da igualdade desenvolve-se em duas vertentes:» A proibição da discriminação» A obrigação da diferenciaçãoCorolário deste princípio é o da auto vinculação da Administração, por seu turno associado ao princípio da imparcialidade, que implica que os seus poderes discricionários devam ser concretizados segundo os mesmos critérios, medidas e condições relativamente a todos os particulares em idêntica situaçãoO princípio da igualdade, de que é corolário o princípio da livre e sã concorrência, assume particular relevância na formação dos contratos administrativos no quadro do tratamento relativo aos concorrentes, uma vez que todos têm interesses idênticos; está em causa a igualdade de oportunidades, assegurada por adequada e atempada publicitação, mas também a igualdade na aplicação dos critérios de avaliação » Constituição da República PortuguesaArtigo 266.º, n.º 2Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé » Código do Procedimento AdministrativoArtigo 5.º, n.º 1Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social » Doutrina» Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 8/1996 (Diário da República, 2.ª série, de 26 de Setembro de 1996)» Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 110/2003 (Diário da República, 2.ª série, de 3 de Fevereiro de 2004) » Jurisprudência» Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 450/91 (Diário da República, 2.ª série, de 3 de Maio de 1993)

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É que para chegar a esse limite - a plena igualdade – que as politicas têm que incluir, em parte, um direito discriminador. E o Estado do Bem-Estar é pródigo nessa discriminação.

Os direitos económcos e sociais fundamentais traçados na Constituição de 1976 definem as metas e nesse serão, consequentemente, direitos discriminatórios porque implicam que haverá o favorecimento de um grupo em detrimento de outro. O dos mais pobres ou daqueles que não atingem a média prevusta na norma daqueles que a atingem ou ultrapassam. Assim, o direito social, tão preconizado quando se fala em isonomia, apresenta uma noção de igualdade diferente da ideia comum de igualdade.

Princípio da Isonomia

A Constituição da República de 1976 consagra o referido Princípio da Isonomia nas suas duas vertentes: o da universalidade e o da igualdade. Expressamente, consgra no artigo 12.º, o Princípio da universalidade, prescrevendo que todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição e que as pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza. E no artigo 13.º estabelece-se o Princípio da igualdade consagrando que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. E que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Nas próprias tarefas do Estado os princípios isonomicos aparecem como o principal pressuposto da própria função do estado, prescrevendo a Constituição no artigo 9.º que são tarefas fundamentais do Estado:

a) Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam;

b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático;

c) Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais;

d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais;

e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território;

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f) Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa;

g) Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, o carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira;

h) Promover a igualdade entre homens e mulheres.

Há várias concepções filosóficas para definir e legitimar a igualdade, dentre as quais menciona-se: o idealismo, a teoria da igualdade pelo nascimento e o realismo. Os idealistas sustentam que a igualdade é implicita à condição do ser humano. Por seu lado a teoria da igualdade pelo nascimento considera a existência da isonomia em razão da condição de nascimento, (princípio aristocrático). E finalmente para os realistas a igualdade é um bem atribuído a todo homem, enquanto direito fundamental. É nesta acepção que deveremos hoje entender o principio da universalidade e da igualdade como valores essencials da União Europeia consagrada nos Tratados e nomeadamente na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Mas o conteúdo do direito reconhece todavia as desigualdades sociais, políticas, económicas que prejudicam a realização da isonomia defato. Essa desigualdade natural, a diferença não cria obstáculos à isonomia política e jurídica, mas contextualiza um quadro de valores que tem de presidir às politicas públicas.

Contudo, na europa nunca como agora nos últimos 100 anos houve tanta consciência da deficiente prática da igualdade como um direito. Nossa sociedade é socialmente autoritária e desigualitária porque é violenta: nela vigoram racismo, machismo, discriminação religiosa e de classe social, desigualdades econômicas, exclusões tecnológicas, culturais e políticas.

Com a crise do Estado Social, é na afirmação dos direitos sociais que a isonomia no constitucionalismo moderno ganha nova relevância, especialmente no vetor mais recente do combate à pobreza – o que traduz a nova a nova configuraçãoo do Estado social de Garantia ou o Estado Garante.

A ideia de uma magna carta configuiradora dos direitos fundamentais e da arqutectura do poder não é noa e ganha especial impulso com a revoluçãoo liberal, seja na afirmaçãoo das constituições elaborados emassembleias constituintes seja por vcia das cartas constitucionais dos monarcas liberais.

Mas é sobretudo depois da segunda guerra mundial e dos excessos cometidos pela alemha que a doutrina vai apreender, em particular a doutrina alemã, globalmente a dimensão da primasia do direito constitucional sobre o direito civil.

O Constitucionalismo surge como o signo dos anseios de uma classe e de uma época. Isto é, emerge contra o poder absoluto do Estado como bandeira de uma nova classe emergente em pleno desenvolvimento das atividades mercantis. Estas eram excluidas pelo autoritarismo do Antigo Regime, pela insegurança jurídica, pelo arbítrio do poder do monarca absoluto. O constitucionalismo é erigido com fulcro dos ideais burgueses

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de sociedade, de economia e de Estado. Logo, percebe-se que as Cartas Constitucionais e as Constituições Republicanos que vão surgindo, no final do século XVIII e inicio do XIX, são um corolário óbvio de um paradigma burguês de direito.

Em todas as leis fundamentais se consagra a acepção a divisãod e poderes e o principio do estado mínimo, numa otica de um Constituição-Garantia, ou seja, um constitucionalismo focado no formalismo e na atribuição de crédito ao Direito Liberal e fundado na neutralidade.

Posteriormente, Savigne dá oriem ao movimento codificador e em nome da perenidade na ciência do Direito os Códigos e principalmente o Código Civil possuíam primazia frente às Cartas Constitucionais. Estas eram para os positivistas meros documentos políticos com pequenos laivos de concretização jurídica strictu sensu, isto é, às disposições constitucionais não era atribuído normatividade como nos códigos e compilações. Por outras palavras, na doutrina classica as disposições constitucionais eram interpretadas como programas, diretrizes, orientações, que deveriam garantir direitos individuais e servir de inspiração ao poder legislativo ordinário.

Concomitantemente ao Constitucionalismo liberal nasce um cânone de interpretação, das normas Jurídicas, calcado em métodos peculiares de hermenêutica. Nesse padrão de interpretação, observa-se um apego extremo do intérprete ao texto legal, pois nenhuma valoração ou interpretação extrínseca era consentida, pois o princípio da segurança jurídica seria prejudicado.

Nesse diapasão, a escola histórica do Direito, formula métodos clássicos de interpretação, como o gramatical, o histórico, o lógico, o sistemático e a posteriormente, o teleológico.

Princípio da Isonomia na hermenêutica clássica

O Estado de Direito e concomitante a ele o desenvolvimento da Hermenêutica Clássica caracterizam o primeiro movimento do Constitucionalismo Garantia. Que se traduz numa ideia bem concreta de igualdade.

Os direitos de primeira geração, entre eles o da igualdade, tiveram tratamento extremamente formalista quando apreciados sob o prisma da escola positiva do Direito. Esta tinha como objeto de estudo o texto da lei. Isto é a Clássica Hermenêutica evitava qualquer interpretação valorativa. Por isso, o princípio da igualdade era entendido como distante da realidade social e política.

Os cidadãos eram iguais, teoricamente, mas não de fato perante a lei. Essa tese é corroborada pelo fosso criado pelo liberalismo individualista, entre detentores ou não do poder económico. É um progresso sobre o Estado Estamental, mas estamos ainda num perfil democrático censitário.

Com o avanço do capitalismo industrial após a Revolução Francesa e a autodetermonação de estados nacionais, observa-se na Europa e nos EUA em paralelo,

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um aumento da concentração do rendimento e da propriedade, aumentando as desigualdades entre ricos e pobres.

Portanto, a igualdade perante a lei, nessas condições, era uma retórica do capitalismo para escamotear as explícitas contradições sociais que a industrialização e a urbanização estavam a criar14. Será que existia isonomia entre a negociação do contrato de trabalho, entre trabalhadores e empregadores, na estipulação do salário e da jornada de trabalho? Será que existia Isonomia numa licitação pública quando um grande capitalista disputava com um remanescente artesão a realização de uma obra pública? É evidente que as respostas serão negativas, pois se nota uma desigualdade teratológica numa época em que era sustentada a igualdade de direito.

Alem disso, mais do que ferir o princípio da isonomia, as condições ede vida do Estado Liberal durante a revolução industrial eram tão mordazes que maculavam o princípio da dignidade da pessoa humana, conferindo mesmo superioridade moral ao esclavagismo.

Porque o próprio Estado e seus direitos de primeira geração foram colocados em xeque pela própria realidade económica e social. E nesse sentido, o conteúdo económico do Estado Liberal foi uma continuação Estado Absoluto, continuando as considerações económicas a dominar o discursos e a servir de factord e discriminação.

Quando se diz que o legislador não pode distinguir, isso não significa que a lei deva tratar todos abstratamente iguais, pois o tratamento igual não se dirige a pessoas integralmente iguais entre si, mas àquelas que são iguais sob os aspectos tomados em consideração pela norma, o que implica que os “iguais” podem diferir totalmente sob outros aspectos ignorados ou considerados como irrelevantes pelo legislador15.

Princípio da Isonomia à luz da doutrina contemporânea.

A moderna doutrina pós-positovista preconiza a utilização de mecanismos de interpretação constitucional que diferem dos cânones clássicos. Isto é, os postulados da Escola Histórica do Direito mostram-se inadequados à ciência da hermenêutica constitucional, quando se trata dos direitos fundamentais de segunda e terceira geração que exigem ferramentas jurídicas inovadoras, como: o princípio da proporcionalidade, o princípio da concretização da constituição e a pré-compreensão, mas que principalmente valores enquanto conteúdo dos direitos.

14 Neste particular há a notar o enorme progresso que houve nos estados esclavagistas do sul dos EUA noa primeira metade do século XIX, o que justificava que os escravos das zonas rurais de um modo geral tivessem condições de vida muito superiores à dos operários na cidades, legitimando a polemica que marcaria a guerra civil americana, entre uma induistria a precisar de mao de obra barata e o mundo antigo esclavagista a querer garantir o velho paradigma rural da responsabilidade moral do proprietario. Basiacamente era o confronto entre a ideia de liberdade sem valores e o de propriedade com valores ou responsabilidade social, afinal o debate que neste inicio de milénio se recoloca.15 Silva, José Afonso da , 1998, p.p219. Curso de Direito Contitucional, 1998, página 259, Editora Malheiros – São Paulo

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O Constitucionalismo Liberal, cheio de vícios e anacronismos, sofre com sua senilidade. Esta impotência frente às contradições social e econômica é sinal de sua decadência. Diante desse quadro os princípios e valores são elevados à categoria de norma no que tange a sua eficácia e efetividade, perante o modelo de interpretação da Constituição.

Será que a Constituição, se resume a um mero silogismo? É óbvio que não. Esse método dedutivo não leva em consideração a importância dos princípios e valores. Mais, a função dos valores e princípios é infinitamente superior às regras. Pois estas se limitam a um número de fatos e situações num determinado tempo histórico. Enquanto os valores e princípios possuem maior plasticidade na pacificação de conflitos e na integração de lacunas. Por fim, importa refrir a importância dos valores e princípios no limiar do século XXI, em que a Pós-Modernidade, com sua efemeridade e volatilidade, transforma a sociedade velozmente. Daí a necessidade do Direito em basear a sua arqitectura princípios e valores.

Em outras palavras, todo aquele formalismo liberal que ocasionava a desigualdade real pela afirmação da igualdade formal decorria da captura dos discursos político e jurídico pelo pensamento económico. Ou como diz Paulo Bonavides “... a igualdade a que se arrima o liberalismo é apenas formal, e encobre, na realidade, sob o seu manto de abstração, um mundo de desigualdade de fato”16, a que acrecetaria

Logo, a interpretação axiológica e centrada nos princípios irá tratar das questões atinentes ao princípio da igualdade com maior sensibilidade, maior conexão com a realidade social e económica.

Portanto, na Nova Hermenêutica a subsunção cede lugar à ponderação na Constituição. Os princípios e valores assumem posição hegemônica em relação às regras, servindo como vetores e balizadores à interpretação infraconstitucional, ao legislador e a Jurisdição.

A Normatividade da Constituiçao e o Princípio da Isonomia

Está passado o tempo em que a Constituição ou os trados europeos se cingiam a uma carta de compromisso político ou o baluarte das disposições programáticas. A Constituição e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (depois do Tratdo de Lisboa) têm como coracteristicas a imperatividade, a normatividade e a aplicabilidade direta. Esta raduz-se com o repúdio como menciona Gomes Canotilho “à idéia criacionista” de que a Constituição ou até mesmo um direito fundamental não teriam força jurídica ou normativa enquanto não fossem traduzidos em lei. A aplicabilidade direta, segundo Gomes Canotilho, não se restringe à exigência de intervenção do legislador para a definição dos direitos fundamentais, mas “a aplicação direta dos diretos, liberdades e garantias implica a inconstitucionalidade superveniente das normas pré-constitucionais em contradição com eles”( Canotilho, 1993, página 186, Almedina, Portugal).

16 Curso de Direito Constitucional, 1998, Editora Malheiros – São Paulo

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Após a Segunda Guerra Mundial e durante o “Welfare State”, emerge uma teoria da Constituição vanguardista no que se refere à interpretação e hierarquização. O Constitucionalismo ganha primazia na Alemanha, principalmente por causas dos excessos o 3º Reich. Buscava-se um modelo de constituição que dirigisse a nação alemã e na apenas fosse um pilar dos direitos individuais e da legalidade. O Código Civil perde prioridade para a Constituição. E esta por conseqüência localizar-se-á no topo do ordenamento jurídico, inclusive no âmbito normativo/positivo.

Neste contexo, o que une o princípio da isonomia e a normatividade constitucional é grande perspicácia do legislador constituinte de 1976, quando estabelece a aplicabilidade imediata dos direitos e garantias fundamentais.

Modernidade e politicas publicas17

O conceito de «modernidade» tal qual o define Anthone Giddens, é o «modo de vida e de organização social que emergiu na Europa cerca do século XVII e que adquiriram subsequentemente uma influencia mais ou menos universal» (Giddens, 1995, p. 1), ou seja, uma definição alargada e minimalista, mas que cobre o essencial da vida política, social, económica e cultural dos últimos quatro séculos da humanidade.

Basicamente a modernidade aparece associada a duas organizações que acabam por ser a face da mesma moeda: o Estado Moderno e o sistema capitalista.

As características dos «modos de vida» a que Giddens se refere pressuporem alterações relativamente bruscas no curso da história humana desde que se consagrou na ordem internacional o “dever de não ingerência na ordem interna de outros Estado”, com o Tratado de Vestefália no final da Guerra dos Trinta Anos, por comparação com o que se terá passado antes e com o que se passa depois da queda dos das torres gémeas em 11 de Setembro de 200118.

Como refere António Candeias, “ a palavra «descontinuidade» parece ser bem aplicada a este momento da história humana e, segundo este autor, tal «descontinuidade» é particularmente visível através de três tópicos principais: o aumento exponencial do ritmo das mudanças, que, sendo «mais evidente na tecnologia, abrange, todavia, todas as outras esferas» (id., ibid. p. 5); o alcance da mudança, em que, «à medida que

17 Seguimos neste capitulo a exposição de António Candeias professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.18 Os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, chamados também de atentados de 11 de setembro de 2001, foram uma série de ataques suicidas coordenados pela Al-Qaeda aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001. Na manhã daquele dia, 19 terroristas da Al-Qaeda sequestraram quatro aviões comerciais a jato de passageiros. Os sequestradores intencionalmente bateram dois dos aviões contra as Torres Gêmeas do World Trade Center em Nova Iorque, matando todos a bordo e muitos dos que trabalhavam nos edifícios. Ambos os prédios desmoronaram em duas horas, destruindo construções vizinhas e causando outros danos. O terceiro avião de passageiros caiu contra o Pentágono, em Arlington, Virgínia, nos arredores de Washington, D.C. O quarto avião caiu em um campo próximo de Shanksville, na Pensilvânia, depois que alguns de seus passageiros e tripulantes tentaram retomar o controle do avião, que os sequestradores tinham reencaminhado para Washington, D.C. Não houve sobreviventes em qualquer um dos voos.

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diferentes regiões do globo são postas em interligação umas com as outras, vagas de transformação social varrem virtualmente a totalidade da superfície da Terra» (id., ibid.); finalmente, a natureza das instituições modernas: «Algumas formas sociais modernas não se encontram, pura e simplesmente, nos períodos históricos anteriores — tais como o sistema político do Estado-nação, a dependência generalizada da produção do recurso a fontes de energia inanimadas ou a completa transformação dos produtos e do trabalho assalariado em mercadoria» (id., ibid.).

Dentro deste quadro de mudança, entende-se a emergência de novas formas de socialização que amparem estas transformações, massificando os saberes e as atitudes necessárias ao desenvolvimento e manutenção, quer dos novos tipos de economia, que, assentes numa tecnologia inovadora, se tornam dominantes, quer das novas configurações políticas que vão tomando lugar entre os séculos XVII e XXI, quer sobretudo do ritmo com que tudo se move. Mas, se a descrição que Giddens dá do processo lança as bases para a explicação da relação entre a emergência das estruturas políticas e económicas modernas e as politicas sociais publicas, ou seja, da adequação entre os sistemas de politicas publicas, o Estado-nação dos séculos XIX e XX e o capitalismo industrialista, outros autores se têm debruçado sobre o conceito de modernidade de uma forma que amplia o campo de relações possíveis entre Politicas publicas e estado moderno. Entre eles encontra-se Peter Wagner.

“Numa tentativa de assentar a génese do termo «modernidade», Wagner estabelece as suas raízes na crise do que chama as «teorias gémeas das constelações societais do século XX, a teoria da modernização funcionalista e as teorias neomarxistas do capitalismo tardio» (Wagner, 2002, p. 41), mostrando como a capacidade de crítica ao capitalismo se encontrou, em finais do século XX, despojada das raízes teóricas oriundas do mundo cultural. Modernidade, educação, criação de riqueza e legitimação política e ideológico que, no século anterior, tinha visto nascer o marxismo e o socialismo. Procedendo a uma breve história das múltiplas associações con- temporâneas entre «modernidade» e «capitalismo», o autor refere as sobreposições, mas também as tensões existentes entre ambos os termos, e, tendo como base um texto de Cornelius Castoriadis, considera o conceito de modernidade «constituído por dois componentes básicos, um que suporta o desenvolvimento do capitalismo (como o termo mais estreito contido na modernidade) e outro o desenvolvimento da democracia. Não existe, todavia, aqui uma subsunção do capitalismo, como na teoria da modernização. Os dois componentes da modernidade são vistos como mutuamente irredutíveis e em tensão permanente» (Wagner, 2002, p. 45)”.

É esta decomposição do termo nos seus dois componentes, com especial relevo para o «político», que nos interessa na exploração das relações entre a «modernidade» e o nascimento das políticas sociais públicas.

É também a forma como Wagner trata a herança iluminista do «político», que se refere simultaneamente à noção de democracia que releva do «social» e à noção de liberdade relacionada com o «indivíduo», que nos parece poder enriquecer a mútua relação entre «modernidade» e «politicas sociais».

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Desde logo, este autor reafirma a ambiguidade do discurso moderno, que, como condição de afirmação da noção de liberdade, quer se refira à liberdade «política» ou à liberdade do indivíduo, tem de criar e de realçar a necessidade de a «disciplinar». Wagner fixa esta ambiguidade nas correntes de pensamento que no contexto do iluminismo defendem, de forma conflitual, os princípios da «regulação» ou da «auto-orientação»: «A corrente da «regulação» reprime o direito à autodeterminação individual daqueles tidos como inaptos para a modernidade. A corrente da «autodeterminação» acentua a autonomia dos indivíduos, mas não se interroga sobre os aspectos mais essenciais da vida humana, da génese de tais aspectos e dos caminhos para a sua realização19».

Assim, e tal como em Platão a neste autor a parte dominante do discurso e das práticas modernas supõe uma tensão entre a ideia de autonomia, «ou seja, a revogação de toda a substância ou princípio exterior, superior, que é suposto fornecer aos seres humanos máximas que ditem a sua conduta» (id., ibid., p. 32), e o reconhecimento de «valores e regras seculares que existem previamente aos indivíduos e acima deles e que podem ser descobertos, reconhecidos e por eles seguidos» (id., ibid.). Estes valores poderão ser apresentados como relevando de uma aproximação antropológica, mas certamente também moral e política da noção de «natureza humana» ou de ideia platónica, que, no dizer do autor, e no estado moderno se escoraria em três traços: o dos direitos dos indivíduos, mas também das chama-das ordens naturais, como a família, por exemplo, e dentro dela a figura do «chefe de família»; a razão, como categoria supra-individual, que constituiria um ponto de referência para a acção humana; finalmente, a questão do «bem comum, como categoria colectivista, que ultrapassa os indivíduos e não pode ser considerada como derivando apenas da sua vontade (id., ibid.), correspondente afinal à própria ideia platónica de justiça.

Sendo a «autonomia» irrestrita, por um lado, e a «regulação» de tal autonomia em nome da razão, da tradição e do bem comum, por outro, dois dos princípios fundadores da modernidade, a questão principal que daqui decorre será a acomodação desta tensão a nível das condutas humanas e a solução para os que não conseguirem conciliar estas duas «pulsões», aparentemente contraditórias, parece ser, desde o princípio, muito clara: ou a modelação cognitiva e comportamental através da educação, ou a exclusão através quer da repressão e confinamento, quer da «não inclusão» nos direitos de cidadania. Vital em todo este aparato é a manutenção e aperfeiçoamento de um Estado que organize, tutele e legitime barreiras que se oponham eficazmente ao que o autor designa como uma «profusão virtualmente ilimitada de práticas sociais autónomas20» que a modernidade potencializa. Mas, sinal dos tempos, o fundamental nestas barreiras é não só a sua eficácia, como sobretudo a sua legitimidade, uma legitimidade diferente das legitimidades de origem dinástica e divina que a «modernidade» enfraqueceu.

Esta maneira de integrar condutas e comportamentos é, segundo o autor, a condição fundamental de um projecto que, a prazo, terá de contar com a legitimação de todos

19 Wagner, 1996, pp. 32-33, tradução livre de Antonio Candeias20 id., ibid., p. 29

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os seres humanos adultos que habitam as fronteiras dos Estados que se constituem lentamente em Estados-nações modernos. Para que todos neles caibam é preciso que a integração seja lenta, ordenada, hierarquizada e controlada, de maneira a ser possível a criação de um espaço político gerador de um grau suficiente de consenso e de prosperidade que permita que o conceito de «governo», como forma de gestão política e social, se sobreponha ao de «domínio». Este «movimento», que leva à se- dimentação de formas de gestão social e políticas sofisticadas, que salienta a correspondência entre as mudanças nas «grandes políticas» e as mudanças nos comportamentos individuais, conduz o autor a uma sistematização das várias fases do projecto modernista, que achamos de referência pertinente, uma vez que possibilitam a organização conceptual de processos de desenvolvimento da modernidade, quer os vejamos do ponto de vista político, económico, social ou cultural.

Assim, para o autor, “no espaço liberal da primeira metade do século XIX ocidental, enquanto as tensões dos novos tempos se fundem em projectos habitados por um núcleo burguês em constituição, que não tolera as incertezas trazidas por um mundo visto como caótico e impossível de integrar, constitui-se o que o autor designa por «modernidade liberal restrita». Trata-se de um espaço em que, simultaneamente, há que manter a ordem e depurar e organizar as componentes culturais e políticas das novas configurações de poder, excluindo assim os que «não estão preparados para a modernidade»21.

Seguimos a descrição de Antonio Candeias: “a tensão entre as possibilidades que os novos discursos abrem e a dificuldade de transformar tais discursos em práticas, tensão essa que leva à exclusão de «tantas pessoas desenraizadas dos seus contextos sociais, culturais e económicos, frequentemente de forma traumática» (id., ibid., p. 42), vai dar origem ao que o autor chama a primeira crise da modernidade. Esta crise irá abrir caminho à segunda fase da modernidade, que o autor denomina «modernidade organizada» e que se caracteriza pelo longo período de integração das novas classes e estratos sociais que resultam do industrialismo, uma integração levada a efeito de forma frequentemente autoritária, mas com o recurso a um arsenal de ideais emancipalistas e de legitimação universal que, mesmo quando não cumpridos, se colocaram na ordem do possível, constituindo-se como uma ameaça aos que, em nome da «regulação», os bloqueiam. Este período, que ocupou uma parte importante do século XX, assistiu a uma locação de recursos tornados disponíveis quer pelo progresso económico, quer pela ameaça social insurreccional, que permitiu, nuns casos de maneira mais extensa e profunda do que noutros, o que o autor chamou «convencionalização» do trabalho e estandardização do consumo, que fazem parte de uma constelação de práticas que estará na base da noção de Estado-providência, mas que, como o autor assinala, termina por «fazer entrar a disciplina e a homogeneidade das práticas de autoridade no domínio da vida familiar». É este período que assiste ao nascimento das instituições que caracterizam o «mundo moderno», e aqui de forma específica os sistemas educativos contemporâneos, laicos, gratuitos e obrigatórios. Termina este período com um triunfo dos direitos herdeiros do liberalismo dos séculos XVIII e XIX, ou seja, os direitos civis relacionados com a propriedade e o mercado, os direitos sociais relacionados com a liberdade religiosa, de discurso, de reunião e de 21 António Candeias, Analise Social, vol. XL (176), 2005, 477-498

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associação e os direitos políticos consubstanciados no sufrágio universal, que se instalam, em finais do século XX, como uma aquisição segura do conjunto de sociedades que se agruparam em torno da Europa ocidental e dos Estados Unidos da América e se constituem como objectivos para o resto do mundo. Tratou-se, pois, de um longo processo que passou, primeiro, pela exclusão dos que não estão preparados para «serem livres» e, de seguida, por uma inclusão ordenada e sistematizada de todos, o que imporá a interiorização de uma racionalidade dominante, que se transformará tendencialmente em «senso comum», até todos poderem ser virtualmente livres sem que o «bem comum» disso se ressinta, ou seja, uma tenebrosa utopia onde todas as «práticas sociais» sejam compatíveis. E serão os limites óbvios desta proposta, mais a decepção provocada pelo falhanço histórico dos discursos e práticas políticas alternativos ao capitalismo moderno, que explicarão o que o autor designa por segunda crise da modernidade, pós-modernidade para alguns, e que estará na origem do que Wagner descreve como «modernidade liberal alargada». Esta é por ele caracterizada como potencializando a emergência de valores como a diferença, a pluralidade, a sociabilidade e a solidariedade, que o desmembramento das instituições organizadoras e disciplinadoras da «modernidade organizada» tornam possíveis, o que, em termos de uma visão da psicanálise muito inspirada em Wilhelm Reich, se poderia ironicamente traduzir por uma vitória da sublimação sobre o recalcamento22.

Basicamente as construção teórica, desde o século XVI, e massificada, desde o século XIX, dos sistemas educativos contemporâneos torna-se uma das condições fundamentais da construção do «homem moderno», lança as raízes das novas formas de governo, ao substituírem a violência física pela pressão para a interiorização da «razão» e do «bem comum» por parte dos que nela se movem e dela vivem, mas que sobretudo marcam as politicas publicas típicas do estado intervencionista culto e moderno. Trata-se de um traço de um projeto civilizacional mais vasto, recheado de contradições, mas coerente com a diversidade de discursos e de praticas presentes no espaço moderno, em que a eficácia política, económica e social, o aperfeiçoamento do domínio e da aculturação e a inovação tecnológica e sustentabilidade financeira, coexistem com a esperança da emancipação, a possibilidade da mobilidade social e o desejo republicano”.

Esta ideia de modernidade associada ao Estado-nação e ao capitalismo industrial entra em crise com o colapso do Estado Social de Providencia nos anos setenta na sequencia

22 António Candeias pensa que uma parte substancial da narrativa evocada quer por Peter Wagner, quer por Anthone Gidens, só é possível se compreendermos o papel fundamental nela desempenhada pela escola massificada criada nos séculos XIX e XX no Ocidente, primeiro, e no mundo, de seguida.Instituição nova no sentido em que, desde o principio, tem como objectivo um tipo de socialização exógeno, secundário e universal para intervalos etários cada vez mais alargados, a escola contemporânea, centralizada, massificada e articulada em rede pelo Estado-nação moderno, é claramente um seu produto, mas também, no dizer de Ernest Gellner, uma das condições da sua sobrevivência (Gellner, 1993, p. 55), e resulta de um processo em que se deu «a substituição de culturas populares diversificadas e localizadas por culturas eruditas, estandardizadas, formalizadas e codificadas» (id., ibid., p. 117), sobretudo pelo Estado.

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do choque petrolífero de 1973/4 e da necessidade dos estados corrigirem as suas trajetórias de endividamento.

Com forte predominância na Europa de governos socialistas e sociais democratas, a igualdade assumiu-se então como a característica mais promissora dos programas dos partidos políticos de centro esquerda na linha Giddens e Rawls, e o seu melhor slogan eleitoral. No entanto, durante os seus governos a desigualdade social não foi reduzida. Porem no caso português, mas também espanhol e francês, existe uma diferença entre os efeitos distributivos da social-democracia e da direita, quando se analisa seus anos de governo. Os governos de direita aumentam o fosso entre os mais ricos e os mais pobres, em nome do equilíbrio orçamental e da eficiência das politicas de igualdade e combate à pobreza. Os governos de esquerda atenuam essa desigualdade social com recursos financeiros enormes, embora a redução seja muito inferior ao aumento causado pelos governos anteriores de direita. A social-democracia redistribui menos do que aquilo que promete, mas seguramente muito mais que a redistribuição liberal, dizem as estatísticas. Só que tem um preço: o colapso das Finanças Públicas.

A resposta para o problema da desigualdade (que é diferente de discriminação) continua a ser o maior desafio enfrentado pela social-democracia neste ciclo pós-11 de Setembro, porque é um princípio fundamental da esquerda, que a esquerda liga ao crescimento económico. A social-democracia tem fugido às mudanças que devem ser introduzidas para combater a desigualdade, pois isso envolve alterações do estado de bem-estar que por exemplo a Terceira Via comprometeu ao abusar dos instrumentos financeiros tradicionais para promover as suas políticas publicas. É na crise das politicas publicas atuais evidente que a Igualdade de tratamento não tem nem o mesmo significado nem a mesma natureza que a redistribuição.

A influencia duradoura de Keenes na política monetária dos países desenvolvidos - com base na ideia errada (largamente refutada no século XIX, que a procura agregada (a valor constante de moeda, isto é sem inflação) está relacionada com o desemprego e que as politicas publicas podem por via da procura publica (criando progressiva desvalorização da moeda, ou seja inflação) criar emprego (serviu esta teoria apenas como política destinada a combater a deflação mas já não servia quando a inflação era uma ameaça) – veio acelerar a falência do modelo do Estado Nação, abrindo a porta à pós-modernidade.

Por outro lado com a adopção de um novo modelo de capitalismo na economia pós-moderna – basicamente a transformação do “capitalismo de empresário” no “capitalismo de gestor”23- com o primeiro ciclo das privatizações e as aplicações dos recursos dos fundos de pensões e outros fundos institucionais (nos países anglo-saxónicos na sequencia da crise petrolífera e da subida dos juros dos anos 70) para além da disseminação do capital pelas classes médias pequenos investidores, veio criar condições para um desalinhamento nos objetivos da gestão privada24 coincidindo com as necessidades eleitorais da agenda política que promoveu politicas publicas de

23 (Santos, 2009)24 Não se pode dar incentivos a trabalhadores não manuais pois isso incentiva a fraude e a falsificação das contas no sentido dos gestores serem melhores remunerados e atingirem os objetivos, conforme desenvolvemos em conferencia no 1º Fórum da Administração Publica em 2011, organizado pelo ISCSP.

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incentivo ao imobiliário , o que favoreceu a crise financeira de 2007 (subprime) e o aparecimento das finanças pós-modernas, com o Pacto Orçamental de 2012, e que vieram colocar em causa a sustentabilidade das politicas sociais publicas.

A própria regulamentação excessiva do mercado de trabalho criou inflexibilidade desde os anos setenta e acelerou o desemprego, provocado pelos sindicatos (como Haeek já havia observado) mas também pelo credit crunsh do final da primeira década do século XXI.

Finalmente o próprio desenvolvimento do “capitalismo popular” (com F. Haeek e o neomonetarismo) mais do que a ideia política de globalização conseguiu produzir para alimentar 8 mil milhões de pessoas, por causa de um mecanismo espontâneo que processa muito mais informação, que um Estado centralizado conseguiria absorver, como observava já Ludwick von Mises sobre a superioridade das economias de mercado mercado sobre as economias planificadas.

O que a teoria da complexidade e a observação da realidade vieram demonstrar é que a nossa sociedade é o produto de crenças simbólicas que não têm nenhum fundamento racional.

Fracasso do socialismo parte do principio impossível que todo o conhecimento humano – de milhões de pessoas - pode ser superado de maneira eficiente por uma organização centralizada, por um comando central oligárquico.

A simples ideia intervencionista de que é possível mobilizar enormes recursos para produzir bens centralmente para a sociedade é um absurdo e os resultado da intervenção ficou à vista com o colapso do Estado Social de Providencia e a moda de F. Haeek e dos neomonetaristas que com enorme arrogância acreditaram que o que dita a cada um o que deve produzir para a sociedade (pessoas que não conhecemos) é o lucro e que o mercado mais eficiente é o de concorrência. Nos estremos das duas posições está um também um problema de valores: no intervencionismo prevalece o valor da justiça distributiva, enquanto no liberalismo prevalece a liberdade de iniciativa. E se parece ser simplesmente impossível distribuir sem conhecer todos os factos, sem ter toda a informação

O crescimento do Estado já observado por Locke e confirmado pela lei de Wagner, tem uma história no século XX:

1. O Modelo Totalitário-Socialista: baseado numa falsa ideia de justiça social (sobre a qual não existe unanimidade, até porque as categorias morais não são coletivas, mas pessoais) imposta pela burocracia dominante (Critica de Mises e Keenes – o erro do socialismo). A ideia de justiça social leva a alocar recursos de modo ineficiente e a aumentar a presença do Estada no economia por via do aumento da despesa.

2. O Modelo Democrático-Keenesiano: em momentos de crises utilizando a moeda/inflação para promover o crescimento/consumo e investimentos públicos. (Crítica de Haeek – trata-se de um erro. Como demonstrou a

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estagflação dos anos setenta do século XX). Os Estados emitem moeda aumentando as assimetrias entre ricos e pobres,

3. Modelo Democrático-Interesses particulares ou Estado Democrático Quase-mafioso: o Estado é capturado pelos lobbies e pequenos grupos de interesses muitas vezes ligados aos sectores financeiro, da energia (sobretudo petróleo e gás) e da construção civil, que definem os subsídios e condicionam as políticas publicas e definem incentivos públicos subordinados aos seus interesses, provocando o crescimento da despesa publica.

É este ultimo modelo que acaba por sobreviver depois da queda do “muro de Berlim” (queda do socialismo real ou do capitalismo de Estado em 1989) e do colapso financeiro do Estado Intervencionista (na segunda metade dos anos setenta do século XX, mas sobretudo depois Grande Crash de 2008, com o fim do ciclo político do 11 de Setembro), com maior ou menor regulação.

Este Estado Democrático Quase-Mafioso não pode ser dissociado aliás do colapso dos regimes socialistas nem sequer do colapso dos regimes democráticos intervencionistas.

Porque se do primeiro (colapso da URSS em 1991) houve uma onda de recursos desviados, foi graças ao segundo ciclo de politicas de privatizações (com a falência do Estado Social nas democracias continentais como em França e Itália que não dispunham de recursos petrolíferos, mas sobretudo nos estados democratizados entre a década de 70 e 90 – antigas ditaduras fascistas do Sul da Europa e da América Latina, bem como ex-estados socialistas do Pacto de Varsóvia) que se “lavou esse dinheiro sujo”, integrando-o no sistema a financeiro internacional, sobretudo no caso russo nos sectores energéticos europeus. O que não era dinheiro lavado era crédito, nascido da vontade dos governos de quererem preservar centros de decisão nacionais feitos à custa de crédito a grupos e empresários descapitalizados ou sem capacidade financeira. Foi esta a maior fragilidade do modelo, que foi internalizado na China, com o crédito concedido a empresários locais nas parcerias industriais com grupos estrangeiros e que arrisca ser uma das mais relevantes ameaças ao sistema bancário chinês.

São estes grupos nascido do financiamento bancário que num primeiro momento beneficias de spreads usurários protegidos pela cartelização e colaboração publica que num segundo momento (normalmente 8 anos depois) passam a colocar os seus homens diretamente no aparelho de estado, com recurso ao populismo ele.

As crise das políticas públicas

A Grande Crise de 2007-2014 não foi o resultado da especulação, da desonestidade, da excessiva exposição ao crédito do sector privado. Foi o resultado do fracasso da política dos governos, do fracasso das suas politicas sociais apoiadas em instrumentos financeiros privados e politicas monetárias expansionistas e concretamente caso das economias da bacia mediterrânica, pelo fracasso das politicas monetárias do BCE e dos

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efeitos perversos da adesão ao Euro – que deu aos agentes económicos informações erradas sobre a situação económica, com baixa dos juros e acesso a mecanismos de crédito ilimitado.

E por isso quando por efeito dos derivados do suprime (a questão moral na gestão privada é fundamental também se instalou a desconfiança no mercado interbancário e faltou liquidez, já estávamos perante uma consequência do modelo de remuneração dominante no “capitalismo de gestor”, que se aproveitou do crédito hipotecário para promover a realização do direito à habitação e de outros direitos de terceira geração onde foi evidente o fracasso dos incentivos públicos.

E depois deste fracasso da Terceira Via e do intervencionismo pós- 11 de setembro, assiste-se desde 2007 a esta grande crise camaleónica iniciada em 2007 e que envolveu à crise do subprime, ao grande crash de 2008, a duas crises bancárias, à crise económica, a uma crise orçamental, à crise da dívida soberana, a duas recessões, a uma crise de sustentabilidade das Finanças Públicas e provavelmente a uma crise paralela derivada subida dos preços das matérias primas e dos bens alimentares, que imporá aos países mais desenvolvidos uma nova estagnação.

A recessão implica sempre um desajustamento no mercado de mão de obra, induzido no ciclo inflacionário anterior, devido aos erros dos empresários, que optaram por investimentos de longo prazo e não contaram com a subida dos juros provocada pela distorção da taxa de juro, causada pela expansão monetária e do crédito bancário, cujo primeiro beneficiário foram as politicas publicas. Mais importante, qualquer tentativa de curar a depressão através de deficit e dinheiro barato, como fez em Portugal, nos EUA ou no Brasil (com governos de José Sócrates, Barack Obama e Dilma Ruef), embora possa funcionar temporariamente, intensifica a má alocação de recursos e apenas adia e prolonga o ajuste inevitável.

As recessões não existem por determinação astrológica mas são o resultado das politicas publicas. A questão do controlo da inflação e dos incentivos ao emprego por via da emissão de moeda foi a maior ilusão keenesiana que custou ao sistema capitalista a instabilidade das crises mas deu ao poder político a possibilidade de criar uma classe media no terceiro mundo ao mesmo tempo que se atingiu o maior nível histórico de pobreza (o numero de pobres no planeta nunca foi tão grande estimando-se que possam viver abaixo do limiar da pobreza mais de dois mil milhões de pessoas).Keenes supôs erradamente que o desemprego normalmente envolve a ociosidade de recursos de todos os tipos em todas as fases da produção. Neste sentido, a economia keenesiana deixa de fora o elemento vital da escassez de recursos reais, a base dos princípios económicos. No mundo ilusório Keenes de superabundância, um aumento da despesa total com recurso à emissão de moeda ou do endividamento público vai realmente aumentar o emprego e a renda real, porque todos os recursos necessários para qualquer processo de produção estará disponível nas proporções corretas, a preços correntes.

No entanto, no mundo real de escassez, como mostra Haeek, recursos desempregados serão de tipos específicos e em sectores específicos. Nestas circunstâncias, um aumento das despesas pode aumentar o emprego, mas apenas

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porque se aumenta os preços em geral o que torna temporariamente rentável para reempregar esses recursos ociosos, combinando-as com recursos de outras indústrias, onde eles já estavam empregados. Quando os custos de produção mais uma vez começarem a subir dado o aumento dos preços na produção, o desemprego voltará a aparecer, mas desta vez de uma forma mais grave por causa da má alocação de recursos adicionais. O governo e o banco central, então, mais uma vez, enfrentarão o dilema de permitir mais desemprego ou a expansão do fluxo monetário. Isso configura as condições para uma inflação monetária, com uma acelerada subida dos preços, pontuada por períodos de agravamento do desemprego, como foi o caso durante o Grande Inflação dos anos 1970 e início de 1980.

Em alternativa a isso, Haeek argumenta que se deve evitar a inflação monetária e permitir que os preços dos recursos desempregados se reajustem naturalmente para baixo, para níveis que sejam sustentáveis com o atual nível de rendimentos. Neste caso, o trabalho de desempregados e outros recursos serão orientados pelo sistema de preços em processos de produção que sejam sustentáveis no atual nível das despesas monetária.

Permitindo o ajuste de mercado as taxas dos preços e dos salários, garante-se assim uma estrutura de emprego de recurso coordenada com a estrutura da procura de recursos.

Em contraste, aumentando a despesa agregada haverá um aumento de curto prazo no emprego, mas isso só provoca uma distribuição inadequada de recursos cuja inevitável correção implicará uma outra depressão. Tal correção pode ser adiada, mas nunca evitada.

Aqueles que negam a análise de Haeek o que fazem é promover cada vez mais os gastos públicos como a panaceia para nossa crise atual, aumentando ainda mais a desigualdade.

Eles acabam por continuar a viver na fantasia simplista keenesiana de que a escassez de recursos reais foi banida e em que a escassez de moeda e de crédito é a única restrição à atividade económica e acabaram por dar espaço a soluções ideológicas mais radicalizadas de sentido contrario, como se verificou nas medidas impostas pela Troika ao governo grego e portugues a quando dos resgates financeiros que provocaram uma profunda recessão que acabou por agravar a situação orçamental do país e desencadear uma grave crise social por causa da explosão descontrolada do desemprego25.

A questao chinesa e o capitalismo solidário

25Nada pode ser feito contra o colapso de uma empresa, com todo o seu drama social, a não ser que exista mobilidade laboral. No mercado o Estado não pode substituir Deus: até mesmo os trabalhadores estão expostos a riscos e por isso a inflexibilidade laboral e os sindicatos acabam por ser portanto geradores de ineficiência e desemprego.

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As distorções que ocorrem no sistema capitalista e que resultam nos problemas apontados por Rogoff são decorrentes da forma de obtenção dos lucros e/ou da maneira como são distribuídos. Segunda maior economia do mundo, a China caminha para desbancar os Estados Unidos dentro de alguns anos. Seu modelo de capitalismo é particular, batizado de socialismo de mercado, utilizando como base a análise feita por Peter Drucker, em 1975, no livro "A revolução invisível". A China tem obtido taxas fantásticas de crescimento com enorme sacrifício de dois fatores de produção: capital humano e recursos naturais.

A oferta quase infinita de capital humano de suas zonas rurais é movida pela migração de 20 milhões a 30 milhões de pessoas por ano rumo aos centros urbanos. Essa parcela da população vive em regime de semiescravidão, sujeita a um partido comunista altamente corrupto. A mão de obra numerosa representa uma expressiva vantagem competitiva em relação às outras economias do mundo.

Investindo na educação desse enorme contingente humano e melhorando a sua remuneração, aumenta-se, consequentemente, a produtividade, o que proporciona avanço em seu poder de consumo. Mais consumidores fortalecem o mercado interno, tornando-o altamente competitivo. Gradualmente, surge o maior exportador de produtos industrializados do planeta.

Dentor do modelo de domínio do discurso económico, a China pratica ainda uma das políticas ecológicas mais sujas do mundo. Não investe na proteção de seus recursos naturais nem em sustentabilidade. Com o achatamento da remuneração do capital humano e a ausência de gastos na qualidade de seu meio ambiente, as empresas chinesas maximizam seus lucros, permitindo que o país obtenha as taxas mais elevadas de formação bruta de capital, garantindo seu crescimento a níveis que lhe assegurarão o posto de maior economia mundial.

Será esse modelo dual capitalista/socialista de mercado que prevalecerá no futuro? Será essa a ameaça que as economias capitalistas democráticas não saberão enfrentar? Será que a sociedade chinesa sobreviverá a um modelo político autoritário praticando um capitalismo "sujo", de sacrifício do capital humano e do ambiente? Da mesma forma que as economias democráticas terão que buscar mudanças em seus modelos para sobreviver, também a China terá que buscar outros caminhos.

No início da década de 60, já se falava do movimento do Solidarnósc, que surgia na Polónia em oposição ao comunismo vigente. A ideia de um capitalismo solidário poderia ser a resposta correta à sustentabilidade e desenvolvimento das nações.

Mas o que significa um capitalismo solidário? É um capitalismo que se estrutura no aumento da produtividade dos fatores de produção ao mesmo tempo que garante uma melhor distribuição dos lucros gerados pelas empresas. O capital humano só aumentará sua produtividade se garantirmos aos trabalhadores mais investimentos em educação, saúde, segurança, transporte e habitação.

O capital financeiro só aumentará sua produtividade se garantirmos eficácia na alocação de recursos por meio de mercados de capitais desenvolvidos, no lugar de

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decisões centralizadas nas mãos do governo e de suas instituições. Portanto, o mau uso desses recursos financeiros penaliza os gestores, públicos ou privados.

Os executivos de instituições financeiras não seriam premiados com bónus milionários, como ocorreu recentemente nos Estados Unidos, provocando um desalinhamento de objetivos que conduziu à crise.

Da mesma forma, os recursos naturais só aumentarão a sua produtividade se forem explorados sem sua destruição e com sua renovação no que couber.

A maximização do lucro deve manter-se como medida de sucesso dos investimentos realizados. Porém, precisamos buscar formas mais justas de sua distribuição. O Brasil poderá ser um exemplo de capitalismo solidário se sociedade e governo perseguirem juntos esse objetivo.

A questão é de discurso ideológico: há que mudar o capitalismo e o modelo do Estado para que o sistema possa sobreviver. A captura do discurso da sustentaibilidade pelo capitalismo não é novo. A ética dos empresários e a ideia geral de sustentabilidade no sector público e no sector privado são essenciais para que o sector solidário não regresse à sua agenda revolucionária e sem mantenha apenas como uma eficiente forma de ocupação de desocupados ou uma maneira de “contornar” os impostos. Entre a revolução do socialismo utópico e a ecologia dos anos 60 do século passado – afinal as duas grandes ameaças ao capitalismo enquanto modelo – há o mesmo fervor revolucionário que colocou tudo em causa. Mas mesmo absorvendo o disurso ideológico da esquerda, e mesmo que a acção revolucionaria do sector solidário seja integrado no jogo político da conquista do poder, o certo é que o problema continua mal colocado.

Qual o critério? Será possível manter a economia como baliza do Estado. Será a possível ao Estado decidir a Economia? Afinal para que serve o Estado?

Basicamente o modelo socialista assim como o modelo capitalista solidário não alteram verdadeiramente nenhum dos pressupostos básicos: de que o homem económico funciona na base dos seus proprios interesses individuais e por isso o Estado acaba por ser sequestrado por um grupo dominante que o coloca ao seu serviço dos seus objetivos económicos.

Nas finanças públicas, a partir dos anos 60 do século passado, o constitucionalismo financeiro não é mais que uma tentativa de criar regras para o financiamento publico e a execução do Orçamento de Estado. São os princípios constitucionais das finanças publicas que as modernas constituições da segunda metade do século XX vão desenvolver e que finalmente se traduzem no novíssimo Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2013. Mas verdadeiramente, o problema subsiste: a ligação entre a economia e a política, tão preversa quando foi até à Paz de Vestefália a relação entre a Religião e a Política. E se as guerras antes eram Religiosas (até à guerra dos trinta anos) agora são económicas. E só o deixarão de ser quando a ideia de igualdade for critério de política pública. E nesse sentido, no moderno sentido rawlsiano uma igualdade

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positiva, que redefine as funções do Estado e liberta a economia do Estado, mas sobretudo, liberta o Estado da captura dos interesses egoístas que caraterizam essa abstração científica que é o Homo Ecunomicus.

É este estado intermédio que chamamos de Estado Social de Grantia ou Estado Garante26, onde se garante basicamente o combate à pobreza (intervindo as políticas sociais públicas ja nao sobre a totalidade da população mas sobre a parte mais pobre, numa otica mais assistencialista que contratualista. Estamos ainda numa definição económica da política. Mas o passo a seguir terá que ser dado.

26 Este neologismo foi criado pelo professor doutor Freitas do Amaral em 2009 na discussão conosco, preparatória da nossa Pós-Gradução em Administração Pública e Direito Público Económico na ULHT. E viria a ser incluída na divulgação da conferência do mesmo curso universitário.