33
11 verve Poder e anarquia poder e anarquia. apontamentos libertários sobre o atual conservadorismo moderado. edson passetti* Às vezes somos impelidos a retomar escritos, análises, relatórios de breves pesquisas, mediante derivas inevitáveis que redimensionam os efeitos mais duradouros ou temporários dos fluxos de resistências na sociedade de controle. Esta sociedade anunciada por Foucault e analisada de maneira breve e instigante por Deleuze no final do século passado, tem por característica marcante a de se redimensionar pelo inacabado. Nela tendem a não subsistirem os espaços disciplinares de fronteiras demarcadas; ao contrário, estes passam a ser reformados e transpostos em decorrência não só do predomínio da produção imaterial e intelectual, mas porque a regularidade normativa da fábrica e das instituições disciplinares é ultrapassada pela velocidade das empresas e instituições onde o objeto está modulado pelo fazer e refazer dos programas executados, criados, reavaliados *Edson Passetti é Professor no Depto. de Política e no Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Coordena o Nu-Sol. verve, 12: 11-43, 2007

Poder e Anarquia - Edson Passetti

Embed Size (px)

DESCRIPTION

 

Citation preview

Page 1: Poder e Anarquia - Edson Passetti

11

verve

Poder e anarquia

poder e anarquia.apontamentos libertários sobre o atualconservadorismo moderado.

edson passetti*

Às vezes somos impelidos a retomar escritos,análises, relatórios de breves pesquisas, mediantederivas inevitáveis que redimensionam os efeitos maisduradouros ou temporários dos fluxos de resistênciasna sociedade de controle. Esta sociedade anunciadapor Foucault e analisada de maneira breve einstigante por Deleuze no final do século passado, tempor característica marcante a de se redimensionarpelo inacabado. Nela tendem a não subsistirem osespaços disciplinares de fronteiras demarcadas; aocontrário, estes passam a ser reformados e transpostosem decorrência não só do predomínio da produçãoimaterial e intelectual, mas porque a regularidadenormativa da fábrica e das instituições disciplinares éultrapassada pela velocidade das empresas einstituições onde o objeto está modulado pelo fazer erefazer dos programas executados, criados, reavaliados

*Edson Passetti é Professor no Depto. de Política e no Programa de EstudosPós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Coordena o Nu-Sol.

verve, 12: 11-43, 2007

Page 2: Poder e Anarquia - Edson Passetti

12

122007

pelo conjunto dos envolvidos. As resistências, numasociedade como esta, não estão mais associadas arelações de poder em rede como na sociedade disciplinar,em que o embate de forças produzia diversas resistênciasativas e reativas, gerando tanto eventuais quantoradicais linhas de fuga. Sabemos pouco, ainda, comodefinir as inacabadas relações de poder produzidas emfluxos. Sabemos, por enquanto, que os seus efeitosdirigem-se não mais para o combate ou extermínio deresistências, mas às capturas que levam à inclusão.Na sociedade de controle ou de governo nada podeescapar. Não se está mais no âmbito da inclusão-exclusão, como na sociedade disciplinar, na qual asfronteiras estão claramente delimitadas e asmarginalidades, infrações e penas definidas comprecisão. Agora, qualquer um e qualquer coisa pode estarincluído em função da ampliação e fortalecimento dasegurança dos cidadãos, dos trabalhadores, dosempresários e dos programas. A segurança não dependemais somente de forças físicas e leis. Ela necessita obterconfiança de usuários e cidadãos nos programas, e estaultrapassa o campo da segurança para se tornar maneiraconsensual de viver e produzir. Assim é que pelaparticipação de cada um se pode usá-los, reformá-los,desdobrá-los ou ultrapassá-los segundo interfacesvantajosas para todos. A confiança traz a democracia doâmbito político para o sócio-econômico e se consolida pormeio de uma pletora de direitos que conforma a condutaregrada pela utopia da prática plena da tolerância. Asociedade de controle, com base em relações desegurança, confiança e tolerância, está interessada naproteção ao corpo são, para o qual estão destinados osusos dos sistemas de vigilância e aplicação ampliada depenalidades, articulando a indústria eletrônica, a polícia,as forças armadas, o seguro saúde e de bens móveis eimóveis. A sociedade de controle requer e convoca à

Page 3: Poder e Anarquia - Edson Passetti

13

verve

Poder e anarquia

participação de cada um nos múltiplos fluxos: objetivanão deixar sequer um micro-espaço vago para serpreenchido por resistências de insurgentes. Por meiode reformas constantes, restringindo cada vez mais asinstituições da sociedade disciplinar para as novas seconsolidarem, ela visa capturar resistências, ampliandoprogramas de inclusão.

Eis um grande problema, ou um problema a mais paraos anarquistas! Esta histórica força de resistência, mastambém de invenção, esta incessante máquina deguerra está cada vez mais imobilizada e por paradoxalque isto possa parecer, sua absorção em fluxos deinclusão se dá por sua própria atuação. Neste fluxoanalítico busca-se abordar mais um problema anarquistaem função da situação da prisão e da utopia da curapara a doença social do capitalismo, analisadainicialmente por Piotr Kropotkin, quando não sedistinguia, pelo menos entre anarquistas, preso comumde preso político; quando se sabia com clareza omecanismo de seletividade do sistema penal; quandose formalizavam os direitos e as penas para quemameaçasse a ordem da sociedade. O anarquista,considerado criminoso, delinqüente, anormal, terrorista,agitador e perigoso à ordem, está diante da sociedade decontrole, de capturas e inclusões inacabadas, que mexecom suas práticas e com suas aspirações.

A solução anarquista numa sociedade disciplinar

Piotr Kropotkin — que havia passado, como tantosanarquistas renomados ou anônimos, por experiênciastenebrosas nas prisões —, tratou o crime como umadoença social, cuja cura adviria de uma situação deajuda mútua acompanhada da concreta aplicação dossaberes científicos na sociedade anarquista.1 O

Page 4: Poder e Anarquia - Edson Passetti

14

122007

humanista anarquista russo propunha uma reviravoltamoral sobre a propriedade do conhecimento e suascorrelativas instituições punitivas, limpando-as dasseletividades e tiranias, em função do uso socialadequado das ciências, e até tornar, em pouco tempo,estas instituições desnecessárias.

A vontade de cura da doença social também estevepresente nos desdobramentos da Revolução Russa, sobo comando bolchevista, conformando o socialismosoviético e levando-o à disseminação do uso do campode concentração com base nos trabalhos forçados comopartes imprescindíveis da cura individual do desvio deconsciência revolucionária e da produção de riqueza nomodo de produção socialista. A reversão moral propostapor Kropotkin, condenando o capitalismo e suasinstituições repressivas, não obteve espaço político parao fim das cruéis instituições prisionais e psiquiátricas.A cura da doença social não foi rejeitada, masredimensionada. Os revolucionários bolchevistasgovernaram com um complexo surpreendente deinstituições repressivas, e ao mesmo tempo com afunção de inclusão na produção da riqueza, quandoaprisionar não estava mais circunscrito à prática doisolamento ou reintegração, mas desdobrava-se ao fazerdo prisioneiro um escravo da riqueza social produzida.Em nome da revolução, da igualdade e da liberdadeprojetadas para o futuro da sociedade dirigida por umavanguarda estabelecida no Estado e capaz de dar fim aosseus adversários, os anarquistas passaram, em poucosanos, da condição de aliados circunstanciais à deinimigos dessa nova sociedade, e, portanto, passíveis deaprisionamentos e mortes. Assim eles foram tratados2

pelo socialismo na vã esperança da cura e de controledas potências de liberdade. As críticas de Kropotkin,todavia, permanecem atuais em relação aos aspectosrepressivos das instituições austeras. Mas algo mudara

Page 5: Poder e Anarquia - Edson Passetti

15

verve

Poder e anarquia

e pelo menos umas perguntas permaneciam semrespostas: como dar fim à doença social sem reconheceruma certa necessidade de asilamento, defendida porKropotkin? Mas depois da experiência soviética, comoresponder aos demais efeitos da continuidade, ainda quetemporária dos asilamentos? Os anarquistas foramapanhados pelo socialismo autoritário derivado daRevolução Russa, nos anos 1920, e nas décadasseguintes se tornaram os alvos de nazistas e fascistas,que repetiram, ampliaram e efetivaram o repertóriosoviético do racismo de Estado. Aprisionados sob os maisdiversos regimes políticos, no capitalismo e nosocialismo, os anarquistas aprenderam na pele a nãoreferendar ou contemporizar com qualquer continuidadede prisões e manicômios. Dessa perspectiva, a idealistaproposta de Kropotkin foi ultrapassada pela cruel históriada tentativa de aniquilamento dos anarquistas.

Entre o final da 2ª Guerra Mundial e a derrocada dosocialismo soviético na década de 1980, no vaivém dosintrigantes movimentos de contestação, defesa de direitose reformas das instituições austeras, a punição aoschamados comportamentos criminosos foi ampliada pormeio da combinação de sentenças de encarceramentosem prisões — com planejada segurança eletrônica — emedidas alternativas de punição e vigilância aplicadas acéu aberto. Foi assim no âmbito do controle da loucuracomo doença mental: abandonou-se, gradativamente, omanicômio em função da medicação em unidades deatendimento ambulatorial descentralizadas. Inaugurou-se, para o crime e para loucura, a era das soluçõesalternativas, redesenhando e normalizando as contestaçõesradicais advindas dos movimentos libertários anti-psiquiátricos e pelo fim das prisões, dos quais, inclusive,emergiu o abolicionismo penal. O refluxo conservador dosanos 1980 em diante levou não só a uma desconstruçãodesses movimentos contestadores como também à

Page 6: Poder e Anarquia - Edson Passetti

16

122007

captura de grande parte das suas lideranças, renomeando-os como luta anti-manicomial e por uma justiça penalalternativa, incluindo a todos na utopia do fim dasimpunidades. A normalização moderadora mostrou suaforça, readequando os contestadores, capturando suasenergias políticas e reiterando que a relação doençasocial-cura (da pessoa, dos grupos e da sociedade) dependedas ciências médicas, das ciências humanas com seusdiagnósticos, relatórios e prognósticos, da reforma moralpelo trabalho e religião, e também de dispositivoseletrônicos de controle, que Kropotkin sequer imaginou.

Emergiu uma nova dimensão às chamadas políticaspúblicas, deslocada da obrigatória ação do Estado. Com adesativação do welfare-state, em função da atuaçãogovernamental se concentrar em programas de aplicaçãopenalizadoras, alguns estudiosos passaram a caracterizá-lo como Estado penal3 e com isso, as políticas públicasnão só vazaram para organizações da sociedade civil,como se firmaram a partir de uma dupla articulação pormeio de Organizações Não-Governamentais (ONGs),Parcerias Privado-Públicas (PPPs) e Organizações daSociedade Civil com Interesse Público (OSCIPs) e mesmoações de fiscalizações de apenados sob regimes deliberdade assistida e semi-liberdade. A disciplinar noçãode público relacionada ao Estado e relativa ao controledos equipamentos sociais entra em crise por meio dorompimento neoliberal com o governo intervencionista.Expande-se o fluxo de dessacralização do público e doprivado e de governamentalização da vida,4 realizando,historicamente, a disjunção que nunca houve, comohaviam sinalizado Proudhon5 e os anarquistas. Emsentido estrito, as políticas públicas deixaram de serobrigação de Estado e passaram a ser compartilhadas coma sociedade civil organizada, engendrando novas relaçõesinternacionalistas entre empresas e instituições deassistência, com base nas isenções fiscais, uma nova

Page 7: Poder e Anarquia - Edson Passetti

17

verve

Poder e anarquia

filantropia. As ONGs, as PPPs e as OSCIPs, passaram aconcentrar empregos até então disponíveis no aparelhode Estado, absorvendo não só técnicos em humanidadese especialistas, mas também lideranças locais,traduzindo suas atuações conjuntas sob a rubrica deresponsabilidade social. No fluxo ininterrupto de políticaspúblicas entre Estado e sociedade civil emergiu a éticada responsabilidade social atraindo a população paraprogramas de atendimento e participação, capturandoresistências e rebeldias para consolidar o que chamoaqui de conservadorismo moderado.

Entramos numa era da fiscalização moral exercidapor diversas polícias e vigilantes cidadãos convocados àdelação em nome da contenção da impunidade e daredução de comportamentos criminosos. Espera-se,então, de cada um e de cada cidadão a introjeção docontrole de si pela ameaça do aumento de penalidadesde encarceramento, incluídas aquelas a seremcumpridas a céu aberto, na comunidade. Para tanto, cadaqual e seus filhos passaram a ser assistidos por váriosdispositivos que combinam a ameaça do uso de umarsenal de penalidades leves e moderadas ao complexoprisional irreversível, mas também a prática damedicação acentuada dos desvios em direção ànormalização do normal de crianças e adultos, incluindoa contribuição decisiva da psicopedagogia de sustentaçãochamada auto-ajuda, até criar o normalizado, crente,responsável e pleno de si, o conservador moderado.

Permeado pelos efeitos do positivismo, o anarquistaKropotkin buscou como um crente uma respostacientífica para os crimes e para os horrores das prisões,filiando-se à tese de que numa sociedade capitalistadesigual e tirânica as prisões estão destinadas aospobres, aos diferentes e aos subversivos. Sob a crençailuminista, imaginou a transformação das instituições

Page 8: Poder e Anarquia - Edson Passetti

18

122007

austeras em unidades de cura libertadoras por meio deuma mudança moral do uso científico capaz de levar auma reviravolta definitiva e esmagadora sobre asinstituições austeras. Precisa em diversos aspectos, suaanálise não foi o bastante para notar que essasinstituições de reclusão e detenção se desdobram sobrequaisquer governos de Estado em encarceramentos maisou menos rígidos. No interior de uma instituiçãoaustera, cada integrante, em cada degrau da hierarquiae no seu chão, é impulsionado a fortificar o exercício daautoridade vertical, imediatamente superior. Nela, opoder não se encontra sob o governo de um grupodirigente, mas é a instituição como um todo que o produz,como mostrou décadas depois Michel Foucault, em Vigiare Punir. Não se trata, portanto, de substituir ou abolir ogrupo dirigente ou proprietário. O domínio da propriedadeé mais amplo do que suas instituições e ultrapassa oâmbito da mera luta de classes. Não se supera o sabersobre a doença e a cura, e tampouco uma doença social,apenas com ciência e moral anarquistas no interior dafutura sociedade igualitária.

Hoje em dia, a punição se multiplica em penalidadesa céu aberto e tem por alvo não somente os perigosos,anormais, subversivos e diferentes da sociedadedisciplinar, a serem julgados e encarcerados, mastambém as pessoas em situação de risco social ouvulneráveis ao crime. Enfim, os pobres e miseráveis desempre, para quem se destinam as novas modalidadesde penas alternativas. Com elas deixa de haver apenalização, como no passado, a partir da populaçãosuspeita e segundo as circunstâncias históricas; nesteinstante, ela se encontra ampliada e potencialmentedisponível à assistência penal preventiva, para a qual ocontrole não se exerce somente pelo procedimentoburocrático das autoridades administrativo-prisionais epelos especialistas em delinqüência e loucura. Sob o

Page 9: Poder e Anarquia - Edson Passetti

19

verve

Poder e anarquia

regime das penas alternativas, a população é convocadaa participar do próprio controle e é organizada desdeagências não-governamentais até o exercício estimuladoda delação premiada. Sob o controle a céu aberto, apopulação suspeita da sociedade disciplinar apareceincluída no fluxo da população vulnerável da sociedade decontrole, ampliando dispositivos de segurançaacompanhados de detalhadas localizações e mapeamentosde zonas de possíveis e imediatos confrontos, delimitandoas periferias e favelas (muitas vezes corretamenterenomeadas como comunidades), não mais como áreasà margem do centro, mas como uma nova versão docampo de concentração; e este não mais restrito à funçãode separar, prender ou exterminar, mas de administrar,conter e convocar à participação, segundo práticasespecíficas, como veremos adiante.

Ao anarquista bastaria permanecer crente narevolução socialista libertária? Revolução não é isso ouaquilo. Uma revolução concretiza, historicamente, umenorme conjunto de singularidades, exige e propicia aemergência de uma maioria que nem sempre énumérica e se vê disposta a agir com terror e medo,duas formas de poder repudiadas pelos própriosanarquistas. Dessa perspectiva, e sob os efeitos dahistória, a proposta de cura da doença social por Kropotkinestá ultrapassada e arruinada. Contudo, a revoluçãopermanente para um anarquista, intrínseca à vida dasassociações libertárias analisadas por Proudhon, eavessas ao fato revolucionário em si, permanece umareferência a ser lembrada nos dias de hoje, quando sepretende opor anarquismo social a anarquismo comoestilo de vida, abjurando as práticas libertáriasexpandidas desde o acontecimento 1968. Além deconsiderar tal distinção como meramente acadêmica,Proudhon relembraria que a anarquia não se resume àretórica, no ascetismo, nem a práticas futuras alheias

Page 10: Poder e Anarquia - Edson Passetti

20

122007

às invenções libertárias, mas se expande no dia-a-diadas associações. Acabar com prisões e castigos sãopráticas de revolução permanente que compõem umestilo de vida anarco-abolicionista. Noutras palavras,não é preciso tirar o mofo do anarquismo que ainda serecusa a sair do século 19, porque isto faz parte do embateentre discursos de verdades, mas combater umaeventual conduta pretensamente hegemônica naatualidade.

Reviravoltas anarquistas

Proudhon em O que é a propriedade? alertou que ocrime da propriedade (do proprietário) era o roubo dasforças coletivas, e com isso demoliu a argumentaçãojurídica universalista e burguesa sedimentada no direitoe no direito penal, em especial, que seleciona os pobrescomo os suspeitos e principais criminosos, em funçãoda defesa e da ordem da sociedade fundada napropriedade. Localizou os ilegalismos burgueses noséculo 19 e os relacionou à justiça na propriedade comoa continuidade dos proprietários e como crime de lesasociedade. De maneira contundente e certeira situou ocrime vinculado ao regime de propriedade na históriacomo um multiplicador incessante de penas aos queameaçam o poder de direito universal e de governo.Adiantou-se à sua época, anunciando a continuidadeda propriedade no comunismo, sob o regime estatal, como agravante de se pautar também no governo de umaminoria, em nome de uma maioria, como a democraciaburguesa, porém tendendo à tirania (como no fascismo,mas sem sua brevidade circunstancial), e dispondo daaplicação particular dos direitos universais comojustificativa para o Estado de exceção e o terrorismo deEstado como regra inatacável, cujo uso destina-se àconstrução da verdadeira sociedade igualitária.

Page 11: Poder e Anarquia - Edson Passetti

21

verve

Poder e anarquia

Proudhon pensou outra saída para a condição demiséria derivada da propriedade: desvencilhar-se delapela posse, e do direito penal e dos direitos universaispela vida em associações livres, por meio de direitosbilaterais singulares, móveis e transitórios estabelecidosentre os envolvidos, com ênfase na educação para aliberdade. Voltou-se para maneiras associativo-libertárias de experimentações de relações mutualistase federativas, obstruidoras também da sociedade deprivilégios, do Estado e dos diversos regimes dos direitosuniversais. Ao redimensionar a associação,6 propiciouaos anarquistas a invenção de maneiras imediatas decuidar de crianças e jovens, de seus bens e trocas, desuas existências e utopias para uma nova sociedade,deixando de crer em um fato revolucionário decisivo efundador da nova sociedade — segundo ele mesmo umacontecimento meramente restaurador da conservaçãodo poder do Estado moderno, em que a dádiva de Deusfoi substituída, temporariamente, pela dosrevolucionários. Proudhon, ao contrário, compreendea história libertária como uma revolução permanente,contra o fato revolucionário em si, como potência dasassociações livres mutualistas e federativas.

Contudo, depois dos acontecimentos em torno daAssociação Internacional dos Trabalhadores, envolvendoo embate Bakunin-Marx, os anarquistas se concentraramcada vez mais em crer no fato revolucionário. Foi dessamaneira que a resultante de uma luta histórica entreduas forças socialistas antagônicas transformou-se embatalhas teórico-práticas intermináveis, em disputa peloverdadeiro sujeito da revolução. Mesmo depois dasexperimentações ocorridas na Guerra Civil Espanhola, aluta pela revolução e a sua superação continuarampreponderantes, assim como o confronto com o marxismo.Contudo, se o acontecimento 1968 reafirmou os equívocosdo socialismo autoritário, que entraria em dissolução

Page 12: Poder e Anarquia - Edson Passetti

22

122007

definitiva vinte anos depois, também sacudiu a retóricaanarquista revolucionária de sindicalistas ecomunistas e os remeteu a retomarem outrasexperimentações, mais próximas da prática de guerrapermanente de Proudhon.

Atravessando os anarquistas proudhonianos ebakuninistas, Max Stirner havia indicado, ainda nadécada de 1840, que a revolução violenta levava àrestauração do poder de Estado; que o direito universalé a forma de obtenção de sujeições reversíveis emnovos constrangimentos; que o direito penal sesustenta no julgamento a priori de cada oponente,considerado inimigo e criminoso iminente.7 Apresença incisiva de Stirner foi minimizada ounegligenciada pelos anarquistas, mesmo depois daemergência do anarco-individualismo com ÉmileArmand no início do século 20, da mesma maneiraque Proudhon foi associado à vertente individualista,que teria sido suplantada, historicamente, peloscoletivistas. Assim acabaram prevalecendo aspropostas e influências derivadas da ação coletivistadesde Bakunin, e daí decorreu a continuidade de efeitosdos eternos confrontos com Marx e seus discípulos,desde o século 19, que confinaram a luta pelo socialismoàs pelejas entre libertários e autoritários, entreorganização descentralizadora e organização centralizadado movimento operário. Vez por outra, diante do horrorda miséria e da perseguição, aparecia um terroristalibertário, fato de difícil assimilação pelos própriosanarquistas engajados na revolução, anunciando oavesso dos limites da justiça universal, que viria a seconcretizar mais tarde na Revolução Russa dosbolchevistas.8

De Proudhon a Stirner, ou vice-versa, traçam-seoutros percursos que abolem tribunais, direito penal,prisões e asilamentos que se desviam da obra de

Page 13: Poder e Anarquia - Edson Passetti

23

verve

Poder e anarquia

Kropotkin, da oposição entre individualistas ecoletivistas. Pergunta-se: é possível uma nova reviravoltadas práticas de liberdade contra prisões e instituiçõesausteras, para potencializar a vida sem castigos, capazde questionar as renovadas normalizações na sociedadede controle? É a revolução permanente uma resistênciaem fluxo na sociedade de controle?

Sociedade de controle

Se a vida libertária depender de uma organizaçãogeral, de uma revolução e de intelectuais iluminadoresdos verdadeiros caminhos, ela se tornará uma tediosaespera embalada por uma utopia em grande partedevorada pelo socialismo autoritário do século 20, e atépor certos liberais estadunidenses amantes do quechamaram, no pós 2ª Guerra Mundial, de anarco-capitalismo.9

Os anarquistas que ainda pretendem a revoluçãouniversal precisam explicitar o que pensam sobre elanos dias de hoje, quando a produção de ponta é eletrônica,informatizada, programada, acionada em fluxos,suprimindo, rapidamente, o trabalho manual pelointelectual, e visando não mais combater resistências,mas integrá-las. Sob esta dinâmica histórica, osanarquistas estarão obrigados a equacionar a suarápida atualização, pois uma parte do marxismoreciclou o universalismo revolucionário iluminista,na passagem do século 20 para o 21, com as proposiçõesde Antonio Negri e Michael Hardt, em Império e Multidão,situando a biopolítica da multidão organizada comomaneira de constituir uma outra globalização, um outrocomum, e com isso responder à propriedade e ao Estadoburgueses, com uma nova revolução molar, agorapacífica e democrática. O que têm a dizer os anarquistas

Page 14: Poder e Anarquia - Edson Passetti

24

122007

universalistas sobre isso e para além do determinismoanarco-científico kropotkiniano, repaginado no final doséculo 20 pelo hibridismo político de Noam Chomsky oupelo requentado ecologismo social de Murray Bookchin?

Michel Foucault, escrevendo atento a uma sociedadedisciplinar em fase de ultrapassagem, e Gilles Deleuze,ao indicar a sociedade de controle — que ele preferiuchamar de sociedade de controles — que aí seconfigurava, mostraram que o revolucionarismo própriodo século 19 revestiu o terror de Estado das revoluçõesburguesas e proletárias, para entrar em processo deretração e minimização depois do acontecimento 1968.Mas a coisa não parou aí. Presenciamos, nas duas décadasseguintes, o revolucionarismo institucionalizado noEstado tragado ou acomodado à economia de mercadoglobalizada: na União Soviética com a introdução dademocracia, e na China e Coréia do Norte com asadaptações da ditadura do proletariado ao mercadocapitalista. Enquanto isso, no Ocidente, os antigos ouvelhos socialistas revolucionários de todas as idades seaninhavam na política democrático-burguesa de maneiramais ou menos ordeira e institucional, condenando oterrorismo como prática de libertação. Para além dastáticas de acomodações burocráticas, os marxistasremexidos a partir da inevitável aproximação comfilósofos como Michel Foucault e Gilles Deleuze,propiciada pelos espertos Negri & Hardt, passaram avislumbrar a iminência de retomar resistênciasuniversalistas, compostas de plurais diversidadessingulares na busca por uma outra globalização, tantoatravessando as manifestações contra as reuniões daOrganização Mundial do Comércio e suas váriascomposições, quanto fortalecendo o Fórum SocialMundial e o Europeu. No interior desses acontecimentoseles cruzam com anarquistas (que muitas vezes separeceram com os demais socialistas, confundidos no

Page 15: Poder e Anarquia - Edson Passetti

25

verve

Poder e anarquia

meio do movimento ou distinguidos dele quando deconfrontos irremediáveis com a polícia, como nasmarcantes intervenções do black block) e demais forçasde contestação, orquestrando fluxos que oscilam entrea caudalosa legitimidade à ordem e uma míngua desingularidades resistentes e libertárias. Em comumainda, marxistas e anarquistas parecem ter abandonadopráticas terroristas que ficaram restritas a movimentosreligiosos que combinam aspiração por um novo eparadoxal Estado racional-teológico.

O Estado na sociedade de controle organiza suasegurança em polícias, forças armadas de superfície,herdadas da sociedade disciplinar, e sistemas devigilância por satélites, sem desprezar serviços deinformações e delações oficiais financiadas evoluntárias. Ele passou a contar com a sociedade civilorganizada, exercendo também múltiplos controles. Comisso, acautelou-se contra a multidão e a sitiou.Transformou a empolgante organização contra aglobalização durante alguns anos (1999-2004) em umespetáculo de mídia, quando a representação do encontroentre potências ricas e suas seletivas parcerias da vezassumem o primeiro plano. Enquanto isso, os diversosagrupamentos anti e pró outra globalização entrelaçam-seem lutas por hegemonia, empurrando a organização damultidão, mais uma vez, ao modelo da sociedade secreta,da estrutura vertical, do domínio e segredo burocrático, daimobilização e sob vigilância. Foi assim que muitasassociações no interior do movimento acabaramcapturadas pelo fluxo articulador de ONGs, PPPs e OSCIPs,transfigurador de contestações em reivindicaçõessustentáveis e empregos, transformando a luta anti-globalização em complemento ao espetáculo imponenteproduzido pelas potências do Império na mídia democrática.Em seus poucos anos, estes movimentos evidenciaram,novamente, que a organização molar da resistência

Page 16: Poder e Anarquia - Edson Passetti

26

122007

esbarra em práticas seculares de domínio hierárquico,calcado na velha figura central do soberano e nosdispositivos disciplinares. Por sua vez, as resistênciashorizontalizadas também acabam, rapidamente,incluídas na sociedade de controle por meio dos fluxosde captura orquestrando empregos-empresas-ONGs, PPSe OSCIPs-governos. Em velocidade estonteante, osrevolucionários da ocasião, que já conheciam certoscaminhos traçados pelos desbravadores de 1968,acomodaram-se, com mais ou menos veemência,combinando retóricos protestos à ordem, com ocupaçãoda nova área de empregos alternativos.

Os empregos na sociedade de controle deixam deestar relacionados à produção na fábrica ou escritório,à jornada de trabalho com horas e direitos mínimostrabalhistas e sociais regulamentados, conflitos deinteresses segundo a propriedade dos meios de produção.Não se está mais no campo da relação trabalho-mercadoria, mas no fluxo emprego-produtos. Exige-se decada empregado mais de um emprego. É isto que o tornavivo numa economia instantânea que absorve e repelecom rapidez especialistas, e exige jovialidade física emental. Desta maneira, os direitos sociais conquistadose os sindicatos contestadores se tornam obsoletos paraesta economia computo-informacional. O sindicatoacabou por se transformar também em empresa querecruta empregados e onde os direitos sociais tambémsão abolidos, caracterizando-se como parte do sistemade colocações e inclusões em que os empregados sãoabsorvidos, incluídos e convidados a participar na criaçãode produtos.10 O emprego também transforma-se numprograma de cada trabalhador. É importante ter sempremais de um para não se sentir desempregado. E sob aprogramação de cada um se forma uma nova subjetividadeconformada à inclusão nos empregos e na crença naparticipação ampliada na democracia, dissolvendo a

Page 17: Poder e Anarquia - Edson Passetti

27

verve

Poder e anarquia

anterior predominância da luta de classes. Uma avalanchede trabalhadores intelectuais passa a transitar commais liberdade territorial (estatal) acompanhada delideranças de movimentos sociais de periferias,pacificando contradições em nome da correção de rotasnas injustiças históricas de onde emanaram as políticasafirmativas, garantindo acesso a empregos, segundo aestratificação por direitos de minorias. Antes de tudo,os direitos de minorias substituem os antigos direitossociais e funcionam como amortecedores de conflitos.Por isso mesmo também são inexeqüíveis.

A sociedade de controle, segundo prioridades eprogramas, também é capaz de absorver rapidamenteum infrator como controlador, um inventivo jovem emprogramador institucional, uma rebeldia em moda, umcontestador em político profissional; é a sociedade doconsenso e das incansáveis capturas, sob a forma dedispositivos de inclusão. Nela se pretende convencer atodos, e de várias maneiras, a respeito da importânciada participação democrática em quaisquer manifestaçõesda vida, não só nas ruas, avenidas e praças como tambémnas mídias e Internet: é preciso conservar-se em evidênciae com responsabilidade (ética que habita fluxos de forçassócio-políticas de direita a esquerda, de conservadoresa anarquistas, dissolvendo identidades uniformes emidentidades multiculturais). Na sociedade de controle ousociedade de governo, de vida governamentalizada, comosublinhou Michel Foucault, as conhecidas formas deobtenção de consenso político por medo, omissão, adesãoe concordância, espargem-se atingindo pela economia, acultura, e por um novo saber articulador: a ecologia. Maisuma vez, as minorias se sentem contempladas por meioda pletora de direitos inexeqüíveis e pela convocaçãogeral à participação, que emana de seus relacionamentoscom grupos organizados em função de seletivasmanifestações latentes, capturáveis pelo Estado e pelasociedade civil organizada.

Page 18: Poder e Anarquia - Edson Passetti

28

122007

Na sociedade de controle, os fluxos dissolvem aseparação entre o privado e o público por desdobramentose por interrupções, para com isso alcançar a organizaçãopacífica para a democracia, a inclusão, a vigilância, oclamor por segurança, confiança nos programas, enfim,atingir a tolerância zero — a utopia do fim das impunidades.A sociedade de controle não suporta resistências contínuase pretende dissolvê-las pelas práticas da inclusão e porampliação de penalidades, próprias dos controles jurídicos,policiais e normalizadores. Se na sociedade disciplinarhavia o sistema de recompensas reforçando o consensosobre a aplicação de punições, na sociedade de controle osfluxos de penalidades se expandem para normalizar osnormais, provocando o apreço pelos controles e abjuraçãoa qualquer desvio.

Penalidades

A sociedade de controle dissemina fluxos vigilantes desegurança que vão desde o domínio das forças quecombatem os suplícios privados nas famílias até os quedefendem abertamente a pena de morte. Nela sejustificam os direitos de causar a morte e de causar avida, procedentes da sociedade de soberania e da sociedadedisciplinar, por meio da convocação à participação. Eassim cada um é convocado a participar da penalizaçãoalternativa, da justiça restaurativa e das váriascombinações ainda a serem criadas, sem que o sistemapenal abdique dos aprisionamentos. A sociedade decontrole expõe ao olhar de todos e à vigilânciainterminável, não só os infratores e delinqüentes, dentroe fora da prisão, mas cidadãos nas ruas, em ambientesde trabalho, no lazer e no comércio, as populações dasperiferias (favelas ou comunidades) e, neste caso,identificados como setores vulneráveis,11 para garantir adefesa de setores abastados que também se encontram

Page 19: Poder e Anarquia - Edson Passetti

29

verve

Poder e anarquia

estreitamente vigiados. É a sociedade do controle (dosgovernos) a céu aberto, que atua, estratificadamente,sobre os diferentes, anormais, subversivos, delinqüentese perigosos da sociedade disciplinar, para os quais, nopassado, se recomendavam e exigiam prisões com celasindividuais, religião e trabalho. Hoje, sob a condição devulnerabilidades, qualquer pobre, como uma futuraameaça à ordem, necessita de investigação sobre suaformação para que não venha a se tornar o inevitávelcriminoso ou a potencial vítima propícia, o vagabundo, oarruaceiro, o traficante, o amedrontador do bom cidadão.Ele passa a ser alvo do investimento em inclusão pormeio da instalação de equipamentos sociais, educaçãoeletrônica e estímulo à participação, na melhoria decondições de existências na própria comunidade. Acomunidade, ou periferia, passa a ser o programa a seraplicado com sucesso, como o reparador das condiçõesde misérias históricas.

Nesta sociedade não se pretende apenas atransparência panóptica da disciplina para localizar oscorpos que desacatam e deles se precaver. Ainvisibilidade do panoptismo vincula-se à transparênciade governo político sobre o invisível, nos moldes deRousseau, de sociedade visível e legível a cada uma desuas partes em que o vigia é um companheiro.12 É destaampla proteção que a sociedade de controle necessitapara se sentir segura, confiante e tolerante parareformar as instituições da sociedade disciplinar epreparar a emergência de suas próprias instituições.Ela anula, quando não absorve, tanto as possíveisrevoluções molares quanto as moleculares; incentivae convoca à participação democrática para imobilizarresistências libertadoras e liberadoras; ofereceintegrações, benefícios, atrativos de segurança, opõe etransforma inimigos em adversários e vice-versa,segundo as pragmáticas conveniências. Atua por meios

Page 20: Poder e Anarquia - Edson Passetti

30

122007

eletrônicos, programáticos e midiáticos, exercitando ocontrole contínuo e a comunicação instantânea, fortalecendoa crença na punição e no combate à impunidade; difundea crença na justiça universal contra ricos e pobres,colarinhos brancos, narcotraficantes, menores e jovensdelinqüentes, como se isso fosse possível e passível desuperação definitiva. A seletividade do sistema penalse vê reformada por meio da combinação da instauraçãode tribunais locais, nacionais e internacionais, comatuação dos representantes das populações. Tudo entranum processo de reformas inconclusas, emaperfeiçoamento: a justiça, a administração, o governocentral, a família, a religião, o cotidiano. A utopia dasociedade é a da vida pacificada nos tribunais pelapropagação de controles de condutas penais, levando àcrença que qualquer um pode ser suspeito e qualquerlinha de fuga tem por destino outro tribunal.

A sociedade de controle pretende ir mais longe eacabar com a revolução como acontecimento e fato. Issoforçou, como vimos, a uma nova compreensãodemocrática dos marxistas, ao usarem de maneiraredimensionada e asséptica as análises de Foucault eDeleuze (quem sempre se declarou marxista) comoexplicitaram Hardt & Negri. Mas não só. Apareceram aspropostas de redimensionamentos entre os liberaispartidários da junção Foucault-Hannah Arendt, ou dadobradinha de fundo jurídico-político entre Deleuze eGiorgio Agamben. Nesse fluxo, ora resistente, oramoderado, capturam-se pensamentos insurgentes pormeio de moderações assimiláveis à época conformista,legitimando fluxos moderados que vão dos conservadoresaos socialistas, passando pelos liberais sociais. Asociedade de controle não suporta a revolução como fato,a revolução permanente proudhoniana e tampouco astirneriana associação de únicos, atualizada por HakimBey como TAZ (zona autônoma temportária), ou até

Page 21: Poder e Anarquia - Edson Passetti

31

verve

Poder e anarquia

mesmo a parceria nociva de anarquistas com Foucault,Deleuze e o abolicionismo penal anarquista.13 Asociedade de controle se interessa por outro fluxoverdadeiro, seu simulacro, composto pelos encenadoresrevolucionários e inofensivos retóricos que colaborama seu modo para o fluxo de contenção que os docilizam eapaziguam. Firme neste propósito, ela administra osrevolucionários reciclados, fortalecidos em seu interiorpelo discurso democrático, e se abre para o embatedefinitivo entre democracia e ditadura, no qual, atéagora, cabe aos democratas neoliberais a condução dotimão civilizatório em direção ao porto seguro. Esta é asociedade dos conservadores moderados, articulados emfluxos que atraem empresas e seus empregados, ONGs,PPPs e OSCIPs e governos trans-territorializados. Nela,em pouco tempo, as afinidades anarquistas tendem ase transformar em pluralismos, e as aproximaçõestáticas com marxistas e liberais sociais tornam-se maisrelevantes do que a franqueza amistosa na diversidadelibertária. Acabam incorporados e incluídos aosmarxistas; estes, por sua vez, colaboram na captura dosanarquistas, para lhes destinar uma posição subalterna,como no passado fizeram os bolchevistas com NestorMahkno e o exército ucraniano na Revolução Russa, atéimobilizá-los democraticamente.

Na sociedade de controle abundam direitos de mino-rias e as múltiplas composições em maioria, Estados,união de Estados e tribunais, em função dos deveres,do julgamento e da saúde do planeta. Prescinde-se departidos e sindicatos em benefício das minoriasempregadas em ONGs e similares próximas ao Estado.As biopolíticas de Estado, como sublinhava Foucault,próprias da sociedade disciplinar interessada emproduzir o corpo saudável e obediente para o trabalho,deixam de preponderar. A sociedade se interessa pelavida do planeta, a saúde ambiental e da pessoa saudável e

Page 22: Poder e Anarquia - Edson Passetti

32

122007

produtiva em seu interior, nos agrupamentos e nos povosarquivados em mapotecas eletrônicas precavidas doscartógrafos e de suas liberdades para lidar com mapas,articulando perigosas linhas de fuga. A sociedade decontrole é a sociedade dos empregos. Ela não suportaderivas, e procura preservar seus catálogos e bancos dedados, que combinam infinitesimais procedências sócio-econômicas, nanotecnológicas, bio-químicas, físicas,econômicas, pensamentos, memórias, imagens,instantâneas imagens, sondagens, compondo umadiversidade de armazenamentos de informações sobremáquinas de guerra e suas capturas, linhas de fuga,resistências.

Está em questão preservar o planeta e seus trajetospelo universo. Era da ecopolítica — do controle do corpo-planeta —, de resguardar os santuários ambientais erestaurar a natureza com suas pessoas e qualidade de vida.Para tal, é preciso vigiar com segurança, usandodispositivos eletrônicos estatais e particulares, e recuperaruma educação religiosa que nos livre das desgraçascometidas ao planeta, no passado, e nos conforte norenascimento. É preciso esquecer quem o dilapidou e fazercom que cada cidadão cumpra sua parte na conservação,restauração e preservação de santuários ecológicos. Requera ampliação de punições e a tolerância aos protocolosestatais-empresariais de renovação do planeta com adesãoà utopia do fim das impunidades e na participação nademocracia universal. É preciso uma sociedade com moral.Exigem-se condutas irrepreensíveis: é preciso dar fim aoque possa trazer desassossego; pacificar minorias radicaiscom direitos, integrações e políticas afirmativas; levar cadaum a aprender a cultivar o controle de si (governo docomedimento) e cuidar dos outros (combate aosdesgovernos), para melhor viver na sociedade e dedicar aalma e consciência ao bom pastor; reconhecer e necessitarde religião e auto-ajuda para a saúde e produtividade,

Page 23: Poder e Anarquia - Edson Passetti

33

verve

Poder e anarquia

colaborando para renovar democraticamente asinstituições, inclusive as instituições austeras. Nestasociedade não bastam mais cuidados com o corpo dapopulação dócil, como na sociedade disciplinar; agora, épreciso zelar pelas almas dos corpos saudáveis, governar oinvisível e ao mesmo tempo guerrear bactérias ou guerrearcom bactérias, admirar a devoção religiosa e a dádiva deDeus, Jesus, Jeová, Alá, amparando os sistemaseletrônicos. É punindo mais e regularmente cada pequenainfração, e cada comportamento suspeito, que se chegaráà perfeição e se refará o planeta perdido. Trata-se darepaginação do paraíso, desta vez com capitalismo,democracia, religiões e múltiplas penalidades, que vão dajustiça jurídica sustentada no juiz, promotor e advogado,com a colaboração das ciências humanas, à democratizadajustiça restaurativa levada até sua morada. Nela, aspessoas comuns (os cidadãos) são convocadas a julgar, mastambém estimuladas a denunciar e a delatar os suspeitos.Por isso mesmo não se está mais no limite da existênciado campo de concentração jurídico-político, comosublinhavam Hannah Arendt e Giorgio Agamben, no estadode exceção delimitado por Carl Schmitt, ou até nasconhecidas formas de exploração escravocrata do campode concentração do socialismo soviético.14 Agora todos (ospobres habitantes das periferias ou favelas-comunidades)são chamados a participar de julgamentos em parceria(pela ampliação do raio de ação não só da justiçarestaurativa), colaborando com sua responsabilidade decidadão, defendendo sentenciamentos mínimos, máximos,perpétuos e até penas de morte, atuando para colaborarcom a ordem das penalidades a céu aberto (como liberdadeassistida, regulação eletrônica, sistemas de semi-encarceramentos, etc). Mais uma vez, religião e puniçãolaica, pela invisibilidade imediata dos espíritos formam oduplo capaz de articular a normalização do normal com asciências, tecendo as regras e as respectivas habilitações

Page 24: Poder e Anarquia - Edson Passetti

34

122007

para se destacarem na vida da sociedade de controle.Pretende-se consolidar qualidade de vida com devoção,obediência e participação pela captura. Seu reversochama-se terrorismo trans-territorial, inauguradomidiaticamente com a ação da al-Qaeda, em 11 desetembro de 2001. Sociedade de controle: era damoderação e dos moderados! Até os terroristas nãoquerem mais do que Estado com religião!

A sociedade de controle está até agora composta porsociabilidades em fluxos que funcionam pela capturados saudáveis, extermínio dos epidêmicos e isolamen-to das resistências ativas. Ela é capaz de fazer da má-quina de guerra um constante exército da ordem quevai dos soldados aos mercenários e aos sicários.

O problema a mais do anarquista

A sociedade de controle de fluxos eletrônicos e efeti-vamente transparentes facilita a expansão da cruzadareligiosa que captura populações: de um lado, estão osocidentais voltados para o ecumenismo, de outro lado,os orientais fundamentalistas e, de ambos os lados, en-contram-se os defensores do anti-fundamentalismo, emnome da convivência democrática entre religiões e doconsenso sobre o fim das impunidades. No meio dissotudo, um novo terrorismo programático e moderado.

Se na sociedade de soberania se exercia o direito dosoberano de matar ou deixar viver, na sociedade disci-plinar emergiu a era do direito de causar a vida ou dei-xar morrer, conjugando relações hierarquizadas de po-der de soberania pessoal e intransferível, e de poderimpessoal e móvel. Na sociedade atual também não sesuprimiram os controles anteriores, mas ampliaram-se em função da segurança. Introduziu-se uma dimen-são até então inimaginável ao cidadão, a da participa-

Page 25: Poder e Anarquia - Edson Passetti

35

verve

Poder e anarquia

ção nas decisões sobre a vida do planeta e em sua res-tauração, traduzidas em apoio às novas representaçõessobre os julgamentos e sentenças negociadas em tribu-nais. A cada um, desde a criança até o cidadão, cabecumprir sua parte nos cuidados, zelos e tolerâncias commínimas condutas e protocolos internacionais, em fun-ção da defesa da continuidade da vida na Terra e de suaprojeção no universo, não mais compreendido enquan-to infinitude, mas em expansão. É assim que cada umparticipa da ecopolítica, voltado para a Terra, o sistemasolar, a galáxia e definitivamente o universo em expan-são.15 Vida dos direitos em expansão, modificáveis, des-dobráveis, infinitesimais e infinitos, mas também ine-xeqüíveis. Vida sob os cuidados da ecopolítica transna-cional, que suplanta a anterior fase da biopolíticanacional.

O direito à sociedade igualitária, justa e livre, pormeio da revolução defendida por anarquistas e comu-nistas, agora se transforma em meta contornada pelamoderação democrática exercida pelos programas ele-trônicos — dos econômicos aos assistenciais —, parla-mentos nacionais e internacionais, mídias e ecologia,fiscalizados e fiscalizando indivíduos, empresas e Esta-dos em trânsito, e sendo vigiados por indivíduos, empre-sas e Estados transnacionais globalizados. Deseja-se nasociedade de controle a certeza de contribuir com mo-deração para o inacabado e crer que isso depende demim até o desdobramento infinito. Sob uma expectativade colaboração tamanha, não cabem tolerâncias com quais-quer infrações; elas dizem respeito apenas a comporta-mentos regráveis e organizados em uniformidades, comoconfirmação do direito de domínio do superior que seleci-ona o outro tolerável. Somente cabem tolerâncias, segundopráticas de adesão.16 Este, mais uma vez, é o centro damoderação, recomendada desde Aléxis de Tocqueville. Epor mais incrível que possa parecer — nesta época dos

Page 26: Poder e Anarquia - Edson Passetti

36

122007

terrorismos contra-Estados, em nome de deuses, seusnovos Estados, ameaças constantes à governamentaliza-ção geral e à universalização da democracia — até o ter-rorismo inclui!

No passado das sociedades de soberania e de discipli-na, as pessoas estavam expostas como súditos para avida e a morte; na sociedade de controle só interessa avida com longevidade, para o planeta e as pessoas sau-dáveis que colaboram para a segurança da ordem pla-netária. Não se causa a morte ou se deixa morrer, masse explicita a administração da mortificação, com in-clusão. De que maneira? Os direitos chegam às mino-rias e atingem o interior dos interceptados e dos aprisi-onados: os loucos passam a ter direito a serem loucos; aloucura deixa o asilo e se multiplica em postos de aten-dimento, ainda que permaneça sendo uma doença a sermedicada; os prisioneiros vivem semi-internações, li-berdades vigiadas, e no interior das cadeias passam ater direito a amar, a ter família, sexo, direitos huma-nos, religião, até a prisão, paradoxalmente, transformar-se em lugar de sociabilidade de sem-tetos que vivem li-vres. A prisão também inclui, quando não mata, silenciadefinitivamente ou se transforma em empresa.17

Mundo dos direitos: a ser negro, índio, mulher, menor,homossexual, deficiente, louco, preso, com muitos outrosdireitos a participar obrigatoriamente desta sociedadecomposta de indivíduos desdobrados, divíduos. A sociedadede controle não só inclui, como rearticula o discurso daexclusão — tão pertinente à sociedade disciplinar, e quegirou em função da obtenção de direitos ao trabalho, aosexo, à educação etc. — aos diversos fluxos quedeságuam em políticas afirmativas, declarações sobretolerâncias e disseminação da noção de coexistência,gerando fusões uniformizadoras, que contornam as

Page 27: Poder e Anarquia - Edson Passetti

37

verve

Poder e anarquia

diferenças estratificadas para uniformizá-las,conservadoramente, pelo viés liberal ou socialista.

A política da democracia da diferença não estáinteressada em singularidades. É a maneira de regrardireitos constituindo zonas de tolerâncias atravessadaspor fluxos de coexistências e indulgências,perpetuadores de desigualdades não resolvidas noâmbito jurídico-político, e multiplicadoras de misériassócio-econômicas. Políticas de tolerância sustentam-se na crença na democracia e no tribunal como lugardefinitivo do amor à obediência. Recriam a piedade pelamultiplicidade de acessos em fluxos de obtenção dedireitos e se propõem a estancar os movimentos ouatraí-los em fluxos institucionais. Os chamadosmovimentos sociais, por sua vez, sabem que nãosobrevivem sem uma relação institucional e por isso,atuam com pouco discernimento a respeito de suacapacidade de gerar descontinuidades e potencializarsingularidades. Acabam capturados em breve tempo.Mesmo quando se pretendiam inventivos e propensosa políticas menores,18 terminam como agentesdemocráticos da ordem e das penas. Este é um instantede tomada de decisão para os anarquistas.

Diante da continuidade de prisões, crenças no fimdas impunidades, desdobramentos religiosossimultâneos em ecumenismos e fundamentalismos,capturas de resistências pela participação democráticana vida eletrônica de comunicação instantânea,moderada, inacabada e de controle contínuo, cujo alvoé o corpo-planeta — a ecopolítica —, como responder auma cara questão anarquista: e a educação para a vidalivre?

Para o anarquista, é irreversível desvencilhar-se dasinterpretações acabadas. Cabe-lhe voltar onde não erapossível a resposta definitiva para a revolução. E, dali,

Page 28: Poder e Anarquia - Edson Passetti

38

122007

lidar com acuidade, apoiado nas análises libertárias, semperder a intempestividade; livrar-se da transcendênciapara aprender a conviver com pensadores nocivos à ordeme aos que abalam doutrinas.

O abolicionismo penal, na pegada anarquista, afasta-se dos efeitos positivistas em Kropotkin, revigorando oquerer liberdade. Sabe que é impossível desejar o fim dasinfrações dentro de qualquer prazo ou sociedade. Para umlibertário elas não deixarão de habitar insurgências, poisé aí que a vida recomeça e é inventada. Todavia, lidarlibertariamente com estas insurreições é o que se esperade anarquistas que não distinguem preso comum de presopolítico e que convivem com a criança como potência deliberdade — jamais propriedades dos próprios pais ou doEstado. Alguns sonham com a revolução que tirará,também, os anarquistas da prisão, e enquanto issoescrevem-lhes cartas e prestam solidariedades familiares.Essas coisas são pequenas, porém inevitáveis eurgentes. Contudo, são insuficientes. Estão propensasà grandiosidade das boas consciências à transcendênciahumanista, mas, involuntariamente, embalam-se nohinário conformista.

Vivemos um tempo em que prepondera o inacabado;em que os prisioneiros organizados preferem transformara prisão em Estado e empresa (Comando Vermelho,Partido do Primeiro Comando da Capital), em vez deprovocar sua demolição. Era dos negócios, diplomaciase da prisão como lugar de sociabilidades, de integraçãode cidadãos miseráveis livres por meio de visitas, sexo,casamentos, e empreendimentos. Diante de tantosnegócios, de perdedores radicais,19 normais normalizados,moderados e de espetáculos de liberdade, abolir a prisão,antes de qualquer coisa, é uma ação que começa coma abolição do castigo em si mesmo e impedimento deencarceramentos — já!

Page 29: Poder e Anarquia - Edson Passetti

39

verve

Poder e anarquia

Não há anarquia social que não comece com a pessoa.Ela não se inicia com o acesso à doutrina, com ointercessor de consciências, com o olhar para o horizonte.(Lá na imensidão o que se imagina ver pode ser apenasum simulacro de horizonte.) Castigo, prisão e pena nãosão coisas que mudam com a retórica, sustentando umamudança moral. Escoram-se, modernamente, emdireitos universais, prevenção geral, defesa da sociedadee, sob o capitalismo ou socialismo, ditadura oudemocracia, reproduzem uma justiça de minoria elevadaà condição de maioria jurídico-política ou político-social.

Diante deste fluxo eletrônico que configura e re-configura a sociedade de controle, a todo momento, oque mais surpreende é o efeito da pletora de direitosque funcionam para incluir minorias contestadoras emuma institucionalidade conservadora moderada. Nasperiferias ou comunidades, assumem, aos poucos, oprimeiro plano do controle não repressivo as liderançasminoritárias organizadas em elites, segundo ainstitucionalidade da sociedade de controle. Enfim,democratizou-se a elite também, em favor de umainstitucionalização elitista do conflito democrático.Regradas por políticas afirmativas, e dispositivos decaptura, as periferias passam a funcionar como camposde concentração com controle próprio. Se a sociedadedisciplinar recrutava policiais entre a população suspeitapara reprimir a sua parte ruim, e no limite a confinavatemporariamente em campos de concentração, a sociedadede controle promoveu nova normalização criandocondições para o auto-governo dos assujeitados. O mundomudou, as periferias também. Mas sem dúvida algumanão são apenas elas que se governam pela matriz docampo de concentração. As periferias são o lado sombriodos condomínios, dos empreendimentos fechados, dossuntuosos balneários. O campo de concentração deixoude ser um lugar de prender os diferentes insuportáveis,

Page 30: Poder e Anarquia - Edson Passetti

40

122007

criminosos e os subversivos. Deixou de ser um espaçocircunstancial para poupar populações estrangeiras emsituação de guerra. Não é mais lugar de exploração pelotrabalho obrigatório e escravo, como no socialismoautoritário. É também espaço para um estilo de vidamoderado e conservador que abarca a periferia e seuentorno socialmente heterogêneo. Mas, como todo campode concentração, a qualquer momento pode passar a sercampo de extermínio.

A ordem ainda sabe que sua perpetuação precisa dareforma constante dos costumes. Seus políticos,empresários, intelectuais e agentes de governo lêemMaquiavel. Os anarquistas também sabem queinventando costumes libertários se educam crianças ejovens livres. Eles lêem Etienne de La Boétie, jovemlibertário autor do mesmo século XVI em que viveu oitaliano gramático do poder. Há um confronto inevitávelentre estilos de vida do qual nenhum embaterevolucionário social consegue dar conta.

Permanece o inacabado, como a anarquia e osanarquismos. Eles são fluxos de resistências na sociedadede controle. Mais do que isso, são linhas de fuga, máquinasde guerra que não podem temer que é preciso deixar estasociedade morrer. Desde a modernidade, a sociedade (desoberania, disciplinar e agora de controle) não deixa deproduzir acoplamentos e incluir (a comunidade, os povosameríndios e etnias descobertas), em nome de suacontinuidade e da humanidade. Porém, a sociedade e ahumanidade, a cada tentativa de equacionamento esuperação (feudalismo por capitalismo e este porsocialismo), combinam e repõem governos do Estado paraa sociedade, e desta para o Estado. Não basta somentequerer a morte do Estado, sua abolição etc, e tal; é precisodeixar a sociedade morrer. Para isso é preciso também deixarde ser humanista e não colocar nada em seu lugar. Se oanarquista sempre soube, desde Proudhon, que nada é

Page 31: Poder e Anarquia - Edson Passetti

41

verve

Poder e anarquia

eterno e muito menos contínuo, não há porque esperarpor uma sociedade igualitária no futuro. É preciso acabarcom ela já! Esta é uma obra de destruição!

O que esperamos na ágora reunidos?

É que os bárbaros chegam hoje

...

Porque é já noite, os bárbaros não vêm

e gente recém-chegada das fronteiras

diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros, o que será de nós?

Ah! Eles eram uma solução.

Konstantinos Kaváfis

Notas1 Cf. Piotr Alexeyevich Kropotkin. Russian and french prisons. Londres, Ward anDowney, 1887. Kropotkin, de maneira positivista chega a elogiar Pinel como olibertador dos loucos.2 Nesta época os anarquistas criaram a associação Cruz Negra Anarquista, paratornar públicas as práticas de repressão e aniquilamento dos bolchevistas contraeles. Cf. Acácio Augusto. “Os anarquistas e as prisões: notícias de um embatehistórico”, in Verve. São Paulo, Nu-Sol, 2006, v. 9, pp. 129-141.3 Cf. Loïc Wacquant. As prisões da miséria. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro,Jorge Zahar Editor, 2003.4 Cf. Michel Foucault. Securité, population, territoire. Paris, Gallimard/Seuil, 2004; eNaissance de la biopolitique. Paris, Gallimard/Seuil, 2004.5 Cf. Pierre-Joseph Proudhon. De la capacité politique des classes ouvrières. Paris,Marcel Rivière, 1924.6 Cf. Pierre-Joseph Proudhon. “Sobre o princípio da associação”, in Verve. SãoPaulo, Nu-Sol, 2007, v. 11, pp. 44-74.

Page 32: Poder e Anarquia - Edson Passetti

42

122007

7 Cf. Max Stirner. O único e a sua propriedade. Tradução de João Barrento, Lisboa,Antígona, 2004.8 Cf. Jean Maitron. “Émile Henry, o Benjamin da anarquia”, in Verve. São Paulo:Nu-Sol, v. 7, 2005, pp. 11-41.9 Cf. Edson Passetti. “Pensamento libertário, terrorismos e tolerância”. Lisboa,Coleção Papers, 2007, 25 fls. http://pascal.iseg.utl.pt/~socius/publicacoes/wp/wp200702.pdf. Edson Passetti e Salete Oliveira (orgs.). Terrorismos. São Paulo,Educ, 2006.10 Ver em especial, Richard Sennett. A cultura do novo capitalismo. Tradução de ClóvisMarques. Rio de Janeiro, Record, 2006.11 Cf. Edson Lopes da Silva Junior. Política e segurança pública, uma vontade de sujeição.São Paulo, PUC-SP, dissertação de mestrado, 2007.12 Cf. Michel Foucault. “O olho do poder”. In Microfísica do poder. Organização etradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro, Graal, 1979, pp. 209-227.13 Cf. Edson Passetti e Salete Oliveira “Foucault e o libertarismo”, Campinas,Unicamp, v.3 (dezembro/2006- março/2007), 14 fls. http://www.unicamp.br/~aulas/pdf3/32.pdf . Cf. Daniel Colson. Petit léxique philosophique de l’anarchisme.De Proudhon à Deleuze. Paris, Le Livre de Poche, 2001; Salvo Vaccaro. “Foucault eo anarquismo”, São Paulo, EDUC, in Revista Margem, v. 5, pp. 157-170 e ToddMay. “Pós-estruturalismo e anarquismo”, Idem, idem, pp. 171-186.14 Cf. Giorgio Agamben. Hommo Saccer. O poder soberano e a vida nua. Tradução deHenrique Burigo. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2004; Carl Schmitt. Teologiapolítica. Tradução de Elisete Antoniuk. Belo Horizonte, Del Rey, 2006.15 Cf. Ana Lucia Godoy Pinheiro. A menor das ecologias.... São Paulo, PUC-SP,doutorado em Ciências Sociais, 2004; EDUSP (no prelo).16 Cf. Salete Oliveira. “A grandiloqüência da tolerância, direitos e alguns exercíciosordinários”, in Verve. São Paulo, Nu-Sol, 2005, v. 8, pp. 276-289; e “Tolerância econquista, alguns itinerários na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, inVerve. São Paulo, Nu-Sol, 2006, v. 9, pp 150-167.17 Cf. Edson Passetti. “Ensaio sobre um abolicionismo penal”, in Verve. São Paulo,Nu-Sol, 2006, v. 9, pp. 83-114.18 Cf. Edson Passetti. Éticas dos amigos, invenções libertárias da vida. São Paulo, Imagi-nário, 2003. Mauricio Lazzaratto. Por una política menor. Madrid, Traficantes deSueños, 2006. Michel Onfray. A política do rebelde. Tradução de Mauro Pinheiro. Riode Janeiro, Rocco, 2001.19 Sobre perdedores radicais agrupados como os terroristas recentes ou individua-lizados como serial killers e outros, conferir Hans Magnus Enzensberger. El perdedorradical. Barcelona, Anagrama, 2007.

Page 33: Poder e Anarquia - Edson Passetti

43

verve

Poder e anarquia

RESUMO

Análise de efeitos, histórico-políticos, do conservadorismo

moderado, subjacente à proliferação de direitos inexeqüíveis; ao

deslocamento do gerenciamento das “políticas públicas” do Estado

para as ong’s; à captura de resistências pela participação

democrática em fluxos de controle e ao redimensionamento do campo

de concentração. Diante da exposição dos desdobramentos de

programas de segurança coloca, simultaneamente, um problema

para a atualidade anarquista ao afirmar a urgência da abolição do

castigo e da moral que sustentam o equilíbrio dos medos e das

sujeições.

Palavras-chave: Sociedade de controle, prisão, anarquia

ABSTRACT

Analysis of the historical-political effects of the moderated

conservatism under the proliferation of non-enforceable rights, the

shift from public policies’ management from the state to NGOs, the

seizure of resistances through democratic participation in fluxes

of control, and the new dimensions of the concentration camp. In

the presence of the developments of security programs, a problem

for the actuality of anarchism is presented, when it affirms the

urgency in the abolition of punishment and moral, which sustain

the balance of fears and subjections.

Keywords: sociery of control, prison, anarchy.

Recebido para publicação em 5 de março de 2007. Confirmado em

4 de junho de 2007.