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Sociologia para jovens do século xxi 3ª edição

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visualizações Livro didático de SOCIOLOGIA voltado para os estudantes do Ensino Médio, agora em sua terceira edição, finalizada em 2013 e publicada em 2014.

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  • 1. V I S I T E N O S S O S I T E : www.imperiallivros.com.br Copyright Luiz Fernandes de Oliveira e Ricardo Cesar Rocha da Costa, 2010. Os contedos apresentados nesta obra so de responsabilidade exclusiva dos autores. CIP Brasil. Catalogao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. O48s Oliveira, Luiz Fernandes de, 1968- 3. ed. Sociologia para jovens do sculo XXI, Luiz Fernandes de Oliveira e Ricardo Cesar Rocha da Costa. 3.ed. Rio de Janeiro : Imperial Novo Milnio, 2013. 400p. : il. ; 28 cm. Inclui bibliografia e ndice ISBN: 978-85-99868-98-0 1. Sociologia - Estudo e ensino (Ensino Mdio). I. Costa, Ricardo Cesar Rocha da, 1960-. II. Ttulo. CDD 301 13-02139. CDU 316 Todos os direitos reservados e protegidos por Imperial Novo Milnio Grfica e Editora Ltda., pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Proibida a reproduo parcial ou integral por quaisquer meios mecnicos, xerogrficos, fotogrficos etc., sem a permisso por escrito da editora. diretoria executiva Susi Sert superintendncia Hamilton Tadeu dos Santos produo editorial Ndia Megale Susi Sert pesquisa de imagens Luiz Fernandes de Oliveira Ricardo Costa reviso tcnica Andra Osrio Flvio Sarandy capa e ilustraes Vanderlei Sadrack diagramao Wellington Lopes editorao eletrnica ArtePlus Design cartografia Fernando Brame tirinhas Fernando Beck Carlos Ruas charges Angeli Carlos Ruas Dalcio Diego Felipe Glauco Kayser Laerte Latuff Mrcio Malta (Nico) Miguel Paiva Novaes Waldez Will Leite controle de processos editoriais Iraci Lorenzon assistncia comercial Delfina Cerqueira expedio Umbelino Jos IMPERIAL NOVO MILNIO GRFICA E EDITORA LTDA. Rua S Freire, 36 parte So Cristvo CEP 20930-430 RJ Brasil Tel. (21) 2580-1168Fax (21) 3860-2285 [email protected]

2. Apresentao LuizFernandes Certa vez, um grande socilogo francs, chamado Pierre Bourdieu, disse que a Sociologia um esporte de combate. Como assim? Ele era um intelectual que gostava de debater suas ideias, sempre pronto para defend-las em meio a diferentes pblicos. A ideia de esporte de combate significava, para Bourdieu, que a Sociologia deveria fazer com que as pessoas entendessem as origens das desigualdades e das violncias de diversos tipos. Mas isto no bastava: devia-se reagir, buscando uma sada. Este livro de Sociologia est imbudo desse esprito. Abrir um dilogo com um grande pblico os jovens brasileiros do sculo XXI e buscar outra viso alm do que chamamos de senso comum, ou seja, precisamos compreender e superar as ideias que se baseiam na aparncia das coisas, sem uma reflexo mais apurada. Para ns, os autores, a Sociologia tem como princpio dar conta de duas tarefas que julgamos fundamentais: problematizar as opinies que predominam no senso comum e, ao mesmo tempo, desnaturalizar a realidade social. Isto significa que as ideias sobre a vida social dos indivduos devem ser pensadas a partir de um estudo criterioso, com base cientfica. Todos ns, em geral, temos as opinies mais diversas sobre a vida em sociedade, sobre as relaes entre as pessoas, as instituies, a cultura, a economia, a poltica etc. Mas ser que somente as opinies das pessoas, sem um estudo minimamente criterioso, refletem a realidade das coisas, das pessoas e das instituies? Como dizia o poeta e dramaturgo alemo Bertold Brecht: nada deve parecer natural. 3. Este livro apresenta diversos temas, conceitos e teorias estudados e pesquisados pela Sociologia. Queremos apresentar aos jovens contedos que construam um saber crtico, dinmico e problematizador das noes do senso comum. Crtico, porque visa insero consciente dos jovens no mundo sua volta; dinmico, por incentivar a participao poltica e social consciente na realidade social brasileira; e, por fim, problematizador, por questionar os discursos naturalizadores de uma realidade social marcada por profundos problemas ticos, sociais e econmicos. Mas este livro no trabalha s com a Sociologia enquanto cincia, pois a vida em sociedade influenciada tambm pela compreenso de ideias e fatos estudados por vrias reas do conhecimento. Por isso, dialogamos sempre com outras disciplinas, com o objetivo de entendermos melhor os diversos temas abordados. Os captulos do livro comeam com a apresentao de fatos e ideias da vida cotidiana. Os conceitos sociolgicos so introduzidos e aprofundados a partir de uma problematizao inicial de como esses fatos e ideias so formulados no nvel do senso comum. So tambm utilizados tabelas, grficos, mapas, ilustraes e imagens que estimulam uma reflexo crtica do estudante sobre os temas discutidos. Ao final de cada captulo, so listadas questes que possam sintetizar e sistematizar o assunto em debate, propostas de dinmica para o trabalho em sala de aula, propostas de pesquisas e de outras leituras de livros, uma filmografia, uma relao de sites e a indicao de letras de msicas que possam contribuir para a reflexo sobre o tema desenvolvido. Os contedos do livro tm como base as principais elaboraes tericas da Sociologia contempornea, desde os autores considerados fundadores da disciplina at os nacionais e internacionais da atualidade. Desejamos construir com vocs, professor(a) e estudante, uma profunda e longa parceria, tendo como ponto de partida as discusses que apresentamos e propomos desenvolver neste livro, referentes s vrias questes da realidade social que nos cerca e de interesse dos jovens. Os autores 4. Sumrio UNIDADE 1 Sociedade e Conhecimento Sociolgico CAPTULO 1 - Sociologia: dialogando com voc ............................................. 12 Cincias Sociais e Cincias da Natureza ................................................................................... 13 E quando alguns adultos dizem que os jovens no se interessam por essas discusses?....... 17 Vamos tirar algumas dvidas? O senso comum e a Sociologia................................................. 18 Interdisciplinaridade ................................................................................................................... 20 Interatividade ............................................................................................................................. 21 CAPTULO 2 - Quem sabe faz a hora e no espera acontecer? A socializao dos indivduos ....................................................................................... 25 A Sociologia como cincia da sociedade ................................................................................... 27 necessrio mudar o mundo .................................................................................................... 30 A sociedade est na cabea de cada pessoa............................................................................. 32 S fazemos o que faz sentido..................................................................................................... 36 Asocializao e voc.................................................................................................................. 38 Interdisciplinaridade ................................................................................................................... 40 Interatividade.............................................................................................................................. 41 CAPTULO 3 - O que se v mais, o jogo ou o jogador? Indivduos e Instituies Sociais ................................................................................. 44 Definindo os termos da conversa............................................................................................... 45 Papai, mame, titia e os outros... ..................................................................................... 48 Meus colegas, minha turma, meus professores... ..................................................................... 49 Meu padre, meu pastor, minha me de santo, os adeptos... ..................................................... 52 O poltico, o juiz, o funcionrio e o povo... ................................................................................. 53 As empresas, as associaes e o esporte ................................................................................ 57 Interdisciplinaridade ................................................................................................................... 59 Interatividade ............................................................................................................................. 60 CAPTULO 4 - Torre de Babel: culturas e sociedades ............................ 63 Cultura no senso comum ........................................................................................................... 63 Cultura como representao da realidade ................................................................................. 64 Cultura e o significado antropolgico ......................................................................................... 66 A Babel da cultura ...................................................................................................................... 68 Interdisciplinaridade ................................................................................................................... 70 Interatividade ............................................................................................................................. 71 5. CAPTULO 5 - Sejam realistas: exijam o impossvel! Identidades sociais e culturais .................................................................................... 75 Identidade: o que ? .................................................................................................................. 76 1968: os jovens comandam uma revoluo poltica e social ..................................... 77 Identidade no debate da Sociologia .......................................................................................... 78 Identidades sociais ontem e hoje .............................................................................................. 80 Voltando aos jovens: quais so as suas identidades? ................................................ 82 Existe uma identidade brasileira? .............................................................................................. 83 Interdisciplinaridade ................................................................................................................... 85 Interatividade ............................................................................................................................. 86 CAPTULO 6 - Ser diferente normal: as diferenas sociais e culturais ..................................................................................................................................... 90 Ser diferente normal ............................................................................................................... 91 O etnocentrismo ........................................................................................................................ 93 As trocas e os dilogos culturais .............................................................................................. 94 Interdisciplinaridade .................................................................................................................. 96 Interatividade ............................................................................................................................ 97 CAPTULO 7 - A matrix est em toda parte...: ideologia e vises de mundo ................................................................................................................................... 101 O que ser que anda na cabea de nossa gente? ................................................................. 101 Na escola todos falam a mesma lngua? ................................................................................ 104 A matrix nossa de cada dia ..................................................................................................... 106 Interdisciplinaridade ................................................................................................................ 109 Interatividade .......................................................................................................................... 110 CAPTULO 8 - Ganhava a vida com muito suor e mesmo assim no podia ser pior. O trabalho e as desigualdades sociais na Histria das sociedades .................................................................................................. 113 Escravido no Sculo XXI? ..................................................................................................... 113 Nem sempre tivemos fbricas, salrios, Facebook, futebol e... ............................................... 115 Mas eu no entendo nada de economia... ............................................................................... 116 O trabalho e as desigualdades sociais atravs da Histria da humanidade ........................... 117 A organizao dos homens em sociedade atravs da Histria ................................................ 119 O trabalho e as desigualdades: estratificao social e mobilidade social ................................ 122 Interdisciplinaridade ................................................................................................................. 127 Interatividade ........................................................................................................................... 128 6. UNIDADE 2 Trabalho, Poltica e Sociedade CAPTULO 9 - Tudo que slido se desmancha no ar: capitalismo e barbrie .................................................................................................... 133 E a humanidade inventa o capitalismo... ................................................................................. 133 Acumulando capital e revolucionando a indstria ................................................................... 135 Concorrncia e monoplio ....................................................................................................... 138 A crise: superproduo de mercadorias e imperialismo .......................................................... 139 Competio capitalista e barbrie humana .............................................................................. 141 Uma alternativa ao capitalismo ................................................................................................ 141 Mas, o que realmente o socialismo? .................................................................................... 142 Tentaram, mas no conseguiram! ........................................................................................... 144 Interdisciplinaridade ................................................................................................................ 148 Interatividade ........................................................................................................................... 149 CAPTULO 10 - Todo mundo come no Mc Donalds e compartilha no Facebook? Globalizao e neoliberalismo ........................................... 152 O que um mundo globalizado e neoliberal? ......................................................................... 153 Neoliberalismo: liberdade ilimitada para os mercados e os lucros? ........................................ 155 Como vo a globalizao e o neoliberalismo neste sculo XXI? ............................................ 158 Interdisciplinaridade ................................................................................................................. 161 Interatividade ........................................................................................................................... 162 CAPTULO 11 - Um novo fast food para voc: o mundo do trabalho e a educao ..................................................................................................... 165 Seremos todos flexveis, terceirizados e produtivos? .............................................................. 165 A crise econmica da dcada de 1970 .................................................................................... 166 A nova moda econmica: acumular capital de forma flexvel .................................................. 168 Enfim, a moda pega. E o futuro como fica? ............................................................................. 173 Um novo fast food para voc... ................................................................................................ 175 Interdisciplinaridade ................................................................................................................. 177 Interatividade ........................................................................................................................... 178 CAPTULO 12 - O mercado exclui como o gs carbnico polui: capital, desenvolvimento econmico e a questo ambiental ............ 181 Entendendo as causas do aquecimento global ....................................................................... 182 O surgimento da Sociologia Ambiental .................................................................................... 184 Capital, desenvolvimento econmico e a questo ambiental .................................................. 186 Interdisciplinaridade ................................................................................................................. 189 Interatividade ........................................................................................................................... 190 7. CAPTULO 13 - de papel ou pra valer? Cidadania e direitos no mundo e no Brasil contemporneo ................................................................ 194 Uma breve histria da cidadania ............................................................................................. 194 Direitos civis, polticos e sociais ............................................................................................... 197 Cidadania, socialismo e minorias ............................................................................................ 199 Cidadania, capitalismo e desigualdades sociais ..................................................................... 200 A cidadania no Brasil: uma corrida de obstculos... .............................................................. 201 Direitos e cidadania sob fogo cerrado... ................................................................................. 203 Direitos e cidadania no Brasil de hoje ...................................................................................... 205 Interdisciplinaridade ................................................................................................................. 207 Interatividade ........................................................................................................................... 208 CAPTULO 14 - O Estado sou eu. Estado e Democracia ..................... 211 E onde fica a democracia nesta histria? ................................................................................. 216 Afinal, o que mesmo democracia? ........................................................................................ 218 A ascenso da democracia liberal ........................................................................................... 220 Mas, o que significa a democracia participativa? .................................................................... 221 O que a democracia representativa num mundo neoliberal? A Histria poltica recente do Brasil como exemplo ........................................................................................................... 223 Interdisciplinaridade ................................................................................................................. 228 Interatividade............................................................................................................................ 229 CAPTULO 15 - Voc tem fome de qu? Movimentos sociais ontem e hoje ............................................................................................................................ 232 Definindo e caracterizando os movimentos sociais ................................................................. 233 Movimentos sociais e revoluo socialista ............................................................................... 234 Movimentos sociais no Brasil contemporneo ......................................................................... 235 O surgimento dos novos movimentos sociais .......................................................................... 237 Movimentos sociais no sculo XXI .......................................................................................... 241 Interdisciplinaridade ................................................................................................................. 242 Interatividade ........................................................................................................................... 243 UNIDADE 3 Relaes Sociais Contemporneas CAPTULO 16 - Na telinha da sua casa, voc cidado? O papel da mdia no capitalismo globalizado ............................................. 248 Uma revoluo que no para... ............................................................................................... 249 A opinio dos especialistas ...................................................................................................... 250 Mudanas de hbitos e de relaes sociais ............................................................................ 254 Um grande irmo que no de carne e osso: Big Brother Brasil ........................................... 255 8. As mdias e as salas de aula no sculo XXI ............................................................................ 256 A globalizao e o mercado dos grandes negcios ................................................................ 259 Interdisciplinaridade ................................................................................................................. 262 Interatividade ........................................................................................................................... 263 CAPTULO 17 - Onde voc esconde seu racismo? Desnaturalizando as desigualdades raciais ................................................... 266 O que realmente o racismo? ................................................................................................. 267 Uma histria invisvel ............................................................................................................... 269 Qual a cor do Brasil? ............................................................................................................ 271 Interdisciplinaridade ................................................................................................................. 281 Interatividade ........................................................................................................................... 282 CAPTULO 18 - Gnero e sexualidade no mundo de hoje .................... 285 Sexo e gnero ......................................................................................................................... 286 Mas, o que mesmo sexualidade? ......................................................................................... 287 Papis de homens e papis de mulheres: muita coisa mudou no sculo XX .......................... 287 O mundo colorido? ................................................................................................................ 291 Interdisciplinaridade ................................................................................................................. 296 Interatividade ........................................................................................................................... 297 CAPTULO 19 - A gente no quer s comida... Religiosidade e juventude no sculo XXI ............................................................................................. 300 Entre o crer e o saber ............................................................................................................... 301 O que tem a ver a Sociologia com a religio? .......................................................................... 302 As religies no Brasil ............................................................................................................... 304 Coisas de brasileiro! O fenmeno do sincretismo no Brasil e no mundo ................................. 309 A sociedade, seus problemas e a religiosidade ....................................................................... 310 Religiosidade, juventude e o novo milnio .............................................................................. 312 Interdisciplinaridade ................................................................................................................. 314 Interatividade ........................................................................................................................... 315 CAPTULO 20 - Espaos de dor e de esperana. A questo urbana ................................................................................................................ 318 Origem e desenvolvimento das cidades e da urbanizao....................................................... 320 A cidade contempornea como espao de segregao socioespacial .................................... 322 Mas, o que so mesmo as favelas, que insistimos em descrever? .......................................... 325 As cidades dos grandes eventos .............................................................................................. 328 Caminhamos para uma cidade ps-industrial ou para uma cidade mais democrtica? Como sero as cidades do futuro? .......................................................................................... 331 9. Interdisciplinaridade ................................................................................................................ 333 Interatividade ........................................................................................................................... 334 CAPTULO 21 - "Chegou o caveiro! E agora?" Violncia e desigualdades sociais ......................................................................................................... 337 A Sociologia da Violncia ........................................................................................................ 339 Me pedem para comprar, mas no posso... Me pedem para trabalhar, mas no consigo... ..... 342 E ainda sou culpado por tudo... ............................................................................................... 346 Drogas: brancos que produzem, brancos que consomem... negros que consomem e morrem... . 348 Interdisciplinaridade ................................................................................................................. 356 Interatividade ........................................................................................................................... 357 CAPTULO 22 - Ocupar, resistir, produzir. A questo da terra no Brasil ...................................................................................................................................... 361 Questo de terra ou questo de gente? .................................................................................. 362 Mas os trabalhadores do campo aos poucos se organizam... ................................................. 365 Terra para quem nela trabalha: os trabalhadores sem-terra retomam a sua luta histrica... ... 366 A Sociologia e a questo da terra no Brasil ............................................................................. 371 Interdisciplinaridade ................................................................................................................. 373 Interatividade ........................................................................................................................... 374 PALAVRAS FINAIS .................................................................................................................... 378 NOTAS ............................................................................................................................................ 380 NDICE REMISSIVO .................................................................................................................. 381 REFERNCIAS .............................................................................................................................. 392 10. Sociedade e Conhecimento Sociolgico Por que estudar Sociologia? Por que ela importante? De que forma o conhecimento sociolgico pode contribuir para a nossa vida? Estas so apenas algumas, dentre as diversas perguntas que nos preocupamos em responder nesta primeira Unidade, que apresenta os principais conceitos e pensadores da nossa disciplina. 1 Unidade 111 11. | Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociolgico12 Captulo 1 Sociologia: dialogando com voc E voc, surpreende-se logo no incio do ano letivo com esta disciplina chamada Sociologia? E se pergunta tambm: que matria essa? Para que serve? Afinal, por que devemos estudar essa disciplina? De fato, acompanhando a curiosidade em torno do que deve significar uma disciplina chamada Sociologia, oferecida no Ensino Mdio, no primeiro contato com o professor uma parte dos estudantes, mesmo sem conhecer os temas e a forma como eles sero tratados, j comeam a imagin-la como uma disciplina estranha e que no tem nada a ver, mesmo avaliando que o professor parea ser um cara legal. Na verdade, essas dificuldades iniciais tm vrias razes. Uma delas o Um professor de Sociologia ouviu o seguinte dilogo entre dois estudantes, no primeiro dia de aula do primeiro ano do Ensino Mdio: Joo, voc viu as matrias desse ano? Vi, Fabinho. Algumas so fceis, j conhecemos: Histria, Geografia, Literatura, Artes, Educao Fsica, Biologia... Ento, Joo, vamos nos dar bem, mas tem uma aqui, que estranha, chamada Sociologia. Voc sabe o que isso? No, mas a Faf , que est no terceiro ano, disse que isto a estuda tudo que a gente j sabe. Como assim? Ela disse que o professor fala de violncia, de racismo, de religio, de cultura e outras coisas. Mas, tambm que a Sociologia estuda o que j vimos em Geografia e em Histria, como globalizao, capitalismo, estado, democracia etc. Ento, vai ser muito fcil, Joo! s a gente dar opinies sobre as coisas da vida que o professor nos d dez. O professor ouviu este dilogo sem querer, pois os estudantes estavam conversando animadamente e no perceberam a sua presena. Nesse dia, ele iria dar aula exatamente na turma de Joo e Fabinho. E quando entrou na sala de aula, no teve dvidas: comeou um bate-papo com os estudantes sobre as coisas da vida. Levantando questes como: ser que os desempregados so os prprios culpados por no conseguirem trabalhar? Todos os jovens tm as mesmas oportunidades para ingressar no mundo do trabalho? Qual a influncia da religiosidade na sociedade? Ou ser que, quando pensamos na religio que professamos, entendemos que se trata de um assunto ntimo que faz parte somente de nossa vida privada? E muitas outras perguntas sobre as coisas da vida que fizeram com que Joo e Fabinho pensassem: Isso no vai ser fcil, no!!! A gente pensou que era tudo bvio, mas o professor t nos mostrando que a vida em sociedade precisa ser mais estudada. 12. Captulo1 - Sociologia: dialogando com voc | 13 O mundo atual, automatizado, computadorizado, em crise de emprego, exige conhecimentos prticos que nos deem agilidade, que nos ajudem a encontrar mais rpido alguma forma de ganhar a vida, sem perder tempo em divagaes filosficas ou polticas. Enfim, precisamos de conhecimentos prticos para demonstrar competncia no mercado de trabalho. Ora, quando desenvolvemos esse raciocnio,estamosfazendo,certamente, uma anlise social de nosso convvio com outras pessoas e isto uma forma de reflexo sociolgica. Mas vamos logo iniciar essa nossa longa caminhada e tratar de esclarecer Hoje, no Brasil, estuda-se Sociologia nos trs anos do Ensino Mdio. Na foto, estudantes do Ensino Mdio do Colgio de Aplicao da UERJ, em 2011, desenvolvendo um trabalho em equipe. RicardoCassiano/Folhapress o que a Sociologia, qual seu objeto de estudo e sua importncia no Ensino Mdio. Antes de dizermos o que essa nova disciplina significa, j adiantamos que a Sociologia no o estudo do homem e seu meio; para isso temos a Geografia. No o estudo da histria dos homens e das sociedades; para isso temos a Histria propriamente dita. Essas duas disciplinas j so conhecidas pelos estudantes desde o Ensino Fundamental. Mas eis que surge a Sociologia que, de certa forma, utiliza os conhecimentos geogrficos e histricos para explicar o comportamento humano em sociedade. Alis, como veremos, a Geografia e a Histria se alimentam dos conhecimentos sociolgicos para explicarmuitosfenmenospertinentesao espao geogrfico e aos acontecimentos histricos. Cincias Sociais e Cincias da Natureza Assim como a eletricidade um fenmeno estudado pela cincia chamada Fsica, como os organismos que possuem clulas so estudados pela Biologia e os elementos oxignio e carbono so objetos de estudo da Qumica, a Sociologia estuda os fenmenos sociais. Ou seja, as relaes que os indivduos estabelecem entre eles prprios, gerando normas de comportamento, atitudes, formao de grupos e elaborao de ideias sobre os mesmos grupos. Sinteticamente, estes so os objetos de estudo da Sociologia. mile Durkheim, considerado pai da Sociologia acadmica, afirmou que os fenmenos sociais so sui generis, isto , o seu entendimento requer uma cincia especfica para seu estudo. Sui generis um termo do latim, que signi- fica, literalmente, de seu prprio gne- ro, ou seja, nico em seu gnero. prprio fato de vivermos numa sociedade altamente tecnologizada, em que se exige tanto ao jovem como aos adultos uma utilidade prtica nos conhecimentos adquiridos em todas as disciplinas ministradas no Ensino Mdio. 13. | Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociolgico14 BrunoGalvo Se o fumo prejudicial sade, por que to difcil para algumas pessoas deixar de fumar? Recentes estudos j comprovaram que o cigarro faz mal sade. Todos sabem disso, mas um professor de Qumica pode nos explicar que os elementos qumicos encontrados no cigarro (alcatro e nicotina) causam uma determinada reao no organismo, o que, ao final de alguns anos, pode provocar cncer de pulmo. Por sua vez, a Biologia vai explicar como esses elementos qumicos deterioram os pulmes, cuja funo vital para o corpo humano. Tudo bem! Mas por que as pessoas que sabem disso continuam fumando? Bom, para responder a esta pergunta podemos procurar a Psicologia. Talvez afirmando que os fumantes so facilmente influenciados por outros e por alguma publicidade. Esta seria uma forma de explicao sobre o comportamento das pessoas que fumam. Mas ser somente essa a explicao? E por que se produzem maos e maos de cigarro, j que as indstrias sabem que prejudicial sade? Por que o governo, por um lado, apesar das novas regras de propaganda, permite a venda de cigarros e, por outro, probe, por exemplo, a venda de maconha? Certamente a Qumica no pode dar uma resposta, nem mesmo a Biologia. Aqui, ento, entra em cena a Sociologia, que vai explicar os interesses econmicos das grandes multinacionais, cujo objetivo o lucro legitimado pela maioria dos governos do mundo e principal fator da existncia do capitalismo. O capitalismo um sistema econmico, social e poltico que objeto de estudo da Sociologia. Enfim, os efeitos qumicos do cigarro so objetos sui generis da Qumica e as consequncias orgnicas para os pulmes so objetos sui generis da Biologia. Entretanto, o motivo que leva pessoas, proprietrios das fbricas de cigarro, a produzir o cigarro objeto sui generis de estudo da Sociologia. Portanto, nesse exemplo, podemos compreender que para se entender o uso do cigarro na sociedade necessrio entend-lo sob o ponto de vista da Qumica, da Biologia e da Psicologia assim como da Sociologia. Este somente um exemplo que a Sociologia nos mostra para podermos entender uma questo bsica: nossa vida cotidiana social, ou seja, no estamos ss no mundo. Estabelecemos relaes com outros indivduos e criamos regras de convivncia. Algumas j existiam quando nascemos e, provavelmente, existiro depois de nosso falecimento. Conclumos, ento, que o indivduo um produto social, isto , o que as pessoas fazem condicionado, muitas vezes, pela convivncia com outros indivduos e grupos de indivduos. Neste sentido, a preocupao central da Sociologia com o ser humano e suas relaes sociais, pois entende-se que os indivduos no so isolados. Ao contrrio, relacionam-se Vejamos um exemplo: 14. Captulo1 - Sociologia: dialogando com voc | 15 uns com os outros e formam grupos sociais, com regras de comportamento e atitudes diversas na famlia, na escola, no trabalho, no lazer e em outros espaos de convivncia cotidiana. Mas estas regras de comportamento no so estticas; pelo contrrio, so bastante dinmicas. Ou seja, na Histria da humanidade, homens e mulheres modificam seus comportamentos, atitudeseformasdelidarcomarealidade. Exemplo disto a existncia do divrcio, recurso de que nossos avs e bisavs no podiam se utilizar quando a unio matrimonial no mais satisfazia o casal. Alm disso, existem sociedades que so bem distintas da nossa e que estabelecem regras diferentes de comportamento neste mesmo perodo histrico em que vivemos atualmente. o caso se compararmos formas de matrimnio encontradas nas sociedades que seguem os preceitos das religies muulmanas (baseadas na poligamia) com aquelas encontradas, por exemplo, no Brasil (baseadas na monogamia). A Sociologia, alm de estudar as relaes sociais e os comportamentos dos indivduos e dos grupos sociais, questiona o porqu da existncia de conflitos entre estes grupos, as razes de indivduos e grupos quando tentam quebrar as regras de funcionamento das sociedades, ou quando criam movimentos para questionar ou legitimar essas mesmas regras. Neste caso, quando se formam os chamados movimentos sociais como, por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra MST, o Movimento dos Sem-Teto, o Movimento Estudantil etc. O socilogo norte-americano Charles Wright Mills escreveu um livro, muitointeressante,chamadoAimaginao sociolgica, publicado pela primeira vez em 1959. Nesse livro, com o objetivo de explicar a importncia da Sociologia, WrightMillsdizqueestacinciarepresenta Charles Wright Mills, o socilogo que elaborou o termo imaginao sociolgica. Shutterstock umaqualidadedoespritohumanoquenos ajuda a perceber o que est ocorrendo no mundo e como nos situamos neste mundo. Mas como? Bom, ele d o exemplo simples do desemprego. Ou seja, quando, em uma cidadedemilharesdehabitantes,somente um indivduo est desempregado, isto um problema pessoal desse indivduo. E para entender este problema, talvez tenhamos que observar o carter dessa pessoa, suas habilidades e suas oportunidades. Porm, quando temos 15 milhes de desempregados num pas de 50 milhes de trabalhadores (ou seja, pessoas em idade produtiva, que podem exercer uma ou outra profisso), isto j no um problema de carter ou de habilidades, mas um problema pblico, que tem a ver com uma estrutura e com um certo funcionamento da sociedade. Outro exemplo que ele d o caso do divrcio. Num casamento, o homem e a mulher podem ter perturbaes pessoais, levando-os ao divrcio. Mas, quando o nmero de divrcios cresce numa cidade e, de cada 1.000 casais nos primeiros quatro anos de casamento, 250 se separam, isto pode ter alguma relao com a instituio do casamento naquela determinada sociedade. Wright Mills vai dizer que a recorrncia de muitos divrcios pode estar relacionada estrutura da famlia enquanto instituio. 15. | Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociolgico16 Manifestao pacfica contra o governo norte-americano: o acesso ao conhecimento e informao essencial para permitir a participao consciente e crtica. Public-domain-image.com LuizFernandes A Sociologia nos ajuda a refletir sobre nosso cotidiano. Na foto, professores reunidos no centro do Rio de Janeiro, em 2008, para iniciarem um passeio de reconhecimento e estudo sobre a influncia da populao negra na histria da cidade. Enfim, Wright Mills est nos apresentando uma questo simples e que serveparapensarnossasvidas,ouseja,aquilo que experimentamos na vida em vrios e especficos ambientes cotidianos, como desemprego, separaes etc, muitas vezes influenciado pelas modificaes culturais, econmicas ou outras de carter mais geral que ocorrem nas sociedades. Por isso que ele diz que precisamos ter conscincia da ideia e da existncia de uma estrutura da sociedade, das relaes sociais e utiliz-las com sensibilidade, para sermos capazes de identificar as ligaes entre as nossas diversas experincias da vida cotidiana. Ter essaconscinciaeessacapacidadeteruma imaginao sociolgica. Agora pensando: Quais so os seus problemas cotidianos? Quais so as questes que mais lhe preocupam? claro que voc j pensou nisso alguma vez. Mas, vamos tentar imaginar esses problemas e preocupaes sociologicamente. Ser que eles tm a ver s com o seu comportamento, com as suas atitudes ou com o seu modo de ser? Ser que a Sociologia pode ajudar a pensar sobre seu cotidiano? Ento, vamos viajar um pouco no mundo da Sociologia a partir de agora. 16. Captulo1 - Sociologia: dialogando com voc | 17 Vida divertida ou vida interessante? Uma reportagem do The New York Times (3 de dezembro) descrevia uma nova moda nos colgios americanos, graas qual o ensino de Cincia est se tornando curiosamente popular. Nos EUA, os requisitos mnimos para o diploma secundrio so bastante livres.Htempos,paraquemnogostadeestudarQumica,FsicaouBiologia, existem matrias alternativas, como a Cincia da Terra ou a Ecologia. Agora a vez da Cincia Forense, idealizadssima pelos seriados televisivos, pelo cinema e pelos romances policiais. Assim, em vez de estudar leis e frmulas, os alunos aprendem como determinar a hora da morte, considerando o estado de um cadver (aulas prticas no necrotrio). Familiarizam-se com o microscpio, examinando pelos de possveis estupradores encontrados no corpo da vtima. Entendem o que so o esperma ou o sangue, investigando uma hipottica cena do crime. Nas escolas em que os cursos so oferecidos, os jovens so entusiastas. Por que bancar o estraga-prazeres? O fato que a reportagem me deixou um mal-estar. Fiquei com a impresso de que a Qumica, a Fsica e a Biologia estivessem desistindo de ter qualquer apelo prprio. As formas estabelecidas da diverso (sobretudo a televiso e o cinema) decidiriam como e o que podemos aprender. Filosofia, Histria e Ingls (Portugus, no nosso caso) seriam vtimas do mesmo processo. Lembrei-me de conversas recentes com um jovem estudante universitrio que (com grande angstia dele e dos pais) quer largar os estudos, ao menos temporariamente. Ele queixava-se de que todos os cursos seriam chatos. Como assim, chatos?, perguntei. No so divertidos, respondeu. Estranhei: Quem disse que um curso deve divertir? (...) A partir dos anos 90, encontro adolescentes para quem o mundo parece tolervel apenas se puderem distrair-se dele. E os vizinhos so frequentveis condio de no se comprometer com eles. O que era alienao nos anos 60 tornou-se escolha de vida nos 90. O prprio uso das drogas mudou. Nos anos 60, a maconha e os alucingenos eram concebidos como auxlios para descer mais fundo no autoconhecimento ou numa pretensa comunho mstica com o mundo. Imaginvamos que drogar-se fosse uma viagem inicitica, interior ou para a ndia. O ecstasy dos anos 90, ao contrrio, promete um paroxismo de distrao. Serve para clube e msica tecno: no fale nada e sacuda-se forte (...) (CALLIGARIS, 2002) E quando alguns adultos dizem que os jovens no se interessam por essas discusses? Ns, autores deste livro, j ouvimos em muitas escolas brasileiras algumas afirmaes de que os jovens no se interessam pela discusso da Sociologia, pois no veem sentido na matria ou soatradosporcoisasmaisinteressantes fora da escola. Entendemos, porm, que quando muitos jovens perguntam para que serve a Sociologia, ou quando afirmam que muitas disciplinas so chatas, ns precisamos compreender o que est por trs desses comentrios. Para conversarmos a respeito disso, leia, a seguir, um artigo escrito por um psicanalista italiano radicado no Brasil, Contardo Calligaris e publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 12/12/2002. Ele relata a exigncia dos jovens acerca dos estudos: 17. | Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociolgico18 Um professor de Sociologia define senso comum como: O senso comum se caracteriza por opinies pessoais, generalizantes. Ou seja, julgam-se coisas ou fatos especficos como se fossem coisas ou fatos universais. Enfim, falsas certezas sem fundamentao cientfica, como por exemplo, todo bandido favelado, todo poltico corrupto, o povo brasileiro preguioso etc. Para uma parte dos adolescentes, mas no todos, viver divertir-se, diferentedoquesignificavaparageraes anteriores de jovens. No queremos dizer com isso que condenamos a diverso, mas que, afinal, h tempo para tudo na vida, como a distrao e o lazer; assim como h necessidade de reservar parte do nosso tempo para dar conta das responsabilidades, como o estudo e, depois de formados, o trabalho. Da mesma forma, podemos acrescentar que nossa vida e nossa sociedade tambm merecem ser pensadas, compreendidas e, por que no, modificadas. A inspirao e o compro-misso da Sociologia so com o entendimento da realidade social. O papel da Sociologia contribuir para que repensemos a nossa viso de mundo, deixando de lado nossas ingenuidades e preconceitos. Sua tarefa terica se contrapor viso do que predomina no senso comum, que considera que o til o que d prestgio, poder, fama e riqueza julgando o conceito de utilidade pelos resultados do que a maioria das pessoas considera como aes prticas da vida cotidiana. No se deixando guiar pelo senso comum, a Sociologia nos instrumentaliza com conhecimentos para nos tornarmos conscientes de ns mesmos e das aes de homens e mulheres que desejam profundamente a liberdade e a felicidade. Vamos tirar algumas dvidas? O senso comum e a Sociologia At aqui nos preocupamos em argumentar sobre a necessidade de estudar Sociologia, pensar nosso mundo sociologicamente e sua utilidade na vida de milhes de jovens. Agora queremos ressaltar uma discusso importante neste campo de conhecimento e estudo: a diferena entre senso comum e Sociologia. (...) falsas certezas e convices equivocadas sem a base de um conhecimento racional ou de uma adequada compreenso, sendo ditas pelas pessoas a todo instante sobre as mais diversas coisas. A caracterstica principal a de que o senso comum baseia-se no que est aparente, na aparncia das coisas, como as coisas parecem ser. Por exemplo: o Sol menor do que a Terra e ele que gira ao redor dela. Tendo o seu ponto de referncia a prpria Terra e da maneira que realizada esta observao, o que pode parecer que aquela seja uma afirmativa correta. Porm, s parece, pois a Astronomia, com seus clculos matemticos e suas consideraes fsicas verifica na realidade que o Sol muitas vezes maior que a Terra, e desde Coprnico confirma-se na realidade que a Terra que se move em torno do Sol. Da mesma forma que este simples exemplo, a Sociologia recorrentemente defronta-se com o senso comum das pessoas, desdobrando-se em imobilidades, discriminaes e preconceitos. (GIGLIO, 2000, p. 3) 18. Captulo1 - Sociologia: dialogando com voc | 19 parasepensarsobreaspossveiscausasda violncia. Ao contrrio do senso comum, no devemos partir para generalizaes ao primeiro contato com um fenmeno social. necessrio investigar as relaes entre os fatos e acontecimentos e tambm suas razes histricas, como, por exemplo, a questo do racismo na sociedade brasileira. Certamente, este fenmeno social tem fortes razes na escravido, mas principalmente nas relaes que o homem branco europeu estabeleceu com os povos africanos e indgenas a partir do sculo XV. Portanto, posteriormente, trabalha remos com vrias teorias sociolgicas, conceitos e temas que nos ajudem na nossa imaginao sociolgica. Ou seja, vamos partir do senso comum sobre como so entendidos os fenmenos sociais, sobre as relaes que existem entre os indivduos e problematizar esse senso comum. E aquilo que pode nos parecer natural nas relaes sociais pode ser desnaturalizado, deixando de ser visto como natural e at mesmo imutvel, para ser compreendido como , algo social; ou, como nos diz Wright Mills (1975), para compreender nosso mundo cotidiano, vamos olhar alm dele. Mas o que uma atitude cientfica em Sociologia? a atitude de, a partir da constatao de um problema social, observar os fatos e a realidade dos indivduos e grupos, suas relaes, formular uma hiptese de explicao, pesquisar e estudar com maior profundidade o assunto e, ao final, pronunciar leis ou tendncias de que um fato possa ocorrer em razo de determinados motivos. Vamos descrever um exemplo: Temos um problema social que se chama desemprego ( social porque sua origem se relaciona com a forma de organizao da sociedade, atingindo vrios indivduos). A partir dessa constatao, poderamos formular a hiptese de que a poltica econmica de um governo promove o desemprego. Em seguida, passamos a observar a realidade com dados estatsticos em mos, pesquisas com desempregados para ver os motivos que levaram ao desemprego e etc.Ao final, retornamos nossa hiptese e podemos verificar se determinadas decises polticas governamentais tendem a provocar o desemprego em massa num pas. A mesma atitude pode ser tomada 19. | Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociolgico20 Interdisciplinaridade Conversando com a Fsica TEORIA DA RELATIVIDADE E RELATIVIDADE DA TEORIA Vitor Lara U ma charge bastante interessante circulou na internet uns anos atrs, em 2011, assinada pelo cartunista canadense Doug Savage, que mostrava como fsicos e filsofos pensam de maneira diferente. Retratava uma conversa entre eles, bebendo em um bar, travando o seguinte dilogo: Fsico: Eu estudo a teoria da relatividade. Filsofo: Eu estudo a relatividade da teoria. Achargeeodilogopodemservirparacomearmos uma discusso que queremos propor a voc, estudante de Ensino Mdio. Algumas pessoas dizem, com frequncia, que confiam mais na Fsica, na Matemtica ou nas Engenharias (Cincias da Natureza) do que nas Cincias Humanas. O motivo seria que as Cincias da Natureza so exatas, enquanto que nas Humanas parece que tudo achismo. H um certo consenso de que, do ponto de vista da Epistemologia (parte da Filosofia que lida com a Teoria do Conhecimento, isto , discute a validade lgica e a coerncia de uma determinada teoria ou rea do conhecimento), uma Cincia como a Fsica seja mais delimitada do que a Psiquiatria, por exemplo. Michel Foucault discute isso na sua obra Amicrofsica do poder*. Mas muito se engana quem acha que nas Cincias da Natureza as questes polticas e sociais possam ser desprezadas. H diversos exemplos, onde podemos constatar, estudando a histria das Cincias em uma perspectiva sociolgica, o quanto as questes sociopolticas so importantes para determinar a estrutura de uma determinada Cincia, inclusive a ponto de suas pesquisas serem manipuladas em virtude dos interesses de empresas e grandes corporaes. E voc, estudante, j havia pensado a respeito disso? O que acha de aproveitarmos essa proposta de dilogo interdisciplinar para nos aprofundarmos nessa discusso? Vitor de Oliveira Moraes Lara professor de Fsica do Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Rio de Janeiro IFRJ. Graduado, Mestre e Doutorando em Fsica pela Universidade Federal Fluminense UFF. *FOUCAULT, Michel. A microfsica do poder. I - Verdade e poder. 8.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979. 20. Captulo1 - Sociologia: dialogando com voc | 21 Revendo o captulo 1 Como pode ser definida a Sociologia? 2 Cite um exemplo da vida em sociedade e de como a Sociologia poderia explic-lo atravs do mtodo cientfico. 3 Explique o significado da ideia de imaginao sociolgica e qual seria a importncia de utiliz-la? 4 Diferencie senso comum e Sociologia. Dialogando com a turma 1 Discuta com seus colegas de turma os motivos de sua escolha profissional. Se ainda no escolheu uma profisso, responda: a sociedade influenciar na sua escolha ou voc ter autonomia para fazer uma opo? 2 Pense em alguma preocupao que voc tenha no seu cotidiano e como pode utilizar a ideia de imaginao sociolgica para pensar as relaes entre sua preocupao e as questes da sociedade. 3 Baseando-se no exemplo dado no texto sobre os conhecimentos necessrios para se combater o fumo, elabore junto com seus colegas outros exemplos em que se faa necessria a anlise das Cincias Naturais e da Sociologia. Verificando o seu conhecimento 1 (ENEM, 2010) As redes sociais de relacionamento ganham fora a cada dia. Uma das ferramentas que tem contribudo significativamente para que isso ocorra o surgimento e a consolidao da blogosfera, nome dado ao conjunto de blogs e blogueiros que circulam pela Internet. Um blog um site com acrscimos dos chamados artigos, ou posts. Estes so, em geral, organizados de forma cronolgica inversa, tendo como foco a temtica proposta do blog, podendo ser escritos por um nmero varivel de pessoas, de acordo com a poltica do blog. Muitos blogs fornecem comentrios ou notcias sobre um assunto em particular; outros funcionam mais como dirios on-line. Um blog tpico combina texto, imagens e links para outros blogs, pginas da web e mdias relacionadas a seu tema. A possibilidade de leitores deixarem comentrios de forma a interagir com o autor e outros leitores uma parte importante dos blogs. O que foi visto com certa desconfiana pelos meios de comunicao virou at referncia para sugestes de reportagem. A linguagem utilizada pelos blogueiros, autores e leitores de blogs, foge da rigidez praticada nos meios de comunicao e deixa o leitor mais prximo do assunto, alm de facilitar o dilogo constante entre eles. Disponvel em: http//pt.wikipedia.org. Acesso em: 21 maio 2010 (adaptado). As redes sociais compem uma categoria de organizao social em que grupos de indivduos utilizam a internet com objetivos comuns de comunicao e relacionamento. Nesse contexto, os chamados blogueiros: (A) promovem discusses sobre diversos assuntos, expondo seus pontos de vista particulares e incentivando a troca de opinies e consolidao de grupos de interesse. (B) contribuem para o analfabetismo digital dos leitores de blog, uma vez que no se preocupam com os usos padronizados da lngua. Interatividade 21. | Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociolgico22 (C) interferem nas rotinas de encontros e comemoraes e determinados segmentos, porque supervalorizam contato a distncia. (D)definempreviamenteseusseguidores,demodoaevitarqueaspessoas quenocompactuam com as mesmas opinies interfiram no desenvolvimento de determinados assuntos. (E) utilizam os blogs para exposio de mensagens particulares, sem se preocuparem em responder aos comentrios recebidos, e abdicam do uso de outras ferramentas virtuais, como o correio eletrnico. 2 Observe a ilustrao a seguir e assinale depois a alternativa que apresenta correspondncia e sentido entre a resposta dada pelo joo-de-barro e a definio de senso comum: (A) A resposta do joo-de-barro reflete a sua integrao ao senso comum. (B) A pergunta do outro joo-de-barro revela o seu inconformismo com o senso comum. (C) Os dois personagens do desenho assumem na sociedade comporta- mentos distintos, mas ambos podem ser identificados como caractersticos do senso comum. (D)A frase resolvi inovar significa, no caso, a ideia de assumir como natural um comportamento que poderia ser entendido como estranho. (E) O desenho objetiva provocar uma reflexo sobre a padronizao do nosso pensamento e do nosso comportamento, que podem significar coisas que fazemos sem pensar. Pesquisando e refletindo Livros: MARTINS, Carlos Benedito. O que Sociologia. 14. ed. So Paulo: Brasiliense, 1987. Livro introdutrio ao conhecimento sociolgico, de fcil leitura e compreenso, apresentando o surgimento, a formao e o desenvolvimento da Sociologia enquanto cincia. DUARTE JUNIOR, Joo Francisco. O que realidade? 10. ed. So Paulo: Brasiliense, 2000. Texto que procura discutir a relao entre o real e o irreal, provocando uma reflexo sobre o sentido da vida humana. O autor apresenta o homem como responsvel pela definio do que ou no realidade, mostrando que essa ideia pode se modificar de acordo com o tempo e o espao. Filmes: UM LOBO NA FAMLIA (Walk Like a Man, EUA, 1987). Direo: Melvin Frank. Com Howie Mandel. 90 min. Um grupo de exploradores encontra um rapaz que foi criado por uma famlia de lobos na selva. Decidem lev-lo para a cidade, mas sua adaptao civilizao provoca muitas confuses. Nico 22. Captulo1 - Sociologia: dialogando com voc | 23 O NUFRAGO (Cast Away, EUA, 2000). Direo: Robert Zemeckis. Elenco: Tom Hanks, Helen Hunt, Christopher Noth. Durao: 143 min. Funcionrio da Federal Express, que viaja pelo mundo controlando os servios da empresa, sofre um acidente de avio e fica preso em uma ilha deserta. Sozinho na ilha, ele precisa lutar por sua sobrevivncia e encontrar gua, comida e abrigo. Ele, que tinha uma vida bastante agitada, obrigado a mudar de ritmo.O filme nos mostra que, mesmo isolado numa ilha deserta, ns somos seres essencialmente sociais. A GUERRA DO FOGO (La Guerre du Feu, FRA, 1981) Direo: Jean-Jacques Annaud. 97min. O filme se passa nos tempos pr-histricos, em torno da descoberta do fogo.Atribo Ulam vive em torno de uma fonte natural de fogo. Quando este se extingue, trs membros saem em busca de uma nova chama. Depois de vrios dias andando e enfrentando animais pr-histricos, eles encontram a tribo Ivakas, que descobriu como fazer fogo. Importante para discutir como os indivduos, na sua relao com a natureza, constrem a realidade socialmente. Conectados na internet e nas redes sociais: (SOCIO)LIZANDO: http://sociolizando.wordpress.com/ Segundo o seu criador, o prof. Ricardo Festi, este mais um Blog que serve como um instrumento pedaggico de dilogo e reflexo das aulas de Sociologia. O espao foi pensado inicialmente para os seus alunos de Ensino Mdio, em escolas de So Paulo, mas se coloca tambm como um instrumento de dilogo e reflexo voltado para outros professores da disciplina. Acesso: fevereiro/2013. SOCIOLOGIA PARA JOVENS DO SCULO XXI: https://www.facebook.com/groups/178097368900032/ Pgina do Facebook criada por professores, com ampla participao de docentes e alunos na postagem de informaes diversas, vdeos e textos relacionados disciplina, servindo tambm como um espao para comentrios e debates sobre questes polmicas presentes em nossa sociedade. Acesso: fevereiro/2013. FLORESTAN FERNANDES, O MESTRE: http://vimeo.com/15841757 Vdeoqueretrataavidadoengraxate,garom,professoresocilogoFlorestanFernandes. O documentrio foi dirigido por Roberto Stefanelli e produzido pela TV Cmara. Uma obra que nos faz refletir sobre o papel da Sociologia na realidade brasileira. Acesso: fevereiro/2013. Msicas: SENSO COMUM Autores e intrpretes: Bastianas. A letra apresenta algumas crenas presentes na cultura popular brasileira, identificando- as com a definio de senso comum. PARADIGMAAutores:LeonardoVieira,Doddi,YasminFres.Intrpretes:Knowhow. Rock cuja letra, sob o ponto de vista dos jovens, questiona os paradigmas apresentados pelo mundo adulto. 23. | Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociolgico24 Filme Destaque: PONTO DE VISTA (Vantage Point, EUA, 2008). FICHA TCNICA: Direo: Pete Travis. Elenco: Zoe Saldana, Matthew Fox, Forest Whitaker, Dennis Quaid. Durao: 90 min. SINOPSE: O presidente dos Estados Unidos, Ashton, participar de uma conferncia mundial sobre o combate ao terrorismo em Salamanca, na Espanha. Thomas Barnes e Kent Taylor so os agentes do Servio Secreto designados para proteg-lo durante o evento. Entretanto, logo em sua chegada o presidente baleado, o que gera um grande tumulto. Na multido que assiste ao atentado est Howard Lewis, um turista americano que estava gravando tudo para mostrar aos filhos quando retornasse para casa. A partir da perspectiva de diversos presentes no local antes e depois do atentado que se pode chegar verdade sobre o ocorrido. ColumbiaPictures/PeteTravis 24. Captulo 2 - Quem sabe faz a hora e no espera acontecer? A socializao dos indivduos | 25 Quem sabe faz a hora e no espera acontecer? A socializao dos indivduos Captulo 2 Almoo entre amigos a socializao est presente em todas as nossas relaes com os indivduos. AlyxandraGomesNunes Esta uma pergunta inspirada numa cano Pra no dizer que no falei das flores de Geraldo Vandr, cantor e compositor brasileiro que, no final da dcada de 1960, contagiou jovens e adolescentes defendendo a ideia da busca por um mundo melhor. Colocamos esta pergunta para desencadear um debate que faz parte dos estudos sociolgicos desde quando a Sociologia passou a ser entendida como cincia e disciplina acadmica nas universidades europeias, do sculo XIX. Trata-se da questo sobre se o pensamento e a ao dos indivduos que influenciam a sociedade como um todo ou se o contrrio, ou seja, se a sociedade que influencia e determina o pensamento e o comportamento de cada indivduo. Este um grande dilema e um dos grandes temas da Sociologia a respeito do comportamento humano. a reflexo sobre a socializao dos indivduos. Ento, vamos com calma... Primeiro, vamos refletir sobre esse conceito de socializao e depois entender como alguns dos principais pensadores trataram as relaes entre indivduo e sociedade. 25. | Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociolgico26 Quando falamos em socializao dos indivduos, estamos sugerindo que aquilo que ns somos o resultado de um processo que aprendemos na convivncia com outros seres humanos, com base em valores, ideias, atitudes e fazeres comuns. Ou seja, seus sentimentos sobre uma criana, sua ideia sobre um assunto, seu tratamento de respeito aos idosos ou seu modo de vestir, so aprendidos atravs do seu contato com as geraes anteriores.Voc consciente do que faz, sente e pensa na sua relao com outras pessoas. Ento imaginemos uma situao. Quando nasce uma criana, a vida dos adultos/pais muda completamente. Suas preocupaes cotidianas passam a ser compartilhadas com a existncia dos filhos. Entretanto, dependendo de como a criana fisicamente, podemos intuitivamenteimaginarcomoelapoder ser tratada pela famlia, pelos vizinhos ou pelos conhecidos e qual a expectativa desses sobre os comportamentos e atitudes que devem tomar. Se a criana for do sexo feminino, teremos, com o passar dos anos, vrios rituais especficos, roupas bem caractersticas e comportamentos e atitudes que sero esperadas inclusive em relao ao seu desempenho profissional. Dependendo dos valores que receber dos adultos, pode ter um comportamento submisso ou, ento, um comportamento de disputa ou de paridade perante os homens. Se a criana for do sexo masculino, teremos outros rituais, roupas, comportamentos e atitudes tambm caractersticos. Se a criana vive numa sociedade em que existem pessoas de cores de pele ou etnias distintas, dependendo de como a maioria dessa sociedade pensa, a criana, sendo negra ou branca, poder ser tratada de uma forma diferente, com privilgios ou no. Os olhares para a cor, para os cabelos, para o nariz ou para outros aspectos fsicos podero representar uma determinada viso de mundo, com as suas possveis definies a respeito do carter, da origem e da expectativa de um futuro de sucesso ou no. Se a criana sob os nossos cuidados vive em uma sociedade dividida em classes sociais, ou seja, em que h pessoas que no compartilham a mesma condio econmica de acesso s riquezas produzidas pela sociedade e, o mais importante, em que a possibilidade de ascenso social muito restrita, essa criana, para ter certo sucesso, depender em muito da condio econmica e possibilidade de acesso a esses bens. A socializao acontece desde a infncia. ImageSource/JosePelaez Podemos imaginar mais coisas como, por exemplo: e se a criana tiver alguma necessidade educacional especial? E se suas referncias de vida (valores, moralidade, tica, jeito de se comportar etc.), influenciadas por ns, forem muito diferentes e at contrapostas aos futuros coleguinhas de escola da mesma idade? E se a 26. Captulo 2 - Quem sabe faz a hora e no espera acontecer? A socializao dos indivduos | 27 sua religio no for aquela da maioria das pessoas, mas outra, com costu mes e rituais enten didos como estra nhos ou repulsivos? E se o seu jeito de falar (sotaque) soa esquisito para seus amiguinhos? E se...? Enfim, o que podemos observar que todos ns somos socializados de acordo com nosso ambiente social. A primeira fase de socializao chamada de socializao primria, ou seja, aquela que acontece nas famlias. Cada vez mais, no entanto, na medida em que o pai e a me trabalham fora, a socializao primria pode ocorrer tambm nas creches, onde ns, quando crianas, passamos a maior parte do dia. Quando ingressamos nos anos iniciais do ensino fundamental ou quando tomamos contato com outros ambientes fora de nossa famlia, atravs dos colegas da rua, grupos de jovens da igreja, ou quando vemos TV, acontece a chamada socializao secundria. Os dois tipos de socializao condicionam nossas relaes com outros indivduos e, dependendo da forma, do ambiente social e da educao que recebemos ns adotamos ou abandonamos uma srie de papis sociais. Um papel social um comportamento esperado de um indivduo que ocupa uma determinada posio na sociedade. Mas quer dizer, ento, que cada um de ns no tem liberdade ou margem de manobra para adotar um certo papel social? A resposta a esta questo foi e continua sendo um dos grandes debates dos tericos da Sociologia at hoje. Como dissemos no captulo anterior, a imaginao sociolgica significa perceber a conexo entre as Na vida cotidiana, estamos sempre cumprindo diversos papis sociais e participando do processo de socializao secundria. Na foto, encontro com estudantes em Maca - RJ, em 2005. LuizFernandes histrias pessoais e as estruturas das sociedades. Se as estruturas sociais so padres estveis de relaes entre os indivduos, ento como avaliar que os indivduos no tm livres escolhas ou margens de manobra? Veremos frente trs autores que deram respostas diferentes a essa mesma questo mas que, no fundo, contriburam para que a Sociologia se consolidasse como cincia, pois eles elaboraram teorias que procuraram explicar a vida social e que tambm nos dizem como e por que determinados fatos se relacionam. A Sociologia como cincia da sociedade A Sociologia uma cincia nova, que tem pouco mais de um sculo de vida. Ela desenvolveu-se, como disciplina acadmica, em um momento de intensas transformaes da sociedade europeia. Vejamos o que aconteceu na Europa a partir do sculo XV at o sculo XIX. VocjdeveterestudadoemHistria que nesse perodo ocorreram grandes transformaes econmicas: as trocas comerciais se expandiram, os europeus entraram em contato com outros povos, da sia, da frica e das Amricas, intitulado 27. | Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociolgico28 como descobrimentos e, por meio da organizao de grandes empreendimentos comerciais e agrcolas, como foi o caso da lavoura da cana-de-acar mas tambm do trfico de escravos e da promoo de pilhagens e saques , obtiveram como resultado um acmulo de riqueza inigualvel at aquela poca.A expanso martima foi acompanhada por um grande desenvolvimento das cincias e o florescimento e a expanso da cultura europeia que, a partir do Renascimento, transformou o homem europeu no modelo universal de razo e humanidade. A partir do sculo XVIII, com a primeira Revoluo Industrial, a produo de mercadorias se expandiu, assim como o crescimento das cidades. Um grupo social em ascenso a burguesia tornou-se dominante, tomando o lugar da nobreza e do clero que at ento comandavam a sociedade feudal , e na qualidade de proprietrio das fbricas, das terras e das matrias-primas, acumulou para si prprio o resultado da produo das riquezas a partir das sociedades europeias. Paralelamente a esse processo, ocorreram grandes transformaes polticas. Com o poder econmico da burguesia,osfeudosmedievaiscomearam a desaparecer e iniciou-se um processo de surgimento dos Estados Nacionais. Em 1789, aconteceu a Revoluo Francesa, que,inspiradapeloIluminismoesobolema da Igualdade, Fraternidade e Liberdade, declarou que os homens eram todos iguais perante a Lei e tinham direitos universais, lanando as bases polticas do que ficamos entendendo, mais tarde, como cidadania. Este tema ser estudado, posteriormente, com mais ateno. Para ilustrar melhor as mudanas que ocorreram nesse perodo, vejamos alguns quadros comparativos entre a Idade Mdia e o incio dos chamados Tempos Modernos. Em relao ao desenvolvimento econmico: AT MEADOS DO SCULO XV FEUDALISMO A produo era restrita aos feudos. A principal propriedade era a terra, que pertencia ao senhor feudal. O servo podia usar uma parte das terras do senhor e era proprietrio de alguns instrumentos de trabalho, porm estava preso a algumas obrigaes feudais. Grande parte da produo sustentava o senhor feudal e a Igreja. O lugar principal para se viver era o campo. Classes sociais principais: senhores e servos. DO FEUDALISMO AO CAPITALISMO Produo de excedentes com objetivos de mercado. A principal propriedade passou a ser o capital com objetivos de obter lucro. O trabalhador livre forado a vender sua fora de trabalho sob as condies definidas pelo mercado, por no ser possuidor de meios de produo (terras, ferramentas etc). Produo com o objetivo de aumentar os lucros. Aparecimento das grandes cidades europeias. Classes sociais principais: burguesia e trabalhadores assalariados. 28. Captulo 2 - Quem sabe faz a hora e no espera acontecer? A socializao dos indivduos | 29 Em relao organizao poltica: AT MEADOS DO SCULO XV FEUDALISMO Senhores feudais e a Igreja dominavam os servos e camponeses. Ausncia de Estados e Naes. As teorias que justificavam o poder do senhor feudal e da Igreja se baseavam na vontade de Deus. DO FEUDALISMO AO CAPITALISMO Surge o Estado Nacional patrocinado principalmente pela burguesia. Aparecimento das Naes e da figura do Estado. Surgem as teorias polticas que sustentavam a ideia de Estado Nacional. Baseadas no Iluminismo (no sculo XVII e, principalmente, XVIII), essas teorias polticas ganharam fora e se tornaram justificativas para a existncia do Estado e das Leis. Em relao s mentalidades e conhecimentos: AT MEADOS DO SCULO XV FEUDALISMO Teocentrismo. A verdade estava na Bblia e na autoridade da Igreja. A religio era tudo. A realidade era explicada pela vontade de Deus. Qualquer mudana era contrria vontade de Deus. O conhecimento significava contemplar a realidade criada por Deus. DO FEUDALISMO AO CAPITALISMO Antropocentrismo. A verdade obtida pela razo e pelos mtodos cientficos. A realidade explicada a partir do que acontecia na Terra entre os homens. O progresso passou a ser o objetivo humano. O conhecimento significava transformar a natureza, domin-la. A Sociologia, portanto, surgiu neste contexto de mudanas, a partir da necessidade do homem europeu em tentar explicar cientificamente o mundo, suas relaes com outros homens e com outras sociedades que passou a conhecer. Ora, como explicar que, na Europa, com toda a riqueza gerada pela Revoluo Industrial, houvesse, simultaneamente, o aumento da pobreza e da misria dos trabalhadores? Por que a Revoluo Francesa clamava pela igualdade e pela fraternidade, mas o que Foi no continente europeu que surgiu a Sociologia como cincia da sociedade. FernandoBrame Mapa poltico da Europa 29. | Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociolgico30 se via era o aumento da desigualdade social e econmica? Por outro lado, por que nas Amricas, entre os nativos, apesar das hierarquias existentes entre eles, no existiam pessoas passando fome antes da chegada dos europeus? Da mesma forma, por que na frica existiam sociedades inteiramente diferentes, com costumes diferentes, deuses diferentes, tradies familiares diferentes? Na verdade, o que estava ocorrendo tambm era a libertao dos homens europeus das explicaes de origem divina em direo ao predomnio da razo humana, ou seja, tudo passava a ser explicado pelos prprios homens e no mais somente por Deus. E mais: com o desenvolvimento das tcnicas e da cincia, os homens europeus comeavam a dominar mais a natureza e as prprias relaes entre eles. Enfim, fazia-se necessria uma explicao para todas essas mudanas, elaborando leis cientficas, conceitos e teorias. Portanto, a Sociologia surge diante das grandes mudanas que ocorreram nessa poca. Dentre as diversas teorizaes que so elaboradas, trs autores se destacam e so considerados, nos dias de hoje, como asgrandesrefernciasfundadorasdesse novo campo do conhecimento cientfico. So eles Karl Marx, mile Durkheim e Max Weber. A seguir, vamos apresentar uma pequena introduo ao pensamento desses trs socilogos fundamentais, abordando um ou outro aspecto central das ideias de cada um deles. Suas teorias, de qualquer forma, nos acompanharo daqui para frente em nosso contato com a Sociologia, servindo como base para as formulaes de diversos intelectuais que surgiro depois. necessrio mudar o mundo Karl Marx (1818-1883) nasceu na Alemanha e seu principal objeto de estudo foi a sociedade capitalista de sua poca. Seu pensamento, porm, no tinha preocupao somente com a anlise, mas com uma ao militante de organizao e luta contra as injustias existentes no capitalismo. Em um de seus escritos filosficos afirmou que, at aquele momento, os filsofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa transform-lo (cf. MARX, 1979, p. 14). Estudioso com amplos conhecimentos em Histria e Economia, Marx estava interessado, portanto, em desenvolver estudos e pronunciar leis cientficas com o objetivo no somente de compreender, como tambm de transformar a realidade. Uma das concluses importantes de seus estudos foi de que a histria da humanidade a histria das lutas de classes (MARX; ENGELS, 1998, p. 8). O que ele quis dizer com isso? Sua anlise sobre os indivduos e a sociedade passa pela compreenso de que todos os indivduos, atravs da Histria, se relacionam com os outros e com a natureza de uma determinada maneira. Ou seja, para analisar uma realidade social necessrio observar como o homem transforma a natureza, atravs do seu trabalho, e quais as formas de relaes que ele estabelece com os outros indivduos. Nesse sentido, o trabalho entendido por Marx como a essncia da existncia humana. Marx era materialista, no no sentido presente no senso comum, mas no entendimento de que so os homens que constroem sua histria e suas relaes sociais, atravs da produo material de sua existncia. Em todas as sociedades, atravs do trabalho, os homens se relacionam com outros e, assim, juntos, constroem a sociedade. Isto ele chamou de relaes sociais de produo. Porm, segundo Marx, essas relaes tm caractersticas especficas, de acordo com a Histria e a sociedade 30. Captulo 2 - Quem sabe faz a hora e no espera acontecer? A socializao dos indivduos | 31 de cada poca. Alm disso, essas relaes so estabelecidas em meio a inmeras contradies e conflitos entre os homens. antagnicas e excludentes, pois seus interesses materiais, em funo da prpria forma de organizao da sociedade, nunca podero coincidir. A partir dessa concepo, ento, que Marx afirma que o que move a Histria humana as grandes transformaes a luta de classes, com uma classe proprietria dos meios de produo explorando economicamente e dominando politicamente a outra. Essa classe dominada, no proprietria dos meios de produo, formada pelos trabalhadores, sejam eles escravos, servos ou proletrios dependendo de como as sociedades se constituram historicamente (deve-se observar que, no caso dos escravos, alm deles no serem proprietrios dos meios de se produzir riquezas, eles prprios eram considerados como propriedade dos seus senhores). Essa classe de no proprietrios, por sua vez, por ser aquela que efetivamente produz socialmente a riqueza atravs do seu trabalho, exatamente a classe que, para Marx, a partir de uma tomada de conscincia da sua prpria condio de classe explorada (que Marx chama de conscincia de classe), pode subverter a sua subordinao, levantar-se contra os proprietrios e se apropriar da riqueza, constituindo, nesse processo, uma nova sociedade. Essas mudanas radicais que podem ocorrer na Histria so conhecidas como revolues sociais. Estas, na viso de Marx, significam exatamente uma mudana ocorrida em momentos de grandes crises sociais, polticas e econmicas, com conflitos abertos e violentos entre as classes antagnicas, abrindo a possibilidade de derrubada das classes dominantes pelas classes dominadas. Nesse sentido, as Revolues Industrial e Francesa significaram a ascenso e a tomada do poder por uma determinada classe social em ascenso, a burguesia, que at ento Karl Marx (1818-1883), um dos autores clssicos da Sociologia contempornea. Photos.com Na Histria da humanidade, com o aumento da produo de riquezas, ocorreu uma diviso do trabalho entre os homens: entre agricultores e pescadores, entre homens e mulheres, entre trabalho manual e intelectual, at a chegada da diviso entre proprietrios e no proprietrios dos meios de produo (terras, fbricas, instrumentos de trabalho etc), ou seja, a formao das classes sociais. Classe social, na concepo de Marx, trata-se de um conceito. Este se define a partir da prpria constituio de todas as sociedades caracterizadas pela diviso do trabalho e da riqueza entre proprietrios e no proprietrios. Nestes casos, as duas classes sociais principais proprietrios e no proprietrios sero sempre 31. | Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociolgico32 era subordinada nobreza e ao clero. Por este motivo, essas revolues foram definidas por Marx como revolues burguesas. Em relao ao mundo feudal pr-existente na Europa, Marx entendia que essas revolues eram progressistas, pois significaram a constituio de uma sociedade moderna, capitalista, libertada das amarras que impediamodesenvolvimentoeconmico e tecnolgico de sociedades que se encontravam praticamente estagnadas. Marx, no entanto, defendia que essas revolues burguesas fossem superadas por outra revoluo mais radical, na qual a classe dos no proprietrios se apoderaria da produo e do poder poltico em mos da burguesia. Ele se referia, nesse caso, necessidade de que o proletariado realizasse uma revoluo socialista. Para Marx, portanto, o papel do indivduo na Histria e na sociedade no pode ser entendido se no se levar em considerao a classe social a qual ele pertence, ou seja, a posio que o indivduo ocupa nas relaes sociais de produo. Essa anlise chamada de Materialismo Histrico, justamente porque, no seu entendimento, cada indivduo pertencente a uma classe social se posiciona na sociedade de acordo com o papel que cumpre nas relaes sociais de produo, atravs do trabalho.Emoutraspalavras,oindivduo na sociedade se move de acordo com sua posio social nas relaes de produo, ou seja, para entender as aes dos indivduos necessrio observar suas histrias, inseridas numa classe social. MarxviveunosculoXIX,umapoca de intensas transformaes na Europa, com a ecloso e a expanso de diversas revolues burguesas. Ele acompanhou pessoalmente essas revolues, contribuindo sociologicamente para a sua compreenso. Ao mesmo tempo, ele considerava a situao da classe trabalhadora como injusta e que era necessrio modific-la radicalmente. Assim, a partir de sua anlise sobre a sociedade capitalista de sua poca, Marxpropequeaclasseexplorada,ou a grande maioria dos indivduos, que eram trabalhadores assalariados que no possuam os meios de produo (fbricas, terras etc.), se organizassem em associaes, sindicatos e partidos polticos. Primeiramente, o objetivo seria a formao poltica e tomada da sua conscincia de classe, enquanto classe trabalhadora; depois, numa etapa posterior da sua organizao, para transformarem a sua realidade de explorao e construrem uma nova sociedade, sem a participao dos proprietrios privados dos meios de produo (ou seja, industriais, comerciantes, banqueiros), mas cuja riqueza fosse apropriada coletivamente por todos os trabalhadores. A sociedade est na cabea de cada pessoa mile Durkheim (1858-1917) considerado o pai da Sociologia acadmica, pois foi o autor que sistematizou, definiu e aplicou a Sociologia nos espaos acadmicos da Frana, no final do sculo XIX. Na segunda metade do sculo XIX, a EuropaeaFranaviviamgrandesconflitos sociais, com a ocorrncia de diversas insurreies e revolues. Durkheim, nesse contexto, tinha uma grande preocupao com a estabilidade da ordem social. Para isso, ele precisava entender os mecanismos de funcionamento da sociedade de sua poca. Sua teoria se caracteriza por afirmar que as sociedades so regidas por uma conscincia coletiva, expressa em fatos sociais. Ele quer dizer, com isso, que a sociedade est na cabea de cada indivduo e de todos ao mesmo tempo. como se houvesse dois de ns dentro de ns mesmos... 32. Captulo 2 - Quem sabe faz a hora e no espera acontecer? A socializao dos indivduos | 33 Por fim, de acordo com Durkheim, o fato social geral na extenso de uma sociedadedadae,aomesmotempo,possui uma existncia prpria, independente de suas manifestaes individuais (DURKHEIM, 2007, p. 13). Isto significa dizer que os fatos sociais so comuns a todos os indivduos em uma determinada sociedade. Temos agora, ento, a sua terceira caracterstica, a generalidade. Durkheim afirma, dessa forma, que quando uma pessoa nasce j encontra fatos sociais estabelecidos coletivamente, que a seguiro pela vida e que se mantero depois de sua morte. O modo como esses fatos so representados na vida de cada um de ns, segundo Durkheim, que definem o que ele chama de conscincia coletiva. Esta formada por ideias comuns a todos, que est espalhada na sociedade como um todo, constituindo uma determinada conscincia de sociedade, que acaba por definir a nossa conduta. a conscincia coletiva que vai impor as regras sociais que precisaro ser obedecidas por cada indivduo, ou seja, as normas de comportamento que regem a vida de todos. A conscincia coletiva, por sua vez, se manifesta atravs da cooperao entre os indivduos. Durkheim define essa cooperao como a diviso do trabalho social, que vem a ser o nvel de especializao das funes entre os indivduos, em uma dada sociedade. A diviso do trabalho social, para Durkheim, est relacionada outra definio importante, a solidariedade. Esta dependeria do nmero de especializaes existente na sociedade, se subdividindo de duas formas: solidariedade mecnica e solidariedade orgnica. A solidariedade mecnica tpica daquelas sociedades nas quais a diviso do trabalho social pouco diferenciada, se distinguindo somente em alguns papis sociais, mile Durkheim (1858 1917), socilogo francs, assumiu a primeira ctedra de Sociologia criada na Frana (Universidade de Bordus). Leemage/OtherImages Durkheim afirma que a sociedade molda o homem, seus comportamentos, atitudes, ideias e aes. Assim, temos os fatos sociais. Estes, segundo Durkheim, so os modos de agir dos indivduos que so introjetados na mente de cada um de ns. Ou, nas suas prprias palavras: (...) consistem em maneiras de fazer ou de pensar, reconhecveis pela particularidade de serem capazes de exercer sobre as conscincias particulares uma influncia coercitiva (DURKHEIM, 2007, p. XXVII). Os fatos sociais, portanto, segundo as definies apresentadas no pargrafo acima, exercem uma influncia coercitiva, ou seja, um poder de presso, de obrigao. Esta uma das trs caractersticas dos fatos sociais: a coercitividade. A segunda caracterstica diz respeito a ideia de que, se os fatos sociais so introjetados na mente dos indivduos, porque eles esto presentes na sociedade em geral, sendo exteriores aos indivduos. Temos, ento, a sua segunda caracterstica: a exterioridade. 33. | Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociolgico34 em funo do gnero (se homem ou mulher) ou de acordo com a idade. Na definio de Durkheim, a solidariedade mecnica caracterstica de sociedades tribais e feudais, onde h pouco desenvolvimento tecnolgico. Nestas sociedades, a solidariedade no se d em funo de alguma dependncia ligada ao trabalho, mas sim por causa da tradio, da religio ou de alguma forma de sentimento comum a todas as pessoas. J a solidariedade orgnica tpica das sociedades industriais, nas quais a diviso do trabalho social diferenciada e complexa, onde os indivduos esto juntos porque fazem coisas diferentes so interdependentes. Nessas sociedades, a solidariedade dada pela grande especializao das funes e a diviso profissional do trabalho. Portanto, para Durkheim, estes so os dois tipos de cooperao existentes entre os indivduos, que dependem do nvel de solidariedade existente na sociedade, dividindo-se entre solidariedade mecnica e solidariedade orgnica. Na primeira h pouca diviso do trabalho social e na segunda h uma intensa diviso do trabalho social. Assim, quando Durkheim constri sua teoria ele est nos informando que o indivduo tambm um ser social, ou seja, ele socializado a partir do que j existe na conscincia coletiva. O indivduo um ser que apresenta a sua prpria personalidade. Ao mesmo tempo a sociedade vive na mente dele. Imaginem se levssemos uma pessoa do lugar onde ela vive para outra sociedade muito diferente ou mesmo para uma ilha deserta. Certamente ela levar muito da sociedade consigo. Enfim, no apenas o indivduo que faz parte da sociedade: esta faz parte dele como um todo. Vejamos um exemplo bastante importante para explicitar ainda mais o que Durkheim pensava a respeito das relaes entre indivduo e sociedade. Ele desenvolveu uma pesquisa para entender o suicdio como fenmeno social. Se para Durkheim a vida social tem a sua natureza prpria, suas caractersticas prprias, sua lgica, ento a vida social no o mero somatrio de indivduos, mas sim uma ordem coletiva onde cada um se reconhece como integrante em relao ao todo. Ento, Durkheim utiliza a teoria sociolgica para explicar que qualquer ato individual como o caso, por exemplo, do suicdio um fato social. Durkheim (1973b) diz que: (...) o suicdio toda morte que resulta mediata ou imediatamente de um ato positivo ou negativo realizado pela prpria vtima (p.468). Depois, ele pergunta se o suicdio ser mesmo um ato somente individual. E responde assim: certo que podem ser analisados (os suicdios) sob um aspecto completamente diferente (...). Com efeito, se em vez de vermos neles apenas acontecimentos particulares, isolados uns dos outros e que necessitam cada um por si de um exame particular, considerarmos o conjunto dos suicdios cometidos numa determinada sociedade durante uma dada unidade de tempo, constatamos que o total assim obtido no uma simples soma de unidades independentes, uma coleo de elementos, mas que constitui por si um fato novo e sui generis, que possui a sua unidade e a sua individualidade, a sua natureza prpria, por conseguinte, e que, alm disso, tal natureza eminentemente social. (DURKHEIM, 1973b, p.471) 34. Captulo 2 - Quem sabe faz a hora e no espera acontecer? A socializao dos indivduos | 35 Para verificar a sua tese, Durkheim entendeu como necessria a aplicao de uma determinada metodologia de pesquisa. Comparou as taxas de suicdios entre os pases da Europa ao longo de cerca de trs dcadas (1841 a 1872), fez anlises e relaes quanto idade, sexo, horrio dos suicdios, meios sociais em que se deram (religio, sociedade poltica, familiar, grupo profissional etc.) e acontecimentos histricos ocorridos com os pases no perodo da pesquisa (crises, crescimento ou conflitos econmicos, polticos ou sociais), entre outras variveis. Diante dos dados pesquisados e das diversas tabelas estatsticas, Durkheim, j no incio de sua pesquisa, destacou duas evidncias: a impressionante regularidade no nmero de suicdios, seja de forma absoluta (total de suicdios), seja de forma relativa (quanto taxa de suicdio por habitante) e, se comparadas a taxa de mortalidade geral com a taxa de suicdio, verificou que esta ltima no s mais constante durante longos perodos de tempo, como tambm possui uma invariabilidade maior. Em busca da determinao das causas produtoras do suicdio, o autor procurou relacion-las com os diferentes meios sociais em que eles se deram. Assim, constatou que, para cada grupo social, existiria uma tendncia especfica para o suicdio. Este no resultaria de outra natureza seno de causas sociais sendo, portanto, um fenmeno social. Aps esta constatao, Durkheim tentou primeiro apresentar as respectivas condies de existncia de determinados fatos sociais, que poderiam contribuir para a ocorrncia de suicdios, para, em seguida, buscar uma classificao do fenmeno. Ento, do ponto de vista dos indivduos, foi possvel distinguir trs tipos de suicdios: o anmico, o egosta e o altrusta. Os trs tipos, conforme concluiu Durkheim, so determinados pela forma como o indivduo est integrado socie- dade e sua ordem social, ao grupo social do qual faz parte e suas regras. Como voc poder observar, no quadro a seguir, o suicdio anmico e o suicdio egosta assemelham-se pelo fato de que, nesses casos, o coletivo no est atuando de maneira intensa no esp- rito dos indivduos, um pela ausncia de regras, o outro pela ausncia de razo e significao. Durkheim tentou demonstrar, com o seu estudo sobre o suicdio, que a sociedade influencia significativamente o pensamento e o comportamento dos indivduos. Nas guerras, o indivduo se anula ao se submeter s regras que suplantam a sua razo de viver. Na foto, soldados brasileiros fazem exerccios de guerra nas margens do rio Negro (AM). JucaVarella/Folhapress 35. | Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociolgico36 O suicdio anmico (da situao de anomia) prprio das circunstncias de desregulamento, quebra de harmonia. So exemplos as crises econmicas (no estudo, os casos da Prs