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Teoria e prática da . _ J.t Juan Carlos Vezzulla Com a colaboração de: Angelo Volpi Neto . José Ribamar G. Ferreira Af" Augusta de O. Volpi Prólogo de: Zulenta Wilde 0 ri INSTO DE MEDIAÇÃO Teoria e Prática da MEDIAÇÃO A Mediação é a mais bem sucedida técnica de solução de conflitos, pois corn ela as pessoas mantêm todo o controle do . processo, não dependendo de laudos ou sentenças que nem sempre satisfazem os interesses de ambas as partes. mediador é um profissional com uma atuação muito especial, pois sem decidir, deve ajudar as partes a inter-relacionarem-se e acharem o melhor caminho para resolverem seus conflitos satisfatoriantente. Este livro traz o susténto teórico das técnicas de mediação, assim como sua aplicação prática, e funda- mentalmente ensina do mediador como descobrir os verdadeiros interesses dos clientes envolvidos no litígio. H • • MISTMITO DE MEDIAÇÂO INSTITUTO DE MEDIAÇÃO Instituto de Mediação, associação sem fins lucrativos, pretende com a impressão deste livro continu- ar cum o cumpatenta dos seus objetivos: divulgar a Mediação e formar 116diadores no Brasil. Nascido em•'t'uritiba, Paraná, o Instituto de Mediação, na sua tarefa de difusão nacional da Mediação, vem promovendo seminários, palestras, cursos e agora, com esta publicação, seguramente enriquecerá o conhe- cimento desta técnica usada no mundo todo. Instituto de Mediação forma parte da Interamerican Mediation Association.

Teoria e prática da mediação

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Page 1: Teoria e prática da mediação

Teoria e prática da . _ J.t

Juan Carlos Vezzulla Com a colaboração de: Angelo Volpi Neto

. José Ribamar G. Ferreira Af" Augusta de O. Volpi

Prólogo de: Zulenta Wilde

• 0

ri INSTO

DE MEDIAÇÃO

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

A Mediação é a mais bem sucedida técnica de solução de conflitos, pois corn ela as pessoas mantêm todo o controle do . processo, não dependendo de laudos ou sentenças que nem sempre satisfazem os interesses de ambas as partes.

mediador é um profissional com uma atuação muito especial, pois sem decidir, deve ajudar as partes a inter-relacionarem-se e acharem o melhor caminho para resolverem seus conflitos satisfatoriantente.

Este livro traz o susténto teórico das técnicas de mediação, assim como sua aplicação prática, e funda-mentalmente ensina do mediador como descobrir os verdadeiros interesses dos clientes envolvidos no litígio.

H• •

MISTMITO DE

MEDIAÇÂO

INSTITUTO DE MEDIAÇÃO

Instituto de Mediação, associação sem fins lucrativos, pretende com a impressão deste livro continu-ar cum o cumpatenta dos seus objetivos: divulgar a Mediação e formar 116diadores no Brasil.

Nascido em•'t'uritiba, Paraná, o Instituto de Mediação, na sua tarefa de difusão nacional da Mediação, vem promovendo seminários, palestras, cursos e agora, com esta publicação, seguramente enriquecerá o conhe-cimento desta técnica usada no mundo todo.

Instituto de Mediação forma parte da

Interamerican Mediation Association.

Page 2: Teoria e prática da mediação

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Índice

Prólogo - Zulema Wilde 7

Prefácio - Angelo Volpi Neto 11

Introdução 14

Capitulo 1: Das Noções Gerais do Conflito 17 Conflito Inter/Pessoal 17 Os Conflitos Intrapsiquicos 20

fr"? . Conflitos reefs e falsos 24 A Comunicação 24 Escutar, sempre escutar 26

Capítulo 2: Do Cliente 29 A posição, encobrindo os interesses 31 Luta entre pessoas ou discussões sobre problemas 35 Qual é o cliente da Mediação 38 As emoções dos clientes 39

Capítulo 3: 0 Mediador 43 0 que é ser Mediador 43 As técnicas do Mediador 45 Que profissional é o Mediador? 49

Capitulo 4: A inter-relação entre Mediador e cliente 57

Capítulo 5: A Mediação 65 O inicio. Alguém quer tentar solucionar

seu problema corn a Mediação 66 A, Etapa Primeira. A -apresentação do Mediador

a das regras de Mediação 68 Etapa Segunda. Os clientes expõem o problema 72

(1--) - Etapa Terceira. 0 resumo e o primeiro ordenamento dos problemas 74 Etapa Quarta. A descoberta dos interesses ainda ocultos 75 Etapa Quinta. Gerar idéias para resolver os problemas. Os acordos parciais 78 Etapa Sexta. Acordo Final 80

A Mediação e o •Notariado - Angelo Volpi Neto 83

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 5

4? e e e e • • • e

Page 3: Teoria e prática da mediação

PRÓLOGO

ZULEMA WILDE

No quisiera que este libro emprendiera au primer viaje por

el mundo, sin conteneren su comienzo una expresión de aliento para

sus autores.

Los conflictos son inevitables en esta vida y admitir que los

métodos usuales de resolución han sido en general inadecuados,

costosos y hasta algunas veces destructivos -, ya representa un

avance.

Pensar en el Conflict° con un espíritu distinto, sin poner la

decisión en manos de °tit, tomando el podersobre la propia vida, es

decir sobre su curso, utilizando nuestra capacidad para eito. Ser

"arquitecto del propio destino", como decla Amado Nervo.

Asimismo, es ejercer el derecho de reconocerse diferentes,

lo que constituye otro valor importante en el mundo que nos rodea.

El fruto del esfurzo comienza a degustarse, no s6lo por la

enorme satisfacción personal de haber sido la sembradora de

inquietudes en estos espíritus perrneables que son el autor y sus

colaboradores, -semillas que han germinado rápida y robustamente,

prueba de eito, este libro-, sino por el ímpetu dado al estudio y difusián

del proceso de la mediación que se hace a través de esta obra.

Ella ayuda a que la mediación se constituya en un instru-

mento eficaz de paz para todos los que la comiencen a utilizar,

alentados por su lectura.

Buenosería que posteriormente los lectores la incorporaran

como bagaje de experiencia, para aplicaria ante otro contratiempo

futuro.

• •

• •

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 7

Page 4: Teoria e prática da mediação

• PRÓLOGO •

e ZULEMA WILDE

Não gostaria que este livro empreendesse sua primeira

viagem pelo mundo, sem conter no seu início uma expressão de

estímulo [Sara seus autores.

Os conflitos são inevitáveis nesta vida e admitir que os

métodos usuais de resolução têm sido em geral inadequados, de alto

custo e até, muitas vezes, destrutivos, representa já um avanço.

Pensar no conflito com espírito diferente, sem botar a

decisão nas mãos de outro, tomando o poder sobre a própria vida, é

decidir seu curso, usando nossa capacidade para isso. Ser "arquiteto

do próprio destino", como dizia Amado Nervo.

Ao mesmo tempo é exercer o direito de se reconhecer

diferente, o que constitui outro valor importante no mundo que nos

rod eia.

O fruto do esforço começa a ser degustado, não só pela

enorme satisfação pessoal de haversido a semeadora de inquietudes

nestes espíritos permeáveis que são o autor e seus colaboradores, -

sementés que têm germinado rápida e robustamente prova disso,

este livro senão pelo ímpeto dado ao estudo e difusão do processo

da mediação que se faz através desta obra.

Ela ajuda que a mediação se constitua num instrumento

eficiente de paz para todos os que comecem a utilizá-la, alentados

por sua leitura.

Seria bom que posteriormente os leitores a incorporassem

como bagagem de experiência, para aplicá-la num outro contratem-

po futuro.

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 9

ZULEMA WILDE

Amagazin Finalmente, es mi deseo que este esfuerzo también ayude

al cambio del estilo de vida de esta comunidad en esta materia.

8 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

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e e o o o o o e

o o

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o e •

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Page 5: Teoria e prática da mediação

• • • Finalmente, é meu desejo que este esforço ajude também

11/ mudança do estilo de vida desta comunidade, nesta matéria.

PREFÁCIO

ANGELO VOLPI NETO • À medida que comecei a tomar contato com a mediação e

entendê-la, não pude acreditar que tal técnica fosse tão desconhe-

cida no Brasil, aí me incluindo. No começo, demorei a entender o que

era, e hoje por experiência, sei da dificuldade de explicar sobre esse

tema a qualquer pessoa.

0 motivo, a meu ver, decorre do fato de tratar-se de algo

realmente desconhecido da nossa cultura, somando -se a um natural

bloqueio ou preconceito.

Invariavelmente, quando falamos de mediação temos que

desfazer confusões com a arbitragem, pois poucos entendem como

Harvard. •

Há ainda os céticos que acham que a mediação é "ficção •

científica, ou coisa do outro mundo e que não funciona no Brasil. •

411 Pois bem, este livro têm a intenção de esclarecer e ensinar

a mediação, Aqueles que se dispuserem a lê-lo e interessar aos que

tenham a mente aberta para seu valor.

Foi o que aconteceu comigo quando .a conheci, vislumbrei

um horizonte inexplorado, uma atividade nobre e gratificante, um

• 10. Teoria e Prática da MEDIAÇÃO Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 11

pode um conflito ser resolvido por uma terceira pessoa, sem que essa •

dê sua sentença. Junto ao notariado, sinto que muitos estão acostu-

mados a paziguar conflitos em seus ofícios e por isso acham que não •

há novidade alguma. Na verdade há uma distância bem grande entre •

"conciliação" e um conjunto de técnicas de mediação, desenvolvidas •

cientificamente durante anos, notadamente na Universidade de •

Page 6: Teoria e prática da mediação

poderoso instrumento de paz social. Uma resposta à crescente

.agressividade em nossa sociedade, aos métodos tradicionais e

carcomidos de solução de conflitos; uma saída honrosa para os

notários; uma luz para os advogados, e a única solução para a justiça.

Quanto à justiça, por mais que a agilizemos, por mais

esforço que possamos fazer, aumentando o número de magistrados,

informatizando-a, jamais daremos resposta aos anseios cia popula-

ção, enquanto tivermos que resolver todos nossos conflitos de forma

judicial. Para os advogados que, perante a opinião pública levam

parte da culpa da morosidade da justiça, quando eles mesmos são os

mais prejudicados, na mediação encontra-se a possibilidade imedia-

ta de, em muitos casos, oferecer uma resposta rápida aos problemas

de seus clientes.

Ao notário, notadamente em nosso país que vem sofrendo

continuamente um desprestígio profissional, uma diminuição de seu

rol de atividades, pode ser o início da curva ascendente, justo no

momento importante em que tem sua atividade, finalmente, regula-

mentada por lei federal.

As experiências vividas em vários países comprovam a

eficiência dessa técnica. A mediação é tão antiga quanto o próprio

conflito. Na cultura oriental é desde muitos séculos o método

preferido para resolver controvérsias. O Japão é um dos países que

possui o menor número de juízes por habitante, e a China possui mais

de um milhão de pessoas treinadas como mediadores.

Nos E.U.A., nos idos dos anos setenta, como um esforço

Inovador para aliviar o sistema de Cortes, o Departamento de Justiça

implantou pianos pilotos de mediação em três cidades americanas:

Atlanta, Kansas e Los Angeles. Em 1980 o Congresso desse país

sentenciou textualmente: "que a inadequação dos mecanismos de

solução de controvérsias nos Estados Unidos era contrária ao bem

estar geral de seu povo". E comprovando o êxito da experiência, a

estendeu a todo o país.

Em conseqüência, seu estudo desenvolveu-se em várias

universidades, com novas técnicas, sendo hoje parte do curso de

Direito das mais renomadas, tais como Harvard, Oxford e Yale. Hoje,

nos EUA a mediação é vista como uma filosofia de vida. Nas escolas

primárias, os alunos são treinados para que resolvam seus conflitos

entre sí mesmos. Acredita-se que dessa forma a sociedade tornar-se-

á menos violenta e mais interativa.

1 2 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 13

Page 7: Teoria e prática da mediação

demonstrando, no mundo, sua grande eficiência em todos os confli-

tos não criminais, pois, com ela, são as próprias partes que acham as

soluções. 0 mediador somente as ajuda a procurá-las, introduzindo,

com suas técnicas, os critérios e os raciocínios que lhes permitirão

um entendimento melhor. •

A mediação é uma técnica de resolução de conflitos, não'

adversarial, que sem imposições de sentenças ou de laudos, e, corn

um profissional devidamente formado, auxilia as partes a acharem

seus verdadeiros interesses e a preservá-los num acordo criativo/ _ onde as duas partes ganhem.

Ao contrário de um judiciário sobrecarregado e demorado,

a mediação propõe, em breve tempo, com baixos custos eprocuran-

do manter o bom relacionamento entre as partes, construir as

soluções que mais as beneficiem. Todas as questões comerciais, . -

cíveis, trabalhistas e familiares podem ser submetidas A—rn—ediação.

Com o uso da mediação o cidadão recupera sua indepen-

dência e o controle de sua vida pessoal, social e produtiva, num

convívio mais racional, adulto e pacífico, trazendo a necessária

liberdade e paz social que todos merecemos.

A mediação respeita o sigilo e a intimidade das partes,_

ajudando-as a solucionar seus conflitos num clima em que se

preservam os laços fundamentais.

A divulgação das técnicas ciq mediação ajudará a mudar a

sociedade que poderá assumir completamente o controle da própria

vida, transformando-a numa sociedade capacitada para gerar rique-

za e elevar, assim, o nível cultural e sócio econômico de seus

membros, pois o homem, conhecedor de seus problemas, é o único

capacitado para solucioná-los.

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 15

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INTRODUÇÃO

Juan Carlos Vezzulla

Assistimos às mudanças político-sociais mais importantes

dos últimos tempos. Muitas delas relacionadas ao uso da negociação

e da mediação, marcando a importância destas técnicas no desen-

volvimento das sociedades modernas. Citemos algumas.

A paz, ainda parcial no Oriente Médio alcançada com a

negociação direta ou assistida.

A organização social do sudeste asiático, baseada na

mediação, permitiu-lhe alcançar a eficiência que converteu a região

em um novo centro de poder econômico mundial.

A união regional dos países que demonstra a negociação

poder mais que as guerras por fronteiras.

Esses fatos evidenciam que o uso da negociação e da

mediação estão conseguindo objetivos, jamais esperados antes.

No plano social, os povos não desejam mais governos de

quaisquerideologias que regulamentem excessivamente a atividade

social e comercial dos habitantes: querem assumir as respon-

sabilidades de seus próprios atos, com o direito de, se organizarem

segundo suas próprias regras.

Nascida da necessidade de obter novos modos de inter-

relação, a mediação surge como resposta a essa necessidade de não

querermos mais que decidam por nós, pois estamos preparados para

sermos criativos e procurarmos as nossas próprias soluções para

nossos problemas.

A mediação é a técnica de solução de conflitos que vem

14

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

Page 8: Teoria e prática da mediação

o o 0

o

O Instituto de Mediação foi criado como uma organização

sem fins lucrativos para divulgar a mediação e formar mediadores.

Este livro tem como objetivo cumprir com os fins do Instituto de

Mediação e servir como complemento aos interessados em former-

se como mediadores, assim como de introdução para aqueles que

desejem conhecer os princípios dessa técnica.

Está em nossas mãos a mudança da organização social,

pois, pare aplicarmos a mediacão, não dependemos de qualquer lei _ -

ou regulamentacão oficial, mas tão somente do nosso empenho. Se

queremos ser fortes e competitivos devemos ensinar, elevar nosso

nível profissional e estar preparados para exercer a liberdade de•nos

organizar a fim de resolver nossos próprios conflitos com essas

técnicas.

16

Teoria e Prillica da MEDIAÇÃO

Capítulo I.

DAS NOÇÕES GERAIS DO CONFLITO

EIREatmailitIESSIEMEL.am

Conflito in

Sendo a mediação uma forma de solução de conflitos

vamos, inicialmente conceituar e classificar os conflitos, para a partir

dai ingressarmos no estudo dos elementos e procedimentos da

mediação.

Quando se fala de conflito, aparece, de forma geral, em

todas as pessoas, uma idéia negativa e assustadora: um claro alerta

de perigo próximo, do.qual têm que se defender.

O homem, como, todos os seres vivos, procura preservar

sua integridade e ela está, de maneira geral, associada ao equilíbrio

alcançadd..Esse equilíbrio, 'como se verá mais adiante, está relacio-

nado com 'a integridade psicofísica, e inclui todas as "posses" ( os

bens materiais possuídos ). Esse "statu quo", ao qual nos aferramos

como a uma tabua de salvação, vê-se em perigo quando a proxi-

midade de urn Conflito nos . ameaça..

O conflito tem sido estudado por diferentes ciências e

técnicas do conhecimento humano. Toda a estratégia militar está

baseada nos conflitos reais e potenciais entre países ou regiões. 0

comércio - internacional baseia-se em interesses confrontados que

podem gerar 'conflitos è ditar regras especiais entre mercados

diversos. A sociologia, assim como a História, estuda com atenção

Teoria ePráticada MEDIAÇÃO 17

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Page 9: Teoria e prática da mediação

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os conflitos . sociais; e são muitas as teorias que se baseiam na

,existência dos conflitos de classe, de raça e comerciais para explicar

a história e a evolução dos povos.

. Kenneth Boulding,ldefine o conflito como "uma situação de

concorrência, onde as partes estão conscientes da incompatibilidade

de futuras posições potenciais, e na qual cada uma delas deseja

ocupar uma posição incompatível com os desejos da outra". Acres-

centando que a interrelação que se estabelece entre ambas as partes

provoca condutas interativas entrelaçadas, numa- soma de ações

dinãmicas que são aplicadas a todas as interrelações humanas. Age-

se de determinada maneira para se conseguir o que se quer. Isso

provoca naquele que sente esse proceder contrário a seus interesses

uma reação a essa atitude. Que, por sua vez, provoca uma nova

reação na outra pessoa, e assim até

Também podemos deduzir da definição acima: "... ocupar

uma posição incompatível com os desejos da outra", outra chave da

sensação de ameaça que todo conflito acarreta: um sentimento de

invasão. Com resquício animalesco, o homem mantém um conceito

de propriedade, que, embora hoje em dia não mais a demarque com

sua urina, continua defendendo-a com todas as suas forças. A

propriedade não precisa ser material. Pode ser simplesmente um

desejo, em oposição ao desejo de outro, referente a uma posição

que, parafraseando a lei da física, não admite dois desejos numa

mesma posição. Gera-se então a possibilidade de um conflito pelo

simples fato de alguém desejar algo e, ao mesmo tempo, pensarque

outro está desejando o mesmo que ele. 2

Boulding, K. E. Conflict and Defense: A General Theory. Nova York: Harper and Row, 1962.

2 Esse conflito, que logo veremos como possivelmente falso, é, em muitas ocasiões, origem de conflitos verdadeiros.

18

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

Tais considerações nos aproximam do estudo da escalada da violência . que nasce com o medo (com base real ou fantasiada) e, se vai compondo com ações e reações num crescendo de

agressividade.

Rummel 3.. amplia o estudo do conflito, considerando-o

como "a luta pelo poder que se manifesta na procura de todas as

coisas". Esse autor divide o ciclo de vida do conflito em cinco fases: 1. o conflito latente, 2. o início do conflito, 3. a procura do equilíbrio do poder, 4. o e. quilíbrio do poder, 5. a ruptura desse equilíbrio. Tanto

na sua definição quanto na divisão do ciclo vital do conflito, Rummel

comunga com Kenneth Boulding, acrescentando à definição de conflito, o conceito de poder, e acentuando a interrelação das ações de um, como resposta às ações do outro.

O critério de propriedade acima citado, que é definiti-

vamente o conceito de poder, se vê refletido inclusive nas cinco

etapas propostas por Rummel. Fundamentalmente: nos conflitos • ( entre países. Uma região fronteiriça, que nunca foi muito bem

demarcada, constitui um conflito latente. A aparição de certas

riquezas na região, pode dar início ao conflito. Ambos os países

levarão suas forças armadas à região e juntarão todas as informa-ções que comprovem sua soberania, tentando ter mais peso que o Oponente. Com essas ações o poder se equilibra, recebendo, por exemplo, cada um deles diversos apoios internacionais, etc. Mas

esse equilíbrio é frágil demais, e qualquer fato pode levar a alguma ação que produza a sua ruptura, pois o problema original "nunca foi solucionado.

3 Rummel, R. J. Understanding Conflict and War. Nova York, Wiley, 1976.

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 19

Page 10: Teoria e prática da mediação

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e A definição de conflito desses autores tem uma visão

cíclica de gestação, nascimento, desenvolvimento e eclosão, que envolve uma teoria descritiva evolutiva e que, apontando para sua

manifestação, deixa de lado sua estrutura e sua natureza. Para nós mediadores, também é interessante a definição

de Deutsch 4 que diz podero conflito se manifestar de duas maneiras: _

o conflito manifesto, que é aberto, ou explícito, e o conflito oculto, que implícito, oculto ou negado. Esse autor introduz o conceito de

conflito oculto que necessariamente deverá ser estudado, conside-rando-se as limitações pessoais em conhecer ou perceber o conflito real.

Resumindo essas definições, podemos convir que o confli-to consiste em querer assumir posições que entram em oposição aos

desejos de outro, que envolve uma luta pelo poder e que sua expressão pode ser explícita ou oculta atrás de uma posição ou discurso encobridor.

Essas apreciações se referem, sobretudo, ao estudo de conflitos entre países, regiões ou empresas, deixando de lado o homem singular. 0 nosso cliente.

Os conflitos intra-psíquicos.

Como 0 trabalho do mediador é com pessoas, estejam elas

diretamente envolvidas no conflito ou atuando em representação de organizações, é de grande importância explorar os estudos psico-lógicos que foram realizados sobre os conflitos intrapsíquicoss, a

4 Deutsch, Morton: The Resolution of conflict. New Haven: Yale University Press, 1973.

5 Entre outros Freud Sigmund, Obras Completas, Buenos Aires Ed. Amorrortu, 1976.

partir do início do século XX, que possibilitaram um grande avanço

'na compreensão dos conflitos interpessoais e que esclareceram o

aparecimento de aspectos e motivações ocultas dentro do conflito

manifesto.

0 ideal social de homem racional, equilibrado, dono de sí

e de seus atos, que deu origem As leis e regulamentações sociais,

inclusive em suas exceções 6 ; se vê frágil e até obsoleto diante da

constatação da existência de um psiquismo inconsciente, com

desejos e pensamentos que atuam sobre nossa consciência e

influenciam nossas percepções, pensamentos e atos. 0 psiquismo

inconsciente se manifesta quando uma pessoa expressa seu desejo

de obter determinada coisa e, na realidade, faz tudo ao contrário.

Essa posição contraditória entre um querer consciente e uma condu-

ta contrária, demonstra que, longe de sermos donos de nossos atos,

estamos fragmentados e determinados pelo nosso inconsciente em

suas contradições com nossos desejos e pensamentos conscientes.

Tanto na teoria psicológica economicista, que enfatiza a

origem do conflito no acúmulo de energia e sua necessidade de

expressão, em contradição aos nossos interesses sociais e afetivos;

como na divisão do aparelho psíquico em instâncias opostas (id, ego

e super-ego) aos interesses e desejos encontrados, o conceito de

conflito intrapsíquico foi sempre o de luta por manter um equilíbrio

que assegurasse a ilusão de integridade e de não contradição que,

fundamentalmente, liberasse o sujeito da angústia.

A luta entre a procura - de satisfação das necessidades; o

respeito aos ideais (auto-estima), que podem entrar em contradição

4 Nos menores de idade, nos doentes mentais, permanentes ou temporários, e nos excepecionais, todos eles inimputáveis ou nos atos praticados sob domlnio de violenta emoção, com diminuição na pena.

20 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 21

Page 11: Teoria e prática da mediação

O • • • • S

• • • • • • •

com essas necessidades; e o que os outros esperam do sujeito (como

.deve ser para ser querido), é a chave do conceito de tensão e conflito

na ótica psicológica e de grande importância de ser compreendido

pelos mediadores. Estes pianos de querer, dever ser e procurar ser

querido serão os que dominarão a comunicação dos problemas e

confundirão os clientes, não só na elaboração dos seus discursos,

mas, também, o próprio saberdo que desejam realmente, equais são

seus interesses.

0 fato de que a cria humana nasce total e absolutamente

indefesa e que precisa, para sobreviver, dos cuidados de um adulto .

que interprete suas necessidades e as satisfaça, gera uma fragmen-

tação originária no ser humano entre suas verdadeiras necessidades

e a interpretação delas feita pelo adulto. Toda mãe e todo pai tem

uma imagem do que será seu filho, baseado nos seus próprios ideais

e desejos inconscientes que determinarão o modelo onde se formará

o flexível e fraco aparelho psíquico infantil. Uma criança sabe que

sobreviverá se for cuidada e protegida pelos adultos, e que o será (ou

seja, terá o carinho deles) se aceitar ser e formar-se nesse molde que

seus pais fabricaram para ela, ao menos até à adolescência. Assim,

junto com sua bagagem constitucional, a criança deverá incorporar

todas as mensagens inconscientes de seus pais, todas as ordens e

recomendações conscientes pronunciadas por eles e toda a informa-

cão que a sociedade introduz nela (educação) como conhecimentos

de uma estrutura do que é esperado dela, no presente e no futuro.

Chamamos a esses três níveis de imposições de "ilusó-

rios", pois dão normas que criam a ilusão, de serem cumpridas, de

assegurara equilíbrio e a ausência de angústia. Esses ilusórios são:

Ilusório pessoal, o ilusório familiar e o ilusório social. Ao mesmo

22

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO .

tempo, esses ilusórios, cheios de preconceitos, limitam tanto a

percepção quanto a ação do ser humano, deixando-o preso e

pressionado por eles.

0 querer ou desejar, na linguagem cotidiana, nos repre-

senta. ldentificamo-nos com nosso desejo ao ponto de ser com ele

um só. Ser profissional, estar casado com alguém, ser pai ou filho de

tal, ser funcionário de tal empresa, passa rapidamente a constituir-se

em nossa identidade e conseguimos manter o equilíbrio sempre que

possamos continuar associados a esse desejo-objeto que nos repre-

senta e, ao mesmo tempo, nos identifica. Somos sujeitos, na base de

nosso próprio desejo, e estamos sujeitos precisamente a esse desejo

que defendemos e pelo qual lutamos.

Por isso, o conceito de conflito está associado em todos

nós, com coisas negativas, precisamente, pela ameaça de fazer-nos

perdera equilíbrio entre todas as forças encontradas em um precário

acordo,que nos dá a ilusão de felicidade.

Se somamos essas contradições internas às outras gera-

das na luta pelo poder, na rivalidade pelos espaços e pela imposição

de nossa vontade, teremos nos aproximado do verdadeiro conceito

de conflito interpessoal, onde duas individualidades, confundidas

pelas próprias limitações intrapsíquicas, se enfrentam por posições

incompatíveis, determinadas pelo desejo de poder mais que o outro,

estruturadas numa posição defensiva, cheia de preconceitos, que

confunde mais do que esclarece os próprios interesses.

Na medida em que o mediador possa transMitir a seus

clientes os aspectos positivos do conflito,' rumo à importância de

aproveitara crescimento e a nova ordem, remarcando o benéfico, e

acalmando a angústia, poderá contar com a colaboração deles e,

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 23

Page 12: Teoria e prática da mediação

assim, ajudá-los a resolver satisfatoriamente seus problernas.

Conflitos reais e falsos.

Podemos definir, que existe um conflito real se existe uma

real oposição entre os desejos e direitos de uma pessoa é ásOésejos

e_ direitos de outra pessoa ou grupo. Deixamos o nome de fats° para

aqueles conflitos originados por falhe da comunicaçãoque_parce

produzir, ate que as coisassejam aclaradas, uma aparente oPosição.

É fundamental para um mediador ter absolutamente clara

essa diferença, pois, normalmente, a escalada de .violência, a

confusão dos reais interesses de cada parte, e a confusão entre os

verdadeiros problemas e as pessoas entre as quais esses problemas

existem, contêm sempre distorções originadas na falta .de comu-

nicação ou por falhas na escassa comunicação existente .entre as

partes. Por isso é importante que o mediadordomine os conceitos da

teoria da comunicação e saiba da importância da clareza na emissão

da mensagem e as dificuldades que o ser humano tem de escutar

mensagens tal como foram emitidas.

A comunicação.

Toda_cornunicação consta de trés partes: • o emissor, o _ _

canal pelo qual a mensagem é transmitida, , e. o • receptor. Falhas

podern aparecer em qualquer uma ou em todas elas.

É fundamental que o mediador não deixe nada sem escla-

recer, nem da nada por conhecido. 0 jogo de "eu sei que você sabe

que eu sei"tão próprio da comunicação humana, é a "mãe" de muitos

falsos conflitos, que o mediador deve desfazer.

24 Teoria e Prática da MEDiikgÃO

Todos os especialistas em comunicação explicam a impor-

tância de pensar a quem se dirige a mensagem, para poder elaborá-

la segundo a linguagem que sera a mais clara para o receptor. 0

exemplo mais vulgar seria o de não falar em português com alguém

que só fale inglês. Daí, para qualquer outro exemplo, a chave é tomar

em consideração o uso de termos e modos de expressão que serão

compreendidos pelo receptor. Por isso, é muito importante analisar

os ilusórios de cede cliente, para saber como nossa mensagem

atingirá melhor nosso objetivo.

Uma segunda regra exige que confirmemos sempre a boa

recepção da mensagem. Como veremos nos capítulos posteriores, o mediador deve sempre fazer um resumo do que escutou, para

assegurar-se de ter compreendido corretamente e para que os

clientes também focalizem sua atenção no essencial do problema.

A regra básica da combnicação, fundamental em negocia-

cão e mediação, é a de escutar com atenção. As pessoas estão

acostumadas a dar por entendida qualquer mensagem, ainda antes

de ter sido emitida totalmente: "eu já sei o que você quer, ou vai

dizer, e basear-se rios próprios temores para supõr quais são os

desejos e quais serão os discursos da outra parte. Em geral tentam

interromper, adiantar-se e assim não escutam o que a outra pessoa

desejava transmitir. É fundamental que o mediador introduza a regra

de respeito aos tempos de expressão de cada parte, enfatizando a

importância da escuta atenciosa da outra parte, para que, a sua vez, ter também assegurado o direito de expressar-se com toda tranqüi-

lidade, com a certeza de ser escutado.

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 25

Page 13: Teoria e prática da mediação

• • • •

Acland' aponta para uma boa comunicação bilateral:

que as partes se escutem com atenção;

CI que falem com clareza e determinação;

que possuam uma atitude aberta â apresentação de

informação e de idéias novas;

que estejam dispostas a concordar; (eu acrescentaria: a

discordar);

que aceitem os outros como iguais.

mediador, longe de imp& sentenças, impõe regras de

comunicação, inclusive com seu exemplo. Dal a importância de que

as conheça completamente.

Escutar atentamente, inquerir para saber mais, e fazer um

resumo do compreendido, são as regras da comunicação mais

importantes a serem tomadas em conta pelo mediador.

Pois, assim como a responsabilidade dos clientes é a de

discutir o problema; a do mediador 6. a de como discuti-lo.

de ouvi-lo falar; pois é no falar que o homem se revela."

Palavras que têm milhares de anos e que estão esqueci-

das. Como. diz o ditado, temos duas orelhas e uma só boca, para

escutar o dobro do que falamos. É no discurso dos clientes que se

encontram os verdadeiros desejos, de onde se desprendem os

verdadeiros interesses, onde são revelados os medos mais profun-

dos. Em mediação, a escuta atenciosa dos clientes é a chave que 1

nol) abrirá as portas para conhecer e reconhecer os reais interesses e os

, meios de chegar a acordos onde esses interesses sejam respeitados.

O caminho para superar o conflito.

Escutar, sempre escutar.

"É no falar e no agir que a pessoa humana se revela por

aquilo que é. Quando a gente sacode a peneira, ficam nela só os

refugos; assim, os defeitos de um homem aparecem no seu falar.

Como o form prova os vasos do oleiro, assim o homem é provado

em sua conversa. 0 fruto revela como foi cultivada a árvore; assim,

a palavra mostra o coração do homem. Não elogies a ninguém ante

7 Acland, Andrew Floyer. Como utilizar la medicadón para resolver conflictos

en los organizaciones. Paid6s, Buenos Aires - 1993. 8BIblia: Eclesiástico 27,47

26 Teoria e Preilica da MEDIAÇÃO Tearia'e Pratica da MEDIAÇÃO 27

Page 14: Teoria e prática da mediação

Capítulo 2.

DO CLIENTE

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Quando duas pessoas brigam, o crescimento ou escalada

da violência confunde de tal maneira a comunicação, que já ninguém

sabe com certeza, qual foi a verdadeira causa que deu início à briga.

Que interesses opostos a geraram.

Basta tomar como exemplo a discussão de um casal, onde

a simples reclamação por uma comida fria ou sem tempero, conver-

te-se rapidamente em uma longa briga onde todas as mágoas,

guardadas há tempo, surgem como de uma torneira plenamente

aberta, inundando a conversa e fazendo desaparecer as verdadeiras

razões da origem da discussão. E, o que é mais importante, encobrin-

do a real causa que motivou a agressão.

Além do mais, o que acontece quando um conflito é levado

justiça; todas gS necessárias fórmulas legais, incrementam tanto o

conflito inicial, que pouco ou nada dele, fica como era originariamente.

Quando duas pessoas lutam pelo direito a uma proprieda-

de, as razões objetivas que sustentam com clareza tal direito são as

que as levam a sentar, negociar e, finalmente, chegar a um acordo:

com que parte, ou com que uso da propriedade ficará cada uma

delas. Por que, então sentar-se ; e chegar a um acordo, não

possível?

Tenho apontado as pressões a que é submetido o ser

humano desde o nascimento e 'clue fazem com que o aparelho

psíquico se estruture em uma unidade fragmentada. Somos pessoas,

graças a este constituinte que nos dá a ilusão de ser um e ao mesmo

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 29

Page 15: Teoria e prática da mediação

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tempo muitos, nas contradições. Isso é, precisamente, a chave das

falhas `na comunicação com os outros.

Se os clientes não podem dar conta de seus próprios

desejos, como farão para lutar por eles, sem a contradição própria da

irresolução.

Sentem-se agredidos pela intromissão ou a invasão do

desejo de outra pessoã em seu objeto desejado; mas não conseguem

saber com certeza, o que desejam desse objeto ou para que o

desejam.

Lutam com ideais de justiça pelo que consideram sua

propriedade sobre o objeto ou ao menos seu direito sobre ele, mas

desconhecem não somente se é esse seu objeto, senão que parte ou

porção dele é seu ou a que têm direito realmente.

Nesse jogo ilusório de propriedades e direitos, de confu-

sões refletidas de seus próprios conflitos internos, surgem os grandes

conflitos interpesso a is.

Sem me aprofundar aqui, nas identificações que os impul-

sionam a agirem de determinada maneira, confundindo o querer com

aquele dever querer, para serem como o modelo, ou terem o que ele

tem. Esse conjunto de identificações mexe tanto com a conduta e,

fundamentalmente, com a personalidade de uma pessoa, que cria

uma confusão, no sentido de que ela tem a obrigatoriedade de possuir,

ou reagir de uma maneira, quando seu real interesse é outro. Em

problemas familiares aparece com freqüência essa confusão: uma

mulher deseja a sua independência, mas não aceita deixar seus filhos

com seu ex-marido, pois as identificações com a figura de mãe indica

que deve ficar cuidando deles, apesar dos interesses próprios e os dos

filhos, os quais seriam melhor cuidados por quem realmente deseja.

30 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

Repito que é com esse homem, sujeito a todas essas

pressões, que o mediador se enfrenta quando o cliente lhe apresenta

um conflito, seja da ordem familiar ou comercial.

QUe acontece com essas pessoas que não conseguem

explicitar seus interesses, nem ouvir os da outra parte?

Como fazer para descobrir esses interesses reais e desar-

mar um discurso, tão elaborado, quanto 6 de um cliente que briga

pelo que ele acha que são seus direitos?

A posição, encobrindo os interesses.

0 trabalho de escuta das "posições" dos clientes e da

descoberta do latente contido em seu discurso é o mais importante

a ser feito pelo mediador no primeiro momento.

Sabemos que nenhum conflito é como se apresenta na

superfície. Como um iceberg, a parte oculta é muito maior que a

visível.

Os clientes estão acostumados a não serem frontais na

verbalização de. seus interesses. Não estou falando somente do

demandar encobridor do desejo 9 , mas sim diretamente, de encobrir

a mesma demanda, pois eles pensam que o adversário não deve

saber as verdadeiras razões que o assistem na disputa, com o risco

de perder a possibilidade de ganhá-la.

A sociedade toda está Otruturada na simulação. Social-

mente é de mau gosto dizer diretamente o que se quer, e as pessoas

° Lacam, Jacques. Em toda sua doutrina psicanalltica, diferencia a demanda, ou seja o discurso com o qual se pede alguma coisa, do real desejo que não pode ser expressado por ser Inconsciente. A demanda pode ser satisfeita, mas o desejo fica sempre pressionando em sua insatisfação, dcultando-se na demanda. O que produz a busca permanente, o demandar permanente, na irrealizaçao do desejo.

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 3 1

Page 16: Teoria e prática da mediação

numa exposição oral que pouco ou nada terá dos interesses iniciais

que a levaram ao litígio.

Esse discurso armado e estruturado com base em opiniões

de outras pessoas é tão hermético, que sobre ele nada pode ser feito.

É uma repetição continua da mesma alegação que só consegue

reforçar o discurso do oponente, fechando-o na sua posição, que será

tão solidificada quanto a outra.

Derrubar essa posição tão estruturada e inútil para deixar

fluir o verdadeiro interesse, perdido e disfarçado durante a escalada

de violência, é imprescindível no processo de mediação.

Não é possível mediar entre duas pessoas que repetem

sempre o mesmo discurso e que, frente a cada ataque, têm uma

resposta preparada. 0 mediador deve quebrar esse círculo vicioso

com perguntas que conduzam à reflexão e à emergência dos

interesses reais.

Fisher e Ury'°, dizem que não é possível negociar sobre

posições, ou seja, sobre aquele discurso estruturado e fechado que

uma pessoa apresenta como seu objetivo e as razões que o susten-

tam, mas, sobre interesses concretos e reais de cada pessoa.

Essa. posição deve ser quebrada pelo mediador, investi-

gando e questionando para ajudar a parte a refletir procurando, na

ruptura do discurso, - sejam contradições ou outros sinais que

chamem nossa atenção, - investigara emergência do outro discur-

so, o verdadeiro. Assim se procede na mediação com os clientes,

até ajudá-los a descobrir os verdadeiros interesses na causa em

discussão.

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são formadas para disfarçar seus pedidos.

Somos educados na simulação e na desconfiança. Em se

tratando de dinheiro e propriedades, a situação se complica ainda

mais. Se em organizacões sociais, como as dos anglo-saxões,

onde os problemas comerciais e de dinheiro são tratados mais

abertamente, é necessário o uso da mediação para descobriras reais

interesses em jogo, em sociedades latinas como a nossa, essa

necessidade é imperiosa. Vamos ver como seria a escuta simples de um profissional

do direito, quando um cliente requer seus serviços. Primeiro: vet- que

leis regulam o problema apresentado, segundo: que jurisprudência

existe sobre o assunto, e, terceiro: com que incrementar a reivindi-

cação para fazê-la mais aceitável, para que o juiz dite uma sentença

favorável. Normalmente o cliente é sustentado por esse profissional

na sua posição, e seu ódio pelo adversário é incrementado. Recebe

instruções sobre o que dizer e como dizer, tomando mais rígido e

inescrutável seu verdadeiro interesse original. Obtém informações

numa lingua especial, cheia de termos técnicos, dos quais poucos

são os realmente compreendidos pelo cliente.

Este é um cliente que entrou com um problema e saiu com

uma complicação semântica na cabeça e sua litigiosidade incre-

mentada. Envolvida num litígio, uma pessoa vai falar tanto dele e

escutar tantos conselhos e recomendações de familiares, amigos e

profissionais que, dia a dia, esse discurso se verá "enriquecido" com

inúmeros argumentos e frases feitas, até conseguir solidificar-se

I° Fisher, Rojer and Ury, William. Getting to yes. Peguin Books, Nova York -

1991.

32 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

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Page 17: Teoria e prática da mediação

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As perguntas chaves são: o quê? e por quê?, sem o intuito de'culpabilizar, mas desejando saber, conhecer sempre mais. Toda

intervenção do mediador que produza a verbalização de maiores informações, destravando os medos e as limitações dos clientes, produzirão um efeito liberador que ampliará a visão dos problemas e aguçará a criatividade," represada pela cristalização do discurso.

Logicamente nós, mediadores, não pretendemos curar ninguém, mas é importante ressaltar o efeito liberador que produz

nos clientes a possibilidade de alcançar o conhecimento de seus próprios interesses, livres das pressões que os confundiam e impe-diam de saber exatamente o que queriam obter nesse pleito.

Sabemos que um cliente ao falar está expressando um discurso que contém outro. Que no discurso manifesto há um outro oculto, ou latente, contido nele.

Com o objetivo de descobrir o latente é que o cliente começa a ser escutado pelo mediador, com a outra orelha que é a de investigar como um detetive, ou melhor dito como um mediador, o verdadeiro discurso do cliente.

• Baseado no sigilo, o mediador procura ganhar a confiança do cliente, demonstrando-lhe Clue- ele está ai precisamente para ajudá-lo, e que toda abertura do discurso conduz a obter resultados

melhores. Na confusão do litígio, o único espaço onde o cliente pode falar com tranqüilidade e desabafar é na sessão de mediação, frente a frente (face a face) com o mediador.

Com perguntas dirigidas a ampliara questão, a depor toda

posição fechada a novas possibilidades, incentiva-se a criatividade e se libera o cliente de pressões que pouco ou nada ajudam a satisfazer seus interesses.

Muitas vezes escutamos alguém expressar sua vontade

para conseguirtal ou qual coisa (por exemplo, separar-se do cônjuge)

e ao mesmo tempo percebemos, através desse discurso, que toda

sua ação está orientada a conseguir o contrário (tentando acordos

que criarão uma dependência onde a separação nunca se concre-

tize)." Apontando essa contradição, o mediador derruba a posição

estruturada no discurso, provocando a emergência dos reais objeti-

vos do cliente. Desarmado, o cliente começa a deixar surgir seu

verdadeiro interesse e com isso facilita a solução do conflito interpes-

soal que o trouxe à mediação.

Luta entre pessoas ou discussões sobre problemas?

Quando duas pessoas brigam, sejam quais forem as ra-

zões, a real causa da dispute deixa rapidamente seu espaço ao

oponente que passa a ser o alvo de todas as agressões. A partir daí,

há um conflito direto com essa pessoa: "Essa pessoa quer me roubar,

essa pessoa quero que é meu", e finalmente essa pessoa passa a ser

a causa de quantas desgraças possam ocorrer.

tão arraigada a cultura adversarial nas sociedades, que

em algumas justiças se autuam os processos com os nomes dos

adversários, com um versus ou urn' contra no meio.

Comumente, se presenciamos uma discUssão entre duas

pessoas, e, interrompendo-as, perguntamos a razão da discussão,

escutaremos delas um grande número de acusações de uma para a

11 É habitual que os clientes expressem apaixonadamente um objetivo e na pratica façam tudo para ilk, consegui-lo. No filme A Guerra dos Roses, ambos esposos expressam seu desejo de separaçao, mas os dois fazem tudo para ficar juntos, até que a morte os separa.

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

35 34 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

Page 18: Teoria e prática da mediação

utra, culpando-se mutuamente: "por não querer compreender, por

ue o outro é um cabeça dura, por que o outro diz ou fez tal ou qual

oisa". Raramente escutaremos uma síntese do problema que as

wou a discutir.

Essa e" a base da escalada da violência. Personalizando-se a

iscussão cada vez mais, o problema passa a ser "o outro", e não o

roblema real, incrementando-se os sentimentos negativos que um

entirá pelo outro. Chegando-se a perceber um ao outro tão ameaçador

ue, de urn problema em que duas pessoas ou.partes estão envolvidas,

assa-se a uma luta entre adversários, a inimigos de morte.

Da impossibilidade de separar as pessoas dos problemas

ue as confrontam, surge a organização judicial atual, onde é tão

npossível falar entre os oponentes do problema sem brigar, que

, recisam de um juiz para mantê-los separados que imporá uma

entença à qual devem submeter-se, pela incapacidade de negocia-

em entre eles a melhor solução.

Ao mesmo tempo esta cultura de confundir os problemas

.om as pessoas tem criado a meta de ganhar, como numa guerra, na

iase da destruição do inimigo. 0 conceito de que se "ele ganha eu

lerco", e vice-versa, impediu a possibilidade da negociação direta,

lois o interesse de um, de ficar com tudo, deixa sempre o outro na

itu ação de perda total.

A possibilidade de encaminhar novamente a atenção sobre

verdadeiro objeto, sobre a verdadeira causa da disputa, e centrar

i isso as discussões, leva as partes a um uso comum das palavras

)ara referir-se aos verdadeiros direitos e interesses sobre o objeto do

pal se trata, e a reduzir a agressão entre elas.

"Centralizaras discussões sobre os objetos e deixarde lado

16

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

os problemas pessoais", é a outra regra a ser respeitada e que o

mediador deve impor desde o início, nas sessões de mediação.

Devo aquí apontar que somente quando as partes desejam

alcançar soluções, é que o mediador conseguira impor a regra de

centrar-se nos problemas e deixar de lado as pessoas.

Muitas vezes as pessoas simplesmente inventam proble-

mas para poderem brigar. Nesse caso a mediação somente lhes

servirá para fazer com que vejam a inexistência de problema algum,

fora de seu desejo de brigar, pois não se lhes permitirá continuar a

luta. Os tribunais, nesse caso, oferecem um ambiente mais propício

e lhes proporcionarão maiores satisfações.

É fundamental que o mediador tenha bem . claro, para

transmitir a seus clientes, que a mediação poderá ajudá-los somente

se eles desejam preservar o relacionamento, aprimorá-lo ou ao

menos não prejudicá-lo. Se não existe esse interesse, a mediação

perde a maior de suas forças e os convénios correm risco de ficar

detidos, pela falta do desejo de reconstruir ou preservar o relaciona-

mento anterior à briga, ou recriar um novo relacionamento, já que o

antigo fracassou.

0 mediador pode aceitar, e até é bom que fomente, o

desabafo emocional, mas nunca pode permitir a agressão, e deve

marcar que o objetivo é achar soluções satisfatórias para ambas as

partes.

Repito, pois é fundamental para o processo da mediação:

o mediador deve saber diferenciar quando seus clientes estão

confundindo o problema com uma briga pessoal, porcausa da cultura adversarial em vigência; de quando o objetivo de seus clientes simplesmente brigar entre eles, sem outra razão que a de vencer. No

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primeiro caso a insistência em que os clientes focalizem as discus-

sões nos , problemas e não neles mesmos, sera suficiente para

introduzir o respeito nas negociações. No segundo caso, sera melhor

suspendera mediação até que eles acalmem seus ânimos e revejam

seus objetivos.

Oual é o cliente da mediação?

• A mediação, repito, é de grande utilidade nos casos em que

as partes desejam achar soluções onde os interesses de ambas •

sejam respeitados. Onde seja importante preservar e ate aprimorar

o relacionamento, mas nunca piorá-lo.

Outra virtude da mediação é o sigilo. Muitos problemas

comerciais ou familiares requerem um tratamento sem publicidade,

sem transcendência. Quando os clientes desejam achar as soluções

dentro de parâmetros privados, a mediação pode ajudá-los

grandemente.

Uma das exigências fundamentais que o mediador deve

impor no inicio da mediação, é a de que os participantes tenham

representatividade suficiente para expor o problema e decidir as

soluções. A importância do interrelacionamento das partes nas

sessões de mediação, faz com que sejam elas mesmas as que

tomem decisões. A necessidade de consulta com superiores ou

representados, enfraquece a mediação no ponto mais importante

que é o do relacionamento entre as partes e a escuta de seus

interesses e necessidades.

Resumindo: o cliente apto para solucionar seus problemas

38 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

através da mediação é aquele que, capacitado para decidir, deseje

preservar seu relacionamento com o outro, com o objetivo de tomar

decisões que • contemplem a satisfação dos interesses de ambos,

num clima cordial, sem difusão e sem demoras.

As emoções dos clientes.

Temos falado bastante da necessidade do ser humano de

preservar um equilíbrio psíquico, e de como esse equilíbrio se sente

ameaçado com a emergência de um conflito. Um alerta é disparado,

fazendo com que os seres vivos se preparem a enfrentar um perigo,

quando alguma informação recebida pela percepção aponta a exis-

tência de um elemento fora do normal. A primeira reação dos seres

humanos é a de prepararem-se para defender a integridade, seja

física ou psíquica, que se sente ameaçada. Esse primeiro alarme,

sentido como angústia, faz com que o aparelho psíquico se prepare

para defender-se de um perigo, seja ele intrapsíquico ou exterior.

Essa angústia deixa o homem com os sentidos mais alertas para•

reconhecer a realidade e importância do perigo. Essa angústia,

dependendo da comprovação da realidade do perigo, o induzira a

fugir ou a atacar. Após uma possível paralisia temporária.

Um cliente com um conflito está sempre angustiado, por

isso é fundamental que o mediador o ajude a acalmar-se. Essa

angústia converte-se logo em medo, pois, se decide atacar, terá

medo da devolução defensiva da outra parte, e, se foge, o faz

também com medo. Não ha aqui a necessidade de remarcar que o

grande sentimento da paralisia é o medo.

Quando um cliente grita ou agride é porque sente medo, o

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mesmo quando para ou foge para não enfrentar o problema. Esse

medo, sentimento próprio de quem sente seu equilíbrio em perigo,

favorece a escalada de violência, levando as partes a confundirem

pessoas com os problemas e a necessidade de construirem o seu

discurso da posição, acreditando que ele seja o melhor escudo

protetor da fragilidade que está sentindo.

0 cliente deve acreditar no mediador e senti-lo protetor.

Ambas as partes devem sentir-se cuidadas pelo mediador. Este deve

demonstrar-lhes sua imparcialidade que implica em marcar os

momentos de injustiça, assim alertá-los quando uma proposta foge

dos critérios de realidade. Deve fazê-los sentir-se à vontade,

compreendidos e cuidados por ele. Isso faz com que o medo e a

angústia diminuam e, logicamente desapareçam as condutas asso-

ciadas a esses sentimentos.

Muitos autores que trabalharam as características e dificulda-

des dos homens para negociar, apontam o medo como o principal

inimigo. 0 medo bloqueia o raciocínio, a afetividade e com isso a

criatividade, valores fundamentais que entram em jogo na mediação.

Um homem ou mulher que chora ou grita ou treme está

pedindo ser socorrido. São sinais que o mediador não deve deixar

passar, sem reconhecimento e compreensão, com frases como:

"Compreendo o que está passando e o quão difícil 6 para o senhor/

a senhora, esta situação. Eu estou .aqui para ajudá-los e facilitar as

coisas ao máximo. Vocês já deram o primeiro passo ao virem até

aqui, que demonstra suá fortaleza e o desejo de solucionar pacifica-

mente este conflito".

Outras vezes a simples pergunta ou sinalização do que

percebemos, são suficintes para ajudar o cliente a se acalmar e

adotar uma posição mais colaboradora.

Certa ,vez teve-se que mediar em uma sociedade com um

grande conflito. Dois dos três sócios queriam efetuar um grande

aumento de capital o que deixava o terceiro, o mais jovem, fora da

igualdade de decisão. Esse jovem ocupava, há seis meses, o lugar

do pai, que havia morrido, tendo então ficado como representante

dos outros herdeiros, uma irmã mais nova e sua mãe.

Os outros dois sócios, um homem e uma mulher, de

aproximadamente a mesma idade do falecido, diziam quereraumen-

tar o capital para comprar maquinários para eles imprescindíveis. Na

realidade, o que queriam era eliminar ou ao menos neutralizar esse

"jovem que, sem saber nada do assunto, atrapalhava o funciona-

mento da sociedade". Logo após iniciada a mediação, ficou claro que

o jovem tinha um excelente preparo para cumprir sua função, e suas idéias pareciam sensatas. A cada oposição de seus sócios, ele rebatia com respeito e com muitos conhecimentos e dados, demons-

trando até o desnecessário da compra de tais máquinas.

Após muitas idas e vindas sobre o tema, um dos sócios mais

velhos, a mulher, deixou de falare começou a batersuavemente com

um dedo na tampa da mesa, com um ritmo monótono que parecia o de um relógio, mas ela aparentava estar totalmente calma. 0 media-

dor dirigiu sua atenção a ela e lhe disse que achava ela muito ansiosa

e se podia expressar o que estava acontecendo. Com raiva disse que o jovem, queria era matá-los, ao ir contra todos os procedimentos que

tão bem funcionaram até então. A luta de gerações, aqui, era de "vida ou morte" e o jovem era a clara expressão do envelhecimento e da morte próxima deles. 0 jovem ficou sem jeito pela afirmação de sua sócia e replicou que "eles 6 que queriam matá-lo aumentar o capital

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em cifras que ele não poderia acompanhar". Após um silêncio, o

jovem confessou que, em seu entusiasmo com a novas técnicas que

havia estudado, se esquecia de respeitar a grande experiência de

seus sócios.

aponto inicial de aumento de capital, que tinha atuado como

posição, encobrindo os reais interesses deles, cedeu espaço à discus-

são de como podiam organizar-se para aproveitar ao máximo as

habilidades de cada um, ouvindo-se e respeitando-se mutuamente.

Se este caso não tivesse acudido à mediação, o final teri a .

sido bem diferente, pois teria ficado numa discussão sobre aumento

de capital, a que um juiz ou um árbitro teria determinado segundo as

leis vigentes, e o problema real teria ficado sem solução, pois os

temores deles não teriam sido nem ouvidos nem trabalhados.

Esse 6 um bom exemplo de posição encobridora dos

interesses, pois o aumento de capital simplesmente encobria o real

desejo dos sócios mais velhos de frear a atuação do mais novo, e de

conseguirem ser respeitados por ele.

Também o 6, com respeito à confusão de pessoas com

problemas, pois, realmente, o problema não era as pessoas, e, sim,

como achar a maneira de respeitarem-se, uns a outros, e fazer o

trabalho mais prazeiroso e produtivo.

Também exemplifica a importância das emoções dos

clientes que devem ser tomadas em consideração pelo mediador

para que, explicitadas, possam ser uma grande porta de acesso aos

interesses. E, finalmente, um bom exemplo de como, com a media-

ção, os interesses de todos são tomados em consideração e o

resultado final contempla a satisfação deles, em um "ganha, ganha",

de difícil percepção numa primeira visão do problema.

• Capítulo 3.

O MEDIADOR

O que é ser mediador.

Aprofundar-se no conhecimento da mediação é, basica-

mente, estudar qual deve sero comportamento do mediador, pois, de

seu profissionalismo dependerá, em grande proporção, que as partes achem o caminho do acordo.

Uma das vias mais efetivas para definir o mediador 6 dizendo o que ele não 6.

Vejamos então que o mediador não 6 um juiz porque nem impõe um veredito, nem tem o poder outorgado pela sociedade para

decidir pelos demais. Porque não se julga com a sabedoria de conhecer o que 6 justo ou o que 6 melhor para os outros. Mas deve ter do juiz o respeito das partes, ganho com sua atuação e impar-cialidade. Diferentemente do juiz, ele não é indicado para as partes

por distribuição ou sorteio das causas, mas escolhido pelas partes.

Também não é um negociador que toma parte na negoci-

ação, como interessado direto dos resultados. Paca o mediador o

importante é que as partes descubram seus verdadeiros interesses

e consigam um mínimo de interrelacionamento para discutirem

esses interesses. Dependerá das partes a corrOirsão da mediação

com um acordo ou não.

Também não é um árbitro que emite um laudo ou decisão.

Aqui merece uma interrupção para indicar, detalhadamente, as

diferenças entre mediação e arbitragem. Na mediação, o mediador,

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 43 42

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

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ainda que Seja um experto no tema tratado, não pode doutrinar sobre

a questão em discussão. Ele cuida especialmente da interrelação

entre as partes e a descoberta dos interesses reais de cada uma delas. 0 árbitro não se preocupa com interrelacionamento, senão

com as informações técnicas apresentadas, na base das quais, com

fundamentos em seus conhecimentos específicos, ditará um laudo a

que as partes se comprometeram a aceitar. 0 árbitro nem precisa conhecerpessoalmente às partes. É suficiente que elas lhe apresen-

tem um relatório de suas posições. Em muitos países do mundo, essa técnica, que apresenta suas vantagens quando o problema é muito técnico e precisa da avaliação de um especialista, tem fracassado porque, ao não contemplar os reais interesses, seu laudo se baseia em dados técnicos e normalmente dá a razão a um, deixando o outro descontente. Por isso muitos laudos não são acatados pelo perdedor,

que recorre a justiça, perdendo-se o tempo investido na arbitragem.

É importante ressaltarque igual ao mediador, o árbitro é escolhido de comum acordo, pelas partes.

Resumindo, o mediador é um terceiro neutral. Conduz, sem decidir. É neutral em Judo o que seja esperado dele como intervenção na decisão. E ele como neutral, deve fazer com que as

partes envolvidas participem ativamente, na busca das soluções que serão as que melhor se ajustem a seus interesses, pois ninguém

melhor do que as próprias partes para decidir sobre si.

Ficar no meio, entre duas pessoas que brigam, sabemos

pelo conhecimento popular, é ficar como o marisco entre a rocha e o mar, na piordas posições. Mas essa é a posição do mediador, como atividade profissional, adotada e exercida.

Na mediação tudo deve acontecer entre as partes. 0

mediador é tão somente a parteira, que ajuda a dar à luz os reais

interesses que possibilitarão o acordo final. 0 tempo é marcado pelas partes e o Mediador não pode urgi-las, nem demorá-las.

As técnicas do mediador.

Vejarrios então quais serão as técnicas que o mediador deverá dominar para agir eficientemente nesse difícil equilíbrio de ser neutral, e, ao mesmo tempo, ajudar a dar vida.

Ja temos visto os três aspectos que o mediador não deve _-

nunca deixar de lado, 1) centralizar as discussões nos problemas e não nas pessoas; 2) investigar os interesses desarmando o discurso infértil da posição; e 3) prestar muita atenção às emoções dos clientes para que, apontadas, sejam usadas positivamente na procu-ra dos reais interesses e não atrapalhem no processo de mediação.

Os mesmos mecanismos psíquicos que levam as pessoas a deslocarem a atenção do objeto da discussão para os sujeitos que discutem, e, a armar sobre os reais interesses, posições, que pouco

ou nada conservam deles, são precisamente os mesmos que as levam a fantasiar valores e situações fora da realidade que sempre dificultam a posibilidade de acordos satisfatórios.

Por isso é importante que os valores e critérios objetivos entrem nas discussões, pois, considerados, vão pesar sobre qual-quer petição descabida e recolocarão as partes em um enqua-dramento realista. 'Esse procedimento facilitará o encontro de acor-dos satisfatórios para ambas as partes. É este o 40 aspecto a ser tomado em conta pelo mediador.

Entre esses valores e critérios objetivos, que os advogados e outros profissionais de cada parte informam a seus clientes, se

44 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 45

Page 23: Teoria e prática da mediação

incluiriam os possíveis resultados de uma sentença judicial, no caso

de que recorram à justiça.

0 mediador não pode comunicar esses valores e critérios

objetivos, pois seria uma ingerência fora de lugar, mas deve questio-nar as partes para dirigí-las a fazerem aparecer esse conhecimento

nas sessões de mediação.

Perguntas como, "o senhor/ a senhora sabe quais são os

valores das propriedades na vizinhança?", ou, "seu advogado o

informou qual poderia ser a opinião de um juiz neste caso?" trazem

os critérios de realidade que tanto precisamos, sem comprometer a•

posição do mediador.

É importante que o mediador saiba que todas as pressões

a que estão submetidos os clientes, distorcem a realidade gerando

não uma irrealidade, mas uma realidade psíquica que, muitas vezes,

tem mais força do que a realidade mesma.

Não é tão simples como parece, que com a aparição de critérios de realidade, ou seja valores reais, o cliente modificasse sua posição. Não esqueçamos qué tbda avaliação está cheia de outros

valores, psíquicos e sentimentais, que pesam, e que a sua vez tem,

por si, peso dificilmente quantificável objetivamente.

Uma 'casa ou empresa ou participação societária, pode ter um valor, para o vendedor, que 6 fundamental investigar, pois pode

haver outros interesses que ele está traduzindo em dinheiro mas que

podem ser compensados de outrojeito, porque o comprador não lhes dá a mesma importância quali ficada em valores monetários que o

vendedor. Jardins, até murais em paredes, ou marcas que, em

muitas mediações, constituem uma grande parte da diferença de

valores, podem ser deixados fora da operação, convencionando-se

46 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

pelo resto, um preço conveniente para ambas as partes.

Dois clientes não podiam chegar a um acordo sobre o valor

de uma propriedade rural, pois o preço de mercado, que o comprador

oferecia era muito inferior ao pedido pelo vendedor. Ambos estavam

interessados em concluir a negociação, mas a diferença era enorme

e não podiam continuar barganhando sobre valores sem conseguir

resultado algum. Consultado, pedi para cada urn deles para decom-

por a propriedade em diferentes aspectos ou partes que para eles

tivessem valores significativos. Assim, a lista dos dois constou da

quantidade de campo, de cabeças de gado, de objetos dentro do

campo para a exploração leiteira, a casa para os trabalhadores, etc,

que coincidiam quase totalmente nos valores. A grande diferença

constava do valor da casa principal, e do nome da propriedade, que

o vendedor avaliava e o comprador nem tomava em consideração.

Questionados sobre esses dois pontos, apareceu que a diferença

com respeito A casa estava na avaliação de um mural pintado por um

grande pintor mexicano que, hospedado nessa casa, muitos anos

atrás, tinha deixado como presente a lembrança de sua estada nessa

propriedade. Essa pintura, de altíssima quotação no mercado de arte,

nada significava para o comprador, alheio As artes e que nem

pensava em morar nessa casa. S6 essa consideração da pintura

constituía os trinta por cento do preço total, pedido pelo vendedor.

A outra grande diferença era o nome da propriedade que

dava também nome a uma marca de leite de pouca produção, porém

muito prestigiada na região. Esse nome significava uns vinte por

cento da avaliação total do vendedor.

Finalmente, o comprador se ofereceu a retirar o muro com

a pintura, com todo cuidado, assegurando todos os meios, para

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

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Page 24: Teoria e prática da mediação

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trasladá-la a um museu que a compraria do vendedor. Também a

marca (nome da propriedade) ficou fora da operação, pois o compra-

dor nem pensava usá-la e o vendedor tinha um vizinho interessado

nela. Assim os valores se equipararam e a venda se concretizou.

Nem sempre esses valores são tão facilmente comprova-

dos como no exemplo, mas, se numa mediação o mediador aceita

que se continue sempre discutindo sobre o mesmo ponto, sem abrir

a analisaros "porquês" de cada posição, nunca se concluirá o acordo.

Os negociadores chamam a este processo de "ampliação

do bolo", pois se abre, em análise parcial de cada parte, o objeto da

negociação, ampliando-se o todo em partes que nem sempre são

contempladas. Ao decomporem-se em partes, os interesses parciais

aparecem mais claramente e é mais fácil satisfazê-los.

Quando as fantasias dos clientes super-estimam valor,

sem razões objetivas que o sustentem, com essa análise, a fantasia

normalmente se desfaz ou encontra sua compensação em outros

valores. Por exemplo, numa divisão societária, com diferentes

apreciações sobre o valor da empresa, foi compensado, acrescen-

tando-se ao empreendimento o nome do sócio que vendia sua

participação. Com isso ele se assegurava ficar na memória da

sociedade como o iniciador do projeto.

Sejam realidades psicológicas, ou realidades avaliadas em

forma diferente, o importante é abrir à análise, acrescentar os

elementos em discussão, e não permanecer com o pacote fechado

numa discussão estéril.

A grande importância que os afetos e a personalidade dos

clientes têm nos resultados da mediação, fez com que muitos autores

tentassem classificá-los.

48 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

Muitos negociadores norte-americanos apontam uma série

de características de personalidade e a forma de agir com cada uma

delas para obter resultados positivos.

Esses esquemas, criados pela psicologia fenoménica, não

fazem mais do que colocar preconceitos onde deveriam existir

dúvidas, interrogações e preocupações em conhecer como é real-

mente e o que deseja esse cliente que nos consulta.

Encerrar um cliente dentro de um estereótipo psicológico

ignorá-lo como pessoa única e exclusiva.

One profissional é o mediador?

0 mediador inaugura, com seu agir, um novo tipo de

profissional. Para delinear seu perfil temos que recorrer, mais uma

vez, ao que o mediador não é.

O mediador não pode agir como o advogado, que escuta o

cliente pensando pas leis que enquadram o caso apresentado, e na

jurisprudência existente. Ainda a lei seja o limite de todos, ela é fria

demais para conter todas as particularidades dos clientes ; e sua letra

é para ser interpretada segundo a ocasião. 0 cliente da mediação

deve ser ciente dela e de suas interpretações, com o .assessoramento

de seu advogado.

Outra diferença importante é que o advogado está acostu-

mado a apoiar e sustentar a posição de seu cliente, parcializando a

visão do problema. Sabemos muito bem que todo cliente parcializa

seu discurso, apoiado nas suas razões. Se ficamos nisso e apoiamos

uma parte só do problema, perderemos a outra parte da verdade. 0

mediador não pode confundir, nisso, sua função com a do advogado

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e deve sempre ser imparcial e tomar em consideração a totalidade

da situação.

Também não pode agir como o psicólogo que escuta com

objetivo terapêutico. Ainda que muitas técnicas psicológicas do

mediador sejam tomadas da psicologia, sua aplicação é muito

diferente. O psicólogo investiga para conhecera passado e liberar o

paciente da sua repetição. 0 mediador investiga para conhecer os

reais interesses e não pretende exercer nenhum procedimento

terapêutico, senão didático, ao ensinar com sua intervenção, urn

modo de interrelactonar-se com a outra parte, mais benéfico _e

inteligente.

Também se diferencia do atuar do medico, que escuta os

sintomas para construir um diagnóstico. Porque, ainda que o media-

dor com sua escuta especial vá construindo um diagnóstico dos

aspectos "doentes" da negociação, não age com fins terapêuticos,

nem isola do "corpo" do problema os "órgãos" que perturbam o todo.

Devo marcar que muitas vezes, sim, é como a do médico

a função do mediador de decompor o problema em partes, para que

os clientes possam ir resolvendo-as numa ordem de _crescente

complexidade. Nesse sentido a atuação do mediador se assemelha-

ria mais à do médico chinês que toma o organismo como um todo e

descobre a origem da perda do equilíbrio desse todo, numa parte

dele, e age para restaurar esse equilíbrio. Mas, é muito importante

diferenciar que o mediador não introduz nem terapêutica, nem •

medicina. Somente questiona para que um novo equilíbrio seja

instaurado no relacionamento das partes, num planejamento de

aproximação ao problema. Equilíbrio que só os clientes conhecem e

que com total liberdade instauram se assim o desejam.

50

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

Mais uma vez, o mediador está situado numa posição incômoda que não corresponde a nenhuma das profissões já existen-tes, e, sim, nesta nova no Brasil, a de mediador.

O mediadordeve falar para conseguir que o cliente fale, e, sobretudo, para que o cliente se questione. É esse outro ponto _ _ importante que o diferencia: o pensamento de que só o cliente sabe o que é melhor para ele. Não adianta ser profissional de grande experiência, se isso não nos conduz a investigar para chegar ao

verdadeiro conhecimento de nossos clientes.

Temos descrito como o ser humano é um ser cindido, e que

a presença do inconsciente no consciente se manifesta no próprio discurso do cliente.

0 cliente se expressa com suas palavras e gestos. Compreendê-lo é ouvi-lo. Ele apresenta problemas pessoais que não

devemos transportar a outros clientes. Devemos diferenciá-lo em sua característica pessoal e única.

0 homem de que trata a mediação, não é o homem seguro de si, coerente, senão um homem fragmentado, cheio de contradi-

. ções e de dificuldades no reconhecimento de seus desejos. E não estou falando só do cliente que recorre à mediação por problemas familiares, senão também dos clientes que consultam por problemas comerciais e de qualquer outra espécie. O homenise envolve com

seus afetos, suas contradições, enfim, corn todas suas característi-cas, em qualquer uma das suas atividades.

Pensemos num clientelue nos consulta pela dissolução de uma sociedade. Sente seus direitos em perigo, seu sócio como seu adversário e teme que o resultado não seja benéfico para ele. Já discutiu o bastante com seu sócio e chegou à conclusão que a

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 51

Page 26: Teoria e prática da mediação

sociedade não é mais possível, embora o capital, tempo e esforço

investidos não possam serjogados pela janela. Esse homem está tão

envolvido emocionalmente quanto um homem que tem problemas

familiares.

Eis aqui o grande trabalho do mediador: perceber estrutural -

mente cada homem ou mulher como únicos e exclusivos, sendo seu

- _

discurso o único que pode dar conta dele, servindo os esquemas da

psicopatologia exclusivamente como artifícios úteis ao estudo do

aparelho psíquico e não A sua aplicação direta ao cliente porque o

reduziria a esse mesmo esquema, impedindo uma verdadeira escuta

de sua individualidade.

A escalada de violência que acompanha todo litígio com-

promete o homem na sua totalidade. E os problemas que se

apresentam A mediação não são problemas simples, porque senão

já teriam sido resolvidos em negociação direta entre as partes, ou

entre os advogados que as assistem. Se chegam A mediação é

porque precisam de um profissional que saiba atuar frente ao

complexo da situação. Esses homems e mulheres estão tão compro-

metidos com o problema, que precisam proteger-se dele, armando

estruturas defensivas e gerando estratégias onde sua personalidade

e todos seus preconceitos, ilusões e temores entram em jogo.

0 homem para defender sua integridade, elabora sintomas

que aparentemente o o protegem da angústia, mas na realidade o

confundem ainda mais.

0 discurso do cliente estará tão cheio de todos esses pre-

- _ .

.colLceitos, ideais, ilusões e temores que o devemos desarticulqr para .

desativar os bloqueios que impedem a emergência dos reais

interesses.

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

52

É só no discurso do cliente que surge a informação, e nosso

trabalho como mediadores, é o de descobrir as possíveis vias de

'acesso aos seus reais interesses, eliminando as pedras que o próprio

:mecanismo defensivo do cliente irá botando no caminho.

Essa escuta especial apontará as portas de acesso, nas

partes do discurso onde apareçam contradições, negações desne-

cessárias, lapsus e outros equívocos ou esquecimentos que indi-

quem uma fresta por onde se possa investigar o oculto.

0 cliente está comunicando algo sem dizê-lo. Com toda a

profissionalidade o registramos para discretamente questionar sobre

esse ponto, fazendo de conta que não compreendemos totalmente.

Remarcamos essa fresta para que o cliente fale dela e deixe surgir

o oculto. É uma informação, que mediador e cliente precisam

escutar, para reconhecerem melhor quais são os desejos e inte-

resses verdadeiros que o cliente comunica ocultando.

Todo homem que sente emoções fortes, onde socialmente

se indica que não deve senti-las, é um homem armado. Armado e

protegido. Sabemos que a melhor proteção que um cliente tem é o

discurso estruturado da posição. E, lamentavelmente, também sabe-

mos que o pior para resolver problemas é enfrentarmo-nos com

clientes fechados em suas posições.

Por isso o mediador deve gerar confiança e respeito, para elo

que se acredite nele e assim conseguir que o cliente se abra com 0

franqueza, sem medo de sertraido, expondo suas fraquezas, seguro e

de que elas não serão usadas contra si mesmo. 40 0 cliente só confia quando se sente ouvido e compreen-

dido. 0 compreendemos, quando reconhecemos os fracassos dos c)

mecanismos defensivos que ele usa para se proteger e podemos ir

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 53 410

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•••

desarmando-os para obter o surgimento de um discurso mais ligado

ao queréalmente lhe acontece.

Enumerar-a série de mecanismos defensivos estudados

pela Psicologia sei -ia criar mais uma armadilha para o mediador,

pois, de que nos serve•conhecer esses mecanismos e deixar de

escutar o cliente para reconhecê-los no seu discurso? Estaríamos

novamente errando o caminho.

t:Jrridio_p -CM marcará o ponto onde é

necessária a nossa intervenção: sinais que o cliente vai dando;

contradições entre o discurso e os gestos; interrup_ções no discurso;

inflexões de voz; negação que afirma, etc. Com nossa atuação o _

liberaremos dessas pressões e ele p6derá começar a falar, mais

livremente, do que lhe está acontecendo.

Essa é a razão do uso das entrevistas a sós com cada uma

das partes (caucus)), com o compromisso de absoluto sigilo, pois,

uma vez colbcado o problema, o que queremos é investigar a fundo

com cada uma delas o verdadeiro interesse. A sós com o mediador,

o cliente poderá expressar-se mais à vontade.

Porque o mediador deve ter bem claro que a mulher ou o

homem que o consulta está envolvido numa série de compromissos

consigo e com o seu ideal, pelos quais o.conflito.que o traz tem para

ele um significado muito mais amplo. Significa sua autoestima, o . . _

carinho e respeito de sua família e de seus colegas de seus . _

superiores. e o_reçonhe5imento de que esta agindo A altura das _

circunstancias. Tudo isto deixa-o confuso e incapacitado para com-..

preender o que realmente deseja e que resultado será o melhor.

Todas estas dificuldades para decidir contribuíram para

que a sociedade, durante tanto tempo, precisasse depositar num

terceiro a responsabilidade de decidirsobre seus próprios problemas,

pois, deixarque um terceiro decide por nós, nos libera da responsabili-, :•- dade e da angustia da decisão.

0 mundo tem passado por grandes mudanças e ainda

continua.

Essas mudanças também se produzem no plano indivi-

dual, e a aparição da mediação como uma nova forma de solucionar

nossos conflitos interperssoais 6,* sem dúvida, um claro indício.

Nós, mediadores, temos a responsabilidade de conduzir

essa mudança e devemos fazê-lo com cuidado e dedicação. Não

podemos errar em nosso trabalho como mediadores, com o risco de

abortar uma das mais brilhantes técnicas que muito pode ajudar

sociedade.

Se o cliente que consulta é um homem ou uma mulher

fragmentado e inseguro de si, o mediadortambém o 6, e por isso deve

ser consciente dessa condição e cuidar pare que, no exercício de sua

atividade evite, tanto quanto possível, os efeitos prejudiciais de um

comportamento ou atividades inadequados.

Estamos determinados, clientes e mediadores, porprecon-

ceitos pessoais, familiares e sociais que nos levam a simpatizar com

uma pessoa mais que com outra, acreditar mais em Lima pessoa que

em outra. 0 mediador deve estar alerta não só aos mecanismos:

defensivcs dos clientes, senão aos própriós. Enquanto escuta deve _ . _ _ também questionar-se sobre o cfue está sentincio_e pepsando,_pa,ra

dominar esses pensamept6s. clientes . a_carninh65

e soluções que são os do mediador e não os dos clientes.

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Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

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Page 28: Teoria e prática da mediação

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Capítulo 4.

A INTER-RELAÇÃO ENTRE MEDIADOR E CLIENTE.

JA temos abordado as técnicas que devem ser usadas para guiar os clientes a reconhecerem seus interesses e a . poderem discutir, para chegarem a possíveis acordos onde esses interesses sejam respeitados. Mas há uma especial informação que recebemos dos clientes e que não procede diretamente de seus discursos, nem de seus gestos ou contradições e, ao mesmo tempo, está contida em tudo isso. Normalmente chamamos de "intuição" ou de "experiência profissional" essa. idéia ou apreciação spbre p_cliente, que nos aparece como uma ocorrência, e que, bem usada, nos serve muito no progresso ou avanço da mediação. Até, às vezes, é salvadora, nos momentos de estancamento do processo de mediação.

É importante que nos aproximemos a uma explicação mais cientifica dessa "intuição", para que possamos usá-la com mais seletividade e critério. Para isso os conceitos transferência e contratransferência são os que melhor explicam este mecanisaa . .

Em psicanálise, chama-se transfefaizasz¡et.cisrlaaa.

sias idéias que ocorrem no paciente, durante o trabalho terapêutico, a respeito da fipura do terapeuta Ele passa a ser investido com os atributos de um olajeldniejjor e anterior do paciente, com quem teve um modo relacional, real ou imaginário, que o paciente, inconsciente- mente, quer repetir.

Essa transferência tem como 'aspecto positivo a possibili-

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dade de se apresentar para ser analisada e deixar o paciente livre

dessa repetição compulsiva. Mas ao perder-se, com sua aparição, a

dimensão de trabalho terapêutico, transforma-se em negativa ao

opor resistência a esse trabalho.

Em clientes enfraquecidos psiquicamente, por estarem

atravessando um conflito, podem apresentar-se situações transferen-

ciais sobre o mediador. Estas situações se delatam quando o cliente

expressa, com atitudes ou comentários, uma imagem do mediador,

alheia ao seu comportamento e personalidade reais.

É fundamental Clue o mediador, na primeira etapa, -se •

apresente, assegurando aos clientes confiabilidade e neutralidade,

assim como o suficiente profissionalismo para que os clientes

possam trabalhar certos de sua eficácia. Quando o cliente expressa

ao mediador sua satisfação exageradamente, porsentir-se protegido

ou cuidado por ele, com respeito ao outro em litígio, pode estar

significando uma transferência que o mediador deve saber neutrali-

zar através de frases de apoio a que se sinta compreendido e frases

de limite, ao reiterar-lhes que as diias partes serão assistidas por ele,

por igual.

Os clientes intentarão, acostumados ao modelo de litígio,

onde cada um deve convencera um terceiro que decide (juiz), de sua

verdade, "comprar/conquistar" ao mediador par a . que o favoreça. ,::-

Esta atitude tanto pode ser através do intento de sedução como de ::-.-

comovê-lo, mostrando-se vítima, coitada, que precisa de socorro.

Outras vezes tomam atitudes mais agressivas através de ameaças -

de abandonar a mediação, tentando ferir o orgulho profissional do

mediador, ou com a direta ameaça de desprestigiá-lo, corn uma

alusão aos comentários negativos que de seu trabalho seriam feitos,

58 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

caso o mediador não os "favoreça" .

Todas estas atitudes, muito alheias da situação de media-

ção e do papel de neutralidade do profissional mediador, são

expressões de uma transferência, em que se procura fazer com que

ele atue como uma figura forte, paternal ou maternalmente, prote-

gendo, amparando, e ate reivindicativamente, fazendo "justiça"

maneira do héroi salvador.

Outra maneira de possível transferencia se manifesta

através de atitudes de desconfiança e de ceticismo. O mediadordeve

ter especial cuidado com essas expressões e neutralizá-las, porque

elas podem conter reais dúvidas com respeito ao profissional, assim

como desejos inconscientes do cliente de procurar "apanhar/ser

castigado" e chegar a acordos onde seja danificado, para continuar

mantendo compulsivamente a sua idéia de que todos querem

prejudicá-lo, imaginando-se sempre vitimado.

Todas essas atitudes devem ser neutralizadas através da

necessária repetição das regras da mediação: que são os clientes

que devem descobrir, defender e harmonizarseus interesses corn os

da outra parte.

mediadordeve ser um terceiro neutral que, fundamental-_ . mente estejá tercerizando 12, introduzindo continuamente, o modo de

interrelação que deve existir, entre seus cliente, de respeito, _de

expressão e de escuta, e de harmonização dos interesses de ambos,

por isso que aigumas vezes .o mediador intervém, reforçando a

12 Quando falamos de tercerizar, é assumindo que o modo de inter-relaciona-mento de duas pessoas é tercerizado pela relação em si. 0 matrimônio é a tercerizaclo de um casal. Os modos em que dois comerciantes tern levado seu relacionamento comercial os terceriza. 0 mediador com seu agir introduzentieziEftenentes uma nova tercenzarao, a de respeito e mútua compreensão.

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defesa dos interesses de um dos clientes, sempre através de

perguntas, direcionadas a obter o incremento de uma oposição

enfraquecida ou a abertura de uma posição estruturada e autoritária

demais.

0 maior cuidado que o mediador deve ter na sua interven-

ção é analisar se a mesma está guiada, por exemplo, por uma real

falta de luta de uma das partes em defesa dos seus interesses, ou por

questões pessoais do próprio mediador, que se tem comprometido,

inconscientemente, com a defesa de um dos clientes em detrimento

do outro.

Eis aqui, que o mediador deve cuidar especialmente da sua

contratransfèrencia. Assim chamada, em psicanálise, os pensa-

mentos e sentimentos ocorridos no terapeuta, durante o trabalho

terapêutico. A contratransferéncia tem seus aspectos negativos e

positivos e sempre deve ser conhecida e neutralizada pelo terapeuta.

Seu aspeto negativo é que o mesmo profissional confunde

seu papel terapêutico, num intento inconsciente, de reiterarsituações

não resolvidas da sua história pessoal, passando a envolver-se numa

trama ou representação cênica, onde os papeis de paciente e

terapeuta se diluem numa "re-apresentação" de outro relacionamen-

to entre outros personagens.

Seja porque caia vítima da sedução de um dos pacientes

ou por caraterísticas próprias, uma confusão dessas assegura o

fracasso da terapia.

Ao mesmo tempo a análise dos pensamentos, sentimentos

e associações em geral, que aparecem no terapeuta durante o

trabalho com um paciente pode ser de grande utilidade, ao permitir-

lhe compreender processos psíquicos do paciente, não expressados

60 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

no discurso, mas contidos nele.

No mediador sempre surgem sentimentos e pensamentos

no transcurso da mediação, referentes aos seus clientes. Elesdevem

ser bem conhecidos pelo mediadorpara diferenciar os originados por

seus preconceitos e associações psíquicas pessoais, que limitarão

seu trabalho, daqueles que contribuirão com luz na compreensão de

seus clientes e que, explicitados, podem ajudá-lo, e muito, no

processo de mediação.

Podemos deduzirque a transferência na mediação sempre

negativa e deve ser neutralizada corn a reafirmação da terceriza-

cão estrutural que o mesmo trabalho de mediação impõe. Não estou

falando do bom "raport" necessário entre clientes e profissional, mas

do intento de confundir o mediador com outra figura.

Não sucede o mesmo com a contratransferência, que pode

ser enormemente negativa quando se origina das limitações psíqui-

cas do mediador ou de grande ajuda, quando vem em nosso socorro

contribuindo com novas informações sobre nossos clientes.

O profissional mediador tem que ter o necessário auto-

conhecimento para diferenciar, rapidamente, se o que Hie ocorre,

com relação a seus clientes, está limitando-o na compreensão do

problema ou está lhe trazendo conhecimentos importantes sobre

eles.

Igualmente, toda informação que apareça, contratransferen-

cialmente, no mediador, deve .este, apresentá-la a seus clientes

como investigação e questionamento, nunca como afirmação, pois,

o importante é que os próprios clientes cheguem A descoberta dessa

informação e A sua confirmação, e não que a recebam como um

dogma emanado do mediador.

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

61

Page 31: Teoria e prática da mediação

• • • • • • • • •

Vejamos um exemplo para ilustrar a contratransferência.

Um casal se apresenta à mediação para resolver seu

divórcio. Ele se apresenta bem vestido, como um executivo, que era, com pele bronzeada e atitudes sérias e fi rmes. Ela, usando roupas

muito simples, embora de muito boa qualidade, expressando-se com

termos cultos e falando pausadamente, apresentava-se como quem

insistia na separação e aceitava qualquer condição que ele impuses- se.

Comecei a sentir, cada vez que ela falava, muita pena por

ela e, ao mesmo tempo, nenhum desejo dê ajudá-la, junto de uma insistente desconfiança na veracidade da sua posição. Ao refletir

sobre isso e estar certo de que não se originava de nenhum preconceito ou especial inclinação psíquica minha, concluí que era

importante investigar se esses pensamentos e sensações que eu

tinha correspondiam a uma modalidade especial de relacionar-se da

mulher. Num momento em que ela repetiu sua frase preferida: "que

ele decida", aproveitei para perguntar-lhe, se ela habitualmente

despertava sentimentos de compaixão entre seus amigos. Imedia-

tamente ela deixou de falar, ficando numa atitude reflexiva, enquanto

ele, deixando a sua postura rígida, relaxou-se e começou a falar de como todos os amigos deles estavam sempre tomando partido por

ela, tentando protegê-la, enquanto ele era acusado de ser quem

dominava a situação toda e abusava disso. Com voz emocionada,

ele confessou que, na realidade, quando estavam a sós, ela pro-gramava como deviam ser todas as coisas e que ele só se apre-

sentava como o porta-voz dessas decisões, que ela não assumia, mas dizia aceitar. Ela reagiu, levantando a cabeça, e com olhos

brilhantes, sorriu e explicou que considerava ser o homem quem

devia assumir as decisões e apontar os objetivos de um casal e que,

como seu marido era fraco e indeciso, ela teve que assumir esse

papel, com o cuidado para que ninguém o percebesse, para, segundo

ela, cuidar da imagem masculina de seu marido.

Eu os fiz compreenderem que essa simulação não era mais

necessária e que, desde aquele momento em diante deviam ser os

dois como realmente eram, já que suas vidas começariam a ser

individuais e a cada um deles corresponderia dirigi-la de forma

pessoal.

A mediação era o melhor espaço para começar a se

mostrarem e assumirem a reflexão e decisão da separação em

conjunto, mas como duas individualidades.

Desde aquele momento ela começaria cada tema dizendo

como deveria ser resolvido e ele, sem pressões, começou a divergir

com muito critério. Ao início ela surpreendeu-se da capacidade dele de

pensar e de dissentir, e de confessar que não o tinha antes feito para

não gerardiscussões que podiam Fê- l os levado à ruptura, mas, agora,

que a decisão de separação tinha sido tomada e que o jogo tinha sido

descoberto, ele sentía-se livre para dizer o que pensava e desejava.

Como se vê neste exemplo, é fundamental que o mediador

se questione sobre os pensamentos e as emoções relativas a seus clientes, que lhe aparecem, para conduzir com sucésso a mediação.

Esse uso da contratransferência deve ser exercitado conti-

nuamente, pois será a experiência que assegurará ao mediador a eficácia de seu uso.

Faz-se necessário reiterar o alerta sobre os aspetos nega-

tivos da contratransferência, quando se origiha em limitações psíqui-

cas do mediador.

62 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

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- Muitos mediadores tentam assumir um papel rígido com seus clientes, pretendendo que a distância operativa profissional possa protegê-los de interferir negativamente na mediação.

Considero que a pouca experiência inicial deve guiar um mediador a ser muito cauteloso e formal, mas, na medida em que possa adquirir confiança, é fundamental que extraia informação da contratransferência para enriquecer seu trabalho, fazendo-o mais criativo e aprofundar-se na condução de seus clientes na busca de

soluções mais realistas e portanto, mais duradouras. 0 conhecimento de todos os pensamentos e emoções é

fundamentaI.Se o mediador não possui a técnica para utilizá-los, deve então neutralizá-los para que não incidam em demasia no seu trabalho.

Todos estamos envolvidos em tramas de preconceitos e prejulgamentos conscientes e inconscientes. Os que operam, limi-tando-nos enormemente, são os esquemas inconscientes que fomos

incorporando ao longo de nossa vida e que, sem conhecê-los, guiam nossas ações, pensamentos e sentimentos.

É habitual entre os advogados dizer-se que tal ou qual juiz, a cargo de uma causa, tem inclinações favoráveis ou contrárias ao caso que conduzem. Também escutamos isso de todos os profis-sionais que têm predisposição a atuar e reagir de determinada

maneira, em alguns casos, de forma muito previsível. O mediadortem a obrigação de conhecer suas tendências

melhor do que ninguém, porque deve guiar aos outros a liberarem-se de preconceitos e a encontrarem caminhos criativos para solu-cionarem seus conflitos.

Compreendidos e aplicados, esses conceitos dão estruturalmente ao mediadoros meios para cumprirmelhorsua missão.

64 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

Capítulo 5.

A MEDIAÇÃO •-• •

0 procedimento da mediação deve ser flexível, contem-

plando as necessidades e os tempos necessários dos clientes para

interrelacionar-se e poder, finalmente, chegar ou não a um acordo._

Podemos saber como começar (semelhante A partida de

xadrez), mas nunca como continuará, nem muito menos como

culminará. Cada cliente é um mundo especial e, segundo isso, o

mediador tomará tal ou qual caminho dentro das regras de não- ., impósição e imparcialidade.

Como a mediação deve ficar liberada de rituais e de

demarcações excessivas, somente indicar-se-ão estruturas (unida-

des de tempo e objetivo) ou passos possíveis. Com plena conciência

de que em muitas mediações se pularão etapas e em outras nos

deteremos, e ate, em muitos casos, voltaremos a etapas já ultrapas-

sadas.

Sem serfundamental, é importante o meio ou local onde se

desenvolverá a_medipção.. Dependendo do tipo de mediação, o

importante é que seja num ambiente confortável. Muitos mediadores

Impõem a mesa redonda sem lugares predeterminados, o que até

permite ao mediador ver se as partes se sentam próximas ou muito

separadas; se deixam um espaço para o mediador entre elas ou n5o. Outros mediadores1 3 preferem poltronas e cadeiras espalhadas pela

1994. 13 Lulz Fernando Gevaerd, Mediaçào de Conflitos. Cima, Rio de Janeiro,

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

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Page 33: Teoria e prática da mediação

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sala, sem aparentemente muito ordem, para que os clientes esco-

lham a que seja mais confortável para eles. Este sistema é mais

propício para mediações familiares, mas realmente pode ser aplica-

do de modo geral.

O importante é que não existam mesas ou poltronas que

signifiquem oposição ou diferenciação de poderes, nem locais muito

rígidos que não favoreçam a espontaneidade e a descontração.

Muitos mediadores, atuando em função social, são solici-

tados para mediar em centros comunitários, sedes de clubes e até

em empresas sem nenhum preparo especial." 0 mediador deve

tomar em consideração o ambiente, mas é ele quem deve criar o

clima propício. Ou seja, em síntese, o mediador pode realizar a

mediação em qualquer âmbito onde as partes possam sentar-se

(estar confortáveis) e falar sem temores".

O início. Alzuém quer tentar solucionar seu problema com a mediação.

Hoje em dia, quando no Brasil, a mediação ainda não tem

uma divulgação tão importante, são os advogados que aconselham

seus clientes recorrerem a um mediador para dar uma solução

satisfatória a seus conflitos.

Em outros países do mundo, onde já tem se espalhado esta

técnica de solução de conflitos, podem ser os clientes mesmo que

procurem diretamente um mediador por referências de conhecidos

"Andrew Floyer Acland. C6mo utilizar la Mediaci6n para resolver Conflictos en las organizaciones. Paidós, Buenos Aires, 1993.

IS Em nosso serviço de mediação na Defensoria Pública do Paraná, media-

mos numa sala de aulas, o que também possibilita que os estagiários assistam como

ouvintes.

66 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

ou de outros' profissionais. Mas sempre assessorados por um advo-

gado.

Em países onde a mediação já é obrigatória e forma parte

da seqüência antes de chegar ao juízo, muitos clientes assessorados

pelos seus advogados preferem recorrer a mediadores privados,

antes de correr o risco de, por turno ou sorteio, ter a obrigatoriedade

de aceitar um profissional que pode não lhes agradar.

Considera-se fundamental que um cliente consulte um

advogado antes de recorrer a qualquer técnica para solucionar seu

conflito, pois ele é quem esta especialmente treinado para informar

se a mediação éo melhorcaminho para esse problema em particular.

Além disso, o advogado vai fornecer um importante critério de

realidade, a lei e a jurisprudência nas quais o juiz se basearia para

ditar sua decisão.

Os critérios que advogados e clientes devem tornar em

consideração para escolher a mediação são os seguintes:

eosição e direitos, de ambas as partes, equilibrados.

Necessidade de siqi10. e celeridade na solução do con-

flito.

Desejosie mantel., aprimorar ou, ao menos, não deterio-

rar9 relacionamento. .

Compromisso afetivo muito . importante corn o proble:

ma, a ser resolvido num clima que contenha e canalize

essas emoções.

Que não envolva ou trate delito.

Podemos dizer que a maioria dos conflitos apresentados a

um advogado cumprem com um ou mais desses requisitos.

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Page 34: Teoria e prática da mediação

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Nos países onde a mediação vem funcionando há muito tempo, uma porcentagem superiora setenta porcento dos casos, que antes, recorriam à justiça, são resolvidos pela mediação.

Nesses países já se incluem nas cláusulas contratuais de muitos convênios, a obrigatoriedade de recorrer à mediação, em caso de não cumprimento ou problemas no cumprimento do contrato. Assim, muitas empresas preservam o sigilo, cuidam do relaciona-mento com outras empresas, poupando tempo e . dinheiro. Além disso, a inclusão da obrigatoriedade da mediação nos contratos de trabalho fornece, à empresa e funcionário, a certeza de serem escutados e atendidos nos seus problemas.

A mediação é um procedimento e, como tal, se constitui de uma seqüência de atos em uma certa direção. Embora não seja um procedimento inflexível, ela se faz cobrindo, em geral, seis etapas.

• Etapa Primeira. A apresentação do mediador e das regras da mediação.

0 mediador é um profissional que cobra por hora trabalha.- . da, isso faz com que as regras sejam impostas antes de qualquer

outra coisa para que os clientes, cientes de seu funcionamento, não

percam tempo tentando repetir modos já conhecidos por eles das técnicas adversariais. Em resumo não percam tempo em brigas estéreis.

Muitos .mediadores exigem a entrega prévia à primeira entrevista, de um relatório contendo os fatos maisimporiantes_do problema em discussão Pessoalmente acho muito importante que o primeiro contato com o problema seja escutado diretamente da

68 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

boca dos clientes 16 . É por isso que aponto a primeira etapa como a

apresentação do mediador e das técnicas da mediação, embora

outros autores a nomeiem em segundo- lugar.

É fundamental que a apresentação seja breve e clara, pois

os clientes estão ansiosos por começar a falar de seus problemas.

Mas, repito, a apresentação não pode ser adiada, pois é o momento

de expor regras que os clientes normalmente não conhecem e

deverão conhecer desde o primeiro instante.

0 mediador deve agradecer -A presença dos clientes e

ressaltar o positivo de terem escolhido esse meio pacífico para tratar

seus problemas. Um breve resumo dos_antececlentes pessoais do . _ _

mediador pode ser útil se os clientes, nos telefonemas que fizeram

para marcar entrevista, manifestaram seu interesse na pessoa do

mediador alguma dúvida.

É muito importante conhecer .a origem exata dos. plientes,

oprieio pelo qual entraram em contato . conosco,_e ate as palavras que

usaram para pedir uma entrevista. Por isso deve-se treinar a secre-

tária para que registre as perguntas e saiba o que responder em cada

caso. Uma boa introdução telefônica poupa tempo e malentendidos.

Muitos mediadores assumem pessoalmente a marcação da primeira

entrevista para estarem certos da informação a ser ministrada. Isso

tem o inconveniente de parcializar o primeiro contato com uma só

parte, epode ser entendida pela outra parte como sendo o mediador

um profissional do oponente. Difei:ente é o caso de um procura para

16 A necessidade de estar bem Informado antes da primeira sessão de mediação, passa a ser necesárla quando o problema a discutir tem muitos antecedentes, comci nos problemas entre paises. (Caso Rio de la Plata, ou Israel-Palses Árabes) Também quando o problema é tão técnico que contém muitos estudos e informes de peritos.

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

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Page 35: Teoria e prática da mediação

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO • •

70 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 71

tentar solucionar o problema através da mediação e solicita nossos

serviços para que entremos em contato com a outra parte e,

introduzindo-a na mediação, consultá-la para saber se aceitaria o

pedido dele de submeter o problema A mediação. Aí é interessante

a participação de dois profissionais: um que faz os contatos e dá as

explicações e outro que mediará. Caso isso não seja possível, o _ . _ _

mediador não deve entrar em considerações parciais sobre o proble-

ma, e sim, falar somente das técnicas e vantagens da mediação.

Assim fica e assegurado sua imparcialidade, e que a primeira escuta

do problema seja frente As duas partes em conflito.

Muitas vezes a ansiedade dos clientes por desabafar os

leva a querer passar portelefone informações sobre o conflito no qual

estão envolvidos. 0 mediador, com cortesia, deve ser claro em pedir

um pouco de paciência e deixar o tema para o encontro conjunto, pois

isso ajudará a resolver melhor o problema.

Sei que, aparentemente estas explicações parecerão ex-

cessivas, mas o primeiro momento do [email protected] de_ grande. importp-

dia, pois a especial sensibilidade dos clientes pode ver-se atingida

com suspeitas de parcialidade ou de armadilha que podem fazer

fracassar a mediação.

Como conseguiremos que os clientes confiem em nós e se

abram com franqueza, se estão tão acostumados A solução

adversarial, com desconfiança e temor de ciladas dominando o

espírito dos adversários?

Devemos passar aos nossos clientes a certeza da imparci-

alidade e do sigilo. É tão importante o sigilo em mediação que um

contrato fixando-o deve ser assinado pelas partes e pelo mediador

onde o compromisso alcance a todos e, fundamentalmente, se saiba

que se o problema passe à justiça, o mediador não poderá ser arrolado

como testemunha, pois seu compromisso de sigilo o impede. _ Os outros dois conceitos fundamentais a serem incluídos

na abertura, são: os de mútuo respeito, em falar com sinceridade e

escutar com atenção; e o de igualdade de oportunidades. Também

deve ser aclarado que, se o mediador achar necessário, para

clarificar certos pontos, fará entrevistas a sós com cada um dos

clientes (caucus). 17

Finalmente, informará sobre seus honorários 6 a forma de

serem assumidos (compartilhados) pelas partes.

Deve ser reiterada a informação de que o tempo que leve

para conseguir acordos dependerá das partes, .e tanto os acordos

quanto a possível vontade de interromper a mediação, são respon-

sabilidade dos clientes.

Resumindo: A abertura conterá:

Boas-vindas

Sigilo (Contrato)

Respeito

Igualdade de oportunidades

Responsabilidade

Honorários

17 Respeito a esta técnica, explanaremos mais adiante a conveniência de sua aplicacêo e as criticas expostas por alguns mediadore.

• • • • • •

Page 36: Teoria e prática da mediação

Etapa Seffunda. Os clientes expõem o problema.

Terminada a apresentação e assegurada a inexistência de dúvidas, o mediador convidará as partes a falarem sobre o problema que as trouxe A mediação. Explicará que serão escutados, cada um por vez e que eles mesmos deverão decidir quem começará.

Decidido quem falará primeiro, o mediador pedirá ao cliente que fale

com tranqüilidade, passando toda a informação possível, e pedirá ao

outro que escute com atenção, sem interrupções 1 8 . Deve assinalar

que essa escuta é muito importante, já que é uma boa oportunidade

de escutar, sem paixões, as razões do adversário, pois da conjunção dessas razões surgirá o acordo.

Nesta etapa ornediadordeve relaxar e prestar atenção não

somente As palavras e à história contada por cada uma das partes,

mastambém As reações, estados emocionais, posturas, inflexõesde

voz, e qualquer outro detalhe que chame sua atenção.

Aqui cada mediador deve decidir se toma notas ou não.

Pessoalmente não gosto das notas. Sempre tenho frente a mim, uma •

folha de papel onde anoto os nomes com que eles mesmos gostam de

•ser chamados, e como não quero deixar datos exatos por conta da

minha memória, anoto os valores que são passados; depois raramente

anoto mais alguma coisa. Pessoalmente acho que minha atenção

deve ficar livre para ser chamada espontaneamente pelos fatos que

aconteçam. Se anoto, estou obrigando minha atenção a um ponto.

Também, quando se anota, está-se direcionando os clientes, pois eles

prestam muita atenção aos movimentos do mediador e procuram tirar

conclusões de cada uma de suas reações ou intervenções.

A memória é uma função muito curiosa. Quanto menos

forçamos a atenção consciente, melhor registraremos .os fatos

importantes, as contradições e todos esses fatos que, sem dúvida,

serão chaves de entendimento mais profundo do que se quer dizer,

contido no que se está dizendo.

Também neste momento deveremos prestar muitas aten-

ção As ideias e sentimentos que- nos ocorrem, pois muitas delas,

como temos visto no capítulo anterior, deverão ser deixadas de lado

e outras poderão ser de muita utilidade.

0 mediador deve mostrar-se cálido e compreensivo, esti-

mulando as partes a faiar e a prestar atenção.

É melhor não interromper o cliente em suas primeiras

manifestações. Deve-se deixá-lo falar do jeito que ele melhor achar.

Se algum cliente tiver alguma dificuldade, o estimularemos com

perguntas abertas que não possam ser respondidas com

monossílabos, mas com explicações.

Quanto ao cliente que está na vez de escutar, permitire-

mos-lhe algumas reações, normalmente interjeições, exclamações

simples pelo que está escutando, mas temos que interrompê-lo se

atrapalha a continuidade da fala do outro, reafirmando-lhe a conve-

niência da escuta atenta e sua chance de se expressar livremente na

sua vez, onde terá todo o respeito.

É este um momento muito i9iportante da mediação, pois

devemos criar o ambiente propicio p ra que os clientes falem a

vontade. Sabemos que nos seus di cursos bstarão contidos os

verdadeiros interesses, que tentaremoS resgatar, para que sejam as

bases das negociações. Também este momento é importante para

introduzir as regras de respeito e de interrelação, chave do modo com

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le. Se necessário pode convidá-lo a anotar aqueles pontos que não deseja esquecer de contestar, quando seja a sua vez.

72 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

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Page 37: Teoria e prática da mediação

que as partes alcançarão o acordo.

Etapa Terceira. 0 resumo e o primeiro ordenamento dos problemas.

Uma vez que as duas partes tenham expressado sua visão

do conflito, o mediador depois de perguntar se elas têm mais alguma

coisa a acrescentar, fará um resumo do que escutou.

Antes de realizá-lo deverá dizerque deseja estarseguro de

ter compreendido o problema e que qualquer erro que cometa ou

qualquer inexatidão, por favor o interrompam e esclareçam como

realmente são as coisas. 0 primeiro efeito deste resumo é juntar as

duas versões numa só, para que vejam, ainda que existam diferen-

ças, o problema é só um e pode conter muitas mais concordâncias

do que eles pensam.

Este resumo não é inocente e aqui deve o mediadorusarde

todo seu profissionalismo para. ordenar o que acaba de escutar,

separando as pessoas do problema, indicando os interesses que já

emergiram com clareza e fundamentalmente rem arcando os pontos

de aproximação e.de concordância.

Todos esses pontos devem ser ordenados pelo mediador,

tomando em consideração: 1. Apontá r. possíve l . bom . reláciona-

mento_que_. existi_u_antes da _aparição do_ conflito. Por exemplo:

"Escutei que vocês têm afirmado que suas empresas levaram mais

de dez anos trabalhando juntas, com bons resultados para ambas,

até o momento em que surgiu este problema. Foi assim?'

O fato de remarcar os pontos de bom relacionamento que

as duas partes tarn passado é fundamental para criaruma_base sólida _

a partir da qual possam escutar as diferenças. Já temos produzido

74

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

uma união entre elas e isso .não se destruirá.

Se no discurso das partes não aparecer nenhum antece-

dente positivo, remarcaremos que, apesar de dizerem que nunca

conseguiram acordo algum, nesse momento estão juntos tentando_

achar uma solução. Pelo menos já tem uma coincidência: o desejo _ de resolver pacificamente as diferenças. Em síntese, o imp_ortante.

criar uma base de-acordos pára que se comece, didaticamente, pelos

acordos e n o pelas diferenças. . . .

2. No momento de descreyer o problema _c_:1 faremos,

começando pelos pontos que podem encontrar mais facilmente uma

_solução. É fundamental que o mediador produza um primeiro

ordenamento dos problemas, começando pelos que possam ter uma

solução mais rápida até os que se apresentam como de solução mais

d i fíciL_

A tendência geral dos clientes é a de resumir e juntar tudo

num problema só. On .nediador deve decornpor o problema em tantos

aspectos quanto possa nesse momento, tentando ampliar os pontos

em discussão para que apareçam todos os reais interesses em jogo,

e ordená-los, partindo dos mais simples. aos mais complexos.

Etapa Quarta. A descoberita dos interesses ainda ocultin.

Logo depois do resumo feito pelo mediador, normalmente

as partes começam a aprofundar-se mais urn pouco no problema e

fundamentalmente nas difere_nças en e_elas. Nesta etapa do proces-

so, surgem as principais divergências contradições e obscuridades,

produzidas pelos ocultamentos e as próprias inde finições. 0 media-

dor as apontará, questionando e aé remarcando as possíveis

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

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contradições, sempre com perguntas ou chamadas à reflexão.

Se o mediador vê que a dificuldade maior, é a confusão de

ordem das partes do problema a serem discutidas, reinstalará a

ordem de começar pelos aspectos de maior facilidade de solução. Se

os clientes estiverem muito ansiosos por discutir um aspecto do

problema muito complex°, se insistirá que o processo se agilizará se

começar pelo aspecto onde estão mais próximos de alcançar um

acordo. Sempre é melhor que os clientes vivam o avanço do

processo, com a chegada a esses. acordos parciais, ainda pouco

importantes, pois isso os encorajará a abordar os aspectos mais

difíceis com mais otimismo.

Se o mediador achar que o processo não está avançando,

ou acha muito dificil a descoberta dos reais interesses de um OU . dos

dois clientes, é aconselhável recorrer a entrevistas individuais,

"caucus", para obter uma maior confidencialidade e a abertura os

clientes que não podem ultrapassar a barreira da desconfiança ao

outro.

Como aponta Zulema Wilde 19 : "Si el mediador piensa que

las reuniones por separado (denominadas caucus), pueden ser úfiles

para el proceso de la rnediación, dada la índole tan especial de éstas,

deberá recordar muy especialmente que debe respetar Ias regias

aplicables a estas reuniones, explicadas en el discurso inaugural,

manteniendo plenamente vigente los planos de neutralidad

apropiados."

São muitas as opiniões contrárias a esse procedimento

(caucus), e muitas delas cheias de razão.

1° Wilde, Zulema e Gaibrois, Luis. Que es la Mediación. Abeledo-Perrot, Buenos Aires, 1994.

76 Teoria ePrática da MEDIAÇÃO

Para que o mediador possa fazer reuniões individuais, ele

deve ter muita experiência e um grande manejo da situação. É muito

fácil acordarsentimentos paranóicos nos clientes, que podem estragar

totalmente a mediação. Além disso, acostumados às soluções por vies

adversariais, os clientes temerão muito que o mediador possa ser

"convencido" pelo outro na sua reunião a sós. O "não saber o que

passou" quando o mediador esteve com o outro (sentimento de

exclusão) e fantasiarque fizeram possíveis acordos para lesá-lo, pode

atrapalhar o relacionamento com uma ou as duas partes. 0 mediador

deve saberque para recorrerao caucus, deve sentirque as duas partes

estão confiando nele e que a emergência de reais interesses somente

será obtida em sessões a sós com cada uma delas.

Gary Friedman 20 rejeita totalmente o uso de caucus, por

considerarque o pro fissional mediadorse transformaria em profissio-

nal de cada um dos clientes a sua vez e perderia a base da mediação,

que é a interrelação entre os clientes e que nessa interrelação

apareça a possibilidade de acordos.

Realmente com o caucus, o mediador passa a ser um

intermediário, escutando um cliente e outro e passando, entre eles

a informação autorizada. Nisso Friedman tem razão, já que o

mediador correria o risco, para facilitar as coisas, de transformar-se

ern um negociadorintermediário, esquecendo que o importante é que

eles mesmos vençam as dificuldades no relacionamento e possam

encontrar um caminho para a solução.

Com "caucus" se ganha em celeridade e se perde em

deixar que tudo aconteça entre as partes.

2a Friedman, Gary J. A guide to divorce mediation. Workman Publishing, New York, 1993.

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO 77

Page 39: Teoria e prática da mediação

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Sem "caucus", muitas vezes corremos o risco de não chegar a conhecer interesses muito ocultos e que não serão expres-

' sados na presença do outro, e, sim, a sós com o mediador. 0 ideal é conduzir 6 processo de mediação sempre juntos,

o mediador com as duas partes, o que exige um grande profissio-nalismo do mediador. Mas eu não posso rejeitar completamente o "caucus", pois alguns segredos nunca serão revelados na frente do oponente.

Repito que, na mediação, o importante é o interrelaciona-mento entre as partes e, muitas vezes, o mediador por querer que as partes cheguem a acordos, intervém demais, transformando-se num intermediário. •

Etapa Quinta. Gerar idéias para resolver os problemas. Os acordos parciais.

Se o mediador escolheu as entrevistas a sós, terá escutado atentamente e investigado minuciosamente, os interesses de cada parte e terá transmitido A outra parte o que lhe foi autorizado, conseguindo resgatar os pontos de união e, daí, um a um os acordos terão surgido.

Se pelo contrario, continuou com os dois, eles mesmos terão comunicado seus interesses e lutado por eles com respeito aos do outro.

Muitas vezes para chegar a etapa quinta deve-se ir e voltar A etapa quarta e A terceira, repetidamente. Outras vezes, o problema não apresenta a quantidade suficiente de conhecimentos e exige assessoramento técnico, avaliações, assessoramento quanto a im-postos, à legalidade, ou de outro tipo. 0 mediador quando achar essa

78 Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

falta deve sugerir e até impor (interrompendo a mediação até que

seja suprida) a procura desses assessoramentos.

Outras vezes, as partes se encontram em um absoluto

desconhecimento de como satisfazer os interesses de ambas num

acordo. Ai, o mediador deve ser muito didático e usar cartazes nos

quais pode irindicando os diferentes interesses, a decomposição dos

problemas e as opções que cada uma das partes apresenta.

Por exemplo: na conveniência ou não de vender uma casa,

numa divisão de bens, em um divórcio, poderia ser usado um gráfico

com as opções que os clientes apresentaram, com todas as conse-

qüências.

dividir o dinhero entre eles

um dos cõnjuges comprar a metade

passar ao nome dos filhos

cônjuge que morar pagar aluguel

E todas as outras opções que aparecerem, questionando

aos cônjuges e usando técnicas para fomentar a criatividade.

Todas as técnicas que ajudem a acrescentar as opções

apresentadas são possíveis de serem usadas. Gráfico - de conse-

qüências, lógica de teoria das decisões, etc, onde as opções, seus

custos e suas conseqüências sejam expostos e analisados.

0 mediador, nesses casos, deve ser didático e ensinar.as

partes a raciocinarem como chegar a conclusões que tomem . em

consideração a realidade presente e futui-a e a possibilidade _de

concreção.

Teoria e Prática da MEDIAÇÃO

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vendê-la

( casa .

não vendê-la

Page 40: Teoria e prática da mediação

obtido e remarcar mais uma vez a importância de uma boa inter-

relação que assegurará, não a eliminação de conflitos, mas, sim, a

possibilidade de resolvê-los no futuro, com plena satisfação de

ambas as partes.

JUAN CARLOS VEZZULLA Março 1994.

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. Teoria e Práfica da MEDIAÇÃO

O mediador não deve esquecer nunca que os acordos

obtidos devem ser realistas para satisfazer ao máximo as partes e

prevenir questionamentos futuros, para que sejam o mais dura-

douros possíveis.

Por isso é tão importante a função didática que o mediador

tenha exercido com as partes respeito da interrelação, pois desse

modo elas estarão capacitadas no futuro, a resolver outras dificulda-

des que apareçam com elas.

Etapa Sexta. Acordo Final.

Quando se chega a esta etapa, nada mais resta do qiie

redigir o acordo. Para isso 6 muito importante que seja feito na frente

das duas partes, (num computador para ser mais direto), .numa

linguagem fácil, compreensível para os clientes e que contenha

todas as condições e especificações, tal cot-no foram acordadas _

pelas partes.

Esse acordo 6 . assinado pelas parted, os assessores pre-

sentes e segundo a legislação de cada país, testemunhas do acordo.

Também segundo as legislações de cada pals, os advogados das

partes redigirão, depois, o mesmo acordo com a linguagem legal •

necessária a fim de ser apresentado à justiça para sua homologação,

respeitando o contrato original em suas decisões e acordos.

Normalmente 6 um momento de grande felicidade e ainda

que as decisões tomadas no acordo possam ser tristes, como

divórcio, separação de sociedades, etc; ter finalmente acabado com

as discussões, traz um clima de alegria.

0 mediador deve agradecer e parabenizaras partes pelo

SO Teoria e Prática da MEDIAÇÃO