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Acção de Formação: Metodologias, estratégias e avaliação dos alunos de Filosofia no ensino Secundário Metodologia do ensino da Filosofia: proposta de Tozzi Isaque Tomé. Junho de 2009 1 Metodologia do ensino da filosofia A obra de M. Tozzi. 1 (1992) e sua explicitação a partir de Neves Vicente (doc. policopiados) “Pensamos que o ensino da Filosofia é para a pessoa um direito de estimulação intelectual para compreender o mundo e aí agir e para o estado republicano uma obrigação de promover o espírito dialogante, construtivo e crítico, necessário à actividade participativa do cidadão numa democracia.” (Tozzi, p. 22.) A crise no ensino da filosofia tem as seguintes componentes: Massificação Estruturais: a Filosofia é ela mesma crítica e interpelante de si mesmo. Conjunturais: - Epistemológicas – usurpação do seu campo pelas C. Humanas; - Sociológicas – institucionalização ideológica conformista - Axiológicas – substituição pelos referentes técnicos e económicos dos referentes humanos clássicos Indicadores da crise: - défice de utilidade profissional; perda de prestígio da disciplina; - baixo reconhecimento social e institucional da disciplina; - baixos resultados escolares. Problemas técnico-pedagógicos a ultrapassar: - número de alunos por turma; - diversidade cultural dos alunos; - (ausência de competências linguisticas); - (ensino centrado nos conteúdos e na lógica do ensino); - (atraso na investigação didáctica); - (ausência do protocolos linguísticos, procedimentais e avaliativos) ... face tudo isto, e postulando a educabilidade de todos como exigência ética, impõe-se a necessidade de fazer uma Revolução Coperniciana da pedagogia da filosofia, uma vez que ”a lógica da aprendizagem não é a vossa lógica de ensino”. Assim, a questão “o que lhes vou e devo eu dizer?” deve ser substituída pela “que devo fazer-lhes fazer, para que seja capazes (capacidades e competências) de, por exemplo, problematizar.”(p.27). 1 M. Tozzi. 1992. apprendre a philosopher dans les lycées d’aujourd’hui, Paris

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Isaque Tomé. Junho de 2009 1

Metodologia do ensino da filosofia A obra de M. Tozzi.1 (1992) e sua explicitação a partir de Neves Vicente (doc. policopiados) “Pensamos que o ensino da Filosofia é para a pessoa um direito de estimulação intelectual para compreender o mundo e aí agir e para o estado republicano uma obrigação de promover o espírito dialogante, construtivo e crítico, necessário à actividade participativa do cidadão numa democracia.” (Tozzi, p. 22.) A crise no ensino da filosofia tem as seguintes componentes: Massificação Estruturais: a Filosofia é ela mesma crítica e interpelante de si mesmo. Conjunturais:

- Epistemológicas – usurpação do seu campo pelas C. Humanas; - Sociológicas – institucionalização ideológica conformista - Axiológicas – substituição pelos referentes técnicos e económicos dos

referentes humanos clássicos Indicadores da crise:

- défice de utilidade profissional; perda de prestígio da disciplina; - baixo reconhecimento social e institucional da disciplina; - baixos resultados escolares.

Problemas técnico-pedagógicos a ultrapassar:

- número de alunos por turma; - diversidade cultural dos alunos; - (ausência de competências linguisticas); - (ensino centrado nos conteúdos e na lógica do ensino); - (atraso na investigação didáctica); - (ausência do protocolos linguísticos, procedimentais e avaliativos)

... face tudo isto, e postulando a educabilidade de todos como exigência ética, impõe-se a necessidade de fazer uma Revolução Coperniciana da pedagogia da filosofia, uma vez que ”a lógica da aprendizagem não é a vossa lógica de ensino”. Assim, a questão “o que lhes vou e devo eu dizer?” deve ser substituída pela “que devo fazer-lhes fazer, para que seja capazes (capacidades e competências) de, por exemplo, problematizar.”(p.27).

1 M. Tozzi. 1992. apprendre a philosopher dans les lycées d’aujourd’hui, Paris

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Os objectivos no ensino da filosofia. Problema: A tensão entre serem muito amplos e não cumprirem a função de guias do trabalho do aluno, do professor e da avaliação e o de serem comportamentalistas, e assim redutores da actividade e pensamento humano (não olhando aos processos cognitivos e intelectuais mas só ao seu produto). Os objectivos de uma disciplina permitem:

- centrar a actividade sobre a aprendizagem do aluno (em vez de servirem só o ensino);

- utilizar uma linguagem comum entre professores e alunos; - esclarecer pela explicação dos objectivos a pertinência das estratégias (e

actividades) para os cumprir; - melhor avaliar, pois não só o aluno sabe o que lhe é pedido como a avaliação

entre professores (e correctores) é mais homogénea.

“Uma finalidade sem tradução concreta em objectivos (e os critérios??) precisos torna-se e é impossível de avaliar” .

Contudo a excessiva comportamentalização dos objectivos traz problemas no

ensino da filosofia, pois os Objectivos comportamentalistas são reducionistas2, uma vez que:

- “objectives bornés au court terme de l’examen » - obsessão com o programa e sua reprodução. - predominância do produto final e dos conteúdos sobre os processos.

Tozzi propõe uma aproximação mentalista dos objectivos (p.33), pois...

“As operações mentais, fundamentais em filosofia, são enquanto tais

inobserváveis, a problematização (por exemplo) é duma complexidade que escapa as classificações habituais das actividades cognitivas”

Contudo, face a isto, não é de deitar fora a pedagogia por objectivos, uma vez que eles têm potencialidades (já referidas).

Trata-se de colocar no papel, tornar claro (objectivado e intersubjectivo): - o que se espera do aluno; - e que ele saiba o que se espera dele, em termos de tarefas precisas e o mais

possível observáveis. É neste sentido que Tozzi afirma (p.33) : « il peut être pour sa pratique pédagogique, lorsqu’on ne s’est pas encore

suffisamment précise ses propres objectives, et les a encore moins traduits en capacités de l’apprenant, de s’entraîner à une telle formulation, parce qu’elle oblige à mettre sur le papier ce qu’on attend de l’élève en termes de tâches précises, accessibles, le plus possible observables. »

2 nos EUA, onde surge a pedagogia por objectivos com Bloom – que desenvolve as pedagogias condutivistas e teorias técnicas curriculares de Tayler e outros – está hoje num processo de reequacionamento do comportamentalismo

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Os objectivos-PEF

Tranversais a todo o programa, construtores/activos na aprendizagem do filosofar, numa perspectiva mentalista (cognitivista) e, como tal, interessam-se pela “caixa negra dos processos de pensamento.

1) ser capaz de conceptualizar filosoficamente uma noção; 2) ser capaz de problematizar filosoficamente uma questão, ou uma noção; 3) ser capaz de argumentar filosoficamente uma tese.

Estes objectivos podem ser articulados entre si. Estes objectivos traduzem um conceito didáctico que formula um compromisso dinâmico entre a forma como deve ser ensinado e a forma como deve ser aprendido, Os objectivos PEF estão subjacentes às competências a adquirir, orientam a organização e procedimentos das tarefas que incentivam essas competências e colocam-se como objectivos gerais finais, ou pelo menos configuram estes no que diz respeito às competências filosóficas, comunicacionais e argumentativas, servindo, assim, a aprendizagem do pensar (no sentido de abordagem/caminhar intelectual). Os objectivos PEF dão uma estrutura e sentido ao programa e à avaliação.

- ao programa, “pois o que é uma noção filosófica, senão um campo de interrogações que reclamam a conceptualização e a problematização? Esses processos são por consequência transversais a toda a lista de noções, eles animam metodologicamente o conteúdo” (...)

- à avaliação, “nos exames ou nas provas que os precedem, pois o que se atende numa dissertação filosófica senão à articulação coerente da problematização da questão, da conceptualização das suas noções e da construção de uma argumentação pertinente?”(p.35)

O que é o programa de filosofia ou um texto filosófico “senão um esforço

rigoroso de filosofar para colocar os problemas, conceptualizar as noções e argumentar as teses?” (p.36)

”Tornar o aluno capaz de conceptualizar, de problematizar e de argumentar é, em consequência, ter o fio condutor metodológico, para entrar (guiar) o programa, tratar filosoficamente uma dissertação, preparar o exame e (...) aprender a filosofar.” (p.36)

Os três objectivos nucleares da aprendizagem do filosofar, segundo Michel Tozzi, são: a conceptualização de uma noção, a problematização de uma questão e a argumentação de uma tese.

Estes estão relacionados com os processos fundamentais do próprio pensamento filosófico.

Assim, o primeiro objectivo nuclear reside, precisamente, na capacidade de conceptualizar uma noção. Não existe propriamente reflexão em Filosofia se não formos capazes de conceptualizar noções.

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1. A conceptualização Uma noção tem um tripla relação, pois remete para

- a linguagem, uma vez que ela é expressa por uma palavra (S) integrado num sistema de comunicação

- o pensar, porque reenvia para uma ideia ou conceito; - o real, porque o conceito é um objecto de pensamento visando o real.

“toda a filosofia não é ela uma forma de articular, de maneira original, o pensar, a linguagem e o real?” Podemos conceptualizar uma noção:

- elaborando o sentido do seu conceito por um trabalho sobre a linguagem (etimologia, história, semântica, a partir de sinónimos e antónimos, destinguindo usos correntes e filosóficos);

- pela problematização, colocando em dúvida (questionamento) as suas

representações espontâneas e convencionais ou da sua relação interrogativa com outras noções.

- Construindo o seu conceito como instrumento de inteligibilidade do real

a partir dos seus domínios de aplicação (a noção de lei em ciência, ética, política, estética,...)

1.1 A aproximação linguística:

Objectivo: clarificação do sentido da noção pela explicitação das palavras que exprimem o conceito (da palavra ao conceito).

1.1.1 Exploração da etimologia, da história e evolução semântica de uma noção.

1.1.2 explicitação do significado linguístico corrente, 1.1.3 explicitação mediante a dos seus sinónimos e antónimos, 1.1.4 distinguindo usos correntes e filosóficos. 1.2 Aproximação predicativa – trabalho sobre os atributos de uma noção

Objectivo: elaboração conceptual de uma noção pela determinação da sua compreensão. (da ideia-noção aos seus atributos). Ex.: Liberdade: conhecimento (consciência); constrangimento; possível; razões (justificações).

1.3 Aproximação extensiva – trabalho sobre os campos de aplicação de uma

noção. Objectivo: reconstrução conceptual de uma noção como instrumento de inteligibilidade do real. - pela análise dos campos de aplicação, com vista à sua reconstrução.

1.4 Aproximação representativa

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1.5 A aproximação metafórica do conceito - Trabalho com base no pensamento analógico - Fazer apelo à metáfora para daí permitir /desenvolver/formular

representações de uma noção (o que permite posterior problematização)

- Implica alguma criatividade (no processo) ao serviço de uma estratégia de abstracção.

- Implica uma representação progressiva (e não tanto a definição de conceitos pela identificação lógica dos atributos).

- A metáfora permite uma aproximação ao conceito sem que o aluno seja obrigado a dominar o discurso racional e abstracto.

Descrição metodológica:

1 Pedir ao aluno que traduza em imagem um conceito que iremos examinar – trata-se de procurar configurações concretas ou imaginárias.

2 Explicação e racionalização da analogia: - o aluno deverá tentar formular a relação entre as suas imagens e o

conceito, - é-lhe pedido para precisar o elemento essencial que retira dessa análise

3 A partir dos elementos formais deve construir uma definição aproximada (mas explícita) – isto será o ponto de partida para o aprofundamento filosófico.

1.5. O método da indução guiada por contrastes – baseia-se no pensamento indutivo

Como solicitar ao aluno, logo desde o início do ano, que conceptualize uma

noção? Como ajudar o aluno a superar a opinião corrente e a introduzir-se no verdadeiro questionamento filosófico?

O método de indução guiada por contraste é um procedimento pedagógico que se centra fundamentalmente na actividade mental do aluno. O princípio geral deste procedimento pode ser aplicado ao ensino da Filosofia em todos os inícios de ano, a propósito do "questionamento filosófico." Consiste este método em propor questões filosóficas e questões não filosóficas (como a função de contra - exemplos). Assim, cabe aos alunos identificar os critérios de classificação implícitos, determinar de modo progressivo as características ou atributos do conceito apresentado e, por fim, chegar a uma definição desse conceito o mais completa possível. Este método permite também ao professor fazer com que os alunos reflictam sobre os obstáculos que encontram ao longo da realização dos exercícios e sobre as diferentes estratégias mentais que utilizaram para superar as dificuldades, estratégias mentais essas que poderão utilizar ulteriormente em outros contextos, com mais experiência e autonomia.

Qual a exigência pedagógica deste método? Este implica que, antes de qualquer transmissão do saber, o professor determine o nível de complexidade através do qual quer abordar o conceito: de que conteúdo essencial tem o aluno necessidade?, como estruturar esse conteúdo ?

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Fases deste método: 1.ª fase: O professor dá ao aluno cinco pares de questões numeradas de 1 a 10.

Cada aluno, dadas as questões, deve procurar (individualmente num 1ª momento e por escrito) em cada par o ponto comum e depois a diferença entre as questões; em todas as questões "ímpares" os pontos comuns; em todas as questões "pares" os pontos comuns e finalmente, entre diferenças. Esta análise das perguntas e as respostas dadas permitem caracterizar certos atributos do "questionamento filosófico". Por exemplo, o aluno poderá chegar à conclusão de que o "questionamento filosófico" é aquele que suscita tomadas de posição, exige um julgamento pessoal, diz respeito a todo o mundo.

2.ª fase: Os alunos recebem sete pares de questões desordenadas, nas quais as

oposições são menos claras que as precedentes. Ao aluno é pedido que, face a estas questões, distinga as que têm um carácter filosófico das que não têm, justificando a sua escolha. O aluno confronta, assim, os atributos do questionamento filosófico anteriormente adquiridos, mas relacionados agora com questões de tipo diferente. Assim, o aluno pode compreender também que um mesmo tema ou domínio pode ser encarado filosoficamente ou não, tomando assim consciência da especificidade própria do questionar em Filosofia. O trabalho pode ser aprofundado em pequenos grupos que comparam trabalhos

3.ª fase: As definições dos pequenos grupos de alunos são lidas à turma: os

alunos devem escolher os atributos que são consensuais e os que não são. No término deste debate, cada um redige individualmente a definição filosófica à qual chegou.

4.ª fase: Os alunos recebem uma lista de 14 questões, também elas

desordenadas. Verificam-se colectivamente as questões propostas. Seguidamente, uma outra lista é apresentada, mas certas questões

nesta lista são equívocas, ou seja, elas podem ser tomadas de vários pontos de vista (jurídico, científico e filosófico). Aqui, o que se pretende evidenciar é o facto de que uma mesma questão não tem uma só leitura possível.

Última fase: Passa pela produção pessoal de um questionário. Os alunos são

convidados a redigir individualmente questões unicamente filosóficas, cada uma sobre um tema. Este método tem um interesse muito particular porque introduz os alunos no questionamento filosófico através de uma lógica pedagógica que inicia ao filosofar.

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A título de exemplo, Tozzi mostra-nos o resultado da aplicação deste método numa turma. Assim, eis as definições que esta turma deu para "questionamento filosófico": "o questionamento filosófico, que tem uma forma geral e abstracta, reporta-se a todas as dimensões da existência humana. Ele refere-se a todo o Homem."; "ele põe em causa todas as ideias pré-concebidas, as respostas fáceis e definitivas: interroga-as sobre o seu sentido: Ele faz apelo ao espírito crítico mas exige que se esteja atento a ideias que não são nossas."; "ele implica debates onde cada um deve procurar argumentos razoáveis e coerentes entre eles. Ele debruça-se sobre respostas pessoais que um dia serão ainda interrogadas. "

Concluindo, podemos afirmar que este método privilegia o pensamento indutivo, pois é muito guiado, não permitindo encontrar na formulação final senão os atributos anteriormente determinados.

Este método será portanto o mais adequado quando se pretende elaborar definições mais consensuais, como é o exemplo da definição de "questionamento filosófico". Este método tem também o mérito de se centrar no aluno e na sua lógica de aprendizagem, suscitando-lhe vontade de aprender.

1.º tipo de exercício:

Objectivo: treinar a capacidade de questionar uma pseudo-evidência Tarefa: colocar a questão filosófica implícita numa opinião/resposta.

2.º tipo de exercício:

Partir das suas concepções, implicando directamente o aluno Tarefa: encontrar a questões filosóficas nas suas próprias respostas

3.º tipo de exercício:

Objectivo: treinar a capacidade de questionar sob forma alternativa Tarefa: encontrar respostas diferentes das minhas e depois reformulara

questão sob forma alternativa 4.º tipo de exercício:

Tarefa: encontrar as respostas diferentes a uma questão filosófica dada. tema A morte

A minha questão

Há vida após a morte

A minha resposta

Não, a morte é o fim

Respostas diferentes

Sim, pela reencarnação Sim, pela ressurreição

Reformulação

A morte, é ela o fim ou uma nova vida?

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2 A problematização A nível metodológico é útil clarificar:

- o que é um problema filosófico; - o que é problematizar, em filosofia; - o que é uma problemática.

problematizar supõe as seguintes capacidades:

- questionar, ou seja, colocar em questão, colocar em dúvida uma afirmação; - descobrir, a partir de uma noção ou na relação entre conceitos ou numa

questão um problema filosófico; - formular um problema sob forma alternativa – permitindo diversas

respostas (constatando-se a sua consistência pelos argumentos e consequências) – trabalho de matacognição.

O processo de problematização:

questão inicial

a conjectura o debate recolocar a questão da

é em si um obstáculo

situação-problema

1.º tipo de exercício: Objectivo: treinar a capacidade de questionar uma pseudo-evidência. Tarefa: encontrar a questão filosófica implícita numa opinião-resposta. Este exercício desorienta mas interessa os alunos. Após um primeiro trabalho individual e em pequenos grupos, é frutuoso pela diversidade de questões colocadas em plenário de turma. Aqui terá de se distinguir as questões filosóficas da não filosóficas. 2.º tipo de exercícios: Para implicar directamente o aluno, podemos partir das suas próprias conjecturas/opiniões/preconceitos. Tarefa: encontrar as questões filosóficas das minhas respostas Indicações: 1. escrevam uma das vossas certezas acerca da seguinte noção filosófica (ex. Deus; vida; liberdade;...). 2. procurem uma das questões filosóficas à qual a vossa certeza (Deus é uma criação humana) forneça uma resposta positiva ou negativa (ex. Deus existe?). trata-se de fazer com que o aluno, primeiro por reflexão individual, depois por confrontação com o grupo se aproprie da démarche do questionamento filosófico.

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3º tipo de exercício (consequente do 2º): Objectivo: treinar a capacidade sob forma alternativa. Tarefa. Encontrar respostas diferentes das minhas. Instruções: a) Partir das suas questões. b) Encontrar para cada questão a sua resposta. c) Encontrar respostas diferentes. d) Reformular a questão sob forma alternativa. Trabalho individual e/ou em pequenos grupos. 4.º tipo de exercício: Tarefa: encontrar respostas diferentes a uma questão filosófica apresentada pelo dada. Exemplo: P: que atitude ter face à morte? R: a fuga; a resignação; a revolta;... Reformulação : face à morte devemos resignar-nos ou revoltarmo-nos ? “a reformulação filosófica de uma questão filosófica não se reduz à tomada de consciência da diversidade de respostas possíveis (...). Mas para o aluno que vive na evidência da resposta única (mono) há questões não colocadas. Este exercício é um caminho de ruptura com o hábito enraizado de afirmar e responder imediatamente.” Tozzi, p.52.

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3 A argumentação 1º tipo de exercício Objectivo: argumentar a dúvida Tarefa: levantar uma situação-problema a uma certeza, para de seguida a questionar 2º tipo de exercício Objectivo: encantar as teses a argumentar. Instruções:

a) quais são as soluções que vos parecem possíveis a esta questão... b) dada uma tese, perguntar se há outras teses. c) dadas duas teses diferentes ou contraditórias: há uma possível síntese? d) ...

3º tipo de exercício: Objectivo: trabalhar sobre argumentos.

- encontrar contradições nos argumentos. (lógica) - Contradizer um argumento por outro do mesmo tipo (p.ex.: de ordem

epistemológica). - Contradizer um argumento por outro de outra ordem (p.ex.: um ético por

um económico). - Encontrar o argumentação mais forte.

É útil:

- Distinguir dois tipos de operações: 1. o esquema geral da argumentação. 2. construir um momento argumentativo.

- Desenvolver os pré-requisitos das argumentação: ser capaz de

manipular as articulações lógicas e as estruturas do pensamento que eles expressam. : causa-efeito; princípio-consequência; domínio dos conectores; ...

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4 A emergência das representações e o seu tratamento didáctico. A reflexão filosófica entra em ruptura com a opinião. Antes de qualquer trabalho filosófico os alunos têm representações

sobre a filosofia e as noções que ela aborda. Não devem ser rejeitadas demasiado depressa se quisermos que os alunos reflictam.

Assim o trabalho deve ter dois momentos: 1º- analisamos os meios de fazer emergir essas representações; 2º aplicaremos um meio para operar as rupturas necessárias face ao seu desencontro/excesso.

4.1 A fotolinguagem

A fotolinguagem permite a emergência da representação a partir do “sistema-valores-afectos” do indivíduo.

Do ponto de vista filosófico, a imagem facilita a expressão da opinião, tal

como os confrontos favorecem a problematização e a argumentação.

Instruções: Comentários: 1. Perante um conjunto de dez imagens, o

aluno deve escolher: - a que melhor representa o conceito de

filósofo, de liberdade, de justiça, etc. - a que mais se afasta desse mesmo

conceito. 2. O aluno justifica, individualmente e por

escrito, as suas escolhas, elaborando uma primeira definição do conceito.

3. O aluno apresenta oralmente, num

pequeno grupo ou perante toda a turma, o comentário às suas imagens e à sua definição.

4. O aluno discute com os colegas. 5. Em seguida, formula, individualmente e

por escrito, uma nova definição do conceito.

6. Por fim, oralmente e/ou por escrito, o

aluno explica o que modificou e porque razão o fez.

1. A imagem favorece a implicação pessoal e a escuta do outro. Esta permite, ao aluno, exprimir a raiz afectiva da representação e, ao professor, aperceber-se do porquê das resistências à mudança /evolução.

2. O trabalho individual e por escrito favorece a

formalização do pensamento. 3. A comunicação oral diversifica a expressão da

representação e implica a relação ao outro. 4. Fase do conflito socio-cognitivo.

A discussão permite valorizar a pluralidade de concepções e clarificar consenso e divergências. O contacto com outras concepções favorece e estimula o desenvolvimento do pensamento. 5- ver ponto 2 6- O aluno toma consciência:

ao nível meta-cognitivo, da mudança de uma representação por confronto com outra;ao nível conceptual, dos elementos de aprofundamento.

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4.2. O Q-Sort Objectivo: Fazer com que os alunos entrem numa situação de conflito socio-cognitivo que os permita fazer evoluir as suas representações iniciais. Processo:

O Q-Sort permite ver a proximidade ou distanciamento da sua representação com esta ou aquela concepção. Este dispositivo oferece ao aluno um certo número de definições de uma noção (itens que são aproximações da noção).

Ao aluno é dada a possibilidade de escolher positiva ou negativamente entre essas concepções, de modo a situar-se a partir das suas próprias representações.

Depois de se pedir que explique as suas escolhas e as confronte com as dos outros, é colocado numa situação de conflito sócio-cognitivo que permite fazer evoluir as suas representações iniciais. As 4 fases do dispositivo:

1.ª - Um trabalho individual ao longo do qual cada aluno deve escolher as duas definições que lhe parecem mais adequadas, as duas que lhe parecem menos pertinentes, justificando as suas preferências e as suas rejeições por meio de argumentos escritos. 2.ª - Um trabalho para pequenos grupos (de 2 a 5) onde os alunos expliquem a sua escolha e discutam os seus argumentos (não para convencer, mas para compreender). 3ª - Um trabalho colectivo onde o professor recolhe os argumentos de cada um, os pontos-chave discutidos nos grupos, esclarece, confronto, critica-os com toda a turma. 4.ª - Uma síntese magistral onde estas concepções são situadas na história, ilustradas pelas divergências e complementaridades dos filósofos e onde são referidas as problemáticas.

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Exemplo: “Filosofar é...

1- Elaborar um questionamento, uma problemática. 2- Reflectir os problemas que não podem ter soluções cientificas ou

técnicas. 3- Tentar resolver os problemas fundamentais do homem.

(...) 8- Saber escutar o outro, dialogar. 10- Construir um sistema global de explicação do mundo. 11- Transformar o mundo, e não apenas interpretá-lo.

(...) 13- Tornar-se um super-homem. 15- Agir virtuosamente, por respeito ao dever.

(...) 18- Elevar a sua alma acima do seu corpo. 19- Saber se a vida vale a pena ser vivida. 20- Aprender a morrer.

(...)”3 Estes itens podem ser esclarecidos de diferentes formas:

1- Os autores e a sua doutrina (ex. Sócrates (20), Nietzsche (13), Camus (19), Hegel (10), Marx (11), ...).

2- As definições mais obscuras consideradas pelos alunos (ex. 13). 3- As relações:

- os caminhos possíveis (ex. 1 à 3); - as oposições descobertas (ex. 10 e 11); - as afinidades possíveis (ex. 18 e 20).

4- O vocabulário utilizado (ex. problemática; resolver; questionário; solução/ sistema; transformar; alma/corpo; ...).

3 Michel Tozzi, Appendre à philosopher dans lés lycées d’aujourd’hui, Hachette Éducation, Paris, 1992, p. 70

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4.2 O dispositivo das palavras-chave. Objectivo: Fazer com que o aluno mergulhe no seio da linguagem, através das representações que possui, das dificuldades com que se depara na expressão das suas ideias e na compreensão das ideias dos outros. Processo (ex.: da linguagem) a) Verbalizar as representações em “palavras-chave”. 1º Passo: O aluno escreve individualmente e em silêncio quatro palavras que exprimam uma característica essencial da noção em causa (ex.: comunicação), ou que induzam um problema abordado pela noção em causa (ex.: animais _ Os animais possuem uma linguagem?) Comentário: as palavras-definição preparam a conceptualização; as palavras-problema preparam a problematização. 2º Passo: Uma vez anotadas as palavras, os alunos devem explicitar por escrito, para cada uma delas, o porquê das suas escolhas. Comentário: este é m tempo de reflexão individual. b) Comunicar, ler as “palavras-chave”. 3º Passo: A primeira terça parte da turma comunica o que anotou. Os alunos escrevem no quadro, um por um, uma palavra. Durante este tempo, os outros alunos, lêem essas palavras em silêncio. c) Reagir às “palavras-chave”. 4º Passo: Os alunos do segundo terço da turma devem barrar uma palavra (mesmo já barrada) com a qual não concordam. Esta pode ser uma palavra que, na sua perspectiva, não caracteriza essencialmente a noção a ser representada, ou que não induz nenhum problema referente a ela. Em silêncio, um por um, os alunos vêm ao quadro barrar a palavra, depois de voltarem para o lugar, devem anotar as razões que os levaram a escolher essa palavra. 5º Passo: Os alunos do último terço da turma, sempre em silêncio, devem sublinhar uma palavra que considerem “palavra-definição” ou uma “palavra-problema”. Um por um, devem sublinhar uma palavra, mesmo se ela já estiver sublinhada ou barrada; depois de voltar para o lugar, cada aluno anota as razões que o levaram a sublinhar essa palavra. Exemplo:

Palavra Ensinar Enriquecimento

Conceito Impessoal Código

Seres vivos Comunicação

Gestos

Amor Signo Dialecto

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Isaque Tomé. Junho de 2009 15

Comentário: certos alunos têm por vezes reacções de tipo afectivo quando uma das suas palavras é barrada ou sublinhada. É necessário esclarecer que esse gesto não significa que quem a escreveu esteja errado, mas que isso abre um debate de ideias. Aqui, os alunos justificam o seu processo de trabalho (escrever, barrar, sublinhar) anotando as razões por escrito, para que seja argumentado. Isto prepara o seguimento do trabalho colectivo.

A explicitação colectiva das representações a) Explicitar os aparentes consensos O professor começa pelas palavras mais sublinhadas. Em cada uma delas, ele pergunta àquele que a marcou e depois ao ou aos que a sublinharam a razão da sua escolha. O professor avalia a realidade dos consensos e isola progressivamente aqueles que correspondem aos atributos do conceito, tal como aos problemas por ele abordados. b) Explicitar as aparentes divergências O professor toma em atenção as palavras mais barradas, depois a ou as palavras barradas e sublinhadas, uma por uma. De seguida, pergunta a cada um porquê que escreveu, barrou ou sublinhou essa palavra. Assim, são reveladas as eventuais divergências ou os pseudo-consensos. Comentário: os alunos não discutem entre eles, mas interrogam-se sobre as razões que os levaram a sublinhar ou barrar as palavras. No decurso desta troca de ideias, que permite explicitar a escolha de cada um, o professor faz sínteses parciais e isola os atributos do conceito, tal como, os problemas encontrados.

A emergência das problemáticas a) confrontar as suas representações. A emergência das problemáticas é possível a partir das divergências reais, que dão lugar a mini-debates. Estes debates permitem ao aluno, através de curtas clarificações, delimitar o problema abordado, as teses presentes e os argumentos avançados. Comentário: esta etapa é a da confrontação das representações: os mini-debates devem ser estruturados para formular argumentações precisas e facilitar as sínteses. b) Formular as questões. No fim deste dispositivo, o aluno formula por escrito duas ou três questões que lhe parecem essenciais a propósito do conceito trabalhado ( ex.: linguagem), a partir das representações pessoas e dos debates que tiveram lugar. Estas questões são recolhidas pelo professor, numa folha, e dadas aos alunos na aula seguinte. Comentário: as questões na sua maioria têm, pela sua pertinência, a marca do trabalho de reflexão efectuado. Elas remetem também para problemáticas diversificadas e preparam assim o aprofundamento ulterior do tema abordado. Exemplos de questões formuladas por escrito:

• Existe uma linguagem universal? • Porque é que existem diferentes línguas? • A linguagem identifica-se com a palavra? • A linguagem é própria do homem? • Porque falamos?

Os nossos sentimentos encontram na linguagem um modo de expressão privilegiado?