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Eventos Lixo Zero José M. Furtado 1 Resumo Os resíduos sólidos urbanos são reconhecidamente causa de grande impacto ambiental, econômico e social. A realização de eventos traz novos negócios e investimentos para a cidade mas ao mesmo tempo gera um impacto de curta duração, significativo e localizado. O desperdício na indústria de eventos é grande, desde o material usado na montagem de stands aos resíduos gerados pelo consumo dos visitantes. O modelo Lixo Zero propõe o uso de conceitos já bem conhecidos como o consumo consciente e a economia solidária, além do estrito atendimento à legislação dos resíduos sólidos. Este artigo comenta esta legislação, apresenta os conceitos Lixo Zero e Evento Lixo Zero, concluindo com um estudo de caso. Abstract Urban solid waste is known by the environmental, economic and social impact it causes. Public events bring new business and capital to the venue but at the same time generate a significant concentrated impact. The event industry is a wasting one, from the infrastructure assembly and dis-assembly to the garbage visitors throw away. Zero Waste purposes the use of known concepts like responsible consumption, social business and strict adhere to the legislation. This article comments the recent Brazilian solid waste legislation and presents the Zero Waste, Zero Waste Event concepts, closing with a case study. Introdução “A gente tem que romper esse paradigma de que reciclar é coisa de pobre. Reciclar é coisa de gente inteligente” (Santos, 2012) O adequado gerenciamento dos resíduos sólidos tem cada vez mais se tornado um importante instrumento de preservação do meio ambiente e da qualidade de vida do meio urbano, sendo que a recente aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), define a responsabilidade de cada cidadão gerador dos resíduos, pela sua correta destinação. Encontrar um destino sustentável para o lixo tem se mostrado um desafio. Separar os recicláveis é uma das formas mais divulgadas de participação, mas é preciso fazer mais. Os resíduos orgânicos também podem ser reciclados e reaproveitados como adubo ou para geração de energia. Eventos públicos são grandes geradores de resíduos. Desde seus preparativos, passando pela instalação física, durante o evento propriamente dito, até o desmonte e trabalhos pós-evento, por todas estas etapas há geração de resíduos cujo perfil varia conforme a etapa, indo desde os perigosos, Classe I (ABNT, 2004), até um simples papel de bala. 1 José Mendonça Furtado – Engenheiro, especialista em Sustentabilidade e Responsabilidade Social pela UNICAMP, 2009, é consultor em destinação de resíduos e compostagem. Gerencia projetos socioambientais. Prêmio RAC-SANASA de Responsabilidade Ambiental, 2010, é sócio fundador da Novaterra Ambiental. [email protected]

Ciis 2013 anais- Evento Lixo Zero

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Eventos Lixo Zero

José M. Furtado 1

Resumo

Os resíduos sólidos urbanos são reconhecidamente causa de grande impacto ambiental, econômico e social. A realização de eventos traz novos negócios e investimentos para a cidade mas ao mesmo tempo gera um impacto de curta duração, significativo e localizado. O desperdício na indústria de eventos é grande, desde o material usado na montagem de stands aos resíduos gerados pelo consumo dos visitantes. O modelo Lixo Zero propõe o uso de conceitos já bem conhecidos como o consumo consciente e a economia solidária, além do estrito atendimento à legislação dos resíduos sólidos. Este artigo comenta esta legislação, apresenta os conceitos Lixo Zero e Evento Lixo Zero, concluindo com um estudo de caso.

Abstract

Urban solid waste is known by the environmental, economic and social impact it causes. Public events bring new business and capital to the venue but at the same time generate a significant concentrated impact. The event industry is a wasting one, from the infrastructure assembly and dis-assembly to the garbage visitors throw away. Zero Waste purposes the use of known concepts like responsible consumption, social business and strict adhere to the legislation. This article comments the recent Brazilian solid waste legislation and presents the Zero Waste, Zero Waste Event concepts, closing with a case study.

Introdução

“A gente tem que romper esse paradigma de que reciclar é coisa de pobre. Reciclar é coisa de gente inteligente” (Santos, 2012)

O adequado gerenciamento dos resíduos sólidos tem cada vez mais se tornado um importante

instrumento de preservação do meio ambiente e da qualidade de vida do meio urbano, sendo que a

recente aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), define a

responsabilidade de cada cidadão gerador dos resíduos, pela sua correta destinação.

Encontrar um destino sustentável para o lixo tem se mostrado um desafio. Separar os

recicláveis é uma das formas mais divulgadas de participação, mas é preciso fazer mais. Os resíduos

orgânicos também podem ser reciclados e reaproveitados como adubo ou para geração de energia.

Eventos públicos são grandes geradores de resíduos. Desde seus preparativos, passando pela

instalação física, durante o evento propriamente dito, até o desmonte e trabalhos pós-evento, por

todas estas etapas há geração de resíduos cujo perfil varia conforme a etapa, indo desde os

perigosos, Classe I (ABNT, 2004), até um simples papel de bala.

1 José Mendonça Furtado – Engenheiro, especialista em Sustentabilidade e Responsabilidade Social pela UNICAMP, 2009, é consultor em destinação de resíduos e compostagem. Gerencia projetos socioambientais. Prêmio RAC-SANASA de Responsabilidade Ambiental, 2010, é sócio fundador da Novaterra Ambiental. [email protected]

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A preocupação com os resíduos não é, entretanto, a única que devemos ter quando visamos

tornar um evento sustentável. A intervenção do evento no meio social deve ser considerada e

avaliada de forma que os benefícios sejam maximizados.

Este trabalho apresenta um breve comentário sobre a legislação brasileira para os resíduos

sólidos, seguem-se as definições dos conceitos Lixo Zero, e de Evento Lixo Zero, concluindo com a

apresentação de um relato sobre um Evento Lixo Zero realizado em fevereiro de 2013.

A Legislação Brasileira

O modelo capitalista de produção que adotamos é linear (extração-produção-consumo-

descarte) e se sustenta a partir da exploração sem limites dos recursos naturais, para fabricação em

massa de bens muitas vezes desnecessários, cujo consumo é induzido por maciças doses de

propaganda. O estágio final deste sistema é a geração de um volume incontrolável de uma enorme

diversidade de tipos de resíduos, que tornam a correta destinação de cada um deles numa tarefa

próxima ao impossível. Embora este modelo linear esteja em xeque, a mudança para um modelo

circular no qual resíduos sejam continuamente reusados como insumos, não tem sido de fácil

implantação.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS, 2010), Lei 12.305/2010, é um instrumento

que entre outras finalidades, visa induzir os agentes econômicos a adotar práticas que privilegiem o

reaproveitamento dos resíduos. Ela estabelece metas e diretrizes para estados, municípios, empresas

e cidadãos definindo uma hierarquia de responsabilidades. Trata-se de um instrumento legal

inovador e desafiador com grande potencial de alterar, para melhor, o atual cenário dos resíduos no

País. Além da PNRS, o arcabouço legal da área começa pela Política Nacional de Saneamento

Básico (Lei 11.445/2007), e se completa com as Políticas Estaduais de Resíduos Sólidos, e as

legislações e os planos municipais.

A PNRS é inovadora em alguns importantes aspectos: pelo reconhecimento dos resíduos

como “bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania”; pela

introdução do conceito de “responsabilidade compartilhada”, que define o gerador do resíduo como

co-responsável pela sua correta destinação final; e pela definição da “logística reversa”.

A Logística Reversa é um instrumento criado para viabilizar “a restituição dos resíduos

sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos...”

(PNRS, 2010). Trata-se de uma excelente ferramenta de incentivo ao mercado da reciclagem, e

indutora do reaproveitamento de matérias-primas que ainda hoje são descartadas em aterros. Até o

momento foram criadas algumas Câmaras Setoriais (pneus, lâmpadas, embalagens de agrotóxicos,

etc) para definir os meios e as responsabilidades de cada ator no processo de coleta, transporte e

aproveitamento dos materiais, outras deverão ser criadas.

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A Política Nacional de Resíduos Sólidos em momento nenhum se refere a “lixo”, e define

dois termos para tratar dos materiais descartados: “resíduo sólido” e “rejeito”. Resumidamente,

resíduos são os materiais descartados resultantes de atividades humanas, e os rejeitos são resíduos

que “depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação … não apresentem

outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada.” (PNRS, 2010).

O Que é Lixo Zero?

“Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” (Lavoisier).

A natureza não gera lixo. O lixo é uma criação do homem. O sistema linear de extração,

produção, consumo e descarte levado a extremos numa sociedade consumista e acumuladora,

provoca efeitos danosos ao ambiente e à qualidade de vida da própria sociedade. A adoção do

modelo Lixo Zero é uma entre muitas medidas que podem potencialmente alterar esta lógica,

estabelecendo um modelo que mimetize o comportamento circular da natureza, onde não há rejeito

e o resíduo de um determinado processo é insumo para outros.

Lixo Zero é a prevenção da geração de rejeitos através de ações que possibilitem o reuso,

sempre que possível, dos produtos e materiais, e o reaproveitamento ou reciclagem daquilo que

chegue ao fim de vida. Do ponto de vista estritamente econômico, trata-se de reduzir (no limite,

zerar) despesas com envio de resíduos para aterros, aplicando, de outra forma, recursos no

reaproveitamento de produtos e materiais. Transformando problemas e riscos, em soluções cujo

impacto positivo se reflita não apenas no orçamento do Evento como também na Sociedade como

um todo.

A denominação “Lixo Zero” é muitas vezes questionada, por dois motivos: “lixo” é palavra

banida de toda a legislação brasileira que define os resíduos e os rejeitos; e “zero”, por que seria

uma utopia, uma vez que qualquer atividade humana gera resíduos. Sem discordar deste

argumentos, fazemos uso do termo “lixo” porque estamos nos referindo à somatória dos resíduos e

rejeitos gerados em um evento, além do que, este é um termo de uso comum e causa maior impacto

ao leitor. O termo “zero” é usado por estabelecer uma meta que sempre estará desafiando a

Sociedade em busca de melhores resultados.

Adotar o conceito Lixo Zero exige efetiva mudança de comportamento dos envolvidos, sendo

que a principal alteração é abandonar o hábito de “jogar lixo fora” conscientizando-se de que, na

melhor das hipóteses, o material termina por ser depositado em um aterro. Sua adoção exige um

trabalho coordenado de revisão de conceitos e processos que venha propiciar o máximo

reaproveitamento de todos produtos e materiais não mais servíveis. Lixo Zero tem um forte

fundamento ético, no respeito à natureza, no compromisso com a qualidade de vida da Sociedade, e

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na criação de trabalho e renda dignos, sendo ainda um contraponto à cultura do “descartável”.

Estabelecer a meta lixo zero é como definir zero acidentes em um ambiente de trabalho, ou

zero falhas numa linha de produção. Tratam-se de metas de longo prazo que dependem de

criatividade, inovação e persistência para serem alcançadas. Além dos esperados benefícios

ambientais é de se esperar que importantes ganhos econômicos tangíveis sejam alcançados através

da redução do consumo, do reuso e reciclagem de materiais, assim como ganhos intangíveis pela

divulgação na mídia, reconhecimento de consumidores, etc. Melhorias sociais são igualmente

alcançaveis, como o envolvimento e a sensibilização de pessoas, e a geração de trabalho digno e de

renda.

É importante que sejam conhecidas as implicações que a adoção do conceito Lixo Zero trará

ao Negócio, ao posicioná-lo numa cadeia de valor na qual consumir material usado proveniente de

outros processos e fornecedores, torna-se tão importante quanto cuidar dos seus próprios resíduos.

O incentivo ao reuso e reaproveitamento deve se dar nas duas pontas do processo, fomentando um

mercado para o material reusado/reciclado.

O conceito Lixo Zero não necessariamente faz uso da norma ABNT ISO 20121 (ABNT,

2012), não devendo com ela ser confundido. Este conceito, embora o nome possa sugerir, não se

limita a dar correta destinação final a todos os resíduos e rejeitos gerados pelo evento, visa também

implantar práticas sociais voltadas ao conceito de sustentabilidade, como por exemplo, o consumo

consciente, a redução do desperdício de materiais, e a geração de trabalho e renda, pelo uso de uma

visão holística do contexto que considera toda a complexidade social, econômica, ambiental e

cultural.

Evento Lixo Zero

Do ponto de vista ambiental, um Evento Lixo Zero tem por meta o reaproveitamento total dos

produtos e materiais não usados (resíduos) com a consequente drástica redução de rejeitos,

garantindo que tanto resíduos como rejeitos tenham destinação correta. Do ponto de vista social,

devem ser buscadas alternativas que produzam os melhores impactos possíveis. Envolver catadores

de baixa renda no trabalho de coleta e destinação e/ou doar produtos e materiais para entidades

assistenciais, são algumas opções. Como exemplo específico podemos citar a indução da

participação do público em evitar que o material seja jogado no chão, o envolvimento de

cooperativa de catadores na separação e destinação dos resíduos, incentivando a geração de renda e

emprego digno a cidadãos de baixa renda. Já os rejeitos devem ser encaminhados para parceiros que

uma vez executados os serviços emitam certificado.

Um efeito colateral positivo de programas lixo zero é a redução do desperdício de materiais,

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graças ao fato de as pessoas uma vez conscientizadas ficarem atentas aos excessos, propiciando

desta forma a redução de novas aquisições, uma vez que a sobra do material não usado fica patente.

O impacto econômico positivo do conceito Lixo Zero, começa pela redução dos gastos com a

aquisição de produtos e materiais, e passa pelo seu uso consciente. A reutilização ou reciclagem

leva a mais economia pela redução do gasto com o envio de resíduos para aterros. Estes resultados

podem ser alcançados por melhor gestão de recursos, auditorias e pela implantação na gestão do

evento, de programa de sensibilização de todos os envolvidos ou intervenientes no evento

(stakeholders2).

Embora não estritamente necessário, eventos Lixo Zero podem se diferenciar no mercado e

obter melhores resultados pela utilização em sua gestão, da norma ABNT ISO 20121. Por ser de

aceita internacionalmente seu uso acresce ao evento a possibilidade de reconhecimento pela adoção

de melhores práticas que não se limitam à gestão dos resíduos. O Anexo I, apresenta um sucinto

relato da norma ABNT ISO 20121:2012.

Com respeito especificamente à gestão dos resíduos e rejeitos gerados, é conveniente que as

etapas que listamos a seguir, sejam executadas:

Definição do escopo – é fundamental definir qual o escopo do trabalho a ser executado. Se

será dedicado aos dias da realização do evento propriamente dito, ou se serão também considerados

os resíduos gerados nas fases de planejamento, preparação e pós-evento;

Diagnóstico inicial – conhecer o perfil dos resíduos e estimar o volume e tipologia a ser

gerada. Caso já tenha havido uma versão anterior do evento, deve-se consultar sua documentação

para obter dados comparativos;

Definição de metas e indicadores – estabelecer o que se pretende alcançar com o projeto Lixo

Zero e como o trabalho será mensurado e avaliado. Manter um histórico que possibilite avaliar

gastos atuais contra os de anos anteriores é fundamental para o processo de melhoria contínua;

Envolvimento das pessoas – criar uma atmosfera positiva na qual todos entendam as metas

estabelecidas e se sintam participantes do esforço comum;

Treinamento e comunicação – são importantes para aprofundar a dedicação dos envolvidos

(stakeholders) e mantê-los a par do que ainda está pela frente e do que já foi alcançado;

Desenvolvimento do Projeto – definir o que será feito e como será a execução durante o

evento. Deverão ser tomadas decisões sobre, mas não limitadas a: redução de compras; reuso de

materiais de eventos anteriores; destinação de embalagens de fornecedores (logística reversa);

definição de quantidade, tipo e localização dos recipientes no evento; destinação a ser dada a cada

tipo de reciclável e aos rejeitos;

2 O termo é comumente usado para designar todos aqueles que de alguma forma interagem ou participam direta ou indiretamente do evento, sejam empregados, terceirizados, fornecedores, público-alvo, vizinhos, orgãos públicos, etc.

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Divulgação e comunicação – fazer os frequentadores, expositores, patrocinadores conhecerem

e entenderem o que irá ocorrer e como devem proceder durante o evento. Identificar claramente os

locais de disposição dos resíduos, demonstrar o que será feito com o material recolhido;

Mensurar e documentar – medir indicadores, anotar suas observações e as sugestões de

outros, os elogios e as críticas. Documentar e comunicar os resultados finais.

A participação e envolvimento de todos os stakeholders é fundamental para o sucesso de um

Evento Lixo Zero. Para isso, é conveniente desenvolver comunicação e divulgação específicas para

cada grupo informando claramente as ações esperadas e os objetivos finais a serem alcançados. Os

frequentadores são um grupo ao qual deve-se dedicar um trabalho de sensibilização específico. Sem

seu envolvimento todo o trabalho anterior e posterior serão prejudicados. Programas de

sensibilização realizados durante o evento podem produzir bons resultados. Ao fim do evento,

patrocinadores devem ter acesso aos números para que percebam o valor agregado à sua própria

imagem por terem se associado ao evento.

Eventos Lixo Zero são agentes transformadores do meio social, agregam valor à imagem de

organizadores, patrocinadores e da localidade onde é realizado. O processo de sensibilização que

lhe é inerente, tem o poder de induzir alterações no comportamento daqueles diretamente

envolvidos na sua realização e, principalmente, do público-alvo frequentador. A solução dada à

destinação dos resíduos pode transformar vidas ao dar suporte a entidades ou gerar renda para

cooperativados, por exemplo.

O Evento Carnaval Barão Limpão3

Este Projeto, foi levado a efeito em fevereiro de 2013, no distrito de Barão Geraldo, em

Campinas, SP. O distrito tem cerca de 60.000 moradores e uma significativa população flutuante

composta por estudantes, funcionários e professores da UNICAMP (Universidade Estadual de

Campinas). Nos 05 dias de carnaval há desfiles de blocos e bandas pelas ruas do bairro central, o

que tradicionalmente deixa as ruas sujas incomodando moradores e o comércio local, uma vez que a

limpeza só é feita na manhã seguinte pela empresa responsável pela coleta urbana.

Foi constituído um Grupo Gestor composto pelo Autor, um representante dos Blocos e dois

voluntários. Um estudo para o diagnóstico inicial mostrou que o perfil do material irregularmente

jogado nas ruas é quase totalmente composto por latas de alumínio e garrafas de PET, além de

filmes plásticos e papelão de embalagens. Há uma quantidade marginal de garrafas de vidro cuja

comercialização é proibida nestes dias. Todo este material, embora seja 100% reciclável, caso

3 - A denominação Carnaval do Barão Limpão, se refere a um personagem imaginário que comanda o carnaval de Barão Geraldo. O mais limpo que já se teve notícia, como o próprio Barão define.

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jogado no chão é recolhido por varrição das ruas e uma vez contaminado por outros materiais,

termina por ser destinado ao aterro sanitário. O mesmo estudo mostrou que uma reivindicação

recorrente dos organizadores da festividade junto a Prefeitura, e que não vem sendo atendida, é a

colocação de recipiente coletores em quantidade suficiente.

Já era do conhecimento do grupo gestor que a cooperativa de reciclagem localizada no distrito

(Cooperativa de Reciclagem Barão Geraldo – CooperBarão4) estava circunstancialmente desativada

há meses por falta de local adequado para a triagem dos materiais, sendo que alguns de seus

membros estavam sem trabalho.

A definição da meta para o Projeto passou por discussões sobre a capacidade operacional do

grupo gestor, o tempo (apenas 15 dias) e os recursos disponíveis. Foram definidas como metas

principais a redução a zero do material recolhido por varrição, contando com a participação da

CooperBarão na coleta e destinação dos recicláveis, como forma de apoiá-la expondo à sociedade

sua situação e gerando renda no curto prazo. Como indicadores foram eleitos: 1) quantidade de

plástico, papelão e latas de alumínio recolhidas e encaminhadas para reciclagem, 2) quantidade de

material recolhido por varrição, e 3) melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores da

CooperBarão.

Para os voluntários do grupo gestor do Projeto, seus esforços iam além de evitar que os

resíduos fossem parar no aterro, trabalhavam com o propósito de que o Projeto fosse um indutor da

transformação:

da consciência socioambiental e da participação cidadã dos frequentadores do evento;

da realidade do lixo espalhado no chão durante o evento e que a seguir precisa ser catado por

um trabalhador marginalizado, ou ser varrido no dia seguinte;

da realidade subserviente do indivíduo “catador de latinhas”;

da realidade da CooperBarão, momentaneamente sem local para trabalhar.

O planejamento do Evento passou pelo levantamento dos stakeholders e seu envolvimento,

descritos a seguir:

Vendedores ambulantes de bebidas – acompanham o desfile dos blocos, descartam sacos de

gelo, filmes plásticos e papelão de embalagens das bebidas, deixando um rastro de material jogado

ao chão;

Vendedores de alimentos – são mais organizados, estão sujeitos a fiscalização, e mantêm

4 A CooperBarão é uma das 14 cooperativas de reciclagem existentes em Campinas. Fundada em 2002 com o objetivo de através do reaproveitamento do material advindo da coleta seletiva municipal, propiciar trabalho digno para pessoas de baixa renda moradoras do Distrito de Barão Geraldo. Sua realidade não foge das congêneres a nível nacional, carecendo de apoio institucional para a aquisição de equipamentos e profissionalização da gestão. A Prefeitura pagava o aluguel do barracão que foi requisitado pelo proprietário. Há 18 meses encontra-se sem local para trabalhar. Desde janeiro, 2013, contam com apoio de uma Comissão de Moradores locais que negocia com o poder público e empresas uma solução definitiva.

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coletores de lixo nas proximidades;

Frequentadores – mesmo quando há recipientes coletores disponíveis em quantidade

adequada, muitos ainda insistem em descartar latas e garrafas pelo chão;

Blocos – responsáveis pela festa, são o foco das atenções dos frequentadores;

Catadores avulsos – pessoas não inseridas no mercado formal que num evento público

coletam latas de alumínio, não se interessando por outros resíduos de menor valor de mercado. Sua

presença é esporádica e incontrolável em um evento público em local aberto;

Cooperativa de reciclagem – composta por catadores formalmente organizados (cooperados) e

que têm capacidade de coletar e comercializar todos os tipos de materiais recicláveis;

Patrocinadores – empresários locais apoiando o evento com materiais, camisetas e lanches;

Poder público municipal – responsável pela infraestrutura geral do evento. Quanto à limpeza

contrata recipientes coletores extras, banheiros químicos, além da varrição e coleta;

Empresa de limpeza urbana – responsável por varrer as ruas e recolher este material e o

depositado nos coletores, destinando-os para aterro;

Voluntários do Projeto Lixo Zero – grupo responsável por fazer a gestão do todo.

Identificados os stakeholders e definidas as metas, foram definidas ações a serem executadas

durante os desfiles de rua, os eventos propriamente ditos. Dois stakeholders foram identificados

como alvos estratégicos das ações de sensibilização e educação: os frequentadores, aqueles que seja

pela falta de recipientes ou outros motivos, acabam por jogar lixo no chão; e, os cooperados,

aqueles que por costume circulam “invisíveis” pelo evento abaixando-se para catar os recicláveis

jogados pelo chão.

A partir desta visão foram definidos os preparativos para os eventos.

Ações nos Eventos Preparativos

Sensibilização dos frequentadores músicas sobre lixo e limpeza; brincadeiras carnavalescas; sensibilização feita pelos cooperados.

Blocos preparam músicas sobre o tema;Fabricar “boneco de Olinda” (Fig 2);Sensibilização e preparação dos cooperados para interagir com frequentadores.

Sensibilização dos vendedores diálogo antes e durante o evento

Preparar argumentos e material de apoio

Posicionamento de grandes recipientes coletores em pontos estratégicos, tendo dois cooperados por perto para interagir com os frequentadores.

Preparar equipamentos, cartazes, faixas (Fig 3);Camisetas para identificar os cooperados;Solicitar a Prefeitura recipientes coletores;Sensibilização dos cooperados para a coleta.

Divulgação da situação da CooperBarão junto aos frequentadores.

Preparar cooperados para explicar o momento por que passam e pedir apoio para uma solução;Definir um local para armazenar provisoriamente o material coletado.

A figura 1, mostra o cenário do Projeto, os stakeholders (caixas retangulares), suas inter-

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relações, assim como o caminho percorrido pelos resíduos. Setas vermelhas se referem a processos

de sensibilização/conscientização, as azuis mostram as interações entre o gestor e alguns dos

stakeholders, e as pretas indicam o caminho dos resíduos.

Figura 1 – Cenário do Projeto Carnaval Barão Limpão

Na fase de preparação do evento foram realizadas reuniões com os cooperados nas quais

dialogamos sobre uma nova postura profissional, diferenciada daquela do catador que anda por

entre as pessoas se abaixando para limpar os dejetos alheios jogados no chão. Argumentamos que

esta relação socialmente anacrônica precisa ser alterada, e trará avanços tanto nas relações sociais

quanto para o meio ambiente.

Ao negociar com a Prefeitura, ficou claro que a questão do falta de recipientes coletores não

se resolveria a tempo para este evento. Foram comprados big bags, sacos de 1 metro cúbico, para os

pontos de coleta da CooperBarão. Os cooperativados receberam camisetas de fácil identificação e

os pontos de coleta também foram claramente identificados.

O Grupo Gestor fez o trabalho de divulgação do Projeto junto a comerciantes da região,

solicitando colaboração para o evento ao mesmo tempo em que explicava a situação da

CooperBarão, com o intuito de obter comprometimento futuro destes grandes geradores de resíduos

com sua destinação para a Cooperativa.

Considerando o estilo do evento, as intervenções junto ao frequentador foram planejadas para

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trabalhar de forma lúdica a questão da disposição correta dos resíduos nos locais designados. Foi

criado o Barão Limpão, um “boneco de Olinda” que interagiu com o público infantil e adulto nos

diversos desfiles, incentivando todos a depositar os resíduos nos locais corretos. Os blocos foram

desafiados a criar músicas ou paródias que incentivassem o folião.

Desta forma, durante os desfiles foram realizadas intervenções junto aos frequentadores por

um voluntário trajando o Barão Limpão; Nos intervalos as bandas faziam chamadas convidando

todos a colaborar levando o material para os pontos de coleta, e nos pontos de coleta os cooperados

conversavam com os foliões que se aproximavam para depositar as latas ou garrafas.

Nas manhãs seguintes aos desfiles um voluntário documentava o material varrido nas ruas

antes que fosse recolhido pela empresa de limpeza (Fig 4). A medição destes foi por estimativa de

volume uma vez que não havia como pesar. O material acumulado nos pontos de coleta foi

recolhido e documentado pelos próprios cooperados (Fig 5).

Os resultados relativos ao indicadores estabelecidos inicialmente, foram:

Indicador Total

Alumínio, plástico e papelão para reciclagem 520 Kg ou 13 m3

Quantidade de material recolhido por varrição Em torno de 25 m3

Melhoria da qualidade de vida dos cooperados Boa**avaliação subjetiva feita pelos cooperados entre 5 opções: nada, pouca, média, boa e excelente

Os resultados para um Evento Lixo Zero poderiam ser taxados de pífios, já que em termos de

volume apenas 1/3 foi coletado e encaminhado para reciclagem, sendo o restante ainda destinado

para aterro. Entretanto, considerando-se o curtíssimo prazo para seu planejamento e a consequente

falta de suporte mais efetivo por parte da Prefeitura, deve-se inverter a ótica e considerar que 13m3

de resíduos não foram para aterro, como em edições anteriores do Evento. A medida da qualidade

de vida dos cooperados ficou polarizada pelo resultado financeiro da venda do material, que gerou

em 5 dias o equivalente a 1/3 da retirada mensal de cada um dos 6 participantes. Infelizmente, trata-

se de uma melhora pontual uma vez que passados 3 meses do evento a cooperativa permanece à

espera da definição de um local de trabalho.

Conclusão

Este trabalho comentou a atual legislação brasileira para os resíduos sólidos, apresentou o

conceito Lixo Zero e como este se relaciona com a norma ABNT ISO 20121. Detalhou a aplicação

do conceito Evento Lixo Zero no Distrito de Barão Geraldo, em Campinas, São Paulo, durante as

festividades de carnaval em 2013. Os resultados foram positivos, embora haja muito a melhorar, e

incluem geração de renda para a Cooperativa Barão Geraldo pela coleta e venda do material

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recolhido, a consequente redução dos resíduos destinados ao aterro da cidade, e o envolvimento de

comerciantes, de frequentadores dos desfiles, dos blocos carnavalescos e da prefeitura, unidos pela

causa comum do Lixo Zero.

A aplicação do conceito Lixo Zero e/ou da norma ABNT-ISO 20121 na gestão do evento,

pode potencialmente trazer ganhos financeiros e benefícios para os stakeholders, sendo uma ação

tipicamente ganha-ganha. O conceito Lixo Zero pode ser aplicado em eventos de qualquer escala,

sendo inclusive aplicável ao contexto de comunidades, bairros e cidades através de planejamento

adequado e envolvimento da cadeia de interessados.

Figura 2 – O Barão Limpão Figura 3 – Ponto de coleta

Figura 4 – Parte do material varrido Figura 5 – Parte do material coletado

Anexo I - O que é a norma ABNT-ISO 20121 (ABNT, 2012)

Hospedar conferências, festivais ou eventos esportivos, traz benefícios sociais e econômicos,

ao mesmo tempo que gera responsabilidades para a indústria de eventos por possíveis impactos

negativos ao meio ambiente ou à vizinhança. Em anos recentes a preocupação com este impacto

tem aumentado, sendo as Olimpíadas de Londres, 2012, um claro exemplo. Uma década antes de

sua realização, o Reino Unido iniciou um trabalho de normatização com vistas a Eventos

Sustentáveis, que gerou a norma britânica BS 8901. Em 2012 a ABNT, ao mesmo tempo em que era

lançada a norma internacional ISO, publicou a norma NBR ISO 20121, que tomou por base o texto

britânico.

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Esta norma define requisitos para o Sistema de Gestão5 para Sustentabilidade identificando

problemas, impactos, riscos e oportunidades de forma a aumentar as chances de sucesso em

alcançar as metas definidas para o evento. Nela o conceito de sustentabilidade é definido como a

capacidade do sistema de gestão em atender às necessidades do presente sem comprometer as

futuras gerações quanto ao atendimento de suas próprias necessidades. Alguns requisitos citados na

norma: acessibilidade, transparência, integridade, adequação à legislação local, legado, impacto,

etc.

A realização dos grandes eventos internacionais já programados para o País nos próximos

anos, cuja gestão se baseia nesta norma, traz consigo a expectativa de que sua adoção em eventos de

todos os tipos e tamanhos se propague rapidamente. É importante notar que a norma se aplica ao

Sistema de Gestão usado no evento, não ao evento propriamente, e por se tratar de uma referência

internacional, seu uso agrega valor à imagem de organizadores, fornecedores e patrocinadores e ao

Evento como um todo, por reconhecer o comprometimento com o desenvolvimento sustentável.

Referências

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ABNT.

ABNT (2012). “ABNT NBR ISO 20121-2012 - Sistemas de Gestão para Sustentabilidade de

Eventos — Requisitos com orientações de uso”. www.abntcatalogo.com.br/norma.aspx?ID=91542

(consultado em 16/11/2012)

PNRS (2010). “Política Nacional de Resíduos Sólidos , Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010”.

www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12305.htm (consultado em 16/11/2012)

Santos, Sebastião (2012), “Reciclagem é Coisa de Gente Inteligente”. http://migre.me/esAGx

(consultado em 14/02/2013)

5 Um Sistema de Gestão é um conjunto de políticas, procedimentos e processos documentados e revisados periodicamente, visando a melhora contínua dos resultados esperados.