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RGL Nº 70051561215 (N° CNJ: 0462715-86.2012.8.21.7000) 2012/CRIME 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA AÇÃO PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. LICITAÇÃO. FRAUDE. ART. 90, ‘CAPUT’, DA LEI Nº 8.666/93, NA FORMA DO ART. 29, ‘CAPUT’, DO CP. FORMAÇÃO DE QUADRILHA, COM APLICAÇÃO DO ESQUEMA DE FRAUDAR LICITAÇÕES EM VÁRIOS MUNICÍPIOS DO ESTADO. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. PRELIMINARES. I - Se as escutas telefônicas foram obtidas por meio de autorização judicial, não é ilegal a sua utilização como meio de prova. II - É conferida ao Ministério Público a realização de procedimento investigatório criminal, de acordo com a inteligência do disposto no art. 144, §§ 1º e 4º, da CF. III - A apresentação de denúncia fora do prazo previsto no art. 46, do CPP, configura mera irregularidade, não sendo passível de anular a ação penal. IV - Peça acusatória que descreveu os fatos de forma individualizada, apontando à participação de todos os denunciados no intento criminoso, mediante prévio ajuste, com o direcionamento do resultado da licitação, em tese. Assim, a denúncia descreve o fato criminoso com as suas circunstâncias, havendo a compreensão efetiva das imputações aos denunciados e o exercício de regular defesa, estando, portanto, atendida a regra disposta no art. 41, do CPP. V- Demais teses defensivas que dizem com o mérito da ação penal, inclusive no que se refere à prova do dolo, devendo ser provadas ao longo da instrução. DENÚNCIA RECEBIDA. ACAO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINARIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Nº 70051561215 (N° CNJ: 0462715- 86.2012.8.21.7000) COMARCA DE JAGUARI MINISTERIO PUBLICO AUTOR JOAO MARIO CRISTOFARI DENUNCIADO JOAO MARTINS PINHEIRO DENUNCIADO DOMINGOS JUNIOR REQUIA DENUNCIADO ALVARO ANTONIO OLIVEIRA DENUNCIADO

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

AÇÃO PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. LICITAÇÃO. FRAUDE. ART. 90, ‘CAPUT’, DA LEI Nº 8.666/93, NA FORMA DO ART. 29, ‘CAPUT’, DO CP. FORMAÇÃO DE QUADRILHA, COM APLICAÇÃO DO ESQUEMA DE FRAUDAR LICITAÇÕES EM VÁRIOS MUNICÍPIOS DO ESTADO. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. PRELIMINARES. I - Se as escutas telefônicas foram obtidas por meio de autorização judicial, não é ilegal a sua utilização como meio de prova. II - É conferida ao Ministério Público a realização de procedimento investigatório criminal, de acordo com a inteligência do disposto no art. 144, §§ 1º e 4º, da CF. III - A apresentação de denúncia fora do prazo previsto no art. 46, do CPP, configura mera irregularidade, não sendo passível de anular a ação penal. IV - Peça acusatória que descreveu os fatos de forma individualizada, apontando à participação de todos os denunciados no intento criminoso, mediante prévio ajuste, com o direcionamento do resultado da licitação, em tese. Assim, a denúncia descreve o fato criminoso com as suas circunstâncias, havendo a compreensão efetiva das imputações aos denunciados e o exercício de regular defesa, estando, portanto, atendida a regra disposta no art. 41, do CPP. V- Demais teses defensivas que dizem com o mérito da ação penal, inclusive no que se refere à prova do dolo, devendo ser provadas ao longo da instrução. DENÚNCIA RECEBIDA.

ACAO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINARIO

QUARTA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70051561215 (N° CNJ: 0462715-86.2012.8.21.7000)

COMARCA DE JAGUARI

MINISTERIO PUBLICO

AUTOR

JOAO MARIO CRISTOFARI

DENUNCIADO

JOAO MARTINS PINHEIRO

DENUNCIADO

DOMINGOS JUNIOR REQUIA

DENUNCIADO

ALVARO ANTONIO OLIVEIRA DENUNCIADO

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PAVAO RICARDO DALLA CORTE

DENUNCIADO

CRISNEI DALLA CORTE REQUIA MAURER

DENUNCIADO

IZABETE GIACOMELLI

DENUNCIADO

JOSE IVONIR DOS SANTOS ARAUJO

DENUNCIADO

LUZANI PASQUOTO

DENUNCIADO

ROBERTO CARLOS BOFF TURCHIELLO

DENUNCIADO

A CÓR DÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara

Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em receber a

denúncia, apresentada em face de João Mário Cristofari, Prefeito Municipal

de Jaguari, João Martins Pinheiro, Izabete Giacomelli, José Ivonir dos

Santos Araújo, Luzani Pasquoto Arcon e Roberto Carlos Boff Turchiello, nas

sanções do art. 90, da Lei n.° 8.666/93; e dos denunciados Domingos Júnior

Réquia, de alcunha Júnior, Ricardo Dalla Corte, Crísnei Dalla Corte Réquia e

Álvaro Antônio Oliveira Pavão, como incursos no art. 288, do CP, e nas

sanções do art. 90, da Lei n.° 8.666/93, na forma do art. 69, do CP, c/c art.

29, do CP.

Custas na forma da lei.

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Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes

Senhores DES. GASPAR MARQUES BATISTA (PRESIDENTE E

REVISOR) E DES. NEWTON BRASIL DE LEÃO.

Porto Alegre, 05 de setembro de 2013.

DES. ROGÉRIO GESTA LEAL, Relator.

R E L AT ÓRI O

DES. ROGÉRIO GESTA LEAL (RELATOR)

O Ministério Público, em 14 de setembro de 2012, ofereceu

denúncia em face de JOÃO MÁRIO CRISTOFARI, Prefeito Municipal de

Jaguarí (gestão 2009/2012 - reeleito), JOÃO MARTINS PINHEIRO,

DOMINGOS JÚNIOR RÉQUIA, ÁLVARO ANTÔNIO OLIVEIRA PAVÃO,

RICARDO DALLA CORTE, CRÍSNEI DALLA CORTE RÉQUIA, ISABETE

GIACOMELLI, JOSÉ IVONIR DOS SANTOS ARAÚJO, LUZANI

PASQUOTO MARCON e ROBERTO CARLOS BOFF TURCHIELL, nos

seguintes termos:

“1° FATO: Entre os dias 27 de abril e 11 de maio de 2010, no Município

de Jaguari, o denunciado JOÃO MARIO CRISTOFARI, na condição de Prefeito Municipal e prevalecendo-se de suas funções, em comunhão de vontades e em conjugação de esforços com os denunciados JOÃO MARTINS PINHEIRO JÚNIOR, sócio da empresa JM Mecânica Ltda., à época dos fatos, IZABETE GIACOMELLI, JOSÉ IVONIR DOS SANTOS ARAÚJO e LUZANI PASQUOTO ARCON, membros da Comissão de Licitações, e ROBERTO CARLOS BOFF TURCHIELLO, Secretário de Obras do Município, fraudaram mediante ajuste, o caráter competitivo do procedimento licitatório, realizado na modalidade Carta Convite número 013/2010 (fls. 49/54), fazendo com que a empresa JM Mecânica obtivesse vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação consistente no fornecimento de peças e mão-

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de-obra para efetuar reparos na retroescavadeira, marca CASE, modelo 580L, ano 1999.

Na ocasião dos fatos, em 27 de abril de 2010, o denunciado João Mario Cristofari fez publicar um edital de licitação, na modalidade convite, cujo objeto consistia no fornecimento de peças e mão-de-obra para efetuar reparos na retroescavadeira, marca CASE, modelo 580L, ano 1999, sendo a abertura das propostas prevista para o dia 04 de maio de 2010, às 10 horas (fls. 23/28). A solicitação da compra foi feita pelo Secretário de Obras, o denunciado Roberto Carlos Boff Turchiello, pessoa de extrema confiança do Prefeito (fl. 17).

Fazendo uso de tal modalidade de licitação, conhecida por ser menos eficiente quanto à economicidade e isonomia das aquisições, o Prefeito Municipal utilizou-se dessa ineficiência para adjudicar o objeto em favor da empresa JM Mecânica Ltda. (contrato número 026/2010 – fls. 133/135).

Para tanto, o denunciado João Mário convidou as empresas JM Mecânica Ltda., representada por Domingos Júnior Réquia, Maki Comércio de Peças para Veículos Ltda. e Dal Ri & Reetz Ltda. – ME, sendo que Comissão de Licitações considerou inabilitadas as últimas duas, restando apenas a empresa do denunciado Júnior habilitada a prosseguir no certame.

Ocorre que o certame não deveria ter prosseguido, já que a empresa representada por Júnior sequer deveria ter sido convidada a participar do procedimento, uma vez que elaborou o orçamento que embasou a abertura do processo licitatório em questão (fls. 20/21).

Contudo, a licitação foi homologada em 11 de maio de 2010 (fl. 104), o contrato foi firmado na mesma data (fls. 107/109) e o Município pagou à empresa o valor de R$ 17.590,00, conforme notas de empenho número 2815/10 (fl. 139) e número 2816/10 (fl. 115).

O contrato sofreu um aditivo, em 30 de junho de 2010, no valor de R$ 1.170,00 (fls. 133/135), consoante nota de empenho número 3683/10 (fl. 126).

Os denunciados Domingos Júnior Réquia e Ricardo Dalla Corte, respectivamente, sócio e funcionário da empresa JM Mecânica Ltda. concorreram para a consecução do delito, ao fraudarem o caráter competitivo da licitação, pois haviam ‘acertado’ o conserto com a Administração do Município, antes mesmo da publicação do edital, consoante se observa dos áudios captados com autorização judicial (número judicial 70032932857), acostados às fls. 146/171 e 321/324.

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Em tais áudios, Ricardo chega a perguntar para Júnior em “quantos por cento” poderia falar com a Administração de Jaguari, ao que Júnior responde que “os cinco de sempre” (áudio 18 às fls. 146/147), o que demonstra que os denunciados costumavam realizar tratativas prévias com o Município, no sentido de ajustar a sua participação e vitória nos certames. Isso justifica, no caso em tela, o fato de as demais empresas convidadas terem sido inabilitadas, restando como única participante a JM Mecânica, para quem foi adjudicado o objeto.

O diálogo referido é datado de 26 de março de 2010, ou seja, em data anterior a apresentação do orçamento ao Município, a qual ocorreu em 12 de abril de 2010 (fls. 20/21). O orçamento foi elaborado e oferecido por meio de seus funcionários Crísnei Dalla Corte Réquia (fl. 21) e Álvaro Antônio Oliveira Pavão.

No dia 31 de março, flagrou-se uma ligação de Ricardo com Júnior, na qual ele menciona que ia ter que voltar para Jaguari, pois teria “uma ‘L’ para fazer e que teria combinado um ‘trampo’ com o ‘Beto’ (áudio 20, especificamente à fl. 323).

Ou seja, antes mesmo de oferecer o suposto orçamento ao Município de Jaguari, os representantes da JM Mecânica já vinham mantendo contato com a Administração Municipal, no sentido de combinar o resultado da licitação em tela. Sabe-se que quando Ricardo fala em “uma ‘L’”, refere-se à máquina a ser consertada, que é uma retroescavadeira, marca CASE, modelo 580L, e que o Beto, com quem ele afirma que tem um “trampo”, é o denunciado Roberto Carlos Boff Turchiello, Secretário de Obras e pessoa de extrema confiança do Prefeito.

A empresa representada pelo denunciado foi a única consultada antes da abertura do certame para fins de cotação, sendo que o valor apresentado no orçamento é exatamente o mesmo valor pago pelo Município à empresa, o que, no conjunto de elementos probatórios, demonstra que tudo fora acordado previamente entre Júnior e a Administração Municipal.

A vitória da JM Mecânica era tão certa que, em 09 de abril de 2010, flagrou-se outra ligação de Ricardo com Júnior, na qual ele afirma ao “patrão” que “tem duas ‘retrinhos’ na mão”, sendo que uma delas, ele afirma, é a de Jaguari (áudio 36, à fl. 324 verso). Isto é, todos os atos formais realizados pelo Município – desde a busca de orçamento prévio até a abertura, a habilitação, o julgamento e a homologação do procedimento licitatório – foram feitos pela administração, com o consentimento do Prefeito Municipal que firmou todos os atos, apenas para dar ares de

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legalidade ao certame, cujo resultado já estava acordado entre os denunciados.

O denunciado João Martins Pinheiro, Secretário Municipal de Finanças, concorreu para o delito ao requerer junto à empresa JM Mecânica orçamento prévio, o qual serviu de base para a realização do certame, sendo que a mesma empresa sagrou-se vencedora da licitação, sendo-lhe adjudicado o objeto licitado justamente pelo valor orçado previamente.

O denunciado Roberto Carlos Boff Turchiello, Secretário de Obras, também concorreu para a consecução do delito, pois, além de ter solicitado a compra e autorizado o pedido de cotação junto à JM Mecânica, manteve tratativas com os representantes da referida empresa acerca da sua vitória no certame e do preço a ser pago pelo serviço, conforme se depreende dos diálogos já mencionados e do depoimento prestado pelo próprio denunciado à fl. 319, tudo com conhecimento do Chefe do Executivo, o denunciado João Mário Cristofari.

Os denunciados Izabete Giacomelli, José Ivonir dos Santos Araújo e Luzani Pasquoto Marcon, na condição de membros da Comissão de Licitações, ao aceitarem a documentação da empresa JM Mecânica Ltda., tendo conhecimento de que a referida empresa fora a responsável pela elaboração do orçamento prévio que ensejou a abertura do aludido certame, nada fizeram para obstaculizar o cometimento da fraude, deixando que o certame chegasse a seu termo final, omitiram-se no dever jurídico de evitar o resultado danoso decorrente da prática do delito perpetrado pelos demais denunciados, concorrendo, portanto, com suas condutas para o cometimento do crime.

2° FATO: Em data não perfeitamente esclarecida, mas antes do “1°

FATO”, no Estado do Rio Grande do Sul, os denunciados DOMINGOS JÚNIOR RÉQUIA, de alcunha JÚNIOR, sócio da empresa JM Mecânica Ltda. à época dos fatos, RICARDO DALLA CORTE, CRÍSNEI DALLA CORTE RÉQUIA e ÁLVARO ANTÔNIO OLIVEIRA PAVÃO, funcionários da JM Mecânica Ltda. à época dos fatos, associaram-se em quadrilha ou bando para o fim de cometer crimes, em especial licitatórios.

Conversas interceptadas com autorização judicial (processo número 70032932857) revelaram a existência de um esquema criminoso de manipulação de resultados em procedimentos licitatórios realizados por diversos municípios gaúchos sob a justificativa do conserto e aquisição de maquinário pesado. Por

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meio dessa ação criminosa, sempre restava como beneficiado o empresário Domingos Júnior Réquia, de alcunha Júnior, proprietário da empresa JM Mecânica Ltda., o qual contava, muitas vezes, com o auxílio de outros empresários do ramo (‘concorrentes’) para a perpetuação das fraudes.

Nestas conversas, é possível verificar que o Estado encontra-se dividido em regiões de atuação, e quando necessário, um empresário dá a chamada ‘cobertura’ ao outro, simulando, assim, a efetiva participação no procedimento licitatório.

Os áudios, em cotejo com a documentação acostada, demonstram que a licitação já nascia fraudada, ou seja, o direcionamento já constava do edital elaborado pelos municípios seguindo os modelos ou orientações fornecidas pelos empresários, com auxílio de seus funcionários Crísnei Dalla Corte Réquia e Álvaro Antônio Oliveira, os quais eram responsáveis pela elaboração de propostas /ou orçamentos da empresa JM Mecânica e pela realização de contatos telefônicos com vendedores, e Ricardo Dalla Corte, vendedor da JM Mecânica, o qual realizava visitas aos Gestores Municipais, possuindo plena autonomia para a conclusão das vendas.

No caso dos consertos, havia um auxílio mútuo para obtenção da fraude, inclusive com a provisão de propostas fictícias de uns aos outros para que o certame apresentasse ares de legalidade. Com isso, o grupo criminoso manipulava o resultado das licitações, fazendo com que seus objetos sempre fossem adjudicados em favor de um dos integrantes do esquema. Nesse sentido, constatou-se, inclusive, a utilização de correspondência eletrônica entre os envolvidos, o que foi objeto de pedido de quebra de sigilo telemático (processo número 70036954303).

Assim, conforme a conveniência do negócio, a região e disponibilidade de equipamentos, uma ou mais empresas habilitavam-se no certame previamente combinados sobre qual venceria o procedimento, demonstrando-se assim, que os denunciados, de forma organizada e dividindo tarefas, em uma verdadeira organização criminosa, associaram-se para a perpetração de delitos contra administrações municipais.

“ASSIM AGINDO, os denunciados JOÃO MÁRIO CRISTOFARI, Prefeito Municipal de Jaguari, JOÃO MARTINS PINHEIRO, IZABETE GIACOMELLI, JOSÉ IVONIR DOS SANTOS ARAÚJO, LUZANI PASQUOTO ARCON e ROBERTO CARLOS BOFF TURCHIELLO incorreram nas sanções do artigo 90 da Lei n.° 8.666/93; os denunciados DOMINGOS JÚNIOR

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RÉQUIA, de alcunha Júnior, RICARDO DALLA CORTE, CRÍSNEI DALLA CORTE RÉQUIA e ÁLVARO ANTÔNIO OLIVEIRA PAVÃO incorreram nas sanções do artigo 288 do Código Penal e nas sanções do artigo 90 da Lei n.° 8.666/93, na forma do artigo 69 do Código Penal; tudo isso na forma do artigo 29 do Código Penal (...)”.

Distribuído o feito, o relator, Desembargador Marco Antônio

Ribeiro de Oliveira, determinou a notificação dos denunciados para

oferecimento de resposta escrita (fl.691).

Roberto Carlos Boff Turchiello, Secretário de Obras à época

dos fatos, na sua defesa (fls.771-5), impugnou, preliminarmente, o uso das

escutas telefônicas, alegando que a prova é ilegal, por haver outros meios

cabíveis à elucidação dos fatos. Sustentou que os áudios gravados não têm

o condão de demonstrar que fora beneficiado com a situação, não agindo de

má-fé. Quanto ao mérito, disse que a acusação não se desincumbiu do ônus

de fazer prova dos fatos alegados, nos termos do art. 155, do CPP, devendo

ser absolvido. Asseverou que a licitação foi realizada dentro das normas

legais, explicando não ter participado da decisão que optou pela contratação

dos serviços da Empresa JM Mecânica Ltda. Disse que, mesmo que tenha

contatado com a empresa, nunca manteve qualquer tratativa no sentido de

favorecê-la, para que esta obtivesse vitória no certame e com relação ao

preço pago. Juntou documentos (fls.778/871).

A defesa de Crisnei Dalla Corte Réquia (fls.875/882), Ricardo

Dalla Corte (fls.890/902), Álvaro Antônio Oliveira Pavão (fls.906/916) e

Domingos Júnior Réquia (fls.920/931), em sede de preliminar, apontou a

ilegitimidade do Ministério Público para instaurar e presidir procedimento

investigatório, o que implica a inépcia da denúncia. Salientou que não foram

observados os requisitos do art. 41, do CPP, em vista a não-individualização

das suas participações no suposto esquema. No que tange ao delito de

formação de quadrilha, defendeu que a denúncia deve ser rejeitada, uma

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vez não evidenciado o dolo especial de agir. Atinente ao mérito alegou que

os denunciados desconhecem qualquer irregularidade em procedimentos

licitatórios, bem como apontou não ter havido prejuízo ao erário municipal.

Esclareceu que os acusados são primários e têm bons antecedentes,

visando à rejeição da denúncia com base no art. 395, incs. I e III, do CPP.

Em sendo a denúncia recebida, pediu a sua absolvição, nos termos do art.

386, incs. III e VII, do CPP, ou, então, o reconhecimento da continuidade

delitiva, já que os fatos apurados no presente feito ocorreram de forma

contínua e em lapso temporal próximo aos ocorridos nos processos sob os

nºs 70036954303, 70051943314 e 70032932857. Constam, dos autos,

declarações abonatórias.

João Mário Cristofari, Prefeito Municipal, na sua resposta à

acusação (fls.934/949), aduziu que a peça acusatória não tem detalhamento

e elementos mínimos à continuação do processo. Destacou que o Ministério

Público ultrapassou o prazo legal para o oferecimento da denúncia disposto

no art. 46, do CPP. Alegou que em nenhum áudio há demonstração da sua

participação ou a de Secretários e Servidores da Comissão de Licitações em

conversa com quaisquer dos representantes das empresas e denunciados

nestes autos. Registrou que está sendo denunciado porque, no entender do

Ministério Público, supõe que “sabia da fraude”. Defendeu que, não havendo

fundamentos da pretensão punitiva, inexistindo qualquer elemento de prova

adicional a ser produzido no curso do processo penal, capaz de reconstituir

os fatos narrados na inicial, impõe-se a decretação da improcedência da

acusação, a teor do art. 6º, da Lei nº 8.038/90. Enfrentando o mérito, alegou

que os fatos narrados não constituem crime, uma vez que o procedimento

licitatório foi realizado por meio da Carta-Convite nº 013/2010, em razão do

valor, tendo contado com a participação de três empresas, de forma correta

e normal. Disse não ter havido o direcionamento do certame, explicando que

duas das empresas convidadas não puderam ser habilitadas por conta de

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questões burocráticas, conforme se depreende da Ata da fl.96, sendo este o

motivo pelo qual a única habilitada foi contratada, tendo, aliás, apresentado

a melhor proposta à Administração. Salientou que o fato de a empresa ter

sido consultada para realização do orçamento prévio é situação legal e

válida, visto que a Lei nº 8.666/93 veda a participação da empresa que tenha

realizado o projeto técnico, e não aquela que fez mero orçamento. Aduziu

não haver prova da existência de dolo. Requereu o não-recebimento da

denúncia, já que inexistente qualquer ato que se constituísse delito punível,

ou a sua rejeição, com fulcro nos arts. 6º, da Lei nº 8.038/90, e 516, do CPP.

Luzani Pasquoto Marcon e Isabete Giacomelli (fls.955/970),

na sua defesa, suscitaram a inépcia da denúncia, uma vez que não descreve

de forma pormenorizada a conduta considerada delituosa e imputada às

acusadas. Pugnaram pelo não-recebimento da denúncia, gizando não haver

a imputação de qualquer ato de execução, apenas ações lícitas e públicas,

como o fato de terem aceitado a documentação apresentada pela empresa

vencedora, revelando caso de responsabilidade penal objetiva. Sustentaram,

também, a atipicidade do delito, por ausência de dolo, não havendo a

modalidade culposa quanto ao art. 90, da Lei nº 8.666/90. Apontaram não

haver prova de qualquer ação realizada pelas acusadas, nem de vantagens

por elas obtidas, decorrentes da licitação. Pediram a absolvição sumária,

com base no art. 397, inc. I, do CPP, já que ausente prova efetiva da

materialidade e autoria do delito. No mais, alegaram o erro de proibição ou

erro sobre a ilicitude do fato, pois não tinham conhecimento ou almejavam

(dolo) fraudar e/ou frustrar, mediante ajuste, o caráter competitivo do

procedimento licitatório. Pediram a rejeição da denúncia, a teor do art. 6º, da

Lei nº 8.038/90, c/c art. 395, incs. I e/ou III, do CPP; ou, alternativamente, a

absolvição sumária, com base no art. 397, inc. III, do CPP, ou, então, o

julgamento de improcedência da acusação, na forma do art. 386, do CPP.

Juntaram documentos (fls.980/1072). Postularam AJG.

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O feito me veio redistribuído, em face da aposentadoria do

Relator originário.

Ainda, João Martins Pinheiro, na sua defesa (fls.1091/1101),

sustentou a inépcia da denúncia, em face ao descumprimento do art. 41, do

CPP. Indicou, igualmente, a inexistência de qualquer ato instrumental, haja

vista que apenas assinou um documento e requereu orçamento prévio junto

à empresa vencedora, o que não está incluído no rol do art. 90, da Lei de

Licitações. Sustentou ausência de dolo, conduzindo ao não-recebimento da

peça, bem assim a inexistência de prova do recebimento de vantagem,

desnaturando a conduta típica que lhe foi imputada. Pediu a rejeição da

denúncia; a improcedência da acusação, havendo causa para absolvição

sumária – art. 397, inc. III, do CPP, ou então o julgamento de improcedência

da acusação. Pleiteou a AJG.

José Ivonir dos Santos Araújo, na resposta (fls.1109/1124),

reprisa os argumentos no sentido que a denúncia é inepta; que na peça

acusatória não há imputação de qualquer ato de execução, tendo agido de

acordo com a lei, já que não há vedação legal quanto ao fato de a empresa

que forneceu o orçamento, consagrar-se vencedora; que não há indicação

do elemento subjetivo do tipo, transformando a conduta em atípica; que o

caso enseja a absolvição sumária, em virtude da inexistência de prova do

recebimento de vantagem; a ausência de prova da materialidade e autoria

delitivas; erro de proibição ou erro sobre a ilicitude do fato, tendo em vista

não haver sequer indícios de que tinha conhecimento acerca dos fatos e das

supostas negociações entre os demais denunciados. Pediu a rejeição da

denúncia; a absolvição sumária, ou a improcedência da acusação; bem

como a AJG.

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Na sua manifestação de fls.1133/1141, o Ministério Público

postulou o recebimento integral da denúncia, seguindo-se os demais atos

processuais até final julgamento e condenação dos acusados.

Os autos vieram conclusos, para os fins do disposto no art. 6º,

da Lei nº 8.038/90.

É o relatório.

V O TO S

DES. ROGÉRIO GESTA LEAL (RELATOR)

Eminentes Colegas:

Quanto aos fatos, o erário municipal solicitou orçamento para a

Empresa J.M. Mecânica, referente ao conserto de uma retroescavadeira

Marca CASE, modelo 580L, ano 1999, sendo estimado no valor de R$

13.190,00 (fl.27). O Município fez publicar, por meio do Prefeito Municipal, o

edital da Carta-Convite nº 013/2010, visando à contratação de uma empresa

para efetuar reparos no citado equipamento. Não obstante terem participado

três empresas, apenas aquela que apurou o orçamento restou habilitada,

saindo-se vencedora, com adjudicação do objeto pelo preço antes aventado

(fls.38/113). Em seguida, restou formalizado o contrato administrativo nº

026/2010 (fls.114-6), e o termo aditivo, na quantia de R$ 1.170,00 (fls.120).

Ocorre, no entanto, que, através de interceptações telefônicas,

efetivadas com autorização judicial, teve-se conhecimento de que pessoas

relacionadas à empresa J.M. Mecânica (Domingos Júnior Réquia, Ricardo

Dalla Corte, Crisnei Dalla Corte Réquia Maurer e Álvaro Antônio Oliveira

Pavão) formariam um esquema criminoso, atuante em vários municípios do

Estado, combinando resultados de licitações antes mesmo do início do

procedimento ordinário pela municipalidade, dando azo à tipificação do

delito de formação de quadrilha, bem como ao capitulado no art. 90, da Lei

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nº 8.666/93, atinente a frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação

ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento

licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem

decorrente da adjudicação do objeto da licitação. Neste último delito,

também, incursos o Senhor Prefeito Municipal de Jaguarí, o Secretário de

Obras - Roberto Carlos, o Secretário de Finanças - João Martins Pinheiro, e

os Senhores Izabete, José Ivonir e Luzani, que integraram as comissões de

licitações, sem os quais o certame não teria sido levado a cabo.

Foram ouvidos, no Ministério Público, João Martins Pinheiro,

Secretário de Finanças, Indústria e Comércio do Município de Jaguarí (fls.

198/200); Isabele Giacomelli (fls.201); José Ivonir dos Santos Araújo (fls.

202); Luzani Pasquoto Marcon (fls. 203); Eduardo da Fonseca Diefenbach

(fls. 204); Ricardo Dalla Corte (fls. 205-7 e fls.230/234); Mário Kienetz (fls.

208); Vera Cristina Reetz (fls. 209/210); João Mário Cristofari (fls. 243/255);

Crísnei Réquia (fls. 256/375); Domingos Júnior Réquia (fls. 276/314), e

Roberto Carlos Boff Turchiello (fls. 327/328).

Diante dos elementos indiciários coletados, o Ministério Público

sustenta que o gestor público permitiu o direcionamento da licitação, agindo

em comunhão de esforços com Secretários Municipais e os servidores

investidos na Comissão de Licitações, havendo também o prévio ajuste com

o representante da empresa, para que esta se saísse vencedora, tendo em

vista o valor do orçamento já disponibilizado, que serviu de “índice”

para reserva de rubrica orçamentária. De outro lado, os denunciados

defendem não haver alguma da irregularidade ou intento criminoso no que

tange à empresa vencedora, ainda que tenha apresentado orçamento para

conserto da máquina antes da data da licitação, porquanto ofereceu o

melhor preço, atendendo aos interesses da Administração. De mais a mais,

o elemento subjetivo do tipo não estaria configurado.

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Quanto às preliminares suscitadas, devem ser rechaçadas.

- Uso de escutas telefônicas:

Não se mostra ilegal o uso de interceptações telefônicas como

meio de prova, uma vez que decorreu de autorização judicial, cumprindo

fielmente o disposto na Lei nº 9296/96. Na realidade, o denunciado Roberto

Carlos impugna a aludida prova alegando insuficiente à comprovação sobre

a sua participação do esquema criminoso, o que diz com o mérito da ação, e

não ao juízo de admissibilidade, próprio desta fase.

- Poder de investigação do Ministério Público:

Sobre a nulidade da investigação levada a cabo na espécie, o

STF reconheceu a repercussão geral em relação à constitucionalidade de o

Ministério Público promover procedimentos investigatórios criminais, para os

fins de verificar a ofensa, ou não, os arts. 5º, incs. LIV e LV, 129 e 144, da

CF, ainda pendente de julgamento de mérito (RE 593727 RG, Relator(a):

Min. CEZAR PELUSO, j. em 27.8.2009, publicado no DJe 25.9.2009).

Veja-se o que entende o STJ: “I. O Superior Tribunal de Justiça

firmou o entendimento de que o Ministério Público possui legitimidade para

instaurar procedimento administrativo de investigação, podendo requisitar

documentos e informações, a fim de colher elementos para a propositura da

ação penal. Precedentes do STJ: HC 127.667/SP, Rel. Ministra MARIA

THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe de 12/12/2012; AgRg no

REsp 1.074.545/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA

TURMA, DJe de 03/09/2012. II. ‘(...) Se a atividade fim - promoção da ação

penal pública - foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se

concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o

CPP autoriza que 'peças de informação' embasem a denúncia’ (STF, RE

468.523, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/02/2010)

(AgRg no REsp 897.070/MG, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEXTA

TURMA, julgado em 16/04/2013, DJe 14/05/2013)”.

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Alinho-me ao entendimento até então adotado no âmbito desta

Câmara Criminal, no sentido de que a investigação é atividade típica, mas

não exclusiva da Polícia Civil (art. 144, §§ 1º e 4º, CF). Ademais, deve-se

levar em conta que o investigado é Prefeito Municipal, e a Procuradoria de

Prefeitos é o órgão competente para oferecer eventual denúncia perante

esta Corte de Justiça.

- Prazo para oferecimento da denúncia:

A apresentação intempestiva da denúncia não passa de mera

irregularidade, pois se diz impróprio o prazo previsto no art. 46, do CPP, cujo

descumprimento não acarreta qualquer sanção processual à parte desidiosa

(Ação Penal - Procedimento Ordinário nº 70049598055, Quarta Câmara

Criminal, TJRS, Relator: Marcel Esquivel Hoppe, julgado em 22-11-2012).

Passo ao exame das demais questões.

No que toca à descrição da participação dos acusados, tenho

que a peça acusatória contém a descrição da conduta individualizada de

cada denunciado, estando os fatos bem articulados, de forma que não

existem dificuldades para o exercício regular direito de defesa, razão

pela qual não há falar em ofensa ao art. 41, do CPP.

Neste momento a análise a ser feita consiste em mero juízo de

admissibilidade, resolvendo-se a dúvida em favor da sociedade, com o

recebimento da peça vestibular. A denúncia descreve fato típico, havendo

indícios suficientes da autoria e materialidade, tornando viável, por

consequência, a acusação. Nela há a descrição do prévio ajuste entre os

representantes da empresa e o Secretário de Obras para viabilizar o intento

criminoso, o que, ainda, somado às interceptações telefônicas e o possível

contato com quadrilha atuante no ramo de fraudes licitatórias, evidencia a

possibilidade de ter sido o resultado do certame previamente ajustado,

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concorrendo eventualmente os demais denunciados para a infração

penal.

Veja-se que os indícios das práticas delitivas e autoria foram

apurados através das interceptações telefônicas autorizadas judicialmente,

conforme o processo nº 70032932857 e pelo próprio processo licitatório, que

não teria o resultado obtido sem que houvesse a participação de todos os

denunciados.

Desta forma, o prosseguimento do feito é impositivo para o

amplo esclarecimento dos fatos e a comprovação, ou não, das tipificações

delitivas, o que se dará com a instrução processual, momento adequado

para que as alegações das defesas sejam objeto de demonstração.

Por outro lado, no que tange à absolvição sumária prevista no

art. 397 do CPP constitui-se em um julgamento antecipado da lide

penal, somente podendo acontecer quando inexistirem indícios da

autoria ou prova da materialidade ou se a denúncia não descrever

conduta caracterizadora de crime em tese ou na total impossibilidade

da pretensão punitiva, verificando-se, desde logo, a improcedência da

acusação (Ação Penal - Procedimento Ordinário nº 70030770390, Quarta

Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Constantino Lisbôa de

Azevedo, Julgado em 21.10.2010).

Ora, está certo que o fato constitui, em princípio, ilícito penal

(“Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro

expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de

obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto

da licitação”), com elementos de autoria e materialidade bem dispostos,

ficando a análise acerca da existência, ou não, do dolo direto, para a fase de

instrução processual.

Este é o entendimento pacificado deste Órgão fracionário:

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“RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. PREFEITO MUNICIPAL. DISPENSA DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI E NÃO OBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES PERTINENTES À DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE. ART. 89 DA LEI 8.666/1993. Os requisitos do art. 41 da Lei Processual Penal estão preenchidos, uma vez que houve exposição de fato criminoso, com suas circunstâncias, o imputado foi qualificado, o crime classificado e houve apresentação de rol de testemunhas. Além disso, há prova da materialidade e indícios suficientes de autoria. Não obstante, a verificação acerca da existência de dolo demanda exame do conjunto probatório, inclusive, de prova que será produzida no curso da instrução, assim como a constatação sobre a existência de conduta comissiva ou omissiva. Do mesmo modo, resta implícito na inicial acusatória tanto a demonstração de prejuízo como de beneficiamento, sendo o primeiro suportado pelo erário, que poderia ter despendido menor montante caso procedida a licitação, ao passo que o segundo aproveitado pela empresa contratada. Logo, havendo início de prova hábil à demonstração da prática delitiva denunciada, imperioso o recebimento da exordial e o conseqüente prosseguimento do feito. Denúncia recebida. (Ação Penal - Procedimento Ordinário Nº 70045553633, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em 24/05/2012)”

“PROCESSO-CRIME. PREFEITO MUNICIPAL. LICITAÇÃO. DISPENSA FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. Narrativa clara de crime, em tese, com sinalização probatória inicial. Indispensável a instrução processual para exame mais fundo da prova e verificação exaustiva das teses defensivas. Denúncia recebida. Unânime. (Ação Penal - Procedimento Ordinário Nº 70049212186, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 23/08/2012)”

“RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. PREFEITO MUNICIPAL. ART. 90 DA LEI Nº 8.666/93. ART. 288,

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CAPUT, DO CP. LICITAÇÃO. IDENTIDADE ENTRE OS CURSOS PREVISTOS NO EDITAL E AQUELES OFERECIDOS POR DETERMINADA EMPRESA. DIRECIONAMENTO. PLAUSIBILIDADE. Deve ser recebida denúncia contra Prefeito Municipal e outros implicados, se há rudimentos probatórios indicando que houve ajuste entre autoridades municipais e representantes da única empresa que participou da licitação, cujos cursos oferecidos eram idênticos ao objeto da licitação descrito no edital. Denúncia recebida. (Ação Penal - Procedimento Ordinário Nº 70046917159, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 02/08/2012)”

Desta forma, tenho que o prosseguimento do feito é impositivo

para o amplo esclarecimento dos fatos, ou seja, com a comprovação, ou

não, da tipificação delitiva do art. 90, da Lei nº 8.666/93, e do art. 288, do

CP.

Estando atendidos os requisitos na peça acusatória, e presente

justa causa para o processamento da ação penal, e não estando configurada

qualquer das condições para a sua rejeição (art. 395, do CPP), é de ser

recebida a denúncia.

Por fim, no que se refere ao pedido de assistência judiciária,

por ora, vai indeferido, uma vez que os postulantes estão representados por

advogados constituídos e não trouxeram prova irretorquível da insuficiência

financeira para arcar com as custas processuais.

Ante o exposto, voto para receber a denúncia, apresentada

em face de João Mário Cristofari, Prefeito Municipal de Jaguari, João

Martins Pinheiro, Izabete Giacomelli, José Ivonir dos Santos Araújo,

Luzani Pasquoto Arcon e Roberto Carlos Boff Turchiello, nas sanções

do art. 90, da Lei n.° 8.666/93; e dos denunciados Domingos Júnior

Réquia, de alcunha “Júnior”, Ricardo Dalla Corte, Crísnei Dalla Corte

Réquia e Álvaro Antônio Oliveira Pavão, como incursos no art. 288, do

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CP, e nas sanções do art. 90, da Lei n.° 8.666/93, na forma do art. 69, do

CP, c/c art. 29, do CP.

É o voto.

DES. GASPAR MARQUES BATISTA (PRESIDENTE E REVISOR) - De

acordo com o(a) Relator(a).

DES. NEWTON BRASIL DE LEÃO - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. GASPAR MARQUES BATISTA - Presidente - Acao Penal -

Procedimento Ordinario nº 70051561215, Comarca de Jaguari: "À

UNANIMIDADE, RECEBERAM A DENÚNCIA, APRESENTADA EM FACE

DE JOÃO MÁRIO CRISTOFARI, PREFEITO MUNICIPAL DE JAGUARI,

JOÃO MARTINS PINHEIRO, IZABETE GIACOMELLI, JOSÉ IVONIR DOS

SANTOS ARAÚJO, LUZANI PASQUOTO ARCON E ROBERTO CARLOS

BOFF TURCHIELLO, NAS SANÇÕES DO ART. 90, DA LEI N.° 8.666/93; E

DOS DENUNCIADOS DOMINGOS JÚNIOR RÉQUIA, DE ALCUNHA

JÚNIOR, RICARDO DALLA CORTE, CRÍSNEI DALLA CORTE RÉQUIA E

ÁLVARO ANTÔNIO OLIVEIRA PAVÃO, COMO INCURSOS NO ART. 288,

DO CP, E NAS SANÇÕES DO ART. 90, DA LEI N.° 8.666/93, NA FORMA

DO ART. 69, DO CP, C/C ART. 29, DO CP."

Julgador(a) de 1º Grau: