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3/17/2016 Os Platôs de Deleuze, Guattari e Borges (2007) http://rpires76.tumblr.com/post/8112966855/os-plat%C3%B4s-de-deleuze-guattari-e-borges-2007 1/4 Os Platôs de Deleuze, Guattari e Borges (2007) Há pouco tempo, entre dez a quinze anos, a Internet começava a se configurar no que conhecemos hoje, com toda sua capacidade de tráfego de informação e com o que podemos chamar de interface gráfica. No seu início, por volta de 1969, ela foi criada com exclusividade para a Guerra Fria e alguns anos depois para fins acadêmicos e não passava de uma tela negra com códigos criptografados, ou seja, inacessível ao público. Muitos escritores visualizaram algo como a internet e muitos conceitos foram usados. Walter Benjamim, em “One Way Street”, nos mostra o que hoje conhecemos como hipertexto, baseando-se nos livros:O fichário marca a conquista da escrita tridimensional e, deste modo, apresenta um extraordinário contraponto para a tridimensionalidade da escrita na sua forma original como runa e escrita nodula. E o livro hoje, ta como o presente modo de produção acadêmica demonstra, é uma ultrapassada forma de mediação entre dois sistemas de arquivos. Pois tudo que importa se encontra no fichário do pesquisador que o escreveu, e o aluno, ao estudar os textos, assimila o que importa em seu próprio fichário. (BENJAMIM, 1978:78) [1] . Um precursor das técnicas de internet, Ted Nelson, propôs o desenvolvimento de uma biblioteca eletrônica onde estivesse disponível um espaço de troca de informações. O conceito de biblioteca eletrônica universal, ele denominou de Docuverse, e o projeto chamava-se Xanadu. O princípio era muito parecido com a Biblioteca de Babel, do escritor argentino Jorge Luis Borges: ele descreve uma biblioteca como um espaço impossível de se percorrer por inteiro e onde é encontrada toda a informação disponível do passado, presente e futuro da humanidade. Uma reflexão importante a respeito de Internet, feita por muitos filósofos contemporâneos, é sua capacidade descentralizadora. Isso faz com que não exista um núcleo, ou melhor, uma forma de totalitarismo com a internet. Nomenclaturas e adjetivos são dados incessantemente a essa nova rede de informações de princípios anárquicos e desterritoriais.Esta característica de não possuir um núcleo faz da Internet um rizoma. O conceito de rizoma foi criado por Gilles Deleuze e Félix Guattari[2] . “O rizoma não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes, de direções movediças. Ele não tem

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            Há pouco tempo, entre dez a quinze anos, a Internet começava a se configurar no queconhecemos hoje, com toda sua capacidade de tráfego de informação e com o que podemos chamarde interface gráfica. No seu início, por volta de 1969, ela foi criada com exclusividade para a GuerraFria e alguns anos depois para fins acadêmicos e não passava de uma tela negra com códigoscriptografados, ou seja, inacessível ao público. Muitos escritores visualizaram algo como a internet emuitos conceitos foram usados. Walter Benjamim, em “One Way Street”, nos mostra o que hojeconhecemos como hipertexto, baseando-se nos livros:O fichário marca a conquista da escritatridimensional e, deste modo, apresenta um extraordinário contraponto para a tridimensionalidade daescrita na sua forma original como runa e escrita nodula. E o livro hoje, ta como o presente modo deprodução acadêmica demonstra, é uma ultrapassada forma de mediação entre dois sistemas dearquivos. Pois tudo que importa se encontra no fichário do pesquisador que o escreveu, e o aluno, aoestudar os textos, assimila o que importa em seu próprio fichário. (BENJAMIM, 1978:78) [1].Um precursor das técnicas de internet, Ted Nelson, propôs o desenvolvimento de uma bibliotecaeletrônica onde estivesse disponível um espaço de troca de informações. O conceito de bibliotecaeletrônica universal, ele denominou de Docuverse, e o projeto chamava-se Xanadu. O princípio eramuito parecido com a Biblioteca de Babel, do escritor argentino Jorge Luis Borges: ele descreve umabiblioteca como um espaço impossível de se percorrer por inteiro e onde é encontrada toda ainformação disponível do passado, presente e futuro da humanidade.

Uma reflexão importante a respeito de Internet, feita por muitos filósofos contemporâneos, é suacapacidade descentralizadora. Isso faz com que não exista um núcleo, ou melhor, uma forma detotalitarismo com a internet. Nomenclaturas e adjetivos são dados incessantemente a essa nova redede informações de princípios anárquicos e desterritoriais.Esta característica de não possuir um núcleofaz da Internet um rizoma. O conceito de rizoma foi criado por Gilles Deleuze e Félix Guattari[2]. “Orizoma não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes, de direções movediças. Ele não tem

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começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda” (Deleuze e Guattari).Elesusam o termo para designar sistemas que possuem uma estrutura onde não existe um tronco de ondesaem ramificações. Na condição de rizoma, estas ramificações teriam ligações entre elas, na internetpodemos designar estas ligações de links ou nexos. Na natureza encontramos várias estruturasrizomáticas; o gengibre e a cana de açúcar não possuem caule de onde saem os galhos, como grandeparte das plantas, elas são constituídas por troncos e nós. A definição do dicionário Aurélio da línguaportuguesa para rizoma: caule em forma de raiz, em geral subterrâneo. O pensamento é onde se iniciao rizoma; quem consegue pensar em uma coisa que seja, além dos monges budistas, com aquantidade de informação que nos é exposta diariamente? A internet veio nos mostrar como nossopensamento se processa; através de livres associações é que vamos construindo nossopensamento.Na grande rede isso é visivelmente palpável, que usuário de internet nunca se pegou“vagando” nas teias da rede, em um estado letárgico, como se estivesse com um controle remoto de500 canais disponíveis, mas com uma grande diferença, nós usuários que “criamos os canais” somosao mesmo tempo telespectadores, diretores e roteiristas desta televisão rizomática.Deleuze e Guattaritrazem o conceito de rizoma para a forma de como escreveram o livro onde desenvolvem este eoutros conceitos.  No início eles colocam esta nota:  “Esse livro é a continuação e o fim de Capitalismo e Esquizofrenia, cujo primeiro tomo é O anti-Édipo.Não é composto de capítulos, mas de “platôs”. Tentamos explicar mais adiante o porquê (e tambémpor que os textos são datados). Em uma certa medida, esses platôs podem ser lidosindependentemente uns dos outros, exceto a conclusão, que só deveria ser lida no final”.(Deleuze/Guattari, 1995: Nota).

A edição brasileira de “Mille Plateaux” foi lançada no Brasil em cinco edições e devidamenteautorizada pela editora e pelos autores. Bom salientar no início do livro para que seja conduzida aleitura, em platôs, se torna mais necessária. O conceito de platô, inspirado em Bateson, mostra apotencialidade do meio em virtude da sua multiplicidade para conectar nexos e elos subterraneos quedesenvolvem o rizoma. Um rizoma não tem início nem fim, ele se encontra nos elos, sempre ligandouma coisa a outra, sempre em estado de alerta e na eminência de construir, uma espécie de constantevigília; “entre as coisas, inter-ser, intermezzo… A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem comotecido a conjunção “e… e… e…” DG (Deleuze e Guattari) tomam como exemplo de organizaçãorizomática “viva” o sistema das formigas:É impossível exterminar as formigas, porque elas formam umrizoma animal do qual a maior parte pode ser destruída sem que ele deixe de se reconstruir… Faz-seuma ruptura, traça-se uma linha de fuga, mas corre-se sempre o risco de reencontrar nelaorganizações que reestratificam o conjunto, formações que dão novamente o poder a um significante.(Deleuze e Guattari: 1995)A estrutura da internet, chamada de hipermídia também possui a mesmoprincípio do rizoma animal citado por DG. A hipermídia é formada pela conjunção de mídias (foto,texto, vídeo e áudio). Essa conjunção de mídias, somada a energia elétrica e uma lógica de códigosbinários resulta na internet. Essa sinergia, enquadrada por uma tela de luz possui, igualmente asformigas, esse poder de reconstrução. Não que a grande teia seja indestrutível, existem várias formasde acabar com ela, mas o que torna impossível são os métodos de destruí-la. Isso somado a essefator de cura. Pode-se acabar com todos os computadores do mundo, mas sobrando dois, a internetainda existe. Isso somado a quantidade de pessoas que adquirem diariamente o hábito de usá-la,

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torna-se impossível a sua extinção.  O rizoma digital é formado por nós e nexos. Os nós são os blocosde informações, também chamados de lexia. Um nó é, basicamente, uma página ou um site[3] e podeser constituído por textos, fotos, vídeo, sons, botões, narrações etc. E já que os nós se comunicamentre si, como eles constituem uma imensa rede? Através dos vínculos eletrônicos, mais conhecidoscomo links. Os links são os elos entre um nó e outro e, dessa forma, é constituída a estruturarizomática do universo digital.Rizoma Digital e a Babel de BorgesÉ impossível ficar incólume com asemelhança de justaposições entre o texto de Borges, A Biblioteca de Babel, com a principal teoria deMille Plateaux, o rizoma, de Deleuze e Guattari. No início do primeiro tomo da edição brasileira de“Mille”, no início do segundo parágrafo, eles tomam como exemplo de criação rizomática a forma deconcepção de uma obra literária.Eles (DG) dizem que para conceber uma obra é preciso que se preste atenção às influências eexterioridades que circulam esse processo criativo. Em razão desse caos criativo que é apontada aestrutura rizomática. Uma sinestesia urbana e social; Deslocamentos e desestruturação. “Um livro éum tal agenciamento e, como tal, inatribuível. É uma multiplicidade…”

A Babel de Borges é construída como uma réplica literária do Universo, criando uma homenagem àsdescobertas científicas  e servindo também como paralelo ao desenvolvimento da teoria deleuziana dorizoma. Ele descreve-a como um espaço tão grande que é impossível percorrê-lo e onde se encontratoda a informação (e conseqüentemente toda desinformação) do passado, presente e futuro dahumanidade e que está disponível a todos. Uma menção importante para reforçar ametáfora/referência a internet é a que Borges fala na dificuldade de se encontrar algo de valor nabiblioteca por sua vastidão de informações. A cada passo que damos na biblioteca borgeana torna-seinevitável fazer um paralelo com a WWW, visto que na rede existem bilhões de informações edocumentos e milhares são acrescidos a cada momento.“… Afirmo que a Biblioteca é interminável. osidealistas argúem que as salas hexagonais são uma forma necessária do espaço absoluto ou, pelomenos, de nossa intuição do espaço…basta-me, por ora, repetir o preceito clássico: "A Biblioteca éuma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível…” (Borges:1998)O fio de prata que conduz os dois textos adquire mais força e percepção em algumassituações ambivalentes; a bilbioteca borgeana funciona como uma espécie de desdobramento para aprodução e desenvolvimento de Mille Plateaux vinte anos depois. Ao mesmo tempo em que o escritorargentino fala de uma biblioteca onde caberia a história do passado, presente e futuro do universo, DGfalam que a produção de sua obra literária tem conexão entre si e que a produção desses textos nãopode ser atribuida só a eles como autores e sim deve ser interpretado como uma cadeia deinterpretações e multiplicidades.O texto de Borges é narrado por um dos bibliotecários que nasceu,cresceu, vive e acredita que morrerá na biblioteca. Personagem desterritorializado que existe em MillePlateaux: “Escrevemos o Anti-Edipo a dois. Como cada um de nós era vários, já era muita gente.Utilizamos tudo o que nos aproximava, o mais próximo e o mais distante. Distribuímos hábeispseudônimos para dissimular”. Personagem esse que existe em cada um de nós, imersos na fluidezdo universo e em estruturas rizomáticas e que nos angustia em vida.Bibliografia:BORGES, Jorge Luís. Biblioteca de Babel. Obras completas I. São Paulo: Globo, 1998.

DELEUZE, Gilles e Félix Guatarri. “Introdução: rizoma”, Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia, v.1Rio de Janeiro, Ed, 34, 1995. LEÃO, Lucia. O labirinto da hipermídia. São Paulo, Iluminuras, 2001

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[1] Tradução retirada do livro “O labirinto da hipermídia” (Leão: 2001).

[2] O conceito de rizoma foi desenvolvido por Deleuze e Guattari (1995) no livro Mil platôs –capitalismo e esquizofrenia - volume 1 ( Mil platôs é constituído por cinco volumes)

[3]  Página que possui algum tipo de informação que possui um endereço na Internet