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Rede social sao_paulo

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Artigo

Marly Lautenschlager Cortez Alves

Conselheira do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente-Condeca.

Secretária Executiva da Rede Social São Paulo - Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social –SP

Pedagoga com Especialização em Avaliação de Projetos Sociais e Pós Graduação em Direitos Humanos

REDE SOCIAL SÃO PAULO: UMA EXPERIÊNCIA

SOCIAL NET SÃO PAULO: A EXPERIENCE

RESUMO: Este artigo originou-se das discussões desenvolvidas em minha monografia Rede Social São Paulo: a dimensão ético-política da implementação do ECA. Seu propósito é discutir a relação entre ética e política e, sobretudo, evidenciar a importância do comportamento virtuoso, do comprometimento ético para a implementação e bons resultados das políticas públicas. Seus argumentos sobre a subsistente relevância contemporânea da ética têm seus fundamentos tanto em avaliações teóricas quando na experiência concreta da Rede Social São Paulo e do Projeto Envolver. ABSTRACT: This article was originated from the arguments developed in my monograph Rede Social São Paulo: a dimensão ético-política da implementação do ECA (São Paulo Social Network: the ethical-political dimension of the ECA’s implementation). Its purpose is to discuss the relation between ethics and politics, especially, to evidence the importance of the virtuous behavior, the ethical compromise for the implementation and public policies good results. Its arguments about the subsistent relevance of the contemporary ethics have their basis in theoretical valuations and in concrete experience of the Social Net São Paulo and the Projeto Envolver. PALAVRAS-CHAVE: Ética, Política, Democracia, Políticas Públicas KEYWORDS: Ethics, Politics, Democracy, Public Policies

INTRODUÇÃO

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O presente artigo pretende expor algumas reflexões resultantes de uma

pesquisa mais ampla realizada para a monografia apresentada como trabalho de

final do Curso de Especialização em Direitos Humanos da Escola Superior da

Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Como indica o próprio título da

monografia, a saber, Rede Social São Paulo: a dimensão ético-política da

implementação do ECA, o tema da ética em sua relação com a política encontra-se

no fulcro da análise desenvolvida. Não se trata de um recorte calcado em motivos

de ordem pessoal, mas de uma escolha fundamentada pelas conclusões a que nos

conduziu o próprio objeto investigado: a experiência da Rede Social São Paulo e as

perspectivas de uma implementação efetiva e bem-sucedida do Estatuto da Criança

e do Adolescente- ECA no contexto de uma sociedade pluralista, dinâmica e

conflitiva sob as condições de legitimidade de um ordenamento político

democrático.

É consenso que o ECA constitui marco decisivo na história dos direitos da

criança e do adolescente em nosso país. Sua promulgação inaugura uma nova

concepção de direitos para a infância e a adolescência, ao considerar crianças e

adolescentes como sujeitos de direitos, em condição peculiar de pessoas em

desenvolvimento, às quais se concede prioridade absoluta na garantia de seus

direitos.

A criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da

criança e do adolescente como órgãos deliberativos e controladores das ações em

todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de

organizações representativas segundo leis federal, estaduais e municipais, constitui

uma das diretrizes da política de atendimento estabelecida nas disposições gerais

do Título I, Capítulo I do ECA. Essa é uma das novidades implementadas pelo

estatuto. Trata-se de um reordenamento institucional cuja radicalidade é destacada

por Cenise Monte Vicente. Vicente (apud GOVERNO DO ESTADO DE SÃO

PAULO, Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, 2005) que a proteção

expressa no ECA associada à noção de prioridade absoluta coloca o tema criança

com urgência nas política públicas. Nessa medida, o ECA não contempla apenas os

direitos, mas, estabelece desafios sociais e políticos, interfere na agenda política

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em todas as suas instâncias. O ECA propõe um reordenamento institucional radical

criando várias figuras como o Conselho Tutelar, o Juizado da Infância e Juventude

e os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente que implementados nos

níveis federal estadual e municipal são instâncias paritárias nas quais o governo e

sociedade trabalham juntos para definir as políticas públicas e deliberar a partir de

uma ótica descentralizada de recursos e atendimento.

Prossegue afirmando que, em princípio e em tese, toda a sociedade é

responsável por garantir os direitos da criança e do adolescente, mas há aqueles

que os fazem valer, de fato: os atores do Sistema de Garantia dos Direitos da

Criança e do Adolescente (SGDCA)1. O ECA define e ordena funções para cada um

dos atores do SGDCA. O atendimento às crianças e aos adolescentes em cada

município deve ser planejado, portanto, a partir do funcionamento desse Sistema,

com ações articuladas entre os setores que o compõem, sejam governamentais ou

não-governamentais.

O objeto de atuação do SGDCA compreende os eixos: da promoção, da

defesa e do controle social. No eixo da promoção, participam todas as instâncias

públicas, ou seja, serviços e programas públicos governamentais e não

governamentais (assistência social, cultura, educação, esporte, habitação, lazer,

saúde, trabalho etc.). No eixo da defesa, concentram-se os órgãos do Poder

Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Segurança Pública/Polícias,

Conselhos Tutelares e entidades de defesa (centros de defesa). Finalmente, no

eixo do controle, encontram-se os conselhos dos direitos, conselhos setoriais,

tribunais de contas, organizações da sociedade civil, auditorias, controladorias,

parlamentos etc.

Para que o Sistema, enquanto tal, funcione, é importante que cada

ator conheça suas funções e atribuições e delas se desincumba de forma

adequada, pois aspectos legais, sociais e econômicos se inter-relacionam aí, em

permanente diálogo com os serviços e com as políticas públicas existentes.

1 É um conjunto articulado de pessoas e instituições que atuam para efetivar os direitos

infanto-juvenis. Fazem parte desse sistema: a família, as organizações da sociedade

(instituições sociais, associações comunitárias, sindicatos, escolas, empresas), os Conselhos

de Direitos, Conselhos Tutelares e as diferentes instâncias do poder público (Ministério

Público, Juizado da Infância e da Juventude, Defensoria Pública, Secretaria de Segurança

Pública).

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Os sistemas de garantia de direitos, em geral, exigem

intersetorialidade. Para o atendimento adequado à população infanto-juvenil, é

essencial que este sistema esteja implantado e funcionando de forma articulada em

cada município e região do Estado de São Paulo.

Segundo Antonio Carlos Gomes da Costa2 (2009), apesar de o

ECA ter atingido “maioridade”, pois, sancionada em 13 de julho de 1990, continua

uma legislação pouco compreendida por setores estratégicos para sua

implementação. A tentativa de consolidação efetiva dessa legislação alberga

inúmeras iniciativas que foram implementadas ao longo desses anos, em todo o

território nacional. Nesses esforços tentativos, muitos avanços foram constatados,

mas persistem ainda muitos obstáculos e desafios para sua completa compreensão

e para sua eficaz aplicação.

Em 2006, o Centro de Empreendedorismo Social e Administração

em Terceiro Setor CEATS e a Fundação Instituto de Administração da USP (FIA-

USP), com a consultoria e apoio técnico da Prattein, realizou a Pesquisa

“Conhecendo a Realidade”, no quadro do programa Pró-Conselho Secretaria

Especial de Direitos Humanos, por solicitação da Subsecretaria Especial dos

Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), do Conselho Nacional

dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). O estudo enfocou o estado

atual dos conselhos e as características de relacionamento destes com os órgãos

públicos e as entidades locais. A análise sobre as condições de existência e

atuação dos Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do

Adolescente e dos Conselhos Tutelares de todo o Brasil detectou que os Sistemas

de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) ainda não foram

criados em muitas regiões do país e, quando existem, apresentam resultados

medíocres de atuação.

O artigo 88 do Estatuto esclarece que os Conselhos de Direitos são “órgãos

deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a

participação popular paritária, por meio das organizações representativas” (BRASIL,

1990). Para realizar esta função, os Conselhos precisam ter capacidade para

consultar, dialogar, diagnosticar, deliberar, negociar e controlar.

2 Antonio Carlos Gomes da Costa é pedagogo e participou da Comissão de redação do

ECA

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Um exemplo de dificuldade nesses itens pode ser verificado na

inexistência de diagnósticos documentados sobre a situação da infância e

adolescência em 20% dos Conselhos que participaram da referida pesquisa, que

não se restringindo ao mapeamento dos dados oficiais, conseguiu detectar

fragilidades de gestão e operação, as quais impedem que os SGDCA atinjam os

seus objetivos.

Sobre a atuação desses mesmos Conselhos de Direitos, Maria Paula

Dallari Bucci (2001, p. 7) diz que os mesmos “carecem de uma operacionalização

adequada”. Ela menciona que Celso Daniel observava que os Conselhos não são

meramente estatais, nem meramente comunitários, o que dificulta sua classificação,

porque o sistema jurídico brasileiro trabalha separadamente o direito jurídico do

direito privado. Ressalta Bucci (Ibidem) que outra dificuldade é o “entendimento [ou

desentendimento] sobre o lugar da participação popular nas instituições jurídico-

políticas tradicionais”, que deveria ser um dos lugares de “geração de políticas

públicas”.

1. A REDE SOCIAL SÃO PAULO E O PROJETO ENVOLVER

A Rede Social São Paulo é programa integrante do Plano Plurianual do

Governo do Estado de São Paulo. Inicialmente, sua missão era definida como o

enfrentamento da pobreza e da desigualdade social presente no Estado de São

Paulo, a partir de uma abordagem territorial, oferecendo projetos que permitissem

melhorar as condições de vida das famílias e aumentassem a capacidade de

inserção social e produtiva dos indivíduos. No final do ano de 2006, a Rede Social,

através do apoio técnico oferecido por uma consultoria especializada, a

PricewaterhouseCoopers, ajustou sua missão e visão de trabalho. A missão ficou

assim definida: “Contribuir para a garantia dos direitos humanos no Estado de São

Paulo – articulando governos, empresas e sociedade civil – visando aprimorar e

fortalecer os sistemas e redes na construção do bem comum.”3

3 PRICEWATERHOUSE COOPERS. Direcionamento estratégico para

Rede Social São Paulo/Projeto Envolver: Relatório final. [sine loco]: [s.n.], 2007.

Disponível em:

<http://www.desenvolvimentosocial.sp.gov.br/portal.php/apresentacaorede>. Acesso em:

15 jun. 2009.

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A Rede Social São Paulo, como se depreende da denominação do

programa, tem como pressuposto subjacente à sua modelagem o trabalho

articulado em rede. A Rede Social pauta-se pela compreensão de que o conjunto

da sociedade civil, abrangendo não somente os cidadãos individualmente, mas

igualmente diferentes tipos de organizações complexas, detém recursos e

condições para gerar resultados de desenvolvimento local, os quais são

potencializados sempre que colocados em processos estruturados de interação

cooperativa. É evidente que o trabalho articulado em rede e a combinação de

recursos governamentais e não-governamentais no atendimento de demandas

comunitárias não são suficientes para determinar a especificidade do programa.

Esta diz respeito, sobretudo, à metodologia empregada. Consta em publicação

sobre a Rede Social São Paulo, realizada pelo governo do Estado de São Paulo

com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o

Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que

o diferencial da Rede Social São Paulo em relação a muitas redes

existentes no Brasil e em outros países é a metodologia adotada, que

motiva pessoas, prepara-as para a detecção de problemas mais

urgentes a serem enfrentados e para a elaboração de planos de

ação, além de permitir a identificação dos instrumentos disponíveis a

serem utilizados na execução de projetos e incitar à avaliação

continua e correção de rumos.4

Um bom exemplo dessa metodologia é justamente a experiência do

Projeto Envolver. Associando em um trabalho integrado representantes dos

governos estadual e municipal, da classe empresarial, de institutos e fundações e

de entidades sem fins lucrativos, essa iniciativa estipulava inicialmente como seu

objetivo a capacitação e o conseqüente fortalecimento dos Conselhos de Direitos e

Conselhos Tutelares. Mais tarde, a partir da escolha do projeto elaborado pela

Oficina de Idéias5, esse objetivo foi significativamente ampliado, de tal modo que o

4 GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria de Assistência e

Desenvolvimento Social. Projeto Avaliação e Aprimoramento da Política Social do Estado

de São Paulo. Inovações em gestão social: Rede Social São Paulo. São Paulo: [s.n.], 2006,

p. 29. 5 A Oficina de Idéias é uma empresa de consultoria, fundada em 1994, que reúne

profissionais com percurso no campo da atenção à criança e ao adolescente em diversas

áreas (saúde, educação, saúde mental, cultura, proteção especial). O compromisso da

Oficina de Idéias é fazer valer a garantia dos direitos dos mais jovens, atuando

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projeto foi denominado Programa de Aprimoramento do Sistema de Garantia de

Direitos da Criança e do Adolescente, ou simplesmente, Projeto Envolver. O intuito

desse projeto, aprovado em 05 de julho de 2004, em plenária do Conselho Estadual

dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo (CONDECA/SP), é

constituir grupos de pessoas atuantes na área do Sistema de Garantia de Direitos

da Criança e do Adolescente (SGDCA) com diversos perfis, como defensores,

promotores, juízes de direito, técnicos, atendentes, conselheiros, representantes de

organizações da sociedade civil etc., visando à capacitação desses agentes na

perspectiva da necessária complementaridade de suas ações e da importância da

troca de conhecimentos em processos de formação de consensos e compromissos

coletivos.

A executora do Projeto Envolver, a Oficina de Idéias, foi escolhida por dois

motivos. Em primeiro lugar, pela concepção ampliada do projeto, a qual envolvia o

entendimento de que não somente os conselheiros, mas todos os que atuam no

Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, por oficio ou escolha,

são imprescindíveis para o bom funcionamento do mesmo e que esse Sistema,

para atuar enquanto tal, depende eminentemente da articulação desses agentes, de

maneira a tecerem uma rede de proteção de direitos e de solidariedade à criança e

ao adolescente capaz de garantir a redução da vulnerabilidade desse público. Em

segundo lugar, a escolha baseou-se na afinidade metodológica com os

pressupostos da Rede Social São Paulo.

Os subsídios teórico-metodológicos do projeto Envolver advêm da

Metodologia Aprimorar6. Uma das noções que constitui o eixo de sua armação é

justamente a noção de rede. Neste ínterim, é importante ressaltar que todos esses

pressupostos arrolados têm uma dimensão ética imanente, uma vez que dependem

da assunção, pelos envolvidos, de uma atitude de cooperação, de solidariedade e

principalmente na consolidação dos avanços trazidos pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente. 6 A executora, a Oficina de Idéias, aplicou a metodologia Aprimorar, pela primeira vez, em

dezembro de 2002, em Brasília. Tratava-se de um encontro organizado pelo Fundo das

Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do

Adolescente (CONANDA) e Departamento da Criança e do Adolescente do Ministério da

Justiça (DCA), com suporte operacional do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de

Rua (MNMMR). A intenção era definir em grupos heterogêneos e multidisciplinares a

situação real do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) de

forma que o resultado trouxesse diversidade de informações e levantasse reflexões variadas

com ênfase nos desafios de capacitação.

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de co-responsabilidade. Por isso mesmo, as tecnologias da Metodologia Aprimorar,

assumidas pelo Projeto Envolver, buscam também atuar no campo da consciência

individual e do compromisso moral, revalorizando as atitudes éticas indispensáveis

ao trabalho articulado em rede sob a égide de valores democráticos. O mais

interessante, contudo, foi que, na aplicação dessa metodologia, como testemunha a

experiência do Projeto Envolver, os próprios agentes espontaneamente elegeram a

dimensão ética como central no funcionamento adequado do Sistema de Garantia

de Direitos da Criança e do Adolescente.

Não cabe aqui descrever toda a metodologia do Projeto. Isso foi feito na

monografia da qual deriva este artigo e para ela devem dirigir-se os interessados

em uma descrição mais detalhada. Para os objetivos deste texto, é suficiente dizer

que as duas primeiras etapas da fase denominada “Diagnóstico” envolvem a

construção do cenário ideal do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do

Adolescente, isto é, dos atributos dos atores constituintes desse Sistema

considerados ideais pelos participantes, e sua “desconstrução”, ou seja, a

discussão dos impactos decorrentes da ausência das qualidades consideradas

ideais no passo anterior.

Nessas duas etapas, a dimensão ético-moral, visada a partir de referência à

ética, à justiça e à honestidade de um modo geral, foi a atributo mais

freqüentemente mencionado, em média com cerca de 30% de representação em

cada uma das regiões envolvidas. Ou seja: a ausência dessas características nos

atores sociais diretamente responsáveis pelo funcionamento do Sistema de

Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente era considerada pelos próprios

atores como a que mais impactava negativamente no seu funcionamento.

A eleição do elemento ético-moral expressa, portanto, um reconhecimento

da importância desse fator pelos próprios atores. Esse reconhecimento reforça

nossa hipótese da centralidade da dimensão ético-moral na execução das políticas

públicas em um cenário de muitos atores, pressupondo o fluxo de ações entre

diversas instituições e indivíduos. Esse resultado foi obtido a partir da análise de

atributos como co-responsabilidade da família-comunidade ou do Estado-Sociedade

Civil, que indicava a necessidade de articulação entre os atores do Sistema, bem

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como da inserção e integração de novos atores e de ampliar a responsabilidade da

sociedade no cuidado da infância.

De uma maneira geral, podemos concluir que a análise das qualidades

consideradas ideais e essenciais aos operadores do ECA demonstra que, na

percepção dos participantes, a ausência de qualidades ético-morais tem

importantes conseqüências na eficiência e na agilidade do atendimento à criança e

ao adolescente.

A experiência do Projeto Envolver nos autoriza, porém, ir além dessas

referências de ordem subjetiva, ainda que fundadas na opinião de uma ampla gama

de atores, provenientes de contextos econômicos, culturais e institucionais distintos.

Permite constatar, como já o demonstraram outras experiências, que,

paralelamente à capacitação técnica e à melhoria dos instrumentos de diagnóstico,

planejamento e monitoramento objetivo das políticas públicas, o comprometimento

e a boa disposição dos envolvidos melhoram o resultado geral na execução das

mesmas.

A execução do Envolver ocorreu nos anos de 2005 a janeiro de 2009, em

diferentes etapas, compreendendo encontros de mobilização, de diagnóstico

coletivo e capacitações, concluindo-se com a oferta e capacitação no manejo de

novos ferramentais, com destaque para o Ecâmetro, instrumento de aferição

visando avaliar o estágio de implementação do ECA a partir de alguns indicadores

(planejamento sistêmico; resolução de casos; comunicação e articulação entre

profissionais; itinerário e fluência; financiamento das políticas públicas). Na

avaliação do Projeto Envolver, Thomás Chianca7 aponta como os principais

impactos do projeto: 1) mais atores sociais com maior comprometimento,

disposição e mobilizados para garantir os direitos das crianças e adolescentes; 2)

melhor comunicação e entrosamento entre os atores dos SGDCA; 3) melhorias na

rede de atendimento com a criação de novos projetos e ações de proteção à

infância e juventude (inclui-se a ativação dos Fundos Municipais dos Direitos das

7 Thomaz K. Chianca - Consultor, com doutorado em Avaliação pela Western Michigan

University, contratado pela Oficina de Idéias (executora do Projeto Envolver) para

aprimorar o Ecâmetro e avaliar o impacto do Projeto.

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Crianças e dos Adolescentes, FUMCAD, ou Fundos da Infância, FIA)8. Chianca

constata que o sucesso de um sistema local de garantias de direitos de crianças e

adolescentes depende do envolvimento e compromisso dos diferentes atores que

têm responsabilidade por partes do sistema.

A experiência do Envolver demonstra que, para obter o envolvimento e o

compromisso efetivos dos atores envolvidos, algumas condições são necessárias.

Em primeiro lugar, uma mudança dos modos de agir institucionais, que opere uma

descentralização real dos processos decisórios, permitindo que os atores sejam e

se sintam verdadeiramente como sujeitos das ações a que são convocados.

Ao mesmo tempo, para que esse processo conduza a bons resultados nos

termos de aplicação das políticas públicas, os outros dois impactos do Projeto

Envolver referidos por Chianca comparecem como precondições e resultados dessa

descentralização democrática. Com efeito, a descentralização depende da melhoria

da comunicação entre os atores e do fortalecimento e melhoria das redes,

demandando não somente o reforço de instrumentos convencionais como

palestras, encontros e reuniões presenciais, mas também de instrumentos novos

desenvolvidos a partir das tecnologias virtuais e da internet, as quais possibilitam a

constituição de instrumentos de diagnósticos e de acompanhamento de ações

alimentados continuamente pelos atores. Por outro lado, a melhoria da

comunicação exige interlocutores dispostos a produzir e transmitir informações, o

que apenas se obtém quando estes estão verdadeiramente comprometidos e

quando se desenvolveram minimamente laços de confiança entre os atores.

Deve-se mencionar aqui que a Rede Social e o Projeto Envolver têm

procurado desenvolver instrumentais com a finalidade de melhorar o intercâmbio de

informações entre os atores do SGDCA, como, por exemplo, o Ecâmetro9 e o Portal

8 Cf. CHIANCA, Thomaz K. Relatório de avaliação do Ecâmetro e dos impactos do Projeto

Envolver. In: OFICINA DE IDÉIAS. Relatório Projeto Envolver 2009. Fase Consolidação

II. São Paulo: [s.n.], 2009. 9 Com intuito de possibilitar a aferição eficaz do estágio de implementação do ECA em

cada município, foi criado um instrumento denominado Ecâmetro, baseado nos indicadores

seguintes, criados no decorrer das etapas do Envolver: 1) Planejamento sistêmico; 2)

Resolução de casos, indicador; 3) Comunicação e articulação entre profissionais; 4)

Itinerário e Fluência e 5) Financiamento das políticas públicas. Através desse instrumento

de medição, objetiva-se estimular os atores sociais locais ao consenso em torno de um

diagnóstico e à busca de aperfeiçoamentos a serem implementados, sempre através de um

esforço coletivo. Cada indicador serve de referência para uma espécie de régua. São 5

réguas com 10 questões cada. Quando a resposta é sim, isso indica que, naquele quesito, o

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da Rede Social São Paulo10, os quais têm comprovado reiteradamente sua

relevância. Ao mesmo tempo, a Rede e o Envolver têm atuado no sentido de

estreitar os vínculos entre os atores, enfatizando a dimensão ética desses vínculos,

assentados na confiança e no compromisso intersubjetivo.

Este é um dos diferenciais da Rede Social e do Projeto Envolver: inclui, nas

suas metodologias, a atuação no campo da consciência individual e do

compromisso moral da consciência, buscando mobilizar governos, empresas,

fundações e institutos empresariais, organizações não-governamentais e membros

da sociedade civil em torno dos temas da infância e adolescência, induzindo-os a

uma busca de sentido comum, para que assumam uma postura de co-

responsabilidade pelos problemas.

Acredita-se que as características da Rede e do Envolver, como seu

ineditismo, a intersetorialidade, o funcionamento em rede, o planejamento e a

execução coletivos, a administração por indicadores, a importância dada à atividade

de comunicação são fatores importantes para seus bons resultados. No entanto,

concomitante a todos esses fatores, é imprescindível uma atitude amorosa,

virtuosa, com o máximo de compreensão de todos os setores sociais, para

equacionar a difícil e perturbadora situação de tantas crianças e adolescentes em

nosso país que, por viverem em absoluta condição de pobreza, vêem suas vidas e

a das gerações que os sucedem comprometidas de maneira irreversível. Esse ciclo

de pobreza e de privação de toda a sorte que vem se perpetuando há gerações em

nosso país e, por que não dizer, também em nosso estado, só pode ser quebrado,

com a incitação à participação da sociedade em cada localidade para a formação

de “rodas de proteção”, de “redes de segurança”, ou seja, com o desenvolvimento

do protagonismo local.

À medida que o Projeto Envolver foi sendo executado, pôde-se observar

que, nos municípios onde as pessoas efetivamente se mobilizavam, alteravam suas

rotinas, se constituíam em grupos e adotavam a prática de reunir-se para discutir os

problemas das crianças e adolescentes de sua comunidade, havia uma percepção

grupo está apto a ensinar. Quando a resposta é parcialmente ou não, isso indica que o grupo

deve construir oportunidades de aprender com quem tem alguma Boa Prática e resposta

sim. 10 < http://[email protected] >.

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coletiva de acerto, um certo entusiasmo, mesmo antes dos resultados serem

visíveis.

Outro dado relevante é que, nestas localidades, geralmente havia bons

líderes, pessoas diferenciadas, com capacidade convocatória e que possuíam

aprovação dos seus pares, pela sua trajetória pessoal, profissional, enfim, sua

história de vida. O Projeto permite constatar que tais lideranças, a despeito dos

diferentes perfis, do ponto de vista do sexo, faixa etária, poder aquisitivo,

escolaridade etc., agregam valores de ordem ética e moral comuns, o que nos

autoriza, mais uma vez, a afirmar a centralidade da virtude no exercício cidadão

indispensável à execução das políticas públicas e à solução dos graves problemas

que nossa sociedade enfrenta e, no caso do Projeto, ao atendimento das graves

necessidades das crianças e adolescentes de nosso estado. De fato, essas

lideranças são, em geral, pessoas generosas, compassivas, comunicativas,

compreensivas consigo e com os demais, otimistas, resilientes, cooperativas,

responsáveis, comprometidas, reflexivas, enfim, poder-se-ia aqui fazer um rol de

suas virtudes, que coincidem com as já descritas e valorizadas desde a Antiguidade

Clássica. Nas comunidades em que, com a mediação do Envolver, essas lideranças

afloraram e, por livre escolha e com assentimento de seus pares, se assumiram

como pilares da rede local, as iniciativas multiplicaram-se e, não raro, as soluções

encontradas para melhorar a vida das crianças e adolescentes foram singulares,

apropriadas e eficientes.

Pôde-se comprovar também, ao longo dos 4 anos de execução do Projeto

Envolver , o que já é consenso entre os operadores de direitos, ou seja, que a

forma como cada um trabalha, produz, consome, investe, enfim, participa da

sociedade acaba interligando-se e gerando impactos na vida das crianças e

adolescentes. Nesse sentido, foi fundamental para o grupo de técnicos envolvidos

perceber-se como agente de promoção dessa mudança, que articula as dimensões

sociopolítica, econômica, ambiental, de qualidade de vida e, sobretudo, ético-

política, na busca de comunidades mais desenvolvidas, equilibradas, justas e

democráticas.

Relatar essa experiência, ainda que somente em linhas gerais, é essencial

para acompanhar as reflexões deste artigo, pois estas não nasceram apenas de

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leituras e discussões teóricas. São também e precipuamente fruto de vivências e

observações relacionadas à Rede Social São Paulo e ao Projeto Envolver.

Vale recordar, na companhia das observações de Humberto Mutarana11,

que toda mudança social significativa implica mudanças ético-culturais, pois, como

toda sociedade se realiza na conduta dos indivíduos que a compõem, há mudança

social genuína em uma sociedade somente se há uma mudança genuína na

conduta de seus membros. Assim, a sociedade como um todo deve compreender

que a discussão da ética e da virtude não é menos relevante que a discussão da

reforma do Estado e que esta, na verdade, não pode dar bons frutos sem que, no

seu bojo e de maneira central, se ampare em uma ampla, democrática, sincera e

serena discussão das condições éticas das transformações desejadas, lembrando

mais uma vez a velha máxima segundo a qual o fundamento de uma boa República

mais até do que boas leis é a virtude dos cidadãos.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ARENDT, Hannah. A vida do espírito. Tradução João C. S. Duarte. Volume I. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Marin Claret, 2007. BOBBIO, Noberto. Elogio da serenidade e outros escritos morais. São Paulo: UNESP, 2002. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. CHAUÍ, Marilena. Público, privado, despotismo. In: NOVAES, Adauto (Org.). Ética. S.Paulo: Cia das Letras, 2007. CRUZ, Valéria Álvares, FILHO, Willis Santiago Guerra. Ética, direito e ciência no paradigma da complexidade. In: Eccos Revista Científica, São Paulo, n. 1, v. 2, jun., 2000. FRANCO, Augusto de. Uma teoria da cooperação baseada em Maturana. In: Carta Capital. n. 115, julho, 2006. Disponível em: <http://augustodefranco.locaweb.com.br/>. Acesso em: 17 jun. 2009. GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social. Apresentação Projeto Envolver. São Paulo: [s.n.], 2005 GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social. Projeto Avaliação e Aprimoramento da Política Social do

11 Maturana apud FRANCO, Augusto de. Uma teoria da cooperação baseada em Maturana.

In: Carta Capital. n. 115, julho, 2006. Disponível em:

<http://augustodefranco.locaweb.com.br/>. Acesso em: 17 jun. 2009.

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