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DN DireitoNet Artigos Lei de improbidade e crime de responsabilidade Dispõe sobre as distinções entre a lei de improbidade (8429/92) e a lei de crimes de responsabilidade (1079/50), afirmando a possibilidade de aplicação de ambas as leis ao agente político, sem ocorrência de bis in idem, apesar do entendimento contrário do STF. Por Raquel Santos de Santana A reclamação 2138/STF, ressalvadas as questões de ordem suscitadas, tratou de responsabilização de Ministro de Estado pelo fato de solicitar e utilizar indevidamente “aeronaves da FAB para transporte particular seu e de terceiros sem vinculação a suas atividades funcionais”. A decisão do STF, no que tange ao mérito, foi enquadrar o fato acima descrito como crime de responsabilidade previsto na lei 1079/50, ao invés de ato de improbidade administrativa como julgou a Vara Federal de 1ª instância. O STF entendeu que tanto a lei de improbidade quanto a lei de crimes de responsabilidade têm natureza político-administrativa, sendo a primeira aplicável aos agentes públicos, e a segunda, aos agentes políticos, culminando em bis in idem a aplicação simultânea das leis ao mesmo agente político. Neste caso, ambas as referidas leis buscariam punir os agentes políticos pelos mesmos atos, já que a lei de crimes de responsabilidade prevê a modalidade “atos contra a probidade na administração” como crime de responsabilidade, o que afasta a aplicação da lei de improbidade aos agentes políticos. Tratar-se-ía de um sistema especial de responsabilização do agente político. Em leitura à decisão, conclui-se que, para o Supremo Tribunal Federal, agente político é todo aquele passível de punição por crime de responsabilidade, os quais estão previstos: no artigo 102, I, “c” da CF (Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente); no artigo 52, II da CF (Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União); na parte quarta da lei 1079/50 e na lei 7106/83 (Governadores e Secretários de Estado); e no decreto-lei 201/67 (Prefeitos e Vereadores). Apesar do entendimento do Supremo Tribunal Federal acima exposto, a lei 8429/92 determina expressamente sua aplicação a todo e qualquer agente público, definindo o que seria agente público em seu artigo 2º da seguinte forma: “… todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas

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Lei de improbidade e crime deresponsabilidade

Dispõe sobre as distinções entre a lei de improbidade (8429/92) e a lei decrimes de responsabilidade (1079/50), afirmando a possibilidade deaplicação de ambas as leis ao agente político, sem ocorrência de bis inidem, apesar do entendimento contrário do STF.

Por Raquel Santos de Santana

A reclamação 2138/STF, ressalvadas as questões de ordem suscitadas, tratou deresponsabilização de Ministro de Estado pelo fato de solicitar e utilizar indevidamente“aeronaves da FAB para transporte particular seu e de terceiros sem vinculação a suasatividades funcionais”. A decisão do STF, no que tange ao mérito, foi enquadrar o fato acimadescrito como crime de responsabilidade previsto na lei 1079/50, ao invés de ato deimprobidade administrativa como julgou a Vara Federal de 1ª instância.

O STF entendeu que tanto a lei de improbidade quanto a lei de crimes deresponsabilidade têm natureza político-administrativa, sendo a primeira aplicável aosagentes públicos, e a segunda, aos agentes políticos, culminando em bis in idem a aplicaçãosimultânea das leis ao mesmo agente político. Neste caso, ambas as referidas leis buscariampunir os agentes políticos pelos mesmos atos, já que a lei de crimes de responsabilidade prevêa modalidade “atos contra a probidade na administração” como crime de responsabilidade, oque afasta a aplicação da lei de improbidade aos agentes políticos. Tratar-se-ía de um sistemaespecial de responsabilização do agente político.

Em leitura à decisão, conclui-se que, para o Supremo Tribunal Federal, agente político é todoaquele passível de punição por crime de responsabilidade, os quais estão previstos: no artigo102, I, “c” da CF (Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado odisposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da Uniãoe os chefes de missão diplomática de caráter permanente); no artigo 52, II da CF (Ministros doSupremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do ConselhoNacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União);na parte quarta da lei 1079/50 e na lei 7106/83 (Governadores e Secretários de Estado); e nodecreto-lei 201/67 (Prefeitos e Vereadores).

Apesar do entendimento do Supremo Tribunal Federal acima exposto, a lei 8429/92 determinaexpressamente sua aplicação a todo e qualquer agente público, definindo o que seria agentepúblico em seu artigo 2º da seguinte forma: “… todo aquele que exerce, ainda quetransitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ouqualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas

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entidades mencionadas no artigo anterior”, abrangendo, portanto, as categorias de agentepolítico, servidor público civil, militar e particular em colaboração com o poder público.

A lei 8429/92, em seu artigo 12, prevê ainda o não prejuízo das sanções penais, civis eadministrativas para o agente público que já responda por improbidade, afastando, assim, anatureza administrativa dela própria, e podendo ser considerada de natureza sui generis, ousancionatória como dizem alguns autores. A Constituição Federal, por sua vez, em seu artigo 37§ 4º, exclui a natureza penal da lei de improbidade.

Já em observância à Lei 1079/50, deduz-se que as condutas ali descritas como crime deresponsabilidade são vagas, genéricas, eminentemente voltadas para quem detém direçãosuperior no Estado, dada a preocupação em proteger esferas supremas como a segurançainterna do país, a constituição federal, a existência da União etc, transparecendo a naturezajurídica político-administrativa da lei.

Dessa forma, há, portanto, atuação em esferas independentes, ou seja, natureza sui generis ousancionatória para a lei de improbidade e natureza político-administrativa para a lei de crimesde responsabilidade, o que possibilita a aplicação cumulativa das leis ao mesmo agente políticosem bis in idem, ressaltando-se que as leis 8429/92 e 1079/50 têm tipos e penas distintos,sendo a lei de improbidade mais severa, mais abrangente no que tange a uma maior previsãoe especificidade de condutas e penas, o que garante maior eficácia ao princípio da moralidadeadministrativa.

Apesar de ambas as leis protegerem o princípio da probidade administrativa, espécie dogênero moralidade administrativa, não há possibilidade de interpretação extensiva ouanalógica da lei 1079/50 para incluir a lei de improbidade em relação a agentes políticos no seuartigo 9°, inciso VII (proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoroparlamentar – tipo mais largo), por se tratar de crime onde se verifica a tipificação cerrada,segundo a qual a norma deve conter definições precisas, conforme inclusive mencionado novoto do Ministro Carlos Velloso quando do julgamento da reclamação 2138.

O fato de em ambas as leis haver previsão das penas de perda do cargo e suspensão dosdireitos políticos, no caso da lei de improbidade com fundamento no artigo 15, inciso V, da CF,não afasta a aplicação simultânea delas a um mesmo ato, pois, em se tratando de agentepolítico que já responda por crime de responsabilidade, a ele não serão aplicadas tais sançõescaso venha a responder também por ato de improbidade.

É importante frisar que o disposto no artigo 37, § 4º, da Constituição Federal, vem justamenteatribuir à lei a disposição sobre os atos de improbidade administrativa, sem qualquer distinçãoquanto ao agente, se público ou político, pré-determinando apenas as sanções cabíveis emcasos de improbidade.

Assim, sendo a Constituição Federal de 1988 uma constituição cidadã, a qual, por seu contextohistórico, reflete o propósito do constitucionalismo que é a limitação do poder público sobre aliberdade popular, não há motivos para a aplicação aos agentes políticos de apenas uma lei,que por sinal é datada de 1950, muito anterior à Constituição Federal e dotada de textoevasivo, o que poderia implicar na ineficácia da punição do agente político.

Há que se atentar também para a questão isonômica entre agente público e o agente político:se o agente político respondesse apenas por crime de responsabilidade, ter-se-ia umademasiada injustiça para com o agente público, pois o agente político seria responsabilizadoapenas pela lei 1079/50 e nas esferas civil e penal (3 esferas), enquanto que o agente público,respondendo por ato de improbidade, ficaria ainda sujeito às sanções nas esferas penal, civil e

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administrativa (4 esferas), além do que as próprias penalidades da lei de improbidade são maisseveras do que as da lei de crimes de responsabilidade, embora os agentes políticosdesenvolvam atribuições de maior relevância.

Dessa forma, conclui-se que a aplicação da lei de improbidade e a aplicação da lei de crimes deresponsabilidade decorrem do mesmo fato, justamente por protegerem o mesmo princípio,que é o da probidade, derivado da moralidade, porém, não se excluem, dada a naturezajurídica, tipificação e penalidades distintas, podendo um mesmo agente político responder porimprobidade e por crime de responsabilidade em procedimentos autônomos, com julgadorese decisões distintos, coibindo-se, assim, os abusos do governo com maior eficácia.

A aplicação de uma lei em detrimento da outra aos agentes políticos deve ser consideradainconstitucional por ferir os princípios da moralidade e isonomia assegurados expressamentepela Constituição Federal, devendo o agente político responder pela lei 1079/50 na esferaadministrativa quanto aos crimes de responsabilidade ali tipificados, e pela lei de improbidade,que possui natureza sui generis ou sancionatória, quando a conduta estiver tipificada como atode improbidade e não constitua crime de responsabilidade.

Sobre o tema, tramita na Câmara dos Deputados, desde 2007, o projeto de lei nº 293, doDeputado Neilton Mulim (PR/RJ), segundo o qual seria possível a punição tanto do agentepolítico quanto do agente público pela lei de improbidade administrativa (8429/92), mas até apresente data não houve finalização.

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