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OS ESTUDOS CULTURAIS E A PROPOSTA DE ANÁLISE DE RAYMOND WILLIAMS João Carlos de Freitas Borges História e Literatura: III ENCONTRO PIAUIENSE DE HISTÓRIA CULTURAL - EPIHCU

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OS ESTUDOS CULTURAIS E A PROPOSTA DE ANÁLISE DE RAYMOND WILLIAMS

João Carlos de Freitas Borges

História e Literatura:

III ENCONTRO PIAUIENSE DE HISTÓRIA CULTURAL - EPIHCU

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História + Literatura

História x Literatura

História - Literatura ?

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1. Um camponês chamado Raymond“São os olmos, os pilriteiros, o cavalo branco no campo que vejo pela janela enquanto escrevo. São homens na tarde de novembro [...] e as mulheres de lenço na cabeça [...]esperando pelo ônibus azul que as levará para o campo, onde trabalharão na colheita durante o horário escolar, [...] é a luz acesa na madrugada , na criação de porcos do outro lado da estrada, no momento de um parto. [...]” (WILLIAMS, 1989, p.13-14)

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O pesquisador, crítico e escritor galês Raymond

Williams nasceu no dia 31 de agosto de 1921, no

pequeno vilarejo de Llanfihangel Crucorney, Seu pai trabalhava em

uma ferrovia e, como seus colegas, era um entusiasta do Partido Trabalhista Britânico. Na localidade em que viviam, o idioma galês não era praticado, embora a tradição galesa fosse intensa.

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Imagens atuais do vilarejo de Llanfihangel Crucorney

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Os estudos de Raymond foram realizados no King Henry VIII Grammar School, em Abergavenny. Sua adolescência transcorreu em um período obscuro, marcado pelo poder dos nazistas e pela eclosão da Guerra Civil Espanhola.

Ainda na adolescência, Raymond Williams ingressou no "Clube do Livro da Esquerda". Foi nessa fase que ele leu Marx pela primeira vez, "O Manifesto Comunista". Durante a Segunda Guerra Mundial, Williams afiliou-se ao Partido Comunista Britânico e, durante esse tempo, ficou responsável pelos textos dos panfletos distribuídos pelo Partido.

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Em 1946, o acadêmico defendeu seu mestrado no Trinity College, iniciando a partir de então uma experiência pioneira na educação de adultos, em classes noturnas direcionadas para trabalhadores. Sua vivência pedagógica foi registrada em seu célebre estudo Cultura e Sociedade, lançado em 1958. Ele repetiu o mesmo sucesso obtido por esta obra com o livro A Longa Revolução, de 1961. Entre seus vários livros, ele escreveu igualmente Television: Technology and Cultural Form.

Além desta experiência na educação, Williams lecionou Dramaturgia em Cambridge, de 1974 a 1983, e atuou como professor visitante de Ciências Políticas na Universidade de Stanford, em 1973. Seus estudos se voltaram particularmente para as interações entre linguagem, literatura e sociedade.

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O estudioso se aposentou em 1983 e instalou-se então na cidade de Saffron Walden, localizada no Distrito de Essex, na Inglaterra. Aí permaneceu nos últimos anos de sua existência. Neste período ele criou uma ficção – Loyalties (Lealdades) – sobre um grupo de pessoas ricas e radicais, fascinadas pelo comunismo vigente na década de 30. Ao morrer, no dia 26 de janeiro de 1988, ele escrevia um monumental livro de contos, Povo das Montanhas Negras, que ficou inconcluso. Esta coletânea foi lançada assim mesmo, acompanhada de um anexo que esclarecia como seria a parte final desta obra.

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1.1 Algumas obras de Raymond Williams

Cultura e Sociedade, 1780-1950,  lançado em 1958(publicada no Brasil pela Editora Nacional, 1969);

A Longa Revolução, de 1961;Television: Technology and Cultural Form,

lançado em1974;Marxismo e literatura (Zahar, 1979);O Campo e a Cidade na História e na

Literatura (Companhia das Letras, 1989);O povo das montanhas negras (obra

inconclusa, em função da morte do autor. Companhia das Letras, 1991).

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2. A New Left, os Estudos Culturais e a Escola de Birminghan

“não se pode entender um projeto artístico ou intelectual sem entender também sua formação” (WILLIAMS apud CEVASCO, 2003, p.81)

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2.1 A New LeftSegundo CEVASCO (2003),

“ A New Left foi um movimento que a partir de final anos de 1950 reuniu diversos intelectuais britânicos em torno de novas formas de pensar e de fazer política. Entender esse movimento é relevante, pois constitui a base sócio-histórica dos estudos culturais.” p. 80A New Left representou uma nova posição

da esquerda britânica;Até 1956, a esquerda marxista britânica se

aglutinava em torno do Partido Comunista da Grã-Bretanha (CPGB), fundado em 1920;

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Boa parte do CPGB era composta por intelectuais de tradicionais universidades britânicas;

Significativa parcela dos literatos ingleses também se envolvia nas movimentações do CPGB, mesmo sem necessariamente fazer parte do partido;

George Orwell Stephen Spender Cecil Day Lewis

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Os Left Book Clubs eram grupos que combinavam atividades culturais com discussão política. Na década de 1930 já haviam grupos por toda a Grã-Bretanha;

Fator externo: a Crise de 1956;

Fatores Internos: Queda da Inglaterra na produção industrial mundial;

O New Left surge, portanto, da necessidade de se repensar o marxismo e sua teoria totalizante da organização social em termos do novo momento histórico vivido

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2.2 Os Estudos Culturais e a Escola de Birmighan

A Cultura Entrou na Língua Inglesa a partir do Latim

Colere : Habitar, adorar e cultivar; Até o início do século XVIII, cultura designava

atividade, cultura de alguma coisa; A partir do início do século XVIII passou a ser

usada para designar um processo geral de progresso intelectual, espiritual e social. Ex:. Cultura e Civilização Europeia;

Durante o RomantismoCultura x Civilização;

Século XX: Cultura como arte.

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Em meados deste século os sentidos preponderantes da palavra eram, além da acepção remanescente da agricultura – cultura de tomates, por exemplo -, o de desenvolvimento intelectual, espiritual e estético; e o nome que descreve as obras e práticas de atividades artísticas.

O conceito de cultura acompanha as transformações sociais no tempo. Na década de 1950, a partir das mudanças que culminaram com o surgimento da New Left, o conceito de cultura deixou de ser pensado como algo possuído por parte de um grupo seleto, e passa a assumir um viés antropológico: cultura como a vida das pessoas.

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E como surgem os Estudos Culturais?Para Stuart Hall (1988), os E.C surgiram

com as publicações de:

The Making of The English Working Class, de E. P. Thomposon (1963);

Culture and Society, 1780-1950, de Raymond Williams (1958); e

The Uses of Literacy, de Richard Hoggart (1957).

Para Michael Green, os E.C surgiram como uma reação aos problemas pelos quais passava a disciplina do inglês.

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Para Raymond Williams, os E.C. e a consequente “mudança de perspectiva no ensino das artes e da literatura e sua relação com a história e a sociedade contemporânea começou com a Educação para Adultos, não começou em nenhum outro lugar” (WILLIAMS apud CEVASCO, 2003, P. 61).

Workers Educational Association (WEA);

Os Estudos Culturais como um instrumento novo na educação das classes populares;

Contemporary Cultural Studies da Universidade de Birmingham. (1964)

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Quero começar com um problema teórico fundamental, que é, ao meu ver, central para os estudos de cultura, ainda que nem sempre seja lembrado nessa disciplina. E esse problema, para usar os termos contemporâneos em vez dos termos antigos mais informais com que ele foi originalmente definido, é que não se pode entender um projeto artístico ou intelectual sem entender também a sua formação. O diferencial dos estudos de cultura é precisamente que tratam de ambos, em vez de se especializar em um ou outro. Os estudos de cultura não lidam com uma formação da qual um determinado projeto é um exemplo ilustrativo, nem com um projeto que poderia ser relacionado a uma formação entendida como seu contexto ou pano de fundo[...]

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[...]O projeto e a formação nesse sentido são maneiras diferentes de materialização – maneiras diferentes, então de descrição – do que é de fato uma disposição comum de energia e direção. Esta foi, penso, a invenção teórica crucial: uma recusa em dar prioridade ou para o projeto ou para a formação, ou, usando termos mais antigos, a arte ou a sociedade.

(WILLIAMS, 1977, p.154)

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2.3 Estruturas de Sentimentos, Cultura e Experiência: conceito caros a Raymond Williams

DUAS CARACTERÍSTICAS DAS ESTRUTURAS DE SENTIMENTOS

Especificidade Empírica e Histórica:“A estrutura é sempre a do sentimento real, ligado à particularidade da experiência coletiva histórica e de seus efeitos reais nos indivíduos e nos grupos.” (FILMER, 2009, p.3)

Acessibilidade na arte e na literatura:“É nesse trabalho que é gerado o simbolismo no qual a comunicação humana se coloca como a raiz para todas as culturas e em todos os períodos históricos.” (FILMER, 2009, p.3)

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A relação entre essas duas características quer dizer que as estruturas de sentimento são geradas através da interação imaginativa e das práticas culturais e sociais de produção e resposta – que são, em essência, práticas sociais de comunicação reflexiva de experiência que estão na raiz da estabilidade e da mudança das sociedades humanas.

Para Filmer o objetivo de Williams ao formular este conceito, foi o de se distanciar da base marxista ortodoxa, o berço de suas ideias, “[...] para tentar, ao trabalhar conjuntamente, desenvolver uma teoria de totalidade social [...] para substituir a fórmula de base e superestrutura por uma ideia mais atuante de um campo de forças determinantes mútuas e desiguais”.

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Desta forma, o conceito de estruturas de sentimentos é a chave conceitual utilizada por Raymond Williams para a elucidação crítica das práticas artísticas através das quais as obras de arte se relacionam sociologicamente aos processos sociais gerais. Elas são o modo como um determinado grupo busca, através de uma experiência estética/cultural, experimentar e por em prática uma nova forma de sociedade.

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Subjetividade

Estruturas de Sentimentos

Mundo empírico e

suas relações de força

Obra artísti

ca

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Cultura, para Raymond Williams, é uma “experiência ordinária” de todos, produto e produção de um modo de vida determinado, que envolve um “modo de luta”. A cultura não se restringiria às obras de arte, elas também resultantes de uma cultura ordinária. Nessa medida, a crítica da cultura seria “um modo de compreender e aferir a organização da vida em um determinado momento histórico” (CEVASCO, 2003, P. 50)

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“Estou procurando resgatar o pobre descalço, o agricultor ultrapassado, o tecelão do tear manual “obsoleto”, o artesão “utopista” e até os seguidores enganados de Joanna Southcott, da enorme condescendência da posteridade. Suas habilidades e tradições podem ter-se tornado moribundas. Sua hostilidade ao novo industrialismo pode ter-se tornado retrógrada. Seus ideais comunitários podem ter-se tornado fantasias. Suas conspirações insurrecionais podem ter-se tornado imprudentes. Mas eles viveram nesses períodos de extrema perturbação social, e nós, não”.

(THOMPSON, 1987, p.9)

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WILLIAMS, Raymond. O Campo e a cidade na história e na Literatura. São Paulo: Cia das Letras, 1989

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“ Ainda que frequente e necessariamente ele [o livro] adote procedimentos impessoais e exposição e análise, há sempre, por trás de tudo, um ímpeto, um engajamento pessoal. E, como a relação entre campo e cidade é não apenas um problema objetivo e matéria de história como também, para milhões de pessoas hoje e no passado, uma vivência direta e intensa, não julgo necessário justificar esta causa pessoal, ainda que faça questão de mencioná-la.”

(WILLIAMS, 1989, p.13)

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“Moralmente, não era verdade que “Deus fez o campo e o homem fez a cidade”. O interior da Inglaterra, ano a ano, fora feito e refeito por homens, e a cidade inglesa era ao mesmo tempo sua imagem e seu agente (honesto ou desonesto, conforme interessante). Se o que se via na cidade não podia ser aprovado, por tornar evidente a sordidez das relações decisivas que regiam as vidas das pessoas, o remédio não era jamais a moralidade da vida simples e pensamentos nobres trazida por um visitante, nem uma conversa vazia sobre campos verdejantes. Era uma mudança das relações sociais e da moralidade essencial. E era precisamente neste ponto que a ficção de “campo e cidade” era útil: para promover comparações superficiais e e impedir comparações reais”

(WILLIAMS, 1989, p. 79)

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CASTELO BRANCO, Renato. A Janela do Céu. São Paulo: Quatro Artes, 1969

CEVASCO, Maria Eliza. Dez Lições Sobre os Estudos Culturais. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.

_________. Para ler Raymond Williams. São Paulo, Paz e Terra, 2001

FILMER, P. Structures of feeling and socio-cultural formations: the significance of literature and experience to Raymond Williams’s sociology of culture. British Journal of Sociology, London, v.54, n.2, p.199-219, jun. 2003.

Referências bibliográficas

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THOMPSOM, E.P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1987. 

WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade : na história e na literatura / Raymond Williams ; tradução Paulo Henriques Britto. — São Paulo : Companhia das Letras, 2011.

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Baal e o ramo de oliveiraPoeta, que importa que sonhescom o fluxo dos mares, se nada sabesda sociedade afluente?Poeta, que importa que ouçasa fala das estrelas,se nada conhecesda renda per capita?

Que importamos cursos dos rios e dos astros,o mistério das florestas,os milagres do amor,se ignoras o Produto Nacional Brutoe a potencialidade de comprada classe média?

Pobre de ti, poeta,que contemplas Centauroe não sabes o valor dos plásticos.Que comungas com Beethovene São Francisco,mas desconheces a técnicados Supermercados.

Ai de ti, pobre de ti, Poeta!

CASTELO BRANCO, Renato. A Janela do Céu. São Paulo: Quatro Artes, 1969