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Maria de Ágreda; Mística Cidade de Deus

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  1. 1. 118. Encontrava-se Maria santssima, na hora em que chegou o anjo So Gabriel, purssima na alma, perfeits- sima no corpo, nobilssima nospensamentos, sublime na santidade, cheia de graa, toda divimzoda e agradvel aos olhos de Deus. Deste, modo pde ser digna Mae sua t eficaz instrumento para atra-lo do seio do Pai ao seu virginal ventre. Ela foi o poderoso veiculo de nossa redeno, que lhe ficamos devendo por muitos ttulos. Merece,portanto, que todos ospovos e geraes (Lc. 1, 48) a bendigam e eter- namente a louvem. Mstica Cidade de Deus - 2*Tomo- Cmp* 10 Podidos ao: Mosteiro Portaceli 94001-970 - Poma Grossa - Paran
  2. 2. Impresso e Acabamento:- . Grfica Lagoa Dourada Av Monteiro Lobato, 1265 - Jardim Carvalho e-mai: graf1calagoa^uol,com.br - Fone/Fax: (42) 3223-8259 Ponta Grossa - Paran . . . . . ' :
  3. 3. Registro; 2vS4.420 Livro: 514 Folha: 80 da Fundao BIBLIOTECA NACIONAL/RJ Ficha catalogrtca elaborada pela Biblioteca Central - UEPG/Pr. Agreda, SororMaria de A27? Mstica cidade de Deus (Obra clssica do sc.XVII): 1655- l6607Soror Maria de greda; traduo de Irm EdwigesCaleTi. 2.cd. Ponta Grossa, Mosteiro Portaceli, 2000. 4v. II Contedo : v. 1. Maria no Mistrio da Criao, v. 2. Maria no Mistrio de Cristo, v.3. Maria no Mistrio da Redeno. v.4 Maria no Mistrio da Igreja 1- Religio. 2- Maria - me de Jesus. 3- Maria - Mistrios. CDD: 232.91 Direitos reservados ao Mosteiro Portaceli MSTICA CIDADE DE DEUS
  4. 4. SOROR MARIA DE GREDA MSTICACIDADE DE DEUS(Obra clssica do sc. XVII) 1655 - 1660 VIDA DA VIRGEM ME DE DEUS SEGUNDO TOMO 4a Edio Maria no Mistrio de Cristo (na vida oculta de Jesus) Edio brasileira em 4 Tomos Traduo de Irm Edvviges Caleffi da Ordem da Imaculada Conceio Mosteiro Portaceli Ponta Grossa - Paran - Brasil Ano 2011
  5. 5. MSTICA do: fu Omrapotencia VaKfl de, la cfram o 3 H I S T O i D I V I N A , ceJ Jos.Reyuy Sonoras, nuctLOUNLARA Santifu ReJtauraciora^de,ta culpa.de> Eua,V niecuanera.de!ag&cia jDicfcada.y m"iiiif3uaa enetos vlrrvosS^ oJos pr mifina >enor. alu dxlaua S o r &AJOA deIE^SAWefa.mdlg^H cheConucnto dc IA lrrmaruI AcL^Cori- 'ccpcondlc1i"Vi11a a cvlgrc^j5aca. nucua1u Primeira pagina do manuscrito original, ate hoje conservado no Mosteiro Concepcionista dc greda Espanha.
  6. 6. MSTICA CIDADE DE DEUS MILAGRE DE SUA ONIPOTN- CIA E ABISMO DA GRAA. HISTRIA DIVINA E VIDA DA VIRGEM ME DE DEUS, RAI- NHA ESENHORA NOSSA MARIA SANTSSIMA RESTAURADORA DA CULPA DE EVA E MEDIANEI- RA DA GRAA. Ditada e manifestada nestes lti- mos sculos pela mesma Senhora sua escrava Soror Maria de Jesus, humilde Abadessa deste Convento da ImaculadaConceiodaViladegre- da, para nova luz do mundo, alegria da Igreja Catlica e confiana dos mortais.
  7. 7. Ilustraes pelas Irms Servas do Espirito Santo. Extradas da edio alem, 1954 Capa: "Nossa Senhora da Confiana" Escultura de F. Maria Bernard Agradecimentos da Tradutora: - s minhas c-irms que colaboraram na impresso deste 2o Tomo, com sua fra- terna e dedicada laboriosidade. - aos estimados amigos Paulo Schiniegos- ki e sua irm Beatriz que transcreveram os originais em computador e forneceram o disquete. Direitosreservados ao Mosteiro Portaceli / 3. 9 f
  8. 8. INTRODUO SEGUNDA PARTE DA DIVINA HISTRIA E VIDA SANTSSIMA DE MARIA, ME DE DEUS. A Escritora consulta a vontadedeDeus para continuar acomposio da obra. 1. Terminadaaprimeiraparteda VidasantssimadeMariaMedeDeus, ofer ao Senhor opequeno servio de a ter escrito; para que a corrigisse com a divina luz mediante a qual a havia composto, apesar de minha ignorncia; e e me ordena continuar ou suspender obra to superior minha capacidade. A esta proposio, respondeu-me o Senhor: Escreveste bem e nos agradamos com isso. Quero, porm, entendas quepara manifestar os altssimos mistrios encerrados no restante de nossa nica e dileta Esposa, Me de nosso Unignito, necessitas de nova e maior disposio. Queremos quemorrasa tudoquantoimperfeitoe visvel, e vivas segund o esprito; que todas as tuas operaes e costumes no sejam de criatura terrena ma sim de anjo, com maiorpureza e semelhana com o que irs entender e escrev Temoresda Escritora 2. Por esta resposta doAltssimocompreendiquemeeraexigido tonovo mod depraticar as virtudes, e to altaperfeio de vida e costumes que, desconfiando de mim mesma,fiquei perturbada e temerosa de empreender negcio to rduo e d para uma criatura terrena. Sentigrandes combates entre a carne e o esprito. Este m chamava com interior energia, impelindo-me aprocurar agrande disposio que me erapedida, apresentando-me os motivos do maior agrado do Senhor e meu interesse. A lei dopecado que sentia em meus membros (Gat 5,17; Rom 7,23), pelo contrrio, me contradizia e se opunha divina luz, criando-me desconfiana e temores de m inconstncia. Este conflito eraforte rmoraquemedetinha ecovardia queme aterr Talperturbao mefazia mais crvelque eu no era idneapara tratar de coisas elevadas, ainda mais sendo elas to alheias condio e ofcio de mulheres. Resolve no continuar a obra 3. Vencidapelo temor edificuldade, determinei noprosseguir esta obra, e usar de todos os meios possveispara consegu-lo. Percebeu o comum inimigo m I
  9. 9. Introduo e covardia, e comosuapssima crueldade se enfurece mais contraosfracos e despro- tegidos, aproveitando a ocasio, assaltou-me com incrvel sanha, parecendo-lhe que me achava desamparada de quem mepodia livrardesuas mos. Para disfararsua malciaprocurava transformar-se em anjo de luz,fingindo-se muito zeloso de minha alma e acerto. Sob estefalsopretexto, lanava-meporfiadamente contnuas su epensamentos. Ponderava-me operigo deminha condenao, ameaava-me com c tigos semelhantes ao do primeiro anjo (Is 14, 10), pois representava-me que eu desejara soberhamente compreender, contra a vontade de Deus, o que estava acima de minhasforas. Oposio do demnio 4. Propunha-me o exemplo de muitas almas que, professando virtude, tinham sido enganadas por alguma ocultapresuno, consentindo nos enganos da serpente.^ Do mesmo modo, esquadrinhar eu os segredos daMajestade divina (Prov 25, 27) s podia resultar de presumida soberba na qual estava metida. Encareceu-me que os tempos presentes eram muito imprpriospara estes assuntos. Confirmava-o com su cessos de pessoas conhecidas queforam encontradas em engano; com o terror que outras cobraram para empreendera vida espiritual; com o descrdito que ocasionar qualquer coisadesedificante emmimeamimpressoqueteriamosdepouca piedade. Tudo isto euhaveria deexperimentarpara meudano, seprosseguisse escrevendo sobre tais matrias. Isto prova que a oposio vida espiritual e a depreciao do mundo pelos carismas msticos, vemaserobradestemortalinimigo. Paraextinguir a devoo epiedade crist em muitos, procura enganaralguns e semeia sua ciznia entre a pura semente do Senhor (Mat 13, 25), para escurec-la, deformar-lhe o verdadeiro sentido e tornar mais difcil o discernimento entre as trevas e a luz. Desta dificuldade no me admiro, pois oficio de Deus e de quemparticipa da verdadeira sabedoria e no se governa apenas pela sabedoria terrena. Operfeito discernimento dosespritosraro. 5. No fcil na vida mortal discernir entre a verdadeira e afalsa prudncia, e s vezes at a boa inteno e ozelo levam ojulgamento humano a se enganar, se lhe falta o acordo e luz do alto. Tive ocasiopara conhecer isso no que vou dizendo. Certaspessoas conhecidas e devotas; algumas quepor suapiedade me estima- vam desejando meu bem; outras com desprezo e menos afeto; procuraram, ao mesmo tempo, afastar-me desta ocupao e at do caminho que trilhava, como sefora esco- lhidopor mim. No meperturbou pouco o inimigopor meio destas pessoas, porque o medo de algum descrdito quepodia produzir aos que comigo praticavam a piedad minha Ordem religiosa, aosparentes, e emparticular ao convento onde vivo, dava- lhes cuidado e a mim aflio. Inclinava-me muito segurana que, meparecia, hav de gozar seguindo o caminho ordinrio das demais religiosas. Confesso que isto se ajustava mais minha vontade, natural inclinao e desejo, e mais ainda minha timidez e grandes temores. Perplexidade da Escritora 6. Flutuando meu corao entre estas impetuosas ondas, procurei alcanar o porto da obedincia, quepodia me oferecer segurana no mar amargo de minha con fuso. Mas, para que minha tributaofosse maior, aconteceu nessa ocasio estarem tratandonaOrdem de investir de cargos superiores ameuprelado epai espiritual. H
  10. 10. Introduo muitos anos que ele dirigia meu espirito, conhecia meu interior e suas dificuldades, e me ordenaraque escrevesse tudoquefora combinado, prometendo-me, mediante sua direo, acerto, paz e conforto. No se realizou o quepretendiam, masficando nessa ocasio ausentepor muitos dias, de tudose valia o grande drago (Apoc 12,15) para derramarcontra mim ofurioso riodesuas tentaes. Deste modo, nesta ocasio como em outras, trabalhou com malcia extrema, embora inutilmente, para me desviar da obedincia e instruo de meu superior e mestre. Vexaes diablicas espirituais ecorporais 7. A todas s contradies e tentaes que digo e outras muitas que no posso referir, acrescentou o demnio tirar-me a sade do corpo, causando-me muitos ques, indisposio e descontrolando-me toda. Instilou-me invencvel tristeza, pertur bou-meacabea, eparece quedesejavaobscureceroentendimento, impedira reflexo, debilitar a vontade e trasfegar-me completamente na alma e no corpo. Isto aconteceu porque, nomeiodestaconfuso, cometialgumasfaltas eculpas,para mimmuito graves, aindaqueforam menosdemalciaquedefragilidade humana. Valeu-sedelasa serpente para destruir-me, mais do qualquer outro meio. Tendo-me cerceado a atividade das boas operaespara mefazer cair, depois libertou-me e empregou seufuror para que com maiorponderao eu conhecesse asfaltas que cometera. Nisto ajudou-me ainda com mpias e mui subtis sugestes, querendo me persuadir que tudo quanto havia acontecido comigo no caminho espiritual quepercorro, erafalso e mentiroso. Tentaescomfalsa aparnciade virtude 8. Comoestatentaovinhacom toaparentecorde virtude, resistia-lhe menos do que s outras, em conseqncia tanto dasfaltas que cometera como de meus con- tnuos temores e sobressaltos. No desfalecer inteiramente na esperana do so foi singular misericrdia do Senhor. Apesar disso, encontrei-me to submergida confuso e trevasque, posso dizer, cercaram-me osgemidosda morte, envolveram-me as dores do inferno (SI 17, 5, 6) levando-me beira do abismo. Resolvi queimar os manuscritos daprimeira parte desta divina histria, e noprosseguir a segunda. A esta resoluo, inspiradapor satans, eleacrescentou tambm a suge me afastar de tudo: que no cuidasse maisde caminho e vida espiritual, no cogitasse maisdevidainteriornematratassecomningum; destemodopoderiafazer penitnci de meuspecados, aplacando o Senhor irritado comigo. Para garantir mais sua dissimulada iniqidade, propos-me fazer voto de n escrever eassim me livrardoperigo deserenganadae enganar; que corrigisse minha vida, evitasse imperfeies e abraasse a penitncia. Intuitosdiablicos 9. Com esta mscara de aparente virtude, pretendia o drago acreditar seu condenveis conselhos e cobrir-se de pele de ovelha, sendo sangrento e carnic lobo. Continuou algum tempo neste combate, e estiveparticularmente quinze dias em tenebrosa noite, sem sossego nem consolo divino ou humano. Sem este, porque me faltava o conselho e alvio da obedincia; sem aquele, porque o Senhor havia suspen- dido o influxo de seusfavores, as inteligncias e contnua luz interior. Alm de tudo, oprimia-me afalta desade, e com elaapersuaso deque se aproximava amorteeoperigo deminhacondenao. Tudoistotramavae representava o inimigo.
  11. 11. Introduo Osefeitos daao diablicatraem sua procedncia 10. Como, porm, seus sabores so to amargos e todos acabam em desespe rao, apropria turbaoquealterava todooconjunto deminhasfaculdades ehbit adquiridos, me inclinou a nofazer coisa alguma das que me propunha. Valia-me continuamente do temor que me mantinha crucificada sobre se ofenderia a Deus e perderia suaamizade,por meaplicar, sendo to ignorante, scoisas divinas das quais me devia recear. Este mesmo temor mefazia duvidar de quanto o astuto drago me sugeria e, duvidando no lhedava consentimento. Ajudava-me tambm o respeito obedincia que me havia mandado escrever, e resistir e anatematizar quanto de contrario a isso sentisse em minhas sugestes epersuases. ^ Acimadetudo, eraaocultaproteo doAltssimoquemedefendia, enao queria entregar sferas a alma que no meio de tais tribulaes (ao menos com gemidos e suspiros) a Ele recorria. No tenhopalavras para encarecer as tentaes, combates, desconsolos, des- peitos e aflies que nesta batalhapadeci. Vi-me em tal estado que, a meujuzo, entre ele e o dos condenados, interiormente, no havia outra diferena seno de que no inferno no h redeno, e no outropodia haver. A Escritora recorre aDeus eouvida 11. Num desses dias,para respirar umpouco, clamei dofundo de meu corao dizendo: Ai de mim, que em tal estado cheguei, e ai da alma que nele se encontrar9 Onde irei, se todos osportos de minha salvao estofechados? Logo me respondeu uma vozforte e suave, em meu interior; Onde queres irfora de Deus? Senti, nesta resposta, que meusocorro estavapreparado noSenhor. Com oalento desta luz comecei a melevantar daquele confusoabatimento emque meviaoprimida, sentindo umafora que me afervorava nos desejos e em atos def, esperana e caridade. Humilhei-me presena do Altssimo e, com firme confiana em sua infinita bondade, ch culpas com amarga contrio. Confessei-me delas muitas vezes, e com suspiros do intimo de minha alma, fui em busca de minha antiga luz e verdade. Como a divina Sabedoria se antecipa a quem a chama (Sab 6,17), saiu-me ao encontro com alegre semblante e serenou a noite de minha confusa e dolorosa tormenta. Terminaa lata espiritual 12. Amanheceu-me o claro dia que eu desejava, e voltei posse de minha tran- qilidade, gozando adouradoamor epresenademeu Senhor. Nela conhec que tinha para crer, aceitar e reverenciar os benefcios efavores que seu podero brao em mtm operava. Agradeci-lhos quanto pude; compreendi quem sou eu quem e Deus eoquepode a criatura sozinha sendo nada, porque nada opecado Por outro lado vi quanto pode, se elevada e sustentada peta divina destra que sem dvida muito mais do que imagina nossa capacidade terrena. Vencida pelo conhecimento destas verdades, na presena da luz inacess (grande forte sem engano nem doto), desfazia-se meu corao nessa inteligncia em doces afetos deamor, louvor e agradecimento. Fora ela que me guardara e defendera %n?JZmha,lUZ "Je extiWiss* (* % m durante a confusa noite demThastentaes. Nesta gratido apegava-me aop, humilhando-me at a terra
  12. 12. Introduo Recebenovas luzesespirituais 13. Para ratificar este beneficio recebi,' em seguida, uma interior exortao, sem ter clara viso de quem procedia. Repreendia severamente minha deslealdade e mauproceder e, ao mesmo tempo, com amvelmajestade admoestava-me, esclarecia me, deixando-me corrigida e instruda. Deu-me novas inteligncias sobre o bem e o mal, a virtude e o vcio, sobre o certo, til, bom, e do que lhe contrrio. Mos o caminho da eternidade, dando-me notcia dosprincpios, meios efins, do ap vida eterna e da infeliz misria epouco lembrada desdita da eterna perdio. Esperanaetemor 14. Noprofundo conhecimento destes extremos, emudeci efiquei quase trans- tornadapelo temore desalentode minhafragilidade e odesejode conseguir oque no merecia,por meacharsemmritos.ApiedadeeamisericrdiadoAltssimo e o temor deperd-la me afligia. Via a eterna glria e a eternapena, os doisfins to opostos da criatura. Para conseguir um e evitar o outro mepareciam leves todas as penas e tormentos do mundo, dopurgatrio e at do inferno. Entendia que a criat dispe, com toda a certeza e segurana, dofavor divino. No obstante, com a mesm luz compreendia que a morte e a vida esto em nossas mos (Ecli 15, 18) , que nossa malcia oufraqueza pode inutilizara graa, e que a rvorepermanece por toda a eternidade onde cair. Aqui desfalecia de dor, cuja amargura transpassava meu corao e minha alma. Deciso absolutapela virtude 15. Aumentou sumamente esta aflio uma enrgicapergunta que oSenhor m dirigiu. Achava-me toaniquiladanoconhecimentodeminhafraqueza eperigo, epelo quanto ofendera suajustia, que no me atrevia a levantar os olhos em suapresen Naquele aniquilamento, dirigimeusgemidossuamisericrdia. Respondeu-me diz do: Que queres, alma? Queprocuras? Qualdestes caminhos escolhes? Qual tua reso- luo? Estas perguntasforam umaflecha para meu corao, e apesar de saber com certeza que o Senhor conhecia meu desejo melhor do que eu mesma, apausa entre a pergunta e a resposta era de incrveldor. Teriapreferido que, sepossvel, o Sen antecipasse e no se mostrasse ignorante do que eu haveria de responder. Impelida, porm, por uma grandefora, clamei interiormente e disse: Senh e Deus todopoderoso, escolho e desejo a senda da virtude, o caminho da eternidade navida,por ondemeguiais. Senomereodevossajustia, apelovossamiseri e apresento em meufavor os infinitos merecimentos de vosso Filho santssimo e m redentorJesus Cristo. Deusaceita aescolha eapresenta condies 16. Compreendi ento que este sumo Juiz lembrou-se dapalavra dada sua l&^ja, de conceder quanto se lhe pedisse em nome de seu Unignito (Jo 16, 23). Segundo meupobre desejo, n1 Ele epor Ele era concedida minhapetio, sob certas condies declaradas por umavozintelectual, que medisse interiormente: Alma, cria- dapela mo do onipotente Deus, sepretendes ser escolhidapara seguir o caminho da verdadeira luz, e chegar aser carssimaesposa doSenhor que te chamou, convm guardes as leis epreceitos do amor que de ti Ele quer. V
  13. 13. Introduo Oprimeiro ser negar efetivamente a ti mesma e a todas tuas inclinaes ter- renas, renunciando a todo e qualqueramor do que transitrio; no deves amarn aceitaramor de nenhuma criatura, por mais til, formosa e agradvel que tepa De nenhuma conservars lembrana ouafeio, nem tua vontade dever coisa criada, mais do quefor ordenado por teu Senhor e Esposo, para a prtica da caridade bem ordenada, ou enquanto tepossam ajudar a amarsomente a Ele. Completa renncia 17. Quandoestiverescumpridoperfeitamenteestanegaoerenncia, eficare livre es, afastadade todo o terrestre, desejaoSenhorque, comasasdepomba, eleves velozmente o vo a um alto estado, no qual sua dignao quer colocar teu espr para que alipermaneas e tenhas morada. Este grande Senhor esposo zelosis (Ex 20, S) e seu amor e cimes,fortes como a morte (Cant 13, 6). Deste modo te que guardar em lugarseguroparadele nosares, e teafastardeondeno teconvm paragozaresdeseuscarinhos. Quertambmdeterminarpessoalmentecomquempodes te comunicar sem receios, e esta leijustssima deve ser observadapelas Esposas d to grande Rei, pois at as do mundo (para seremfiis) a seguem. A nobreza de teu Esposo exige que te mantenhas alturada dignidade e ttulo que d' Ele recebes, sem atenderes a coisa alguma que seja indigna de teu estado, e te torne incapaz do adorno que Ele te darpara entrares em seu tlamo. Segunda condio 18. Em segundo lugar quer que, diligentemente, te despojes da vileza dos an- drajos de tuas culpas e imperfeies, imundospelos efeitos dopecado, e repugnantes pelas inclinaes da natureza. Quer lavar tuas manchas, purificar-te e reformar-te comsuaformosura. No obstante, nuncadeversperderde vistaasvis epobres vestes de que te despojam, para que a lembrana desse benefciofaa o nardo ( da humildade desprender suave perfume para este grande Rei. Jamais esqueas d obrigao que deves ao Autor de tua salvao que, com o precioso blsamo de seu sangue, quispurificar-te, curar tuas chagas e copiosamente iluminar-te. Terceiracondio. Otrajedaperfeioespiritual 19. Depoisde tudo isto (acrescentouaquela voz), esquecida de todo o terrestre, para que o sumo Rei cobice tuaformosura (SI 44, 11), quer que te adornes com as jiasqueseagradou tepreparar: aveste, quetecobririnteiramente, sermaisb do que a neve, mais refulgente que o diamante, mais resplandecenteque osol, mas to delicadaque, se tedescuidares,facilmenteamanchars. Seistoacontecer, desg a teu Esposo, mas se a conservares napureza que Ele deseja, teus passos serofor- mosssimos (Cant 7, 1) como os dafilha do Prncipe, e SuaMajestade se a teus afetos e aes. Porcinto deste vestido, comunica-te o conhecimento de seupoder divino e o santo temor afim de que, cingidas tuas inclinaes, te ajustares ao seu agrado. Asjias e colar que adornaro o colo de tua humilde submisso, sero as pedras daf, esperanaecaridade. Aosaltos eeminentescabelosde teuspensamen e divinas inteligncias, servir de diadema a sabedoria e cincia infusa que te comu- nica, e toda a beleza e riqueza das virtudes ser o realce que adornar teu traje. sandlias te servir a solcita diligncia emfazer o mais perfeito, e os la calado sero a ateno e vigilnciaque te guardaro do mal. Os anis qu belas tuas mos, sero os sete dons do divinoEsprito. O resplendorde teu rosto se VI
  14. 14. Introduo aparticipao ciadivindade quepelo santo amorte iluminar. De tuaparte acresc tar* o rubor da confuso por t-lo ofendido, e sirva-te de brio, para no voltar a ofend-lo, a comparao entre o grosseiro e desprezvel traje que deixastet com formoso que recebes. 0 doteda esposa 20. J quepelo teuprprio haver s miservel epobrezinhapara to posrio, queroAltssimo tornarmaisfirmeestecontrato, dando-tepordote osi merecimentos de teu esposoJesus Cristo, como se existissempara ti s. Faz-te parti- cipante de sua riqueza e tesouros que contm tudo quanto encerram os cus e a Tudo propriedade deste supremo Senhor (Est13,11) e de tudo sers senhora, como esposa, de tudo usandopara Ele mesmo, epara mais am-lo. No entanto lembra-te aima, quepara conseguirto raro beneficio, teuSenhoreEsposoquerque terecolhas toda dentro de ti mesma, semjamais deixares teu interior, porquanto - aviso-te do perigo - manchars estaformosura com qualquerpequena imperfeio. Sepor f queza a cometeres, levanta-te logo com energia, e chora arrependendo-te de tua pe- quena culpa como sefora a maisgrave. Omundo da vivncia espiritual 21. Para que tambm tenhas habitao conveniente a tal estado, no quer te Esposo restringir tua morada. Apraz-lhe, pelo contrrio, entregarpara habitares o interminveis espaos desuadivindade, e aespaireceresnosimensos camp atributos eperfeies. Neles a vista se estende sem encontrar horizonte, a vontade se deleita sem preocupao e o gosto se sacia sem amargura. Este o sempre ameno paraso onde se recreiam as esposas carssimas de Cristo, onde colhem asflo mirrafragrantes e ondese encontra o iodo infinito, por sehaverrenunciadoao imper- feito nada . Aqui habitars com segurana. Tua convivncia e conversao os anjos, tendo-ospor amigos e companheiros, e desuafreqente conversao e trat copiars e imiiars suas virtudes. Taisgraasso recebidaspela intercessodeMariaSsma. 22. Adverte, alma, (continuoua voz) nagrandezadeste beneficio. A Me de teu Esposo e Rainha dos cus te adota novamentepor sua filha, te recebepor discpul se constitui tuaMe e Mestra. Porsua intercesso recebes to singularesfavores, os quais teso concedidospara escreveressuasantssima Vida. Por este motivo receb o perdo que no merecias, e te concedido o que, se nofora essa misso, no receberias. Que seria de ti se nofora a Me de piedade? J terias perecido se sua intercesso tefaltasse. Ese, pela divina condescendncia, no tivesses sido escolhida para escrever esta Histria, pobres e inteis seriam tuas obras. Noentanto, tendoemvistaestefim, oeternoPaiteescolhepor suafilha e esposa de seu Filho unignito, o Filho te recebeparaparticipares deseus estreitos amplexos, e o Esprito Santopara gozares de suas iluminaes. A escritura deste contrato e desposrio, escritapelo dedo do Altssimo impressa no alvo papel da pureza de Maria santssima, com a tinta do sangue d Cordeiro. O executor o Pai eterno, o vnculo que te unir com Cristo o divin Esprito, e o fiador sero os mritos do mesmoJesus Cristo e sua Me, pois tu s vil bichinho, nada tenspara oferecer, e s te pedida a vontade. VII
  15. 15. Introduo A escritorarecebenovaordempara escrever 23. At aqui chegou a voz e admoestao que mefoi dada. Julgava ser de um anjo, mas no sabia ao certo, porque no o via como noutras vezes. O revelarem-se ou encobrirem-se estesfavores, depende da disposio da alma que os recebe, como sucedeu aos discpulos de Emas (Luc 24, 16). Outros muitos sucessos se me oferecerampara vencera oposio daserpente na composio destadivina Histria; referi-las agoraseria alongarmuito. Continuei alguns dias em orao pedindo ao Senhor me dirigisse e ensinasse para no errar, expondo-lhe minha insuficincia e retraimento. Mandou-me o Senhor que ordenasse minha vida com toda pureza e grande perfeio e continuasse oquecomeara. A Rainhadosanjos,principalmente, intimou me sua vontade muitas vezes com grande doura e carinho, mandando-me que, como filha, lhe obedecesse em escreversua vida santssima como havia comeado Recorre obedincia 24. A tudo isto, quisajuntaraseguranadaobedinciae, sem manifestaroqu entendia do Senhor e de suaMe santssima, perguntei aoprelado e confessor o qu me ordenavafazer nesta matria. Respondeu mandando-me, por obedincia, que es- crevesse continuando a segundaparte. Vendo-me obrigadapelo Senhor epela obedincia, voltei presena doAlt simonaorao. Despindo-medequalquervontadeprpria, noconhecimentodeminha pequenez eperigo de errar, prostrada ante o divino tribunal, disse suaMajestade: Senhor meu, Senhor meu, o que quereisfazer de mim? A estaproposio tive a inteligncia do que segue: Maria intercedepor sua serva 25. Pareceu-me que a divina luz da beatssima Trindade me revelavapobre cheia de defeitos e, repreendendo-mepor eles, com severidade me admoestava, dan- do-me altssimadoutrina e salutares instruespara aperfeio da vida. Para istofui purificada e iluminada novamente. Conheci que aMe dagraa, Mariasantssima, estandopresente ao tro divindade, intercediapor mim. Com aquele amparo animei minha confiana e valen do-me da clemncia de talMe, voltei-mepara Ela e disse s estaspalavras: Minha Senhora e meu refgio, socorrei, como verdadeiraMe, apobreza de vossa escrava. Pareceu-mequeouviaaminhasplica, equefalando comoAItssimolhed Senhor meu a esta intil epobre criatura quero receber de novoporfilha e adot-l para mim (ao de Rainha liberalissima epoderosa). Respondeu-lhe,porm, oAltssimo: Esposaminha,para tograndefavor esse, que alega essa alma de sua parte, pois no o merece, sendo bichinho intil e pobre, ingrata a nossos dons? A escritora almejaser escravadeMaria 26. Ohf incomparvelpoder dadivinapalavra! Comoexplicareiosefeitosq me causou esta resposta do Todo-poderoso? Humilhou-me at o meu nada, conheci a misria da criatura e minhas ingratidespara com Deus, e desfazia-se meu corao entre a dor de minhas culpas e odesejo de conseguiraquela imerecida egrande feli- cidade de serfilha desta soberana Senhora. VIII
  16. 16. Introduo Com temor elevava meus olhos ao trono do Altssimo e meu rosto se alterav entre a ansiedade e a esperana, Voltava-me minha intercessora e, desejando recebessepor escrava, pois no merecia o ttulo de filha, sempalavrasfalava-lhe no intimo de minha alma. Entendi que agrande Senhora dizia aoAltssimo: Mariapede essagraa 27. Divino ReieDeusmeu, verdadequedesuaparte estapobre criatura nada tem que oferecer vossajustia. Mas eu apresento os merecimentos e o sangue que por ela derramou meu Filho santssimo, e com eles a dignidade de Me de vo Unignito que recebi de vossa inefvel piedade. Acrescento ainda o quefizem seu servio, o t-lo trazido em meu seio, alimentado com meu leite, e acima de tudo vos apresento vossa mesma divindade e bondade. Suplico-vos tenhais por bem que esta criatura seja adotadapor minhafilhae discpula, e eu respondereipor ela. Com me ensinamento emendar suasfaltas e aperfeioar suas obraspara vosso ag Deus concede opedido desuame 28. Concedeu oAltssimoestapetio. Sejaeternamentelouvadopor ter ouvid agrande Rainha, intercedendopela menordascriaturas!Sentiem minhaalma grande jbilo, que no possvelexplicar. De todo corao me dirigis criaturas do c terra e, sempoder conter meu alvoroo, convidei-as a louvarem por mim o Autor d graa. Parecia-me que lhes bradava: moradores e cortesos do cu e todas as cria- turas viventes, formadas pela mo do Altssimo! Vede esta maravilha de sua liber misericrdia, epor ela bendizei-0 e louvai-O eternamente, pois elevou dop a m vil do universo, enriqueceu a mais pobre, e honrou a mais indigna, como sumo e poderoso Rei. E vs,filhos deAdo, se vdes a mais rfamparada, a mais pecadora perdoada, sade vossa ignorncia, erguei-vos de vosso desalento e animai vossa perana. Se a mim opoderoso braofavoreceu, chamou eperdoou, todos vs esperar a salvao. Se a quiserdes assegurar buscai, buscai o amparo de Maria san- tssima, solicitai sua intercesso eatereispor Mede inefvelmisericrdi cia. Agradecimento da Escritora 29. Voltei-mepara estapoderosssima Rainha e lhe disse: Eia, Senhora m j no me chamarei rf, pois tenhome, eMe Rainhade todaacriao. Jno serei ignorante (a no ser por minha culpa), pois tenho mestra da divina sabedoria. No mais sereipobre, pois tenhosenhora que ode todos os tesouros do cu e da terra. J tenho me que me ampare, mestra que me instrua e corrija, senhora que me governe. Bendita sois entre todasasmulheres, maravilhosaentreascriaturas, admirvelnoc e na terra, e todos confessem vossagrandeza com eternos louvores. No fcil, nem possvelque a menor das criaturas, o mais vilbichinho da terra, vospossa dar retri- buio. Recebei-a da divina destra na viso beatifica onde estais em Deus, gozando por toda eternidade. Ficarei reconhecida e obrigada escrava, louvando ao Todo-po- deroso enquanto me durar a vida, por sua liberal misericrdia me ter favoreci dando-me a Vs, Rainha minha, por me e mestra. Meu afetuoso silncio vos lowe, porque minha lnguanotempalavras nemtermosadequadospara ofazer, sendo todos insuficientes e limitados. IX
  17. 17. Introduo Recebe graaspara sua misso 30. No possvel explicar o que sente a alma em tais mistrios e bene Estefoi de grandes bens para a minha, pois logo se me transmitiu grande perfeio de vida e obras, que mefaltam termos para explicar conforme entendi. Disse-me o Altssimo que tudo me era concedido por Maria santssim de escrever sua Vida. Conheci que, confirmando o Eterno Pai estefavor, escolhia-me para manifestar os sacramentos de sua Filha; o Esprito Santo com sua influncia e luz, para declarar os ocultos dons de sua Esposa; e o Filho santssimo me destina para revelar os mistrios de sua Me, a imaculada Maria. Para me dispor a esta obra, conheci que a beatssima Trindade iluminava banhava meu espirito com especial luz da divindade, e que opoder divino me tocava asfaculdades como um pincel e as iluminava com novos hbitos para realizar atos perfeitos nesta matria. Dever imitar Nossa Senhora 31. Mandou-me tambm oAltssimo que com todo desveloprocurasse im quanto conseguissem minhasfracasforas, tudo que entendesse e escrevesse sobre as virtudes hericas e atos santssimos da divina Rainha, ajustando minha vid modelo. Reconhecendo-me to inapta como soupara cumprir esta obrigao, a mesma clementssima Rainha ofereceu-me novamente seu auxilio e ensinopara tudo o q Altssimomandava emedestinava. Pediabnodasantssima Trindadeparac a segunda parte desta divina Histria e entendi que a recebia de cada uma das trs Pessoas. Saindo desta viso, procurei lavar minha alma com os Sacramentos e a contri- o de minhas culpas e, em nome do Senhor e da obedincia, pus mos obra, para a glria do Altssimo e de suaMe santssima, a sempre imaculada Virgem - Resumo dasegunda parte da obra 32. Esta segunda parte compreende a vida da Rainha, desde o mistrio da Encarnao at asubida de Cristo, Senhor nosso, aos cus, inclusive. Alm oprincipal, contm todaa vidae mistriosdo mesmo Senhor, com suapaixo e santssima. Aqui squeroadvertir queosbenefciosegraasconcedidas Mariasan com oftm deprepar-la ao mistrio da Encarnao, principiaram desde sua imaculada conceio, porque ento, na mente e decreto de Deus, j era Me do eterno Verbo. Na medida, porm, emque se aproximava ofato da Encarnao, iam cre os dons efavores da graa. E, ainda que estespaream, desde o princpio, uma mesma espcie e gnero, iam aumentando e crescendo, e eu no tenho termos novos e diferentes, adequados a estes aumentos e novos favores. Assim, necessrio em toda esta Histria, remeter-nos ao infinito po Senhor que, dando muito, lhefica infinito que dar Por sua vez, a capacidade da alma, e muito mais a da Rainha do cu, tem seu gnero de infinidade para receber cada vez mais, como a Ela aconteceu, at chegar ao cmulo da santidade e participao da divindade, como nenhuma outra criatura chegou, nem chegarjamais. O mesmo Se- nhor me ilustrepara prosseguir esta obra com seu divino beneplcito. Amm. X
  18. 18. SEGUNDA PARTE da divinahistriadaRainhado cu MARIA SANTSSIMA Contm os mistrios desde aEncarnao emseu virginal seio, at aAscenso doSenhor ao cu. TERCEIRO LIVRO desta divina histriaeprimeiro da segunda parte. CONTM A ALTSSIMA DISPOSIO QUE O TODO-PODEROSO OPEROU EM MARIA SANTSSIMA PARA A ENCARNAO DO VERBO; O QUE SE REFERE A ESTE MISTRIO; O EMINENTSSIMO ESTADO EM QUE FICOU A FELIZ ME; A VISITAO A SANTA ISABEL E SANTIFICAO DO BATISTA; A VOLTA NAZAR E UMA GRANDE BATALHA QUE TRAVOU COM LCIFER.
  19. 19. CAPTULO 1 DURANTE NOVE DIAS PRECEDENTES, COMEA O ALTSSIMO A DISPOR MARIA SANTSSIMA PARA O MISTRIO DA ENCARNAO. DECLARA-SE O QUE SUCEDEU NO PRIMEIRO DIA. Vida oculta de Maria Santssima Atraopor Maria 1. Estabeleceu o Altssimo nossa Rainha e Senhora em meio aos deveres de esposa de So Jos e da convivncia social, para sua ilibada vida ser a to- dos exemplo de suma santidade. Encon- trando-se a divina Senhora neste novo estado, planejou to altamente e or- ganizou os atos de sua vida com tal sa- bedoria, que foi admirvel emulao para a anglica natureza e magistrio nuncavistoparaahumana. Poucosaco- nheciam emenoraindaeraonmerodos que com Ela tratavam; estes, mais feli- zes, recebiam divinas influncias da- quele cu vivente. Com admirvel jbilo e peregrinos conceitos, queriam publicar altamente a luz que se lhes acendia no corao, sentindo que a re- cebiam dapresena de Mariapurssima. No ignorava a prudentssimajRainha estes efeitos damo do Altssimo, mas no era tempo de confi-los ao mundo, nem sua profundssima humildade o consentia. Continuamente pedia ao Altssimo a escondesse dos homens, e que todos os favores de sua destra redundassem somente em Seu louvor. Quanto Ela, permitisse fosse igno- rada e desprezada de todos os mortais, para no ficar lesada sua infinita bon- dade. 2. Grande parte destas splicas de sua Esposa eram atendidas pelo Senhor, dispondo por suaprovidncia que ames- maluzemudecesse aosqueseinclinavam a enaltec-la. Movidos pela virtude divi- na, recolhiam-se e louvavam o Senhor peloqueinteriormente sentiam. Comesta secreta admirao, suspendiam o julga- mento e deixando a criatura voltavam-se aoCriador.Muitos,saov-la,abandona- vamopecado,outrosmelhoravam avida, e todos se compunham em sua presena, mediante as celestiais influncias que suasalmasrecebiam. Emseguida,logo se esqueciam do original que as produzia, porque, se conservassem sua imagem e lembrana, ningum conseguiria afastar- sed'Ela,eseDeusnooimpedisse,todos aprocurariam ansiosamente. Suasvirtudes antes da Encarnao 3. Nas obras quetais frutos produ- ziam e em aumentar os mritos e graas donde tudo procedia, ocupou-se nossa Rainha, esposa de Jos, durante seis me- ses edezessetedias, desde seudesposrio ataEncarnaodo Verbo. Nome posso deterareferirpormenorizadamente oshe- ricos atos de suas virtudes interiores e 3
  20. 20. Terceiro Livro Captulo 1 exteriores: caridade, humildade, religio, esmolas, benefcios e outras obras de misericrdia, porque tudo excede pena e capacidade. O melhor modo de as tra- duzir, dizer que o Altssimo encontrou em Maria santssima a plenitude de seu agrado e desejo, e a inteira cor- respondncia de pura criatura a seu Cria- dor. Vendo esta santidade e mere- cimentos, Deus sentiu-se como que obri- gado (anosso modo de entender) aapres- surar o passo e a estender o brao de sua onipotncia, na realizao da maior das maravilhas que nem antes nem depois se- ria vista: assumiroUnignitodoPaicarne humana nas virginais entranhas desta Se- nhora. Inexplicvel a preparao de Maria para a Encarnao. 4. Para executar esta obra com o decoro digno de Deus, Maria santssima foi por Ele preparada de modo especial, durante os nove dias que imediatamente precederam ao mistrio. Soltou a corren- teza (SI 45, 5) dorioda divindade, para inundar com seus influxos a esta cidade de Deus, comunicando-lhe tantos dons, graas e favores que, ao conhec-los, emudeo. Minhabaixezaseacovardapara explicar o que entendo. A lngua, a pena etodasasfaculdades dascriaturassoins- trumentos desproporcionados para reve- lar to elevados mistrios. Assim, desejo fique entendido, que quanto aqui se disser, no passa de obscura sombra damenorparte destama- ravilha e inexplicvel prodgio que no devesermedidocomarestriodenossos limites, mas com o poder divino que no os tem. Primeiro dia das preparaes. 5. No primeiro dia desta felicssi- ma novena, a divina princesa Maria, de- pois de breve descanso, levantou-se meia-noite (SI 118,62) imitao de seu pai Davi (poisesteeraoregulamento que lhederaoSenhor)eprostradanapresena do Altssimo comeou sua costumada orao e santos exerccios. Chamaram-na os santos anjos que a assistiam, dizendo- lhe: Esposa de nosso Rei e Senhor, le- vantai-vos que sua Majestade vos chama. Levantou-secom fervoroso afeto, respon- dendo: O Senhor manda que do p se le- vante o p; e dirigindo-se ao Senhor que a chamava: Altssimo e poderoso Dono meu, que quereis fazer de Mim? A estas palavrassuaalma santssimafoi transpor- tada em esprito a elevado estado, o mais imediato a Deus e afastado de todo o ter- restre e momentneo. Recebeviso abstratva da divindade. 6. Sentiu que a dispunham com aquelas iluminaes epurificaes de ou- tras vezes, quando recebia a mais alta vi- so da divindade. No me detenho a referi-las port-las explicado na primeira parte (1). Com isso lhe foi revelada a divindade por viso no intuitiva e sim abstrativa, mas com tanta clareza e evi- dncia que, por esta viso, a Senhora en- tendeu mais sobre aquele objeto incompreensvel, do que todos os bem- aventuradosqueovmegozam intuitiva- mente. Foi-lhe esta viso mais alta e pro- funda que outras dessa espcie, pois cada dia a Senhora se tornava mais apta para elas. Umas graas (aproveitadas to per- feitamente) a dispunham para outras e as repetidas notcias e vises da divindade a tomavammais forte para atos mais inten- sos a respeito daquele objeto infinito. Maria pede avinda do Verboao mundo. 7. Nesta viso, conheceu nossa princesa Maria altssimos segredos dadi- vindade e suas perfeies, especialmente suacomunicao adextranaobradacria- o. Viuque estaprocedeudaliberalbon- dade de Deus, pois seu ser divino de infinita glria no tinha necessidade das criaturas; semelaseragloriosodesdesuas interminveis eternidades antes da cria- l-n623a629e632 4
  21. 21. Terceiro Livro - Captulo 1 odomundo. Foram comunicadosnos- sa Rainha muitos segredos e sacramentos que no podem nem devem ser manifes- tados a todos, porque Ela foi a nica es- colhida(Cant 6,8) para estas delcias do sumo Rei e Senhor da criao. Conheceu SuaAlteza, nestaviso, aquelapropenso da divindade para comunicar-se ad extra, maisdoqueatmtodososelementospara o seu prprio centro. Mergulhada e abra- sada na esfera daquele divino fogo, pediu ao Pai eterno enviasse aomundo seu Uni- gnito, dando aos homens seu remdio e sua mesma divindade e perfeies, asa- tisfao (a nosso modo de entender) que desejavam e a realizao do que pediam. late (Cant 4,3) que atraa e cativava seu amor. Para chegar execuo de seus de- sejos,quispreparardepertootabernculo ou templo onde queria descer, quando sasse do seio de seu eterno Pai. Determi- nou dar sua amada, que escolhera para Me, conhecimento claro de todas as obras ad extra, assim como suaonipotn- cia as formara. Na viso desse dia, mani- festou-lhe tudo o que fez no primeiro da criaodomundo,comorefereoGnesis. Maria conheceu-as todas com mais cla- reza e compreenso do que se as tivesse ante os olhos corporais, porque primeiro as conheceuernDeus edepois em si mes- mas. Maria conheceas obrasdo primeiro dia da criao. 8. Eram para o Senhor mui doces estas palavras de sua Esposa, efitaescar- Exposio desseconhecimento. 9. Entendeu como, no princpio (Gen 1,1a 5), o Senhor criou o cu e a terra, quanto e de que modo esteve vazia 5
  22. 22. Terceiro Livro - Captulo 1 eastrevasnafacedoabismo;comooesp- rito do Senhor era levado sobre as guas, e como pelodivinomandatofoi feita aluz com suas propriedades; e que, separadas, as trevas foram chamadas noite, e luz dia; emtudoistopassou-seoprimeirodia. Conheceu o tamanho da terra, sua lon- gitude, latitude e profundidade, suas ca- vernas, inferno, limbo e purgatrio com seus habitantes; as regies, climas, meri- dianosedivisodasquatropartesdomun- do e todos os que as habitam. Viu com a mesma clareza os orbes inferiores, o cu empreo, quando foram criados os anjos noprimeirodia,conhecendosuanatureza, qualidades, diferenas, jerarquias, of- cios, graus e virtudes. Foi-lhe revelada a rebeldia dos anjos maus e sua queda com as causas e ocasies dela(mas sempre lhe ocultava o Senhor o que se referia a Ela). Entendeuocastigoeefeitosdopecadonos demnios, conhecendo-os como so em si mesmos. Ao terminar este favor dopri- meiro dia, manifestou-lhe o Senhor que Elaeraformadadaquelabaixamatriater- restre e da mesma natureza de todos os queseconvertememp (masnolhedisse que se converteria nele). Deu-lhe to alto conhecimentodoserterreno,queagrande Rainha humilhou-se s profundezas do nada e, sendo sem culpa, abateu-se mais que todos osfilhosde Ado cheiosde mi- srias. A humildade de Maria deveria corresponder sua elevao. 10. Esta viso e seus efeitos eram ordenados pelo Altssimo, a fim de abrir no corao de Maria os profundos alicer- ces exigidos para o edifcio que nela que- ria elevar e iria tocar at unio substancial e hiposttica da divindade. Como a dignidade de Me de Deus era sem medida e de certo modo infinita, convinhaterporbaseumahumildadepro- porcionada, emborasem passaroslimites darazo. Chegando ao supremo da virtu- de, tanto se humilhou a bendita entre as mulheres, que a santssimaTrindade sen- tiu-se como paga e satisfeita, e a nosso modo de entender, obrigada a elev-la ao grau e dignidade eminente entre as cria- turas e o mais imediato divindade. Com este beneplcito lhe disse: Maria pede a vinda do Salvador. 11. Esposa e pomba rriinha, gran- des someus desejos deredimirohomem do pecado, e minha imensa piedade est como que constrangida, enquanto no deso para salvaro mundo. Pede-mecon- tinuamente, comgrande afeto,nestesdias arealizaodestesdesejos,eprostradaem minha real presena, no cessem tuas s- plicas e clamores paraque realmentedes- a o Unignito do Pai, para se unir com a natureza humana. A esta ordem, respon- deuadivinaPrincesa: SenhoreDeuseter- no, de quem todo o poder e sabedoria, e acuja vontadeningumpoderesistir(Est 12, 9); quem impede vossa onipotncia, quem detm a corrente impetuosa de vos- sadivindade, parano executarvossobe- neplcito em benefcio de toda a linguagemhumana? Se,poracaso, amado meu, sou o obstculo para beneficio to imenso,antesmorrerdoqueresistiravos- so gosto. Este favor no poder sermere- cido por criatura alguma, no espereis, pois Dono e Senhor meu, que o desmereamos sempre mais. Os pecados dos homens se multiplicam e crescem as ofensas contravs. Como ento chegare- mos amerecer o mesmo bem do qual nos tornamoscadadiamaisindignos?Em Vs mesmo, Senhor, est a razo e motivo de nosso remdio: vossa bondade infinita, vossasmisericrdias semnmerovos ob- rigam. Os gemidos dos profetas e pais de vosso povo vos suplicam, os Santos o de- sejam, os pecadores aguardam e todos juntos clamam. Se eu, vil bichinho, no desmereo vossa dignao com minhas ingratides, suplico-vos do ntimo de mi- nha alma, apresseis o passo e realizeis nossa salvao para vossa glria. Maria reza em posio de cruz. 12. Terminada esta orao, a Prin- cesa do cu voltou a seu estado ordinrio e natural. De acordo com a ordem do Se- nhor, continuou em todo aquele dia aspe- 6
  23. 23. Terceiro Livro - Captulo 1 ties pela Encarnao do Verbo, e com profundssima humildade repetiu os exerccios de se prostrar em terra e orar na forma de cruz. O Esprito Santo que a guiavalheensinaraessaposioquetanto haveria de comprazer a beatssima Trin- dade. Comose,dorealtrono,vissenocor- po da futura Me do Verbo a pessoa crucificada deCristo, assimrecebiaaque- le matutino sacrifcio da purssima Vir- gem, no qual antevia o de seu Filho santssimo. DOUTRINA QUE ME DEU A RAINHA DO CU O conhecimento deMariasobrea criao. 13. Minhafilha,nosoosmortais capazes de entender as indizveis coisas que o brao do Onipotente operou em Mim, preparando-me para a Encarnao do eterno Verbo. Principalmente durante os nove dias queprecederam mistrioto sublime, foi meu esprito elevado eunido ao ser imutvel da divindade. Mergulhou naquele plago de infinitas perfeies, participando de seus eminentes e divinos efeitos, demodotal quejamaispoderser cogitado pelo corao humano. A cincia que me comunicou sobre as criaturas fa- zia-me penetrar o ntimo de todas elas, commaiorclareza eprivilgios quetodos osespritosanglicos, apesardeseremes- tes to admirveis no conhecimento da criao, em seguida ao que tm do Cria- dor. As espcies de tudo que entendi me permaneceramfixas,paradepois usarde- las minha vontade. A humildade. 14. O que agoradesejo de ti que, atenta ao que Eu fiz com esta cincia, me imites segundo tuas foras e a luz infusa quepara istorecebes. Aproveitaacincia das criaturas, usando-a como de uma es- cadaque eleve aoteu Criador, demaneira que em todas procures o princpio donde se originam e o fim para o qual se orde- nam. Queelastesirvamdeespelhoonde se reflete a divindade; sejam recordao de sua onipotncia e incentivo do amor queDeusdetideseja. Admira-te,comlou- vor,dagrandezaemagnificncia doCria- dor. Em suapresena,humilha-teat o p enadate sejadifcil fazeroupadecerpara chegara sermansaehumilde decorao. Observa carssima, como esta virtude foi o inabalvel fundamento de todas as maravilhas que o Altssimo operou em Mim. Para que aprecies esta virtude ad- verte que, assim como entre todas, to preciosa, tambm delicada. Se faltares a ela em algum ponto, no sendo humilde emtodos,noosersverdadeiramenteem nenhum. Reconhece o ser terreno e cor- ruptvel que tens. No ignores que o Al- tssimo, com grande providncia, criou o homem de maneira que seu mesmo ser e formao lhe demonstrasse, e repetida- mentelheensinasse,aimportantelioda humildade. Paranuncalhe faltar este ma- gistrio,nooformoudematriamaisno- bre, e interiormente lhe deixou o peso do santurio (Ex 30,24). Numdosladosdabalanacoloque oserinfinitoeeternodoSenhorenooutro o de sua matria vilssima, dando a Deus o que de Deus (Mt22,21) e a si mesmo o que lhe pertence. Oexemplode Maria. 15. Para exemplo e instruo dos mortais, fiz perfeitamente este discerni- mentoequeroquetuofaas, rninhaimi- tao. Emprega teu cuidado e estudo em ser humilde, e agradars ao Altssimo e a Mim,quedesejotuaverdadeira perfeio. Que esta se estabelea sobre os alicerces de teu conhecimento prprio, e quanto mais o aprofundares, mais alto e sublime subir o edifcio da virtude. Tua vontade se unir mais intimamente do Senhor, porquedasalturas doseutrono(SI 112,6) Eledescansaoolharsobreoshumildesda terra.
  24. 24. CAPTULO 2 CONTINUA O SENHOR O SEGUNDO DIA DA PREPARAO DE MARIA SANTSSIMA PARA A ENCARNAO DO VERBO. Paralelo entrea Criao e a Encarnao da suprema divindade como de todas as criaturas inferiores. 16. Naprimeira parte desta divina Histria(1), falei comoocorpopurssimo de Maria santssima foi concebido e for- mado com toda a perfeio no tempo de sete dias. Operou o Altssimo este mila- gre, para aquela alma santssima no ter que esperar o tempo ordinriodosdemais nascidos. Quis fosse criada e infundida antecipadamente porque, sendo o princ- pio da reparao do mundo, deveria cor- responder ao princpio de sua criao. Este paralelo repetiu-se outra vez, no tempo que imediatamente precedeu vinda do Redentor ao mundo. Deste modo, formado CristoonovoAdo, Deus repousaria como se houvesse empregado todas as foras de sua onipotncia na maior das proezas; neste descanso celebraria o suave sbado de todas suas delcias. Como nestas maravilhas teria de intervir a Me do divino Verbo, para lhe dar forma humana visvel, era necessrio que, estando Ela entre os dois extremos, Deuse oshomens, tocasseemambos. Em dignidade seria inferior somente aDeus e superioratudoomaisquenofosseDeus. Aestadignidadepertencia, nadevidapro- poro,acinciaeoconhecimento,assim Conhecimento das obras do segundo dia da criao 17. Para atingir este intuito, o su- premoSenhorfoicontinuandoos favores, com os quais preparou Maria santssima duranteosnovedias(quevouexplicando) imediatos Encarnao. Chegando o segundo dia, na mes- mahora, meianoite, foivisitadaSua Al- teza de igual forma que deixei dito no captulopassado: elevou-aopoder divino com aquelas disposies, qualidades ou iluminaes que a dispunham para as vi- ses da divindade. Neste dia, como no precedente,manifestou-se-lhe abstrativ- mente, mostrando-lhe as obras do segun- do dia da criao do mundo. Conheceu como equandooperouDeusadiviso das guas (Gn 1, 6, 7), umas sobre o Ar- mamento eoutras debaixodele; entre am- bas formou-se o Armamento e das superiores fez-se o cu cristalino. Pene- trou a grandeza, ordem, propriedades, movimentos e todas as qualidades e con- dies dos cus. Maria recebe participao da onipotncia divina 1 -1'parte, n219 18. Estacincianoeraociosanem estril em nossa prudentssima Virgem. 9
  25. 25. Terceiro Livro - Capitulo 2 Da clarssima luz da divindade n'Ela re- dundavam, quase imediatamente, admi- rao, louvor e amor da bondade e poder divino. Transformada em Deus, fazia he- ricos atos de todas as virtudes, compra- zendo plenamente Sua Majestade. No primeiro dia, Deus a fez par- pecado original e seus efeitos. No devia ser includa no padro universal dos in- sensatos filhos de Ado, contra quem o Onipotente armouascriaturas (Sab 5,18) para vingar suas injrias e castigar a lou- cura dos mortais. Se eles no se houves- sem tornado desobedientes ao seu ticipante do atributo de sua sabedoria. Neste segundo, lhe comunicou o da oni- potncia, dando-lhe poder sobre as in- fluncias doscus,planetase elementos, com ordem paraestesaEla obedecerem. Ficou esta Rainha com domnio sobre o mar, terra, elementos e orbes celestes, e todasascriaturasqueelescontm. Primeira razo quejustifica os privilgios de Maria 19. Este domnio e poder perten- cemtambm dignidade de Mariasants- sima, pela razo que acima disse. Alm daquelarazo, pormais outras duas espe- ciais: uma, porque esta Senhora e Rainha era privilegiada e isenta da comum lei do Criador, tampouco os elementos lhes se- riam rebeldes e molestos, nem voltariam contra eles o rigor de sua inclemncia. Sendo esta rebelio das criaturas castigodopecado,nodeviaatingirMaria santssima, imaculada, sem culpa. Tam- poucodeveriaEla,nesteprivilgio,serin- ferior natureza anglica, que no atingida por esta pena do pecado, nem pela foradoselementos. Sendo Mariade naturezacorpreaeterrena,n'Elafoimais estimvel (por ser mais singular e difcil) elevar-se acima de todas as criaturas ter- renaseespirituaisefazer-se,porseusm- ritos, condigna Rainha e Senhora de toda a criao. Erajusto ser concedido mais Rainha do que aos vassalos, e mais Se- nhora do que aos servos. 10
  26. 26. Terceiro Livro - Captulo 2 Segunda razo: Maria no usava dos privilgios para seu proveito 20. A segunda razo era porque esta divina Rainha seria obedecida, como Me, por seu Filho santssimo, criador dos elementos e de todas as coisas. Era razovel que todas elas obedecessem a quem o mesmo Criador prestava obe- dincia, pois a pessoa de Cristo, enquanto homem, seriagovernadaporsuaMe,por obrigaoelei danatureza. Esteprivilgio era de grande convenincia para realar as virtudes e mritos de Mariasantssima, pois para Ela seria voluntrio e meritrio, o que para ns inevitvel e, ordina- riamente, contra nossa vontade. NousavaaprudentssimaRainha dessepoder,indistintamente, sobreosele- mentos e criaturas, ou para seu prprio proveito e descanso. Pelo contrrio, man- douatodasascriaturasquesobreElaagis- sem com sua ao naturalmente penosae molesta, porque nisto desejava ser seme- lhante a seu Filho santssimo, padecendo como Ele. No sofria tambm o amor e humildade desta Senhora que as ince- mncias das criaturas fossem suspensas, privando-a do mrito do sofrimento que sabia to estimvel aos olhos do Senhor. Quando usava do podersobreas criaturas 21. Somenteemalgumasocasies, noparasimasafavordeseuFilhoeCria- dor, imperava a doce Me sobre a fora dos elementos e sua ao, como veremos adiante (2) nas peregrinaes do Egito. Nestas e em outras ocasies, prudente- mentejulgava que as criaturas deveriam reconhecer seu Criador reverenciando-o (3), abrigando-o e servindo-o em alguma necessidade. Quemdosmortaisnoseadmirar detonovamaravilha? Umamulher,pura criaturaterrestre, comdomniosobretoda a criao; e em sua prpria estima se re- putarpelamaisindignaevil detodaselas. Nesta considerao, mandar aorigordos 2-n 543, 590,633 3 - n 185,485,636, 3' parte n 471 ventos que exercite sua ao contra Ela. Temerosos e corteses, porm, com tal Se- nhora, agiam mais por lhe honrar a auto- ridade do que para vingar a causa do seu Criador, como o fazem com os demais fi- lhos de Ado. Os mortais no tm razo em se queixarem doque penoso 22. Diante da humildade de nossa invictaRainha, ns,osmortais, nopode- mos negar nossa estultssima arrogncia, para no dizer atrevimento. Quando me- recamos que todos os elementos e foras agressivasdouniversoserebelassem con- tra nossas insnias, nos queixamos de seu rigor, comoseforaagravonosmolestarem assim. Condenamos o rigor dofrio,no queremos que nos canse o calor. De- testamostudoquantopenosoetodonos- so cuidado culpar estes ministros da divina justia. Procuramos para nossos sentidos as comodidades e deleites como se nos pudessem valer para sempre e no houvesse certeza de que deles seremos privados,paramaisdurocastigodenossas culpas. Predicados da cincia edo poder de Maria 23. Voltemos aos dons de cincia epoderdados Princesa do cu, eaos de- maisfavoresqueapreparavampara digna Me do Unignito do Eterno Pai. Enten- deremossuaexcelncia,considerandone- les uma espcie de infinidade ou compreensoparticipadadaqueladeDeus e semelhante que depois recebeu a alma santssimadeCristo. Nosomenteconhe- ceu todas as criaturas em Deus, mas as encerravanaprpriacapacidadeepoderia conhecer outras muitas se existissem. A isto chamo infinidade, porque se parece com as propriedades da cincia infinita: deumasvez,semsucesso,viaonmero dos cus, sua latitude, profundidade, or- dem, movimentos, qualidades, matria e forma. Ao mesmo tempo conhecia osele- mentoscomtodassuaspropriedadeseaci- dentes. A nica coisa que ignorava a
  27. 27. Terceiro Livro - Captulo 4 sapientssimaVirgemeraafinalidadepr- xima de todas essas graas, at chegar a hora do seu consentimento e da inefvel misericrdia do Altssimo. Continuava nesses dias suas fervorosas splicas pela vinda do Messias, como lhe ordenara o Senhor, e lhe dera a conhecer se aproxi- mava o tempo marcadopara sua chegada. DOUTRINA QUE ME DEU A RAINHA DO CU A ordem na qual foi criado o homem 24. Minha filha, pelo que vais co- nhecendo das graas e benefcios que eu recebia para minha preparao dig- nidade de Me de Deus, quero que enten- das a admirvel ordem de sua sabedoria na criao do homem. Lembra-te que o Criador o fezdonada, nopara servomas como rei e senhor de todas as coisas (Gn 1, 26), das quais poderia dispor com au- toridade e senhorio. Deveria, entretanto, reconhecer-se obraeimagemdeseuCria- dor,paraestar,maissubmissoaEleemais atento sua vontade, do que as criaturas vontade humana, pois assim o exige a ordem da razo. Para que no faltasse ao homem o conhecimento do Criador e dos meios para conhecer e executar sua vontade, deu-lhe alm da luz natural outra maior, maisrpida,maisfcil,maiscerta, gratui- ta e geral para todos, a luz da f divina. PorelaconheceriaoserdeDeus,suasper- feies e suas obras. Com esta cincia e senhorio ficou o homem bem ordenado, honradoeenriquecido, semdesculpapara no se dedicar inteiramente divinavon- tade. Os homensfaltamordem naqual foram criados 25.Aestulticedosmortais,porm, alteraestaordemedestriestadivinahar- monia. Tendo sido criado para senhor e rei das criaturas, delas se faz vil escravo, sujeita-se sua servido e desonra a pr- pria dignidade. Usa das coisas visveis, no como senhor prudente, mas como in- ferior indigno. No se faz superior, pois se coloca muito abaixo do nfimo das criaturas. Toda esta perversidade se origina de no usar as coisas visveis ao servio do Criador, ordenando-as para Ele me- diante a f. De tudo usa mal, quando so- menteprocurasaciaraspaixesesentidos com o deleite das criaturas. Em con- seqncia, detesta as que no lhe ofere- cem tal proveito. Liberdade espiritual 26. Tu carssima, contempla pela f teu Senhor e Criador e procura copiar emtuaalmaaimagemdesuasdivinasper- feies. No percas o domnio sobre as criaturas e que nenhuma roube tua liber- dade. Quero que triunfes de todas e nada se interponha entre tua alma e teu Deus. Sujeita-te com alegria, no ao deleite das criaturas, pois te obscurecem o entendi- mento e enfraquecem a vontade, mas ao molesto e penoso de suas inclemncias, padecendo-o com alegre vontade. Assim fiz eu para imitar meu Filho santssimo, ainda que podia escolher o descanso, no tendo pecados a reparar. 12
  28. 28. CAPTULO 3 PROSSEGUE O QUE OALTSSIMO CONCEDEU A MARIA SANTSSIMA NO TERCEIRO DIA DOS NOVE QUE PRECEDERAM A ENCARNAO. Maria penetra cada vez mais a meiro, manifestou-se-lhe a divindade em divindade viso abstrativa, como nos outros dias. Muito rude e desproporcionada nossa 27. Tendo a destra do Onipotente capacidade para entender os aumentos franqueado a Maria santssima a entrada que iam recebendo estes dons e graas em suadivindade, iaenriquecendoeador- acumulados pelo Altssimo na divina nando, a expensas de seus infinitos atri- Maria. Faltam-me novos termos para po- butos, aquele purssimo esprito e corpo der traduzir apenas um pouco do que me virginal que escolhera para tabernculo, foi manifestado. templo e cidade santa onde habitar. Explico-me com dizer que a sabe- Mergulhada no oceanodadivindade, ao- doria e poder divino iam proporcionando vina Senhora distanciava-se cada vez aquela que seria Me do Verbo, para que, mais do ser terrestre, transformando-se sendopuracriatura, chegasse ater quanto em outro celestial e conhecendo novos possvel a conveniente semelhana com sacramentos que o Altssimo lhe ma- as divinas Pessoas, nifestava. Quemmelhorentenderadistncia Sendo a divindade objeto infinito destesdoisextremos, Deusinfinito ecria- e voluntrio, ainda que o apetite se sacie tura humana limitada, podermelhor cal- comoqueconhece, sempreficamaispara cular os meios necessrios para uni-los e desejareentender. Nenhumapuracriatura proporcion-los. chegou, nem chegarjamais, atpnde su- biu Maria santssima. Penetrou no co- nhecimento de Deus e das criaturas, em Conhecimentos recebidos por Maria grandes profundidades, mistrios e se- sobrea criao gredos. Todasasjerarquiasdosanjoseho- mens juntos, no chegariam menor 29. Ia reproduzindo a divina Se- parcela do que recebeu a Princesa do cu nhora, dooriginal dadivindade, novos re- para ser Me do Criador. tratos de seus infinitos atributos e virtudes. Sua beleza ia crescendo com os retoques, tinturas e luzes que lhe dava o Crescia a semelhana de Maria com a pincel da infinita sabedoria. Divindade Neste terceiro dia, se lhe manifes- taram as obras do terceiro da criao do 28. No terceiro dia, dos nove que mundo. Conheceu como e quando as vou descrevendo, precedendo as mesmas guasqueestavam debaixo do cu se reu- preparaes que disse no captulo pri- niram (Gn 9,13), separando o elemento 13
  29. 29. Terceiro Livro - Captulo 3 ridoquesechamouterra,doconjuntodas guas que se chamou mar. Conheceu como aterragerminou afrescarelvae to- dososdemaisgnerosdeplantaservores frutferas com asrespectivas sementes de cadaespcie. Conheceuepenetrouagran- dezadomar, suaprofundidade e divises, sua relao com os rios e fontes que dele se originam eparaele correm; asespcies deplantas,aservas,flores,rvores,razes, frutos e sementes. Conheceu a utilidade de cada uma para o homem. Tudo enten- deu e penetrou nossa Rainha, mais clara, distinta e extensamente que Ado e Salo- mo. Em comparao d'Ela, todos os mdicos do mundo, depois de longos es- tudoseexperincias,nopassariamdeig- norantes. Mariasantssimaaprendeutudo 13). TudoquantoSalomoescreveunesse livro,n*Elaserealizoucomincomparvel elevao. Uso que a Virgem fazia desses conhecimentos 30. Usou nossaRainhadestacin- cia em algumas ocasies, no exerccio da caridade com os pobres e necessitados, comosedirnorestantedestaHistria(1), Mas possuiu-a permanentemente, com liberdade para dela dispor, com a mesma facilidade de um msico que tocasse um instrumentoemcujaarteeexecuo fosse exmio. O mesmo poderia fazer com as demais cincias, se quisesse ou fosse de improviso, como dizaSabedoria (Sab necessrio para o servio do Altssimo. 7,21).Comoaaprendeu,semfico,tam- Era mestra que possua todas as artes e bm a comunicou sem inveja, (Idem 5, 1 - abaixo n 668, 867,868,1048; 3' parte n 159,423 14
  30. 30. Terceiro Livro - C apitulo 3 cincias, mclhoi doqueosmortaisquando especializados cm alguma delas Era tam- bm invulnervel s propriedadese foras das pedras, ervas e plantas. A promessa feita por Custo nosso Senhor a seus Apstolos e primeirosfiisde no lhes fa- zei mal os venenos quando os bebessem (Mc 16, H)t cia tambm livre privilgio da Rainha. Sem sua permisso, nenhum veneno ou qualquer outra coisa lhe po- deria fazer mal. Maria oculta seus privilgios 31. Sempre ocultou estes privil- gios e favores a prudentssima Princesa e Senhora e no os usava para si, como se disse, afimde noevitarosofrimento que seu Filho santssimo escolhera. Antes de O conceber e ser me, era nisso inspirada pela divina luz e notcia que tinha da pas- sibilidadequeo Verbohumanoassumiria. Ao se tomar Me sua e vendo, por expe- rincia, esta verdade em seu Filho e Se- nhor, permitiu mais ou, pordizer melhor, ordenou s criaturas que aafligissem com sua natural influncia, do mesmo modo como o faziam ao seu Criador. Como nem sempre queria o Alts- simo que sua nica Esposa e eleita fosse molestada pelas criaturas, s vezes as im- pedia, para que durante certos tempos a divina Princesa gozasse das delcias do sumo Rei. Deussuscita em Maria odesejo da salvao dos homens 32. Outro singularprivilgio,afa- vordosmortais,recebeuMariasantssima na viso da divindade no terceiro dia. Manifestou-lhe Deus,por especial modo, a inclinaodoamordivinoparasalvaros homens e ergue-los de todas suas mis- rias. PrevenindoamissodeMariasants- sima, deu-lhe o Altssimo, junto com o conhecimento destainfinitamisericrdia, certognerodemaiselevadaparticipao de seus atributos, pois no futuro a Virgem deveria intercederpelos pecadores, como sua Me e advogada. lao divinaepoderosa foipara Ma- ria santssima a influncia desta par- ticipao no amor de Deus pelos homens que, se da em diante a virtude do Senhor no a fortalecesse, no poderia suportar o ardente desejo de salvar todos os pe- cadores. Poreste amorecaridade, sefosse necessrio ou conveniente, ter-se-ia en- tregue infinitas vezes s chamas, ao cute- lo,arequintadostormentosemorte. Sem osrecusar,mascomgrandegozo,teriapa- decido todos os martrios, angstias, tri- butaes, dores e enfermidades pela salvao dos mortais. Todos os sofri- mentosdascriaturas, desdeoprincpioat ofimdo mundo, teriam sido poucos para o amor desta Me misericordiosssima. Vejam, portanto, os mortais e pecadores quanto devem Maria santssima. A Mede misericrdia 33. Poderemos dizer que neste dia, adivina Senhora se transformou em Mede piedade emisericrdia, e grande misericrdia, por duas razes: a primei- ra, porque desde essa ocasio desejou, com especial afeto e sem cimes, comu- nicar os tesouros de graa que recebera. Resultou-lhe deste benefcio to admi- rvel ternura e bondade de corao, que oquiseradara todos e encerr-los n'ele, para se tornarem participantes do amor divino em que ardia. A segunda razo consistiu em que este amor pela salva- o humana foi uma das maiores dispo- sies que a proporcionaram para conceber o Verbo em suas virginais en- tranhas. Era muito conveniente que fosse todamisericrdia, benigmdade, piedade e clemncia,aquelaqueengendraria edaria aomundooVerbohumanado,que,porsua misericrdia, clemncia e amor quis hu- milhar-se at nossa natureza, e de Maria nascerpassvelpelos homens. Dizem que os nascidos trazem a semelhana do seio que os abrigou, por lhe herdarem as qua- lidades, assim como a gua carrega os minerais do solo que percorre. Ainda que neste nascimento houve a prevalncia da divindade, levou tambm, em grau poss- vel, as qualidades da Me. Ela no teria sido apta para colaborar com o Esprito Santonestaconcepo(naqual nohouve '5
  31. 31. Terceiro Livro - Captulo 4 concurso de homem), se no se asseme- lhasse aofilhonassuas qualidades huma- nas. 34. Cessando esta viso, preen- cheu Maria santssimao resto do dia com as oraes e splicasque o Senhor lhe or- denara. Seucrescente fervor feria sempre maisocoraodoEsposo,detal sorteque (anossomodo de entender)j lhetardava o dia e hora de se ver nos braos de sua amada. DOUTRINA QUE ME DEU A RAINHA SANTSSIMA Amor agradecido e doloroso 35. Minha filha carssima, gran- des foram osfavores queo Altssimome comunicou pelas vises de sua divin- dade, nos dias que precederam sua En- carnao em meu seio. Ainda que sua manifestao no era imediata e clara, sem vu algum,revelava-se demodo al- tssimo e com efeitos que somente sua sabedoria compreende. Mediante as espcies queme fica- vam, renovava o conhecimento do que vira e elevava meu esprito na conside- rao doprocedimento de Deusparacom os homens e destes para com Ele. Infla- mava-se meu corao e partia-se de dor, vendoainclinaodoimensoamordivino pelos homens, e daparte deles o ingrats- simo esquecimento de to incompreens- vel bondade. Nesta considerao teria morridomuitasvezes,seDeusnomefor- talecesse e conservasse. EstesacrifciodesuaServafoigra- tssimo a Deus, que o aceitou com maior agradodoquetodososholocaustosdaan- tigalei,porcausademinhahumildade,na qual Ele muito se comprazia. Quando eu realizavaestesatos, concediagrandesmi- sericrdias para Mim e meu povo. Meditarno quedevemos aDeus 36. Carssima,revelo-teestesmis- trios para te animares a me imitar como teu modelo nestes atos, segundo permiti- remtuasfracas foras,auxiliadaspelagra- a. Pondera muito e pesarepetidas vezes, com a luz da f e da razo, como devem os mortais corresponder a essa imensa piedade e benevolncia de Deus em so- corr-los. A esta verdade, compara o pe- sado e duro corao dos filhos de Ado. Queroqueoteusedesfaaese transforme em afetos de agradecimento ao Senhor, e compaixo pela infelicidade doshomens. Asseguro-te, minha filha, que no dia do juzo final, a maior indignao do justo Juiz ser pelo esquecimento que os in- gratssimos homens tiveram desta ver- dade. To grande ser a indignao com queos argir e tal aconfuso dos acusa- dos, que se lanariam no abismo das pe- nas, caso no houvesse ministros para executar ajustia divina. Imitara gratido daVirgem 37. Para te livrares de to detest- velculpaetepreservaresdaquelehorrvel castigo, renova amemriados benefcios que recebeste daquele amor e clemncia, advertindo que te beneficiou mais do que amuitas geraes. No penses que tantos favores e singulares dons te foram dados s para ti, mas o foram tambm para teus irmos, pois a todos se estende a divina misericrdia. AgratidoquedevesaoSe- nhorserprimeiroportiedepoisporeles. Visto que s pobre, oferece a vida e mri- tos de meu Filho santssimo, e com eles tudo o que Eu amorosamente sofri para seragradecida aDeus e lhe oferecer algu- macompensaopelaingratidodosmor- tais. Em tudo isto te exercitars muitas vezes,lembrando-tequaiserammeussen- timentos nos mesmos atos e exerccios. 16
  32. 32. CAPTULO 4 (i RAAS CONCEDIDAS PELO ALTSSIMO MARIA SANTSSIMA NO QUARTO DIA DA NOVENA. ( toldam de intensidade as graas comedidas a Maria santssima 38. Prosseguiam os favores do Al- tssimo nossa Rainha e Senhora, e os eminentes sacramentos com que o poder divinoa iapreparando paraaprximadig- nidade dc Mae sua. Chegando o quarto dia desta pre- parao, mesma hora dos precedentes, foi elevada viso abstrativa da di- vindade, na forma quej ficou explicada, mas com novos efeitos e mais elevadas iluminaes de seu purssimo esprito. Para o poder e sabedoria divinos no existem limites, criam-nos os atos de nossa vontade ou nossa estreita capacida- de de criaturafnita.Em Maria santssima o poder divino no encontrou obstculo por parte das obras. Foram todas plenas de santidade e agrado do Senhor, de tal modo que, como Ele mesmo disse (Cant 4, 9), O atraam ferindo seu corao de amor. S o fato de ser pura criatura que pde, em Maria, oferecer limites aopoder de Deus. No obstante, dentro da esfera de pura criatura, Deus nela operou sem medida e lhe fez beber as purssimas e cristalinas guas da sabedoria, na fonte da divindade. A lei evanglica revelada Maria 39. Nestaviso, manifestou-se-lhe o Altssimo com especialssima luz e lhe revelou anova lei dagraaque o Salvador domundoestabeleceria. Deu-lheaconhe- cer os Sacramentos e a finalidade de sua instituio em a nova Igreja evanglica; os auxlios, dons e favores que preparava para os homens, desejando quetodos fos- sem salvos mediante os frutos da re- deno. Foitantaasabedoriaquenestasvi- ses recebeu Maria santssima, instruda pelo Mestre supremo, emendador dos s- bios (Sab 7,15), que se, por um imposs- vel, algum homem ou anjo a pudesse descrever, s da cincia desta Senhora se fariam mais livros que todos quantos tm escrito no mundo sobre todas as artes, cincias e faculdades inventadas. No nos admiremos, pois, sendo a maior maravilha em pura criatura, no co- raoementedestaPrincesa derramou-se o oceano da divindade que os pecadores e pouca disposio das demais criaturas haviam detido e represado em si mesmo. Uma s coisa se lhe ocultava, enquanto no chegava o tempo oportuno: ser Ela a escolhida para Me do Unignito do Pai. O amor de Deus pelos homens e a ingratido destes 40. Mesclada doura da cincia divina recebida neste dia, sofreu a Se- nhora, amorosa e ntimadorquea mesma cincialhedespertou. Viuosindizveiste- souros de graas e benefcios que o Alts- simo preparava aos mortais, com aquela divina propenso para se dar a todos. Ao 17
  33. 33. Terceiro Livro - Capitulo 4 mesmo tempo, conheceu a m disposio do inundo c quo cegamente se privavam os mortais da participao da divindade. Daqui lhe resultou novo gnero de mar- trio, entre a dor pela perdio humana e o desejo dc reparar to lamentvel runa. Fe/, altssimas oraes, splicas, ofereci- mentos, sacrifcios, humilhaes e heri- cos atos dc amor de Deus e dos homens, para que nenhum, se fosse possvel, se perdesse da cm diante, mas que todos conhecessem,adorassemeamassemaseu Criador e Redentor. Tudo se passounavi- so da divindade e, como estas peties foram no modo das outras j explicadas, no me alongo em referi-las. As obras do quarto dia da criao 41. Em seguida, na mesma oca- sio, manifestou-lhe o Senhorasobras do quarto dia da criao (Gn 1,14,17). Co- nheceu a divina princesa Maria quando e como foram formados no Armamento os luminares do cu, para a separao entre o dia e a noite e para marcar as estaes, diaseanos. Omaiorluminardocu, osol, foi criado parapresidir o dia, e ao mesmo tempo foi formado o menor, a lua, para iluminar as trevas danoite. Asestrelas fo- ram formadas nooitavocu, paracomsua brilhanteluzalegrarem anoiteecomsuas vrias influncias presidirem tanto ao dia como noite. Conheceu a matria destes orbes luminosos, sua forma, qualidades, tamanho, movimentos, e a ordenada diversidadedosplanetas. Soubeonmero dasestrelas etodosos influxos quecomu- nicam terra e a ao que exercem sobre seus seres animados e inanimados. Poder de Maria sobreos orbes celestes 42. Istonodiscordadoquedecla- rou o profeta no salmo 146, v. 4, quando dizque Deusconheceonmerodasestre- laseaschamapelosseusnomes.Nonega Davi que Deus, com seu poder infinito, pode conceder por graa, a uma criatura, o que Ele possui pornatureza. Sendopos- svel comunicar esta cincia que re- dundaria na maior excelncia de Maria, Senhora nossa, indubitvel que no lhe haveria de negar este benefcio. Outros maiores lhe foram concedidos, para ser Rainhadasestrelascomodasdemaiscria- turas. Esta graa vinha a ser como conse- qente ao domnio que lhe deu sobre as virtudes, influncias e operaesdetodos os orbes celestes, quando a estes ordenou a Ela obedecerem como sua Rainha e Senhora. Obedincia dos astros e planetas Maria 43. Poreste preceito que o Senhor imps scriaturascelestesepelodomnio que sobre elas deu Maria santssima, fi- cou a Senhora com tanto poder, que se mandassesestrelasdeixaremolugarque ocupavamnocu, imediatamentelheobe- deceriam para ir onde a Senhora lhes or- denasse. Outro tanto fariam o sol e os planetas. Ao imprio de Maria todos in- 18
  34. 34. Terceiro Livro - Captulo 4 terromperiam seu curso, movimentos e suspenderiam suas influncias e ao. J disse acima (1) que s vezes usava Sua Alteza desse poder Veremos adianteque no Egito, ondeocalorinten- so, mandou ao sol moderar seu veemente ardor,paranomolestarefatigarcomseus raios ao Menino Deus, seu Senhor. Obe- decia-lheosol,noapoupando, conforme Ela odesejava, e respeitandoo Sol dejus- tia que Ela trazia nos braos. O mesmo acontecia com os outros planetas e algu- mas vezes deteve o sol, como falarei em seu lugar. Correspondncia de Maria aos favores divinos 44. Outros muitos sacramentos ocultos manifestou o Altssimo nesta vi- sonossagrandeRainha. Oquantodisse e direi sobre eles deixa-me o corao in- satisfeito. Vejoqueconheoumaparte m- nima do que a divina Senhora recebeu, e destepoucoqueentendoquasenadaposso explicar. Muitos de seus mistrios sero manifestados por seu Filho santssimo s no dia do juzo universal, porque agora no os podemos compreender. Saiu Maria santssima desta viso ainda mais inflamada e transformada na- queleobjeto infinito,enosatributoseper- feies que nele conhecera. Aopasso que aumentavam os favores divinos ia cre- scendo nas virtudes. Multiplicava os ro- gos, nsias, fervor e mritos com que apressava a Encarnao do Verbo divino e nossa salvao. DOUTRINA QUE ME DEU A DIVINA RAINHA Dor pela ingratido humana 45. Carssimafilha,quero que fa- as muita ponderao e apreo pelo que entendeste de quanto fiz e padeci ao me 1 -n21 daro Altssimoto elevado conhecimen- todesuabondade,infinitamente propensa aenriqueceros mortais e, aomesmo tem- po,dam correspondnciaetenebrosain- gratido deles. Quando, naquela liberalssima condescendncia, passei a penetrar a es- tulta dureza dos pecadores, meu corao foi transpassadoporumaflechademortal amargura que me durou a vida toda. Quero manifestar-te ainda outro mistrio: muitas vezes, para curar a an- gstia e desfalecimento de meu corao, o Altssimo costumava dizer-me: Recebe tu,rninhaesposa,oqueomundoignorante e cego despreza e indigno de receber e conhecer. Com estas palavras, soltava o caudal de seus tesouros que letificavam minha alma, de um modo que toda a capacidade humana no pode compre- ender, nem lngua alguma explicar. Chorara perda das almas 46. Agora quero, minha amiga, que me acompanhes nestadorque padeci pelosviventes,etopoucoadvertidapor eles. Para me imitares nela e nos efeitos que te causartojusta pena, deves renun- ciar-te e esquecer-te em tudo e cercar teu coraocomodeespinhospeladorquetal procedimento dos mortais desperta. Quando eles riem e se deleitam para sua eterna condenao (Sab 2) deves chorar, pois este o oficio mais legtimo das verdadeiras esposas de meu Filho sants- simo. S lhes permitido se deleitarem nas lgrimas derramadaspelos seus peca- dos e os do mundo ignorante. Prepara o corao com esta disposio, para o Se- nhortefazerparticipantedeseustesouros. Sejano tantoparate enriqueceres, como paradarensejoaoSenhordesatisfazer seu liberal amorem comunic-los e emjusti- ficar as almas. Imita-me em tudo o que te ensino, pois sabes serestaaminha vonta- de a teu respeito. 19
  35. 35. CAPTULO 5 MANIFESTA O ALTSSIMO MARIA SANTSSIMA OS MISTRIOS E OBRAS DO QUINTO DIA DA CRIAO. SUA ALTEZA PEDE NOVAMENTE A ENCARNAO DO VERBO. Quinto dia da novena 47. Chegou o quinto dia da nove- na que a beatssima Trindade celebrava no templo de Maria santssima, para o Verbo eterno n'Ela assumir nossa for- ma humana. Correndo o vu da infinita sabedoria, des- cobriu-lhe novos segre- dos. Como nos dias antecedentes, ele- vou-a viso abstrativa da divindade. Mas as disposies e iluminaes se re- novavam com maiores raios de luz e ca- rismas, a transbordarem dos tesouros infinitos nas faculdades de suaalma san- tssima. Deste modo, ia a divina Se- nhora se aproximando e se assimilando ao ser divino, cada vez mais transforma- da n'Ele, a fim de chegar a ser digna Me de Deus. A divina bondade e a ingratido humana 48. Para manifestar outros segre- dos divina Rainha, falou-lhe o Alts- simo, com indizvel ternura: Esposa e pomba minha, conheceste emmeuntimo a imensa liberalidade que me inclina ao amor da espcie humana, e os ocultos te- souros que preparei para sua felicidade. Tao grande fora tem este amor sobre mim, que lhes desejo dar meu Unignito para seu Mestre e Salvador. Conheceste tambm um pouco da m corres- pondncia, grosseira ingratido e despre- zo que fazem os homens de minha cle- mncia e amor. Ainda que te manifestei parte de sua malcia quero, minha amiga, que no- vamente conheas em meu ser o limitado nmero dos escolhidos que me conhece- roe amaro, equo grande o dos ingra- tos e rprobos. Estes pecados sem nmero, e as abominaes de tantos ho- mens imundos e tenebrosos (que em mi- nhacincia infinita prevejo) detmminha liberal misericrdia e fecham com fortes cadeados a sada dos tesouros de minha divindade, tornando o mundo indigno de os receber. 49. Por estas palavras do Altssi- mo, conheceu a Princesa Maria grandes sacramentos sobre o nmero dos pre- destinados e dos rprobos; sobre a resis- tncia e bice que ospecados dos homens opunham inteno divina de enviar ao mundo o Verbo eterno humanado. Admi- rada vista da infinita bondade e justia doCriadoredaimensa iniqidade emal- ciados homens, toda inflamada na chama do divino amor, disse aprudentssima Se- nhora: Intercesso de Maria pedindo a Encarnao 50. Senhor meu, Deus infinito na sabedoria e incompreensvel na santi- dade, que mistrio este que me mani- festais? Sem medida a maldade dos 21
  36. 36. Terceiro Livro - Captulo 5 homens, pois somente vossa sabedoria a compreende. Mastodaselas,eoutrasmui- to maiores, podero porventura extinguir vossa bondade e amor ou competir com ele?No,Senhormeu,nopodeserassim; a malcia dos mortais no dever deter vossa misericrdia. Sou a mais intil de toda a linhagem humana, mas em nome dela fao demanda vossa fidelidade. verdade infalvel que faltaro o cu e a terra (Is 51, 6), antes que faltem vossas palavras. J que por vossa boca a destes aos santos profetas e por eles ao mundo, muitas vezes, prometendo-lhes o Reden- tor, como, Deus meu, deixar-se-o de cumprir essas promessas garantidas pela vossa infinita sabedoria que no pode se enganar, e pela vossa bondade que aoho- memnoengana?Paralhesfazerestapro- messa e oferecer-lhes sua eterna fe- licidade em vosso Verbo humanado, da parte dos mortais no houve merecimen- tos,nem criaturaalgumavospodeobrigar a isso. Se este bem pudesse sermerecido, no ficaria to exaltada vossa infinita e liberal clemncia. Para Deus fazer-se homem, so- mente em Deus pode ser encontrada a ra- zo. Somente em Vs est a razo e o motivo de nos terdes criado e de nos re- parardes depois de cados. Para a En- carnao no procureis, meu Deus e Rei altssimo, mais mritos nem mais razes, alm devossamisericrdiae daexaltao de vossa glria. Resposta do Altssimo 51. Verdade , rninha esposa, res- pondeu o Altssimo, que por minha bon- dade imensa prometi aos homens vestir-me de sua natureza para habitar com eles, e que ningum pde merecer esta promessa. No obstante, desmerece seu cumprimento o ingratssimo pro- cedimento dos mortais, to odioso mi- nha equidade. Quando somente pretendo sua felicidade, s encontro a dureza que os levar a perder e desprezar os tesouros de minha graa e glria. Em lugar de fru- tos, me daro espinhos. Aos benefcios, correspondero com grandes ofensas, s minhas liberais misericrdias, com detestvel ingratido. O cmulo de todos estes males ser, para eles, a privao de rninha viso nos eternos tormentos. Con- sidera,minha amiga, estasverdadesescri- tas no segredo de minha sabedoria, e pondera estes grandes mistrios. Para ti est aberto meu corao, e nele conheces as razes, de minhajustia. Maria conhece a predestinao das almas 52, No possvel manifestar os ocultos mistrios que Maria santssima conheceu no Senhor. N*Ele viu todas as criaturas presentes, passadas e futuras, a disposio de suas almas, as obras boas e ms que fariam, e o fim que todasteriam. Seno fosse confortada pelavirtude divi- na, no teria podido conservar a vida, em conseqncia dos efeitos e sentimentos que estacincia e viso, deto recnditos mistrios, nela produziram. Como, porm, estes milagres e graas eram-lhe concedidos para altos fins, Deusno semostrava parcimonioso, mas sim liberalssimo com a escolhida para Me sua. Desta cincia que recebia direta- mente do ser divino, dimanava-lhe tam- bm o fogo da caridade eterna que a inflamava noamorde Deusedoprximo. Assim continuou suas peties dizendo; Advoga a causa dos mortais 53. Senhor, Deus eterno, invisvel e imortal, confesso vossa justia, en- grandeovossasobras,adorovossoserin- finito e reverencio vossos juzos. Meu corao sedesfaz em afetos deamor, ven- do vossa ilimitada bondadepeloshomens eapesadaingratidodelesparaconvosco. Atodosquereis,meuDeus,daravidaeter- na. Poucos agradecero este inestimvel benefcio, e muitos o perdero por ma- lcia. Se por isso vos desobrigais, Bem meu, estamos perdidos. Se, com vossa cincia divinaestais prevendo as culpase malcia dos homens que tanto vos de- sobrigam, com a mesma cincia vdes vosso Unignito humanado, seus atos de infinito valor e apreo para vossa aceita- o e que, sem comparao, ultrapassam eexcedem as ofensas dos pecados. A este
  37. 37. Terceiro Livro - Captulo 5 Homem-Deus deveis considerar e, por ateno a Ele, n-Io dar. Para novamente solicit-lo em nome do gnero humano, visto-me do es- prito do Verbo feito homem em vossa mente, peo sua encarnao e por Ele a vida eterna para todos os mortais. Continuam as objees divinas 54. A esta petio de Maria sants- sima, representou-se(anossomodode fa- lar) ao Pai eterno, como seu Unignito desceriaaovirginal seiodestagrandeRai- nha e rendeu-se aos seus amorosos e hu- mildes rogos. Ainda que prosseguia mostrando-se indeciso, isto era artificio de seu amorpara continurouviravozde sua amada, permitindo que seus doces l- bios (Cant4,11) destilassem mel suavs- simo e suas emisses (idem, 13) fossem do paraso. Para prolongar esta deliciosa contenda, respondeu-lhe o Senhor: Dul- cssimaesposa,pombaescolhida, muito o que me pedes e pouco o que os homens merecem. Como a indignos se h de con- cederto raro beneficio? Deixa-me, ami- ga, trat-los conforme sua m cor- respondncia. Respondia nossa poderosa e cle- mente advogada: No, Senhor meu, no vos deixarei com minha insistncia; se peo muito, peo-o a Vs, rico em mise- ricrdia, poderoso nas obras, verssimo nas palavras. Falando de Vs e do Verbo eterno, declarou meu pai Davi: O Senhor juroueno searrepender,tus sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque (SI 109, 4). Venha, pois, este sacerdote e v- tima para o sacrifcio de nosso resgate; no podeis vos arrepender de vossa pro- messa, porque no prometeis com igno- rncia. Doce amor meu, revestida da virtude deste Homem-Deus no cessar minhaporfia, at me concederes abno como a meu pai Jac (Gn 32,26). Deus deixa-sevencerpelassplicas da Virgem 55. Como a Jac, perguntou-se nestecombatedivinonossaRainhaeSe- nhora,qualeraseunome. Respondeu: Sou filha de Ado, feita por vossas mos da humilde matria do p. Respondeu-lhe o Altssimo: De hoje em diante teu nome ser "escolhida para Me de meu Unignito". Estas lti- maspalavras,porm,foram entendidas s pelos cortezos do cu, e Ela s entendeu que era escolhida, sendo-lhe as demais ocultas at o tempo oportuno. Tendo persistido nesta amorosa contendaotempodispostopelaSabedoria divina, e conveniente para abrasar o fer- voroso corao da eleita, a Santssima Trindadedeu-lhe suarealpalavraque, em breve, enviaria ao mundo o Verbo eterno feito homem. Alegreecheiadeincomparvelj- bilo por este "fiat", nossa Rainha pediu e recebeu a bno do Altssimo. Deste combatecomDeus,Mariaalcanoumaior vitriadoqueJac. Saiurica,forte echeia de despejos, enquanto Deus ficou ferido e vencido (ao nosso modo de entender) pelo amor desta Senhora, para vestir-se em seu sagradotlamodafraquezahuma- na de nossa carne passvel. Com esta en- cobririaafortaleza de suadivindade, para vencer sendo vencido, e dar-nos a vida morrendo. Vejamosmortaiscomo,depois de seu bendito Filho, Maria santssima causa de sua salvao.
  38. 38. Terceiro Livro - Captulo 5 Revelao dasobras do quintodia da criao 56. Emseguida,nestaviso,foram manifestados nossa grande Rainha as obras do quinto dia dacriao do mundo, na mesma forma em que se realizaram. Conheceu como, mediante a fora da di- vina palavra, foram engendrados e pro- duzidos das guas de sob o Armamento (Gn1,20-22),osimperfeitos animaisrp- teis que rastejam sobre aterra, os volteis que voam pelos ares e os aquticos que vivem nas guas. Detodas estascriaturas conheceu a origem, matria, forma e fi- gura, em seu gnero e ainda todas as es- pcies de animais silvestres, suas qualidades, utilidades e harmonia. Co- nheceu as avesdocu (quechamamosar) com avariedade e forma de cadaespcie, suabeleza,plumas,velocidade;osinume- rveis peixes domare dosrios,a diversi- dade dos monstros marinhos, sua estrutura, qualidades, lugares que habi- tam,alimentoquerecebemdomar,os fins para que servem, a forma e autilidade de cada um neste mundo. A todo este exr- citodecriaturasordenouDeusreconhecer eobedeceraMariasantssima,aquemdeu poderparadominaredelasseservir,como aconteceu emmuitas ocasies, conforme direi em seuslugares. Comisto,terminou a viso deste dia que Ela preencheu com os exerccios e peties que o Senhorlhe ordenou. DOUTRINA QUE ME DEU A DIVINA SENHORA Agradecer as graas concedidas aVirgem 57. Minha filha, o conhecimento mais completo das maravilhosas obras queopoderdoAltssimocomigorealizou, preparando-me com vises abstrativasda divindade dignidade de Me sua, est reservado para os predestinados na ce- lestial Jerusalm. Ali o entendero vendo-o em Deus, com especial alegria e admirao, assim como gozaram os anjos louvandoe exaltando o Altssimo por lhes haverma- nifestado essas maravilhas. Neste beneficio. Deus mostrou-se contigomaisliberaleamorosoqueatodas as geraes, dando-te notcia e luz destes mistrios to ocultos. Por isto quero, mi- nha amiga, que excedas a todas as criatu- ras em louvar e engrandecer seu santo nome, por tudo o que seu poder realizou em mim. Ocombateda orao 58. Comtodoocuidadodevesimi- tar-menosatosque eufazia duranteesses grandes e admirveis favores. Pede e su- plica pela eterna salvao de teus irmos eparaque onomedemeu Filho sejaexal- tado e conhecido em todo o mundo. Fars estas splicas com grande confiana, apoiada em f viva e compro- funda humildade, sem perder de vistatua misria. Assim equipada, peleja com o amor divino pelo bem de teu povo, lem- brando-te que ele tem por mais gloriosa vitria, deixar-se vencer pelos humildes que sinceramente o amam. Eleva-teacimadetimesmaeagra- dece-lhe os especiais benefcios conce- didos a ti e ao gnero humano. Exer- citando-te assimno divino amor,merece- rs receber outros novos para ti e teus ir- mos. E sempre que te encontrares na presena do Senhor pede-lhe suabno. 4
  39. 39. CAPTULO 6 O ALTSSIMO MANIFESTA A MARIA, SENHORA NOSSA, AS OBRAS DO SEXTO DIA DA CRIAOE OUTROS MISTRIOS. A orao de Maria 59. Continuava o Altssimo a pre- parao prxima para nossa divina Prin- cesareceber o Verboem seuvirginal seio, enquanto Ela prosseguia em fervorosos afetos e oraes pedindo sua vinda ao mundo. Chegada a noite do sexto dia, dos quevou descrevendo, chamada pelames- ma voz e atrada pela mesma fora que acima disse, foi elevada em esprito. Pre- cedendo mais intensas iluminaes, ma- nifestou-se-lhe a divindade em viso abstrativa, pelo modo das outras vezes, mas sempre com efeitos mais divinos e mais profundo conhecimento dos atribu- tos do Altssimo. Costumava passar nove horas nesta orao e terminava na hora de ter- a, quando se interrompia a viso do ser divino, mas nem por isso cessava para Maria a suapresenaeorao. Permane- cia noutro grau que, embora inferior ao precedente, era altssimo e absoluta- mente superior ao que tiveram todos os santosejustos. Estesfavores edonseram muito mais deificados nos ltimos dias que precederam Encarnao, sem se- rem prejudicados pelasocupaes ativas de seus deveres de estado. A Marta no podia se queixar de que Maria a deixava s no trabalho (Luc 10,40). Obras do sextodia da criao 60. Nesta viso de Deus, foram- Ihe manifestadas as obras do sexto dia da criao. Como se estivera presente, conheceu no Senhor, como pela sua di- vina palavra aterraproduziu os animais viventes segundo suas espcies (Gn 1, 24), conforme narra Moiss. Por esta denominao, entendia os animais ter- restres mais perfeitos nas operaes da vida animal do que os peixes e as aves, e por isso chamados "nima vivente". Conheceu e penetrou todos estes gne- roseespciesdeanimais criados no sex- to dia, assim como seus nomes que encerram suas respectivas proprieda- des; os muares para o servio do ho- mem; as feras;