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Assembleia da República - Palácio de S. Bento - 1249-068 Lisboa - Telefone: 21 391 7592 - Fax: 21 391 7459 Email: [email protected] - http://www.beparlamento.net/ 1
Grupo Parlamentar
PROJETO DE LEI N.º 270/XII/1.ª
GARANTE A GESTÃO PÚBLICA DA ÁGUA E DA GESTÃO DOS RESÍDUOS
SÓLIDOS
Exposição de motivos
Ao longo dos anos vários sistemas de abastecimento de água e saneamento foram
experimentados em diversos países. No entanto, porque a água é um monopólio natural,
mas também por motivos de eficiência e de equidade, a gestão pública da água foi muitas
vezes o modelo mais proveitoso para as populações.
Na Europa, por exemplo, os primeiros sistemas urbanos de água começaram a surgir nos
séculos XVII ou XVIII para as classes altas e para o combate a incêndios. E, muito embora
estes primeiros serviços de água tenham sido construídos por iniciativa privada,
durante todo o século XIX os sistemas foram passando para a responsabilidade dos
municípios na maioria dos países europeus como forma de ultrapassar os problemas de
ineficiência do sistema e os elevados custos dos serviços privados. Nos Estados Unidos
da América, até aos anos 30 do século passado a maioria das cidades tinha sistemas que
não correspondiam às necessidades dos cidadãos, mas após importantes investimentos
das autarquias e do Estado central, a situação mudou para sistemas fiáveis e sob
controlo municipal. Nos países em desenvolvimento, até devido à sua dependência do
FMI e do Banco Mundial, houve sempre uma pressão para a privatização destes serviços.
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Na verdade, até à década de 80 do século XX a enorme maioria dos serviços de água e
saneamento do mundo eram da responsabilidade do setor público.
No entanto, e de acordo com alguns especialistas, o ano de 1989 marcou o início de uma
era de expansão da gestão privada no abastecimento de água e saneamento,
nomeadamente devido à privatização da Water Authorities no Reino Unido e de uma
estratégia de fomento das privatizações por parte do Banco Mundial. As companhias
francesas Suez e Veolia dominaram este período e chegaram a conseguir uma quota de
60% entre os operadores privados e a servir 320 milhões de pessoas.
Muito embora a gestão privada do abastecimento da água e saneamento tenha crescido
aceleradamente no período entre 1990 e 2003, a quota ocupada manteve-se muito
minoritária e circunscrita a apenas algumas empresas, criando, em bom rigor, um
oligopólio.
A partir de 2002 a maioria dos grupos internacionais de gestão da água procuraram
abandonar ou reduzir a sua exposição ao setor da água em todo o mundo visto que não
conseguiram obter o retorno que consideravam aceitável para os seus acionistas, porque
os brutais aumentos das tarifas impulsionados pelas privatizações criaram enorme
oposição popular e porque o setor privado foi incapaz de cumprir os contratos e de
satisfazer as expetativas criadas no que toca à qualidade do serviço prestado e mesmo
da qualidade da água. Muitas entidades públicas cancelaram os contratos com os
operadores.
Em Portugal a experiência da gestão privada do abastecimento de água não é nova, aliás
em 1855 formalizou-se um contrato de concessão para área de Lisboa pelo período de
80 anos. Apenas 3 anos depois, por falta de cumprimento do contrato por parte do
concessionário, o Estado rescindiu com a empresa.
Foi ainda nos últimos meses da ditadura que, após uma epidemia de cólera em Lisboa, se
criou a EPAL para resolver os problemas criados pela gestão privada da água na região
de Lisboa. Após o 25 de Abril e cumprindo diretivas da Organização Mundial de Saúde
foram realizadas, sob gestão pública, diversas obras de melhoramento do sistema da
capital.
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Ao longo dos anos, sucessivos governos foram abrindo portas às concessões e à
flexibilização das garantias de gestão pública da água, mas só este governo chegou a
propor a sua privatização total.
Sabe-se hoje que a Ministra do Ambiente já abandonou o plano inicial do governo de
privatizar tout court o grupo Águas de Portugal. No entanto, foi anunciada a fusão e
reestruturação dos atuais 7 sistemas em alta e 25 em baixa e a posterior venda de
concessões da gestão da água e do saneamento a privados. Ou seja, sem admitir a
privatização da água o governo realiza uma privatização encapotada.
No entanto, esta intenção vai contra a vontade das populações, que sabem que este
plano significará a diminuição da qualidade do abastecimento das águas e um aumento
exponencial das tarifas.
Deste modo, não nos cansamos de repetir: porque a água é um monopólio natural que
deve manter-se sob controlo e gestão público, os serviços de abastecimento e
saneamento não podem ser privatizados diretamente ou por qualquer expediente.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados
do Bloco de Esquerda, apresentam o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1.º
Objecto
A presente Lei defende a gestão pública dos serviços de abastecimento e saneamento de
água.
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
Considera-se a aplicação deste normativo a todas as atividades relacionadas com os
serviços de abastecimento de água e saneamento.
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Artigo 3º
Gestão pública da água e saneamento
1 - Não é permitida a qualquer empresa privada a participação ou a compra de
concessões de sistemas municipais e multimunicipais, empresas públicas ou qualquer
atividade económica relacionada com os serviços de abastecimento e saneamento de
águas.
2 - O Estado deve iniciar um processo de reestruturação dos serviços de água,
saneamento para que as concessões participadas por empresas privadas revertam para
a gestão pública:
a) Até 2017, no caso das concessões em que as empresas privadas não incorreram
em custos de investimento em infraestruturas para os serviços de abastecimento
e saneamento;
b) No ano seguinte ao ponto crítico (break-even-point) do investimento das
empresas privadas em infraestruturas para os serviços de abastecimento e
saneamento.
3 - Não são permitidas novas concessões a privados ou renovações e prorrogações das
concessões participadas por empresas privadas.
Artigo 4.º
Gestão de resíduos urbanos
O disposto no artigo anterior aplica-se de forma análoga à gestão de resíduos urbanos.
Artigo 5.º
Regulamentação
O Governo regula a Lei no prazo de 30 dias após a sua publicação.
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Artigo 6.º
Norma revogatória
A presente Lei revoga todas as disposições legais que sejam contrárias ao disposto neste
diploma.
Artigo 7.º
Entrada em vigor
A presente Lei entra em vigor com a publicação do Orçamento de Estado subsequente.
Assembleia da República, 16 de julho de 2012.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda,