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Ramos Crítica a um Plano Nacional de Banda Larga: uma perspectiva da economia política das políticas públicas Anais da IV Conferência ACORN-REDECOM, Brasília, DF, 14-15 de maio de 2010 59 Crítica a um Plano Nacional de Banda Larga: uma perspectiva da economia política das políticas públicas Murilo César Ramos Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologia das Comunicações (CCOM) Universidade de Brasília (UnB) [email protected] BIOGRAFIA Murilo César Ramos é graduado em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (1972). Doutorou-se em Comunicação na Universidade de Missouri-Columbia, EUA (1982). Em 1994, realizou programa de pós-doutoramento multidisciplinar na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É sócio da Ecco Estudos e Consultoria de Comunicações. RESUMO Neste artigo, faz-se a crítica, apoiada em uma perspectiva teórica buscada na economia política das políticas públicas, ao processo de discussão e elaboração no Brasil, pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de um Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). No artigo, visa-se ainda contribuir para uma melhor compreensão conceitual da dinâmica estrutura- conjuntura na discussão, formulação e implementação das políticas públicas, com ênfase nas particularidades e sensibilidades políticas dos processos conjunturais. Conclui-se no artigo, a partir da análise da dinâmica estrutura-conjunta do PNBL, que ele corre o risco de ser transformado, dada a conjuntura em que está imerso, em um arremedo tático de curto prazo, ao invés de um projeto estratégico de longo prazo, como deveria ser o caso de toda política pública social e de infra-estrutura, voltada à ampliação do Estado e ao bem estar da sociedade. Palavras-chave Política pública, economia política, estrutura, conjuntura, banda larga. INTRODUÇÃO Políticas públicas podem ser definidas como processos normativos que, uma vez em curso em um dado ambiente institucional de viés democrático, objetivam o bem estar geral da população. Esse bem estar pode resultar de políticas públicas genéricas, como a construção de uma usina hidrelétrica capaz de gerar energia para parcelas diversas da população, ou como o estabelecimento de medidas de política externa capazes de posicionar um determinado Estado nacional em posição de vantagem em matéria de comércio exterior, por exemplo. O bem estar pode resultar também de políticas específicas, como medidas de seguridade social capazes de assegurar condições essenciais de existência para trabalhadores assalariados, ou como a prestação de serviços públicos universais, de que são exemplos clássicos a educação, a saúde, o saneamento básico, os transportes coletivos, ou as telecomunicações. Este último conjunto de processos de bem estar constituem o que a literatura acadêmica costuma chamar de política social (Pereira, 2008). A discussão, formulação e implementação de políticas públicas compreende uma complexa dinâmica entre estrutura e conjuntura, ou seja, entre invariâncias e variâncias de ordem institucional, sócio-cultural e político-econômica; a compreensão e o domínio dessa dinâmica são essenciais para o êxito das políticas públicas. Este artigo, apoiado teoricamente na economia política crítica, e sustentado empiricamente pelo processo, ora em curso no Brasil, de discussão e formulação de uma política pública o Plano Nacional de Banda Larga -, visa contribuir para uma melhor compreensão conceitual da dinâmica estrutura-conjuntura na discussão, formulação e implementação das políticas públicas, com ênfase nas particularidades e sensibilidades políticas dos processos conjunturais. Ao mesmo tempo, busca-se no artigo o exercício do desafio proposto por Mosco de aproximar as fronteiras dos estudos de políticas públicas, ou policy studies, bem como as dos estudos culturais, da economia política da comunicação.

Crítica a um plano nacional de banda larga perspectiva da economia política das políticas públicas - Murilo César Ramos (2010)

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Neste artigo, faz-se a crítica, apoiada em uma perspectiva teórica buscada na economia política das políticas públicas, ao processo de discussão e elaboração no Brasil, pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de um Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). No artigo, visa-se ainda contribuir para uma melhor compreensão conceitual da dinâmica estruturaconjuntura na discussão, formulação e implementação das políticas públicas, com ênfase nas particularidades e sensibilidades políticas dos processos conjunturais. Conclui-se no artigo, a partir da análise da dinâmica estrutura-conjunta do PNBL, que ele corre o risco de ser transformado, dada a conjuntura em que está imerso, em um arremedo tático de curto prazo, ao invés de um projeto estratégico de longo prazo, como deveria ser o caso de toda política pública social e de infra-estrutura, voltada à ampliação do Estado e ao bem estar da sociedade.

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Ramos Crítica a um Plano Nacional de Banda Larga: uma perspectiva da economia política das políticas públicas

Anais da IV Conferência ACORN-REDECOM, Brasília, DF, 14-15 de maio de 2010 59

Crítica a um Plano Nacional de Banda Larga: uma perspectiva da economia política das políticas públicas

Murilo César Ramos

Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologia das Comunicações (CCOM)

Universidade de Brasília (UnB) [email protected]

BIOGRAFIA

Murilo César Ramos é graduado em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (1972). Doutorou-se em Comunicação na Universidade de Missouri-Columbia, EUA (1982). Em 1994, realizou programa de pós-doutoramento

multidisciplinar na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É sócio da Ecco – Estudos e Consultoria de

Comunicações.

RESUMO

Neste artigo, faz-se a crítica, apoiada em uma perspectiva teórica buscada na economia política das políticas públicas, ao

processo de discussão e elaboração no Brasil, pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de um Plano Nacional de

Banda Larga (PNBL). No artigo, visa-se ainda contribuir para uma melhor compreensão conceitual da dinâmica estrutura-

conjuntura na discussão, formulação e implementação das políticas públicas, com ênfase nas particularidades e sensibilidades

políticas dos processos conjunturais. Conclui-se no artigo, a partir da análise da dinâmica estrutura-conjunta do PNBL, que

ele corre o risco de ser transformado, dada a conjuntura em que está imerso, em um arremedo tático de curto prazo, ao invés

de um projeto estratégico de longo prazo, como deveria ser o caso de toda política pública social e de infra-estrutura, voltada

à ampliação do Estado e ao bem estar da sociedade.

Palavras-chave

Política pública, economia política, estrutura, conjuntura, banda larga.

INTRODUÇÃO

Políticas públicas podem ser definidas como processos normativos que, uma vez em curso em um dado ambiente

institucional de viés democrático, objetivam o bem estar geral da população. Esse bem estar pode resultar de políticas

públicas genéricas, como a construção de uma usina hidrelétrica capaz de gerar energia para parcelas diversas da população,

ou como o estabelecimento de medidas de política externa capazes de posicionar um determinado Estado nacional em

posição de vantagem em matéria de comércio exterior, por exemplo. O bem estar pode resultar também de políticas

específicas, como medidas de seguridade social capazes de assegurar condições essenciais de existência para trabalhadores

assalariados, ou como a prestação de serviços públicos universais, de que são exemplos clássicos a educação, a saúde, o

saneamento básico, os transportes coletivos, ou as telecomunicações. Este último conjunto de processos de bem estar

constituem o que a literatura acadêmica costuma chamar de política social (Pereira, 2008).

A discussão, formulação e implementação de políticas públicas compreende uma complexa dinâmica entre estrutura e

conjuntura, ou seja, entre invariâncias e variâncias de ordem institucional, sócio-cultural e político-econômica; a

compreensão e o domínio dessa dinâmica são essenciais para o êxito das políticas públicas.

Este artigo, apoiado teoricamente na economia política crítica, e sustentado empiricamente pelo processo, ora em curso no

Brasil, de discussão e formulação de uma política pública – o Plano Nacional de Banda Larga -, visa contribuir para uma

melhor compreensão conceitual da dinâmica estrutura-conjuntura na discussão, formulação e implementação das políticas

públicas, com ênfase nas particularidades e sensibilidades políticas dos processos conjunturais. Ao mesmo tempo, busca-se

no artigo o exercício do desafio proposto por Mosco de aproximar as fronteiras dos estudos de políticas públicas, ou policy

studies, bem como as dos estudos culturais, da economia política da comunicação.

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Ramos Crítica a um Plano Nacional de Banda Larga: uma perspectiva da economia política das políticas públicas

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“Policy studies’, escreveu Mosco, “is built on research traditions in political science, economics and institutional

political economy. Is aims to evaluate alternative courses of action, particularly, though not limited to, government

or state actions, in communication. A leading wing of the policy studies approach, public choice theory, is an

explicit attempt to apply neoclassical economic models to political science, with the aim of creating a policy science.

In contrast to cultural studies, public choice theory draws heavily from rational-actor models of society. This

approach has influenced communication research chiefly in spirit (conservative) and in some of its less rigorous applications.” (Mosco, 1996, p. 11)

Ao explicitar suas razões para propor esse desafio interdisciplinar, Mosco o coloca como um elemento essencial para o

repensar e o a renovar teóricos da economia política da comunicação. Neste artigo, ao se exercitar o desafio de fronteiras

disciplinares proposto pelo autor canadense, busca-se também contribuir com a renovação teórica dos estudos de políticas

públicas de comunicação, aproximando-os da economia política das políticas públicas.

Para esse fim, buscou-se no mesmo Vincent Mosco, como ponto de partida da análise da dinâmica estrutura-conjuntura

resultante das discussões e formulação do Plano Nacional de Banda Larga brasileiro, uma definição de economia política,

com sendo “the study of the social relations, particularly the power relations, that mutually constitute the production,

distribution and consumption of resources”. (Ibid, p. 25)

Políticas públicas propõem-se à produção, distribuição e consumo de recursos. Políticas públicas, quando abordadas desde a

perspectiva teórica da escolha pública (public choice) em sociedades modeladas por atores racionais – conforme pregam a

ciência política positiva, a ciência econômica, e a economia política institucional -, deixam de lado a crítica fundamental

derivada das relações sociais contraditórias encontradas nas sociedades capitalistas e suas profundas diferenças sociais e de

exercício de poder. Diferenças responsáveis pela concentração em uma minoria da produção, distribuição e consumo dos

recursos essenciais ao bem estar geral da população.

O Estado é o centro de exercício do poder nas sociedades desde o advento da era moderna, e sua democratização, isto é, o

exercício efetivo do poder de Estado pelo povo se constituiu no desafio maior da política desde a era das revoluções

burguesas. Desafio que teve no século XX o seu tempo mais pleno de disputa político-ideológica, na contraposição de dois

grandes projetos sócio-culturais e político-econômicos: liberalismo-capitalismo e socialismo-comunismo. Na expressão feliz do Hobsbawm (1995), tal contraposição de extremos gestou um século breve, da deflagração da primeira guerra mundial, em

1914, ao desmantelamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em 1991. União Soviética que, nascida da

revolução bolchevique de 1917, liderou o projeto do socialismo-comunismo até o início dos anos 1980 quando, sob o peso de

suas contradições internas (Sweezy, 1979), não conseguiu evitar a falência generalizada daquele projeto, levando de arrasto o

socialismo-comunismo que ajudara a construir em países do Leste Europeu desde o fim da segunda guerra mundial.

Com isso, fora daquele ambiente das mudanças revolucionárias, de base marxista-leninista, do século XX, a que se pode

somar a revolução chinesa de 1945, e a revolução cubana de 1959 -, cujos projetos radicais igualmente falharam, por razões

diversas, não obstante o formalismo político comunista que ainda resiste na República Popular da China e na República de

Cuba -, foi o Estado do Bem Estar Social, do liberalismo-capitalismo centro-europeu, nórdico e canadense, o que mais se

aproximou, no século passado, do que Antonio Gramsci chamou de Estado Ampliado (Coutinho, 2003), conceito importante

para a perspectiva da economia política das políticas públicas que se procura avançar neste artigo. Não por outra razão, foi na Itália, nos anos 1970, que emergiu o chamado euro-comunismo, forma politicamente mais à esquerda do Estado Social,

liderada pelo Partido Comunista Italiano, do qual Gramsci fora um dos fundadores no início do século (Leão Rego, 2001)

Admite-se aqui, portanto, do ponto de vista teórico, que o Estado do Bem Estar Social pode ser portador de mudanças

estruturais que façam avançar interesses fundamentais dos trabalhadores em uma sociedade de classes. Trabalhadores que,

nas complexas sociedades contemporâneas, em meio às vertiginosas mudanças no mundo do trabalho provocadas pela

ubiqüidade cada vez maior das tecnologias da informação e da comunicação, são aqui identificados com “os grandes

sindicatos urbanos, os partidos de massa e os novos movimentos sociais [que] representam não só a versão mais moderna e

complexa das forças populares, mas manifestam claramente que muitas posições defensivas e reivindicatórias começaram a

ser substituídas por atitudes mais ousadas e propositivas, por uma vontade mais explícita de disputar a direção do país.”

(Semeraro, in Coutinho, 2003, p. 266)

Atitudes propositivas que estão na base da maioria das políticas públicas sociais avançadas nos Estados contemporâneos, e

que podem, ou não, estar na base da idéia do Plano Nacional de Banda Larga Brasileira, como se investigará a seguir.

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O PNBL E SEU CONTEXTO INICIAL

A atual configuração política do Estado brasileiro data de 1985, ano em que se encerrou o período de 21 anos da ditadura que

se implantara no país em 1964, na esteira da transição para um regime civil que fora idealizada e conduzida pelo próprio

regime militar. O marco fundador do novo regime civil foi assentado em 5 de outubro de 1988, com a promulgação pelo

Congresso Nacional da nova Constituição Federal. Para os propósitos deste artigo, destaca-se daquela nova Carta Magna o

Artigo 21 que, no tocante às telecomunicações, tinha, então, a seguinte redação:

“Art. 21. Compete à União: (...)

XI – explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob controle acionário estatal, os serviços telefônicos,

telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de serviços de

informações por entidades de direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União.

XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

a) os serviços de radiodifusão sonora, de sons e imagens e demais serviços de telecomunicações;

(...)

Consistente com o espírito geral daquela Constituição, de fortalecimento do Estado, agora sob um regime democrático,

liberal, civil, com igualmente forte acento social, aproximando o Brasil, pelo menos nominalmente, da forma Bem Estar

Social da maioria dos Estados capitalistas daquele tempo, os serviços públicos de telecomunicações foram delegados a empresa sob controle acionário estatal. O que os constituintes de 1987-88 fizeram foi passar para o corpo da Lei Maior o que

o regime militar já fizera ao abrigo da legislação ordinária da sua época: os serviços públicos de telecomunicações, em

especial a telefonia e a transmissão de dados, continuariam a ser explorados pela empresa Telecomunicações Brasileiras S.A.

(Telebrás), holding de um conjunto de empresas estaduais e de uma empresa de longa distância.

Esse cenário começaria a mudar em 1994, com a eleição de Fernando Henrique Cardoso para a presidência da República,

pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). Ainda que, por circunstâncias únicas da realidade brasileira1, o Brasil

tivesse sobrevivido até então à agenda neoliberal do Consenso de Washington, hegemônica na América Latina desde os anos

1980, do Chile de Augusto Pinochet, à Argentina de Carlos Menem, ao Peru de Alberto Fujimori, parte dessa agenda foi

retomada no governo de Cardoso. Em especial no que dizia respeito ao papel do Estado, ao tratamento constitucional dado ao

capital estrangeiro, ao financiamento das políticas sociais e às empresas estatais de infra-estrutura. Nesse novo ambiente político-administrativo, entrou na agenda do novo governo com grande ênfase a desestatização do Sistema Telebrás.

Em 14 de fevereiro de 1995, o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional sua proposta de flexibilização2 do

monopólio estatal das telecomunicações, que alterava o Inciso XI do Art. 21 da Constituição Federal:

Proposta de Emenda Constitucional:

Art. 1º: É suprimida a expressão “a empresas sob controle acionário estatal” no Art. 21, Inciso XI, da Constituição,

passando o dispositivo a ter a seguinte redação:

Art. 21: .....

XI - explorar, diretamente ou mediante concessão os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e

demais serviços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de serviços de informações por entidades de direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União.

Art. 2º: Esta emenda entra em vigor na data de sua publicação.

1 A morte dramática de Tancredo Neves em 21 de abril de 1985, depois de cair doente em 14 de março daquele ano, na

véspera de sua posse na presidência da República como primeiro presidente civil desde 1964; a ascensão ao poder do vice-

presidente José Sarney que, originário do pacto de transição, apoiador que fora do regime militar, cumpriu um tumultuado e

contraditório mandato, sob tutela dos principais líderes do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro; a renúncia em 1991 de Fernando Collor de Mello, em meio a um processo de impeachment por corrupção; e a posse subseqüente do seu

vice-presidente, Itamar Franco, mercurial e de perfil nacionalista. 2 O termo flexibilização surgia aí como um eufemismo. Flexibilizar seria diferente de acabar com o monopólio estatal, o que

serviria para acalmar, em tese, os ainda fortes sentimentos nacionalistas em relação às telecomunicações que existiam no

Congresso Nacional e na sociedade.

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.........................................

Em outras palavras, por sua proposta original o Poder Executivo não pretendeu retirar a radiodifusão do rol clássico de

serviço de telecomunicações. Mas, durante os quase exatos seis meses que se passaram entre a apresentação da Emenda e sua

aprovação pelo Congresso Nacional, sua redação sofreria mudanças significativas, resultando na seguinte:

Art. 21. Compete à União:

.........................................

XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos

termos da lei, que disporá sobre a organização do serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos

institucionais;

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

.........................................

Quais foram, pois, as alterações introduzidas na Emenda pelo legislador? Em primeiro lugar, ele, agrupando todos os serviços

de telecomunicações, determinou a competência da União para explorá-los mediante autorização, concessão ou permissão,

mas nos termos de uma lei, que disporia sobre a organização daqueles serviços, sobre a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais. Com isto, era posto um fim ao monopólio estatal das telecomunicações, enquanto item

constitucional, mas exigia-se uma lei específica para regulamentar esse fim. Mais ainda, surgia a exigência de um órgão

regulador, no lugar ou em conjunto com o Ministério das Comunicações. Por fim, a lei deveria cobrir outros aspectos

institucionais, ficando subentendido nesses o processo de privatização, ou não, das empresas do Sistema Telebrás. Mas, ao

diferenciar, no Inciso XII, os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens dos demais serviços de telecomunicações,

o legislador acabaria surpreendendo a maioria dos observadores (Ramos, 1997).

Promulgada em 15 de agosto de 1995, a Emenda Constitucional nº 08, ao dar nova redação ao Artigo 21 da Constituição

Federal, permitiu que se iniciasse o processo de desestatização do Sistema Telebrás. O primeiro passo foi dado em 19 de

julho de 1996 com a sanção da Lei nº 9.295, a chamada lei mínima, abrindo ao capital privado o mercado brasileiro de

telefonia celular. O passo seguinte foi a sanção, em 16 de julho de 1997, da Lei nº 9.472, que redefiniu o modelo de exploração dos serviços de telecomunicações no país e criou a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o novo

órgão regulador do setor. Além disso, a nova lei permitiu ao Poder Executivo definir a entrada e os limites ao capital

estrangeiro nas operações brasileiras de telecomunicações, podendo, optar, como o fez, por uma liberalização radical,

permitindo a composição de até 100% na participação externa.

Como resultado desses processos de mudança legislativa, o governo de Cardoso, tendo Sérgio Motta como o ministro das

Comunicações responsável pelo processo de desestatização do Sistema Telebrás, dotou o país de um novo modelo

institucional para as telecomunicações, com base em três princípios normativos principais: a) universalização do serviço

telefônico fixo comutado, a ser prestado em regime público; b) competição: na telefonia fixa, mediante um regime regulatório

assimétrico, entre prestadoras em regime público e prestadoras em regime privado; na telefonia móvel, mediante abertura de

bandas de freqüência sucessivas para exploração do serviço; c) regulação por agência autônoma.

Foi com base nesse modelo que o país chegou, nos dias de hoje, com uma estrutura de mercado assentada, na telefonia fixa

local, sobre uma empresa, Oi, de abrangência nacional; e outra, Telefônica, restrita fundamentalmente a São Paulo. Uma

terceira, Embratel, presta essencialmente o serviço de longa distância. Na telefonia móvel, hoje regulamentada como serviço

móvel pessoal, são quatro empresas a concorrer nacionalmente: Vivo, Tim, Claro e Oi. A estrutura de mercado

empresarialmente concentrada da telefonia fixa decorreu do fracasso do modelo de competição assimétrico implantado e da

impossibilidade subseqüente de o órgão regulador impor mecanismos eficazes de competição.

Entretanto, mais do que as limitações normativas, regulamentares e regulatórias, do modelo institucional de 1997/19983,

impossíveis de serem detalhadas neste artigo, é fundamental se destacar que foi a rápida evolução das tecnologias da

informação e da comunicação, centrada no arranque técnico, econômico e cultural da internet, desde quase justamente o

3 Para consultar um importante banco de dados sobre o processo de concepção do modelo institucional das telecomunicações

brasileiras implantado no período 1995/98, acessar Memória das Telecomunicações, Acervo Sérgio Motta

(www.ifhc.org.br/telecomunicacoes/portal/#/Home)

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período de implantação do referido modelo, que levou, pouco mais de dez anos depois, o governo do presidente Luiz Inácio

Lula da Silva a propor um Plano Nacional de Banda Larga para as telecomunicações brasileiras.

O PNBL E SEU CONTEXTO ATUAL: ESTRUTURA E CONJUNTURA

Se o modelo institucional de 1995/98 era alicerçado na telefonia fixa comutada, como serviço público, e na sua conseqüente

universalização, as mudanças nele preconizadas para 2010 estão alicerçadas nas redes de alta capacidade e alta velocidade de

tráfego de dados, as chamadas redes de banda larga, e sua massificação. Ao propor essa inflexão, o governo brasileiro emula

iniciativas hoje largamente difundidas, como as dos governos dos Estados Unidos da América, da Austrália, e da Finlândia, entre outros. Detalhes técnicos à parte, essas iniciativas compõem um conjunto de políticas públicas que visam, pela ordem,

reforçar as dinâmicas econômicas daqueles países, na expectativa de que os resultados fluam para o conjunto da sociedade, e

atingir setores da população que, ou por carência econômica, ou por localização geográfica, não têm acesso aos benefícios

sociais, políticos e culturais propiciados pela internet.

Mas, enquanto naqueles países, as iniciativas de políticas públicas para a banda larga parecem seguir uma lógica estrutural e

conjuntural mais consistente – claras premissas de bem estar social; visão estratégica de longo prazo; liderança do processo

pelo poder executivo, hierarquia de atores do poder executivo respeitada, diálogo aberto com o poder legislativo, diálogo

aberto com a sociedade, diálogo aberto com setores empresariais, metas regulamentares e regulatórias suficientemente

definidas, metas físicas, suficientemente definidas, metas financeiras suficientemente definidas, tempo político adequado -4,

no Brasil tal lógica estrutural e conjuntural, na ótica da análise feita para este artigo, não estaria sendo seguida.

O Brasil é uma república federativa de 27 estados e um território sem status estadual, presidencialista, bicameral,

pluripartidária. Tem população de 194 milhões de habitantes, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística, relativos a 2009, distribuída por 5.564 municípios e morando em 56.344.188 domicílios. Em 2007, o Produto

Interno Bruto foi de US$ 1.315.199, o que coloca o país entre as dez maiores economias do mundo.

O presidencialismo brasileiro, em decorrências das características fragmentárias do sistema partidário, tende a ser, desde a

volta ao regime civil em 1985, um presidencialismo de coalizão. Nas eleições gerais, para a presidência da República,

Câmara dos Deputados e Senado Federal, os governos eleitos não atingem maioria nas casas legislativas, formando-se, em

decorrência, coalizões partidárias para além daquelas estabelecidas para o período eleitoral – em geral mais homogêneas. A

sustentação político-partidária dos governos torna-se, por isso, passível de freqüentes oscilações de conjuntura. Se essas

oscilações atestam a relativa solidez da estrutura institucional adquirida pelo país desde 1985, visto que tais oscilações não adquirem contornos de crises políticas estruturais, elas, não obstante, tornam muito mais complexo e contraditório o

cotidiano do governo no exercício de suas responsabilidades de condutor principal das políticas públicas. Razão pela qual, se

premidas demais pela conjuntura, as políticas públicas, ou não conseguem ser viabilizadas, ou se viabilizam mediante

arranjos político-partidários circunstanciais que as podem fragilizar no longo prazo.

Em uma dinâmica estrutura-conjuntura dessas natureza, torna-se imperativo para os formuladores de políticas públicas buscar

caminhos que dêem a elas maior alavancagem estrutural, o que significa aproximá-las das lógicas estruturantes do Estado,

afastando-as conseqüentemente das lógicas imediatistas que costumam caracterizar governos de coalizão. A esse cenário,

aplica-se aqui o esquema categorial clássico de Gramsci:

Estado Ampliado = Estado restrito + Sociedade civil

Se o governo em questão está comprometido, apesar das eventuais injunções impostas por coalizões de viés conservador,

com o avanço do bem estar social da população, o que significa comprometimento estruturante com a classe dos

trabalhadores, ele precisa superar dialeticamente a sua condição original de Estado restrito – no qual predomina o monopólio

da força e os instrumentos burocráticos de gestão -, aproximando-se da Sociedade civil. Ao engajar-se em diálogo com a

Sociedade civil, constituída, na original concepção de Gramsci, por aparelhos privados de hegemonia5 (Ramos e Santos,

4 Essas categorias de análise foram desenvolvidas, ainda preliminarmente, para este artigo. 5 “Se atualizarmos para hoje a idéia gramsciana de aparelhos privados de hegemonia, a compor a sociedade civil

contemporânea, nela encontraremos, possivelmente, a seguinte hierarquia, por ordem de capacidade de projeção de poder: a

Empresa, ou seja, o conjunto ideológico dos preceitos que conformam o que também chamamos de mercado; as Instituições

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2007, p. 38 3 39), cabe ao governo buscar a construção dos consensos possíveis, capazes de permitir a ampliação do espaço

dos trabalhadores, mas não apenas deles, na estrutura do Estado.

O Plano Nacional de Banda Larga, tal como preconizado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem

compromisso estrutural com aquela classe de trabalhadores que, à margem das grandes cidades, ou nas pequenas cidades e

localidades do interior do país, não têm acesso aos recursos das tecnologias de informação e comunicação sintetizados na internet. Recursos fundamentais ao exercício dos seus direitos de cidadania, por estar a internet se tornando, até mais do que

o rádio e a televisão, a fonte principal de informação, cultura e educação das pessoas de todas as classes sociais e de todas as

idades. Se a idéia do PNBL partiu dessa constatação sócio-cultural, hoje quase auto-evidente, ele partiu também da idéia de

que o modelo institucional das telecomunicações brasileiras surgido no período 1995-98, centrado na universalização da

telefonia fixa comutada, já não mais atende aos desafios impostos pelo avanço da internet em redes de alta capacidade e alta

velocidade. Não atende porque assentado sobre premissas técnicas superadas pelo desenvolvimento das tecnologias de

informação e comunicação desde então, e porque, do ponto de vista político-econômico, dependente dos insuficientes

mecanismos de um mercado oligopolizado pelas empresas privadas, prestadoras de serviços fixos e móveis, em regime

público e privado, sucessoras do Sistema Telebrás.

Decidiu, então, o governo, por um Plano Nacional de Banda Larga, orientado pelas seguintes premissas principais: a)

utilização de redes de alta capacidade e alta velocidade, controladas pelas empresas estatais de energia: Petrobrás, Furnas e Eletronorte; utilização de rede de alta capacidade e alta velocidade da falimentar empresa Eletronet, originalmente uma joint-

venture entre a estatal de energia Eletrobrás e a empresa privada de energia, AES, de capital espanhol; b) agrupamento dessas

redes na empresa estatal Telebrás, cujo processo de extinção6 seria interrompido; c) utilização da nova empresa estatal como

instrumento regulador do mercado de fornecimento de meios físicos a provedores de acesso à internet, que poderiam ser

privados ou coligados à nova estatal; d) estabelecimento de uma faixa de preço mensal – entre R$ 15,00 e R$ 35,00 -, capaz

de levar a internet dos atuais 10,212 milhões de domicílios, a um preço médio mensal de R$ 96,00, para até 1 MB médio

contratado, para cerca de 39 milhões de domicílios, no caso de preço mensal de R$ 15,00, ou 25 milhões de domicílios, no

caso de preço mensal de R$ 35,00, ambos para até 1 MB médio contratado; e) utilização de mecanismos regulatórios, a cargo

da Anatel, para ampliar a competição entre os agentes privados, sempre no propósito de diminuição dos preços oferecidos aos

consumidor de menor poder aquisitivo.7

Essas premissas foram desenvolvidas, no governo, não, em primeira instância, pelo Ministério das Comunicações, o órgão do

governo responsável pelas políticas setoriais, ao qual está subordinada, ainda que não hierarquicamente, a Anatel. Elas foram

pensadas e desenvolvidas na Presidência da República, no âmbito da Secretaria de Assuntos Estratégicos, que tem status

ministerial, e do Programa Nacional de Inclusão Digital, vinculado a outro ministério, a Casa Civil da Presidência. O papel

reservado ao ministério das Comunicações, nesse processo, à sua Secretaria de Telecomunicações, foi subsidiário, inclusive

em relação à Secretaria de Logística e Telecomunicações do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão. Ressalte-se

que o Programa Nacional de Inclusão Digital tem caráter interministerial e abriga representações de todos esses órgãos de

governo, como também do Ministério da Fazenda.

O ponto a se destacar neste momento da análise, retomando-se as categorias de análise das lógicas estrutural e conjuntural de

políticas públicas desenvolvidas para este artigo, é do de que o PNBL, apesar de partir de claras premissas de bem estar

social, estruturais, tem sua trajetória atravessada sistematicamente por excessivos movimentos conjunturais decorrentes:

de comunicação, ou, como as tratamos mais comumente, a Mídia; o Grupo, conjunto de associações pessoais que mais

influenciam nossos comportamentos; a Família; as Igrejas; a Escola; o Sindicato ou Associação, de trabalhadores ou

empresariais; e o chamado Terceiro Setor. Ou seja, Empresa e Mídia são os principais aparelhos privados de hegemonia;

este, a Mídia, uma forma singular daquela, a Empresa. Mas, uma forma muito mais poderosa justamente pela sua

singularidade: a de produtora e disseminadora de conteúdos jornalísticos, informativos em geral, e de entretenimento,

embebidos em sua virtual totalidade da lógica absoluta do consumo, que é a principal força ideologicamente reprodutora do

capitalismo. Em outras palavras, a Mídia é, no sentido teórico gramsciano que aqui se aplica à análise de suas funções

socioculturais e político-econômicas, parte integrante, e fundamental, da sociedade civil.” 6 A Telebrás S.A. foi mantida funcionando, embora em processo de extinção, de modo a que funcionários seus compusessem o primeiro corpo técnico da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), e também para permitir a conclusão de

pendências trabalhistas com ex-funcionários. 7 As informações sobre o PNBL constantes deste artigo, dado que ele é um processo ainda em curso, foram retiradas das

publicações especializadas Teletime (www.teletime.com.br) e Telesínteses (www.telesintese.com.br) e de relatórios

produzidos pela Ecco – Estudos e Consultorias, sob responsabilidade deste autor.

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Ramos Crítica a um Plano Nacional de Banda Larga: uma perspectiva da economia política das políticas públicas

Anais da IV Conferência ACORN-REDECOM, Brasília, DF, 14-15 de maio de 2010 65

a) falta de uma visão estratégica de longo prazo, até pelo menos 2025, quando se encerram os atuais contratos de concessão

das prestadoras de serviço de telefonia fixa comutada em regime público;

b) da dispersão da liderança exercida pelo poder executivo no processo;

c) do desrespeito à hierarquia dos atores do poder executivo envolvidos no processo, dada ao papel marginal reservado ao

Ministério das Comunicações;

d) do escasso diálogo com o poder legislativo; e) da falta de um diálogo amplo com a sociedade;

f) do diálogo áspero com o setor privado, contaminado por visões ideológicas ainda decorrentes da disputa de dez anos

passados pelo Sistema Telebrás;

g) da falta de definição clara para metas regulamentares, regulatórias, físicas e financeiras.

Exemplos desses movimentos conjunturais, no que toca à dispersão, hierarquia, metas, podem ser encontrados na reunião de

8 de abril de 2010, entre o Presidente da República, ministros de Estado e outras autoridades do poder executivo envolvidas

com o PNBL. Nesse encontro, revelou-se uma forte objeção do Ministério da Fazenda ao Plano8 . Para os responsáveis pelo

Ministério da Fazenda, seriam três os problemas centrais do PNBL: a dificuldade de se garantir verbas para ele em um “ano

eleitoral” (ênfase minha). “Para a Fazenda, a aprovação de um projeto de lei com dotações orçamentárias que assegurem a

execução do plano é praticamente impossível em 2010” (Teletime News, 08/04/2010). As demais objeções do Ministério da

Fazenda dizem respeito ao uso da Telebrás como gestoras das redes. “A pasta preocupa-se com o tamanho do passivo potencial que a estatal possui por conta de disputas com acionistas minoritários. A projeção é que a estatal tenha que pagar

R$ 133 milhões para cobrir perda desses acionistas” (Ibid). A outra preocupação da Fazenda é a “necessidade de alterar o

estatuto da Telebrás para que ela possa passar a prover internet ou acesso a redes de telecomunicações. Na visão da equipe da

Fazenda, acionistas minoritários da estatal podem ir à Justiça reclamar da mudança de objetivos da empresa, gerando um

novo passivo judicial” (Ibid).

CONCLUSÃO

Políticas públicas não são atos voluntários de vontade de governos ou parlamentos, ou de movimentos sociais, ou ainda de

agrupamentos empresariais com interesses em questões públicas. Políticas públicas são processos socioculturais e político-

econômicos eivados de conflitos, de contradições, de disputa por espaços de poder na produção, dispersão e consumo de

recursos, na melhor tradição da economia política crítica. Políticas públicas são processos complexos determinados em larga

escala pela dinâmica aqui salientada entre estrutura e conjuntura.

No caso do Plano Nacional de Banda Larga brasileiro nada é mais ilustrativo dos problemas que podem decorrer dessa dinâmica do que o fato ressaltado pelo Ministério da Fazenda de que o PNBL deverá ser lançado em um ano eleitoral; de

eleições gerais, para a Presidência da República e Congresso Nacional, além de governos de estado e assembléias estaduais.

Este é, sem dúvida, o fator conjuntural determinante que hoje atravessa as pretensões estruturais dos planejadores do PNBL.

Ou esses planejadores deixaram de levar em conta as implicações políticas desse fator, inconscientes de que ele seria

apropriado eleitoralmente, tanto pela oposição quanto pelos interessados em fazer parte da coalizão governista, ou o levaram

conscientemente em conta, seus olhos voltados para eventuais dividendos eleitorais, apesar dos riscos de ver o PNBL ser

transformado pela voragem da conjuntura eleitoral em um arremedo tático de curto prazo, ao invés de um projeto estratégico

de longo prazo, como deveria ser o caso de toda política pública social e de infra-estrutura, voltada à ampliação do Estado e

ao bem estar da sociedade.

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8 Destaque-se que o anúncio do Plano Nacional de Banda Larga vem sendo sucessivamente adiado desde o final de 2010,

sempre por razões conjunturais, nunca suficientemente explicadas quando tornadas públicas (nota do autor).

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Ramos Crítica a um Plano Nacional de Banda Larga: uma perspectiva da economia política das políticas públicas

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