View
213
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
20 ANOS DO MARTÍRIODAS LIDERANÇASXAKRIABÁ
E N C A R T E
Texto: Luciano Marcos (Cimi Leste) • Referência: “O tempo passa e
a história fica” - Livro dos professores Xakriabá e Jornal Porantim2 9 1Dezembro-2006
Na noite do dia 11 de fevereiro de 1987, um grupo de grileiros da terra
indígena Xakriabá, no município de São João das Missões, norte de
Minas Gerais, liderados por Francisco de Assis Amaro, invadiu a
aldeia Sapé. Por volta das duas horas da madrugada, arrombaram a
casa do vice-cacique Rosalino Gomes de Oliveira e iniciaram um tiroteio.
Rosalino, de 42 anos, e mais dois indígenas, Manuel Fiúza da Silva e José
Pereira Santana, foram brutalmente assassinados.
A esposa de Rosalino, Anísia Nunes, grávida de dois meses, foi ferida
com um tiro no braço. Seu filho, José Nunes de Oliveira, atual prefeito
municipal, na época com 10 anos de idade, foi obrigado a arrastar o corpo
ensangüentado do pai, do quarto onde foi fuzilado à queima roupa. Segundo
a tradição Xakriabá, Rosalino, José e Manuel foram sepultados próximos de
suas casas.
A chacina Xakriabá ganhou repercussão internacional e acirrou o conflito
fundiário pela posse do território indígena de 46.414 hectares, já demarcado
em 1979 pela Funai. O crime, considerado genocídio, foi resultado de um
processo sofrido deste povo para reaver suas terras, onde várias outras
lideranças tombaram. Muitos desses crimes ficaram na impunidade.
Parte do grupo de 15 pistoleiros já foram julgados e condenados pela Justiça
Federal. Após cumprirem um terço da pena em regime fechado, já se encontram
em liberdade nas cidades do entorno da terra indígena.
O sangue generoso de Rosalino, derramado na terra-mãe Xakriabá, fez com
que a luta não parasse. Em 1989, a área foi homologada e mais de 90 famílias
de posseiros foram retiradas da área indígena.
Nos dias 11 e 12 de fevereiro de 2007, o povo Xakriabá juntamente com o
Cimi Leste, o movimento indígena, com o apoio da Prefeitura Municipal de
Missões e os aliados da causa indígena, realizam a “Romaria dos Mártires da
Terra Xakriabá”. Espaço para celebrar e fortalecer a luta, de fazer memória aos
que doaram sua vida e de projetar novos caminhos para construção da
autonomia.
Das palavras mais bonitas
O Rosalino falou:
“Eu prefiro ser adubo mas
sair daqui não vou.”
Ele morreu pra ser adubo
Pra justiça da fulô.
(Domingos Nunes)
20 ANOS DO MARTÍRIODAS LIDERANÇASXAKRIABÁ
2Dezembro - 2006
Atualmente a população Xakriabá, de
oito mil indígenas, é liderada por um
dos filhos de Rosalino, Domingos
Nunes de Oliveira, que tem como desafio
continuar a luta de seu pai pela garantia e
posse de suas terras. A atual área Xakriabá
corresponde apenas a um terço do terri-
tório original.
Em maio de 2003, foi homologada a
terra Xakriabá de Rancharia, com 6.798
hectares. Várias aldeias vêm se mobilizan-
do para ampliação dos limites da atual
área, e, em maio de 2006, um grupo de
39 famílias Xakriabá, que moravam na
sede do município de São João das Mis-
sões, retomou a região do Morro Verme-
lho e lutam pela regularização desta área.
Apesar de viverem hoje com mais li-
berdade, o povo Xakriabá enfrenta vários
desafios, sobretudo aqueles ligados à
sustentabilidade e à melhoria da qualida-
de de vida. Sua produção de alimentos
está condicionada ao ciclo das chuvas, es-
cassas na região. Muitos são obrigados a
buscar outras frentes de trabalho nas fa-
zendas da região ou em canaviais de São
Paulo e Mato Grosso do Sul.
Segundo o cacique Domingos, a atual
área também já é insuficiente para dar con-
dições de trabalho para todas as famílias,
considerando que há um crescente au-
mento populacional.
Como os demais povos indígenas, os
Xakriabá vivenciam os problemas decor-
rentes da falta de uma política indigenista
que leve em conta a sua especificidade
cultural, o atendimento diferenciado nas
áreas de saúde, educação, gestão
ambiental e de apoio as iniciativas produ-
tivas.
O LEGADODE UM LÍDER
Os Xakriabá representam 70 % do elei-
torado do município de São João das Mis-
sões. Com o processo de fortalecimento
da organização interna, decidiram influen-
ciar diretamente nos rumos políticos do
município. No último pleito, elegeram o
primeiro prefeito indígena de Minas Ge-
rais, o filho de Rosalino, José Nunes de
Oliveira e mais quatro vereadores Xakriabá
para a Câmara Municipal.
Segundo José Nunes “essa iniciativa
nasceu de uma necessidade, porque a
gente vem sofrendo muita discriminação
e descaso da atual administração que
apoiamos em duas eleições.”
José Nunes vem desenvolvendo o seu
trabalho na prefeitura tendo como inspi-
ração a luta de seu pai. Rosalino era um
homem que exercia forte liderança a par-
tir de um diálogo intenso com as comuni-
dades, com a convicção dos seus direitos
e animação do povo.
O povo Xakriabá, com mais de 25 al-
deias, participa ativamente do movimento
indígena e busca por meio da participação
das comunidades a organização política
para enfrentar os sérios problemas sociais.
Para Domingos Nunes, cacique
Xakriabá, a luta é constante. Além do pro-
blema fundiário e da falta de recursos por
parte da Fundação Nacional do Índio
(Funai), as famílias sofrem muita depen-
dência externa, sobretudo no período da
seca. “Assim como foi o 1º Mutirão dos
Povos do Leste, realizado em outubro de
2003 na área Xakriabá, esperamos que
este momento da Romaria seja também
voltado para animar ainda mais a partici-
pação do nosso povo, sobretudo na valo-
rização da cultura,” disse confiante Nunes.
As novas estratégias da luta
Oconflito envolvendo o Povo Xakriabá
no Norte de Minas Gerais, que em
2007 completa 20 anos, foi resul-
tado da disputa fundiária envolvendo
índios e posseiros. De acordo com os
relatórios do Cimi, “os posseiros indis-
postos com os índios abandonavam as
terras e os grileiros se apoderavam
delas, vendendo-as tempo depois para
grandes fazendeiros, que ampliavam suas
propriedades.”
Rosalino Gomes de Oliveira, uma das
principais lideranças do povo, foi brutal-
mente assassinado em sua residência
enquanto dormia, juntamente com dois
índios, na madrugada do dia 12 de feve-
reiro de 1987.
Segundo relatos do inquérito, um gru-
po de cerca de 15 homens entrou na re-
serva Xakriabá, deixando o caminhão es-
tacionado cerca de 2 km da aldeia Sapé,
onde morava Rosalino e sua família. Para
que não houvesse como Rosalino esca-
par, eles se dividiram em dois grupos: um
atacou pela porta da frente da casa e ou-
tro pelo fundo. No tiroteio morreu também
Agenor Nunes de Macedo, do grupo dos
grileiros.
O julgamento realizado pela Justiça
Federal em Belo Horizonte em setembro
de 1988, condenou os matadores a 81
anos de prisão. O grileiro Francisco de
Assis Amaro recebeu a maior pena: 27
anos. Germano Gonçalves foi condena-
do pelo assassinato e recebeu a pena de
20 anos e seis meses, Roberto Freire
Alkimim e Sebastião Vidoca a 12 anos,
Claudomiro Vidoca foi condenado a 2
anos e seis meses. Além de crime de
genocídio, os assassinos foram con-
denados pelos crimes de lesões cor-
porais, invasão de domicílio e forma-
ção de bando ou quadrilha. Após cum-
prirem um terço da pena em regime
fechado, todos se encontram em liber-
dade.
Rosalino deixou viúva Anísia Nunes
de oliveira e seus seis filhos:
Otelício,Valdir, Domingos (atual caci-
que), José Nunes (Prefeito de Mis-
sões), Rosalina e Roseane, que vivem
na aldeia do Brejo Mata Fome.
CHACINA XAKRIABÁO povo Xakriabá sempre sofreu agressões dos fazendeiros e grileirosque desejavam sua terra. Acima, em 1985, o cacique Rodrigo mostramarca de balas na placa da reserva
Povo Xakriabá fortalece sua luta por terra e sobrevivência
Fot
o: F
ábio
Vill
as
3 Dezembro - 2006
Aliderança de Rosalino foi construída a
partir da disposição do seu povo em
não abrir mão de suas terras. Para ini-
ciar o processo de demarcação, as aldeias
buscaram, nos anos 1960, o diálogo com a
Funai em Brasília. Neste período, acirrou a
disputa entre índios, posseiros e o estado
de Minas.
O contexto da ditadura militar, a nega-
ção dos direitos indígenas, as perseguições,
a falta de terras para viver, foram deter-
minantes para a formação de Rosalino. Atra-
vés da participação em encontros do Cimi,
do movimento indígena, da sociedade civil,
das CEB’s, ele foi se afirmando e assumin-
do a frente da luta. Importante destacar o
papel de dona Ercina Gomes de Oliveira, sua
mãe e grande conhecedora dos segredos do
povo. Dona Ercina, hoje com mais de 100
anos, está lúcida e é uma referência para os
Xakriabá.
A terra foi determinante para a vida de
Rosalino. Segundo a pesquisadora Suzana
Escobar, “a terra para os Xakriabá representa
sua própria vida, uma extensão do seu cor-
po material e espiritual. A terra não é vista
de forma utilitária ou como patrimônio ma-
terial. O trabalho desenvolvido na terra é
parte de uma relação de reciprocidade en-
tre os seres da natureza em que ela não é
um objeto onde se realiza o trabalho, ela é
um dos sujeitos dessa relação. A ameaça à
terra, portanto, é ameaça à própria vida e
esse foi o sentimento que inspirou e moti-
vou a luta pela terra.
O Xakriabá Antônio Pereira Lopes, co-
nhecido como Antônio Coco, lembra do
amigo como um homem corajoso “Ele não
tinha medo de nada. Quando convocava uma
reunião, ninguém conseguia ficar em casa”.
A lembrança que Domingos, 32 anos,
filho de Rosalino e atual Cacique, guarda do
pai é de um homem muito alegre e carinho-
so com sua família. “Na comunidade fazia
questão de repassar as informações, ouvir
a opinião de todos. Quando ia para as bata-
lhas cantava e animava.Tudo o que eu apren-
di foi na época do meu pai, o tempo que vivi
com ele. Seu sonho era ver a terra livre,”
destaca Domingos.
UM MÁRTIR DA LUTAINDÍGENA BRASILEIRA
ROSALINO
Dona Ercina,mãe deRosalino, foifundamentalpara aformação dolíder. Hoje, elatem mais decem anos. Estálúcida e éimportantereferência paraos Xakriabá
O exemplo de Rosalinofortalece a luta e aorganização dos Xakriabá atéhoje. Em 2003, o Mutirão sobrePolítica Indigenista dos Povosdo Leste foi um importantemomento de rearticular aatuação deste povo
O LÍDER QUE SE FORMOU NALUTA CONTRA OS POSSEIROS(Depoimento de Fábio Alves dos Santos, advogado, professor na PUC Minas eex-integrante do CIMI Leste, que trabalhava com os Xakriabá na época da chacina)
Em 1985, cheguei à reserva Xakriabá. O cacique Rodrigo morava junto
ao posto da Funai, onde era funcionário.
Grande parte da área indígena estava invadida por grileiros. O então prefei-
to de Itacarambi, José Ferreira de Paula, e outros empresários da cidade de Mon-
tes Claros criavam nessas terras rebanho com milhares de cabeças de gado. A
Justiça Federal havia concedido liminar de reintegração de posse contra esses
invasores, mas eles permaneciam ali tranqüilamente.
Rosalino sempre revelou sua insatisfação com esta situação e com a inércia
do cacique e da Funai. O cacique Rodrigo desestimulava qualquer tentativa de
mobilização dos índios contra os invasores das terras. Rosalino, com muita pers-
picácia, foi aglutinando um número cada vez maior de indígenas também insatis-
feitos com a situação.
Diante da inércia do Rodrigo e da Funai, Rosalino começou o enfrentamento.
Começou pela retirada do gado do prefeito-grileiro. Logo, outros fazendeiros
começaram a se retirar da área. O povo se animava e crescia em esperanças.
O prefeito, inconformado com a derrota, articula posseiros pobres que
viviam na reserva Xakriabá. Muitas famílias indígenas negavam a sua identida-
de e se juntavam aos posseiros para combaterem os índios. Pobres posseiros
foram usados para lutarem contra pobres índios. E outros grileiros foram
enviados para a área. Os índios não recuaram na luta em defesa de seus direi-
tos e de suas terras.
Em fevereiro de 1987, Rosalino foi assassinado. O sangue de Rosalino fecun-
dou a terra e alimentou a luta do povo. A área Xakriabá foi totalmente liberada de
posseiros e grileiros. Os assassinos de Rosalino foram condenados e cumpriram
pena na prisão. Dois deles, recentemente presos, aguardam julgamento.
Os filhos de Rosalino e de tantos lutadores cresceram, estudaram e assumi-
ram postos de liderança nas aldeias. Hoje alguns são vereadores ou exercem
cargos públicos em São João das Missões. José, que há vinte anos viu seu
pai vítima da chacina, hoje é o prefeito do município. Eleito com esmagadora
maioria, grita para todos: ’Chegou a hora de tanto sangue ser semente e dessa s
emente germinar.”
“
Missa de
7o dia de
Rosalino:
Fábio entre a
mãe e a irmã
do líder
Xakriabá
Fotos coloridas: Liliana Luchim
Foto: Railda Herre
ro
Fot
o: N
ira
Fot
o: C
imi L
este
4Setembro - 2006
Aterra Xakriabá é a terra do sol. É a terra da cor da terra do sol. É a terra das
mulheres e homens cor da terra; daqueles homens e mulheres lutadores, daqueles
alegres rostos juvenis. Na terra Xakriabá um córrego é parte da história; uma
árvore longa, uma estrada feita à mão é parte da história; as casas, o mato, a ponte
estreita, o atalho para se chegar à escola, o nome dos lugares e das coisas, essas são
– junto com as pessoas – a história viva!
O povo Xakriabá é um povo levantado do chão; um povo que se ergue nos
momentos precisos.
As famílias Xakriabá – como qualquer família no sertão – sempre viveram com
muitas dificuldades.
Xakriabá lutou pela conquista da terra.
Xakriabá regou com sangue a terra conquistada.
Xakriabá floresceu nova semente na terra conquistada. Xakriabá floresceu
alegrias que só a terra compreende, quando é tocada pelos seus filhos!
Entre tempos de escuridão e luminosidade o povo Xakriabá foi prosperando e
povoando a terra com novos filhos, os filhos da nova luta. Estes, que agora assumem
com vigor e singeleza a nova história.
E o silêncio surdo que há anos encerravam os espíritos, foi rompido, dando
lugar aos sons da nova cantiga, revigorando a terra, as plantas e os rios; dando nova
pintura às casas, reavivando as trilhas, os nomes dos lugares; fortalecendo a reza,
ampliando a voz; multiplicando as roças e a colheita, esverdeando a floresta e iluminando
o caminho.
Jovens xakriabá que se lançam neste caminho guiado pelos espíritos sob a
benção dos mais velhos e dos antepassados, vigiando os seus passos. Lideranças do
povo que lembram os antigos guerreiros, aliando a sabedoria de ontem com a nova
experiência de hoje.
Levantados do chão, o futuro do povo Xakriabá já se faz presente.
SumárioCimi Leste
ROMARIA DOS MÁRTIRESDA TERRA XAKRIABÁDias 10 e 11 de fevereiro de 2007
Aldeia Brejo do Mata Fome
São João das Missões – MG
Dia 10 de fevereiro – Sábado
Assembléia do povo Xakriabá
Celebração de abertura – rituais indígenas e saudação dos povos edas comunidades
APRESENTAÇÃO DOS MÁRTIRES XAKRIABÁ
Painel 01: A luta do povo Xakriabá na luta pelo seu território eafirmação da sua identidade étnica (1970 a 1987)
Painel 02: 20 anos depois – Contexto político atual da luta do povoXakriabá no cenário indígena do Brasil – Desafios e perspectivaspara a autonomia.
Testemunhos
Aprovação de documento final
Celebração dos mártires e do compromisso
Exibição do documentário “Mártires da terra – A luta não foi em vão”
Dia 11 de fevereiro - Domingo
4h30 – Alvorada - Celebração da esperança (a madrugada anuncia achegada da aurora – a nova terra, o novo homem/mulher) comsaudação do dia que chega. Acolhida da cruz dos mártires
8h – Acolhida dos romeiros – cantos, danças e rituais indígenas
9h – Teatro “Peleja Xakriabá”
10h – Início da caminhada – Tema: Terra Mãe – fonte de vida
15h – Celebração ecumênica
16h – Despedida dos romeiros
4Dezembro - 2006
XAKRIABÁLEVANTADOS DO CHÃO
OCimi acompanha o Povo Xakriabá desde 1979, sendo a entidade uma
das principais aliadas de sua luta. Em 1991, o Cimi Leste formou a equi
pe Xakriabá, que atua diretamente na região, com o apoio da Diocese de
Januária. A atuação está centrada na presença solidária e assessoria nas áreas
de formação, apoio a luta pela terra, organização e auto-sustentação.
O Cimi desenvolve o seu trabalho possibilitando a construção do conhecimento,
sobretudo, em torno da legislação e dos direitos indígenas, na animação
comunitária, no fortalecimento do protagonismo e busca da autonomia.
O Cimi cumpre também um papel de articulador da causa indígena com os
outros processos de luta na região, como a mobilização contra a transposição
do Rio São Francisco e a preservação do cerrado.
Para Nilton Santos, mais conhecido como Bil, que atua na equipe Xakriabá,
o grande desafio é acompanhar os diferentes processos da luta numa área
muito extensa e com um grande número de comunidades a serem atendidas.
Segundo o mesmo “Ainda há um forte preconceito na região e com o aumento
da luta pela terra a situação tende a se agravar.”
A PRESENÇA DO CIMI JUNTO AO POVO XAKRIABÁ
Fot
o: A
rqui
vo C
imi L
este
Recommended