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O Contato entre a Acupuntura e a Psicologia
Raphael Henrique Moreira1 UERJ raphael83@bol.com.br
Jorge Coelho Soares2 UERJ
Resumo
O presente trabalho faz parte do projeto de monografia de conclusão de graduação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e tem o objetivo de pesquisar as possíveis
relações entre dois saberes que têm o intuito de reduzir o sofrimento humano, porém advêm
de pressupostos diferentes. É necessário pensar nesse momento qual é o papel da
acupuntura no exercício da prática profissional psicológica, para que ela não seja
descaracterizada para servir aos moldes ocidentais e para não se tornarem práticas sem
nenhuma relação. O exercício da acupuntura foi regulamentado pelo conselho de psicologia
com a resolução n° 005/20023. A partir daquela data a acupuntura se tornou um recurso
complementar à prática psicológica.
Esse avanço na área da saúde não deixou de ser de forma dicotomizada desconsiderando
outros recursos da medicina tradicional chinesa como, por exemplo, a dietoterapia, a
fitoterapia e a shiatsuterapia, que continuam sendo práticas que ferem o código de ética do
psicólogo, mas que não são praticadas de forma dissociada na China e em outros países que
adotaram a prática como a França, Portugal e Estados Unidos. Destaca-se o equívoco nesse
campo, pois não seria possível admitir os valores terapêuticos da acupuntura e negá-los ao
shiatsu, pois a diferença dessas práticas é tão indissociável quanto o organismo por si
próprio.
Propondo-se a discutir o contato entre áreas distintas, serão utilizados os conceitos de
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade que Japiassu em seu livro O sonho
transdisciplinar apresenta com o intuito de pensar formas de se fazer ciência: 1 Graduando do curso de psicologia e especializando em acupuntura e eletroacupuntura pela ABACO . 2 Prof. adjunto do PPGPS/UERJ. 3 “Art.1º - Reconhecer o uso da Acupuntura como recurso complementar no trabalho do psicólogo, observados os padrões éticos da profissão e garantidos a segurança e o bem-estar da pessoa atendida; Art 2º - O psicólogo poderá recorrer à Acupuntura, dentro do seu campo de atuação, desde que possa comprovar formação em curso específico de acupuntura e capacitação adequada, de acordo com o disposto na alínea “a” do artigo 1o do Código de Ética Profissional do Psicólogo; Art.3o - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação; Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário”.
“Pesquisa interdisciplinar é a que se realiza nas fronteiras e pontos de contato
entre diversas ciências [...] A pesquisa interdisciplinar não se contenta em promover a
convergência e a complementaridade de várias disciplinas para atingir um objetivo
comum; busca utilizar essa colocação em presença para tentar obter uma síntese entre os
métodos utilizados, as leis formuladas e as aplicações propostas”. (Japiassu, 2006, p. 38-
39).
“Pesquisa transdisciplinar é a que se afirma no nível dos esquemas cognitivos podendo
atravessar as disciplinas e visando à criação de um campo de conhecimentos onde seja
possível a existência de um novo paradigma ou de um novo modo de coexistência e de
diálogo entre os filósofos e os cientistas, os esquemas nocionais devendo circular da
filosofia às ciências naturais e humanas, sem que haja nenhuma hierarquia entre esses
diversos modos de problematização e experimentação [...] Diferentemente da pesquisa
monodisciplinar, ela se interessa pela dinâmica gerada pela ação de vários níveis de
Realidade. Não constituindo uma nova disciplina, passa pelo conhecimento disciplinar e
dele se alimenta”. (Japiassu, 2006, p. 39-40).
No trabalho serão observadas obras publicadas no Brasil que se propõem a discutir o
contato entre psicologia e acupuntura com o intuito de descobrir de que forma esse contato
está ocorrendo. Além dessas obras, serão analisados trabalhos que discursam sobre o
contato da acupuntura com outras ciências médicas.
As pesquisas nos moldes ocidentais tentam verificar a eficácia da acupuntura ignorando
os conceitos e pressupostos de complexidade com os quais trabalha um acupunturista,
mostrando assim um choque existente entre a prática da pesquisa ocidental e esse
tratamento oriental. Não é possível utilizar-se uma mesma seqüência de pontos para
pessoas com o mesmo sintoma, por exemplo, pois cada indivíduo tem sua complexidade e
o mesmo sintoma pode significar uma desarmonia diferente, além de estar atrelado a outros
sinais gerando uma complexidade no desequilíbrio energética. Não há um sintoma com
uma única solução a ser quantificada com a pesquisa ocidental.
Nota-se que o fato de ignorar a questão da complexidade do diagnóstico chinês demonstra
a falta de diálogo entre essas práticas distantes, mostra que há uma tentativa de submissão
aos moldes dos métodos de pesquisa ocidentais. Sendo dessa forma distante dos contatos
interdisciplinares ou transdisciplinares propostos por Japiassu.
O trabalho de pesquisa está em processo, porém é possível delinear algumas discussões
como as feitas por Campiglia em seu livro Psique e Medicina Tradicional Chinesa. Neste
livro é possível ver tentativas de sincretismo: “Provavelmente, a atividade de liberação ou
acúmulo do Sangue, descrita nos antigos livros chineses, relaciona-se ao armazenamento de
energia que se dá no Fígado por meio do glucogênio hepático”. (Campiglia, 2004, p. 55). O
sincretismo abre mão de uma discussão interdisciplinar para achar convergências que não
trazem uma nova contribuição, mas somente uma correlação.
Campiglia tem em seu estudo a psicoterapia Reichiana e estabelece em seu livro o
seguinte sincretismo: “Dos cinco elementos, existem as seguintes possibilidades de
associação com os tipos caracteriológicos descritos: Elemento Água – tipo fóbico;
Elemento Madeira – tipo fálico-narcisista; Elemento Fogo – tipo histérico; Elemento Terra
– tipo oral; Elemento Metal – tipo anal” (Campiglia, 2004, p. 39). Dessa forma se reduz a
possibilidade de diálogo, visto que uma correlação não traz um elemento novo para
discussão, e sim dois elementos e suas “similaridades”, tornando-se uma maneira de entrar
em contato com o novo da mesma maneira que já se havia feito.
Encontram-se dificuldades quando o objetivo é o sincretismo. A teoria Reichiana não
pode ser tomada como uma verdade acerca da psique, existem divergências entre as teorias
psicológicas quanto ao funcionamento do psiquismo. Já na filosofia da acupuntura a
construção conceitual se dá de forma uníssona. A acupuntura é uma prática utilizada na
intenção de restabelecer o equilíbrio energético do organismo, pressupõe que é possível
viver em harmonia consigo, com os outros e com a natureza. Esse conceito por si só
demonstra um ponto de fricção entre a acupuntura e a caracterologia Reichiana que acredita
que:
“Apresentam-se, a seguir, os caracteres neuróticos descritos por Reich e pelos
autores neoreichinanos: oral, compulsivo, fálico-narcisista, histérico e o caráter (o traço)
fóbico e a psicose. Cada um desses traços ou caracteres mostra aspectos quantitativos e
qualitativos de fixação da libido, ocasionando quadros bastante diversos. Todos temos
alguma fixação neurótica, maior ou menor, pode haver mais de uma fixação em uma
pessoa. O ser humano é complexo, bem como o seu desenvolvimento; não se pode
esperar encontrar indivíduos completamente ‘não-neuróticos’ sem conflitos ou
fixações”.(Campiglia, 2004, p. 28). Portanto, para essa teoria, o patológico é a norma, quando para a Medicina Tradicional
Chinesa somente o fisiológico é a norma.
Existe a possibilidade de um diálogo interdisciplinar entre a acupuntura e a psicologia,
porém é necessário cuidado, pois é facilmente factível que adotemos a acupuntura como
uma técnica a ser submetida e modificada aos moldes da psicologia ocidental. É necessário
que a relação entre esses paradigmas distantes se dê de forma a contemplar um
enriquecimento, a criação de novos conceitos. Por enquanto só é possível observar a
dificuldade de se lidar com uma prática diferente e a tentativa de assimilar esse novo
conhecimento a partir de um conhecimento já existente na psicologia.
Eixo temático: Saúde
Introdução
O presente trabalho faz parte do projeto de monografia de conclusão de graduação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e tem o objetivo de pesquisar as possíveis
relações entre dois saberes que têm o intuito de reduzir o sofrimento humano, porém advêm
de pressupostos diferentes. É necessário pensar nesse momento qual é o papel da
acupuntura no exercício da prática profissional psicológica, a fim de que ela não seja
descaracterizada de modo a servir aos moldes ocidentais e para não se tornarem práticas
sem nenhuma relação.
Propondo-se a discutir o contato entre áreas distintas, serão utilizados os conceitos de
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade que Japiassu em seu livro O sonho
transdisciplinar apresenta com o intuito de pensar formas de se fazer ciência: “Pesquisa interdisciplinar é a que se realiza nas fronteiras e pontos de contato entre
diversas ciências [...] A pesquisa interdisciplinar não se contenta em promover a
convergência e a complementaridade de várias disciplinas para atingir um objetivo
comum; busca utilizar essa colocação em presença para tentar obter uma síntese entre os
métodos utilizados, as leis formuladas e as aplicações propostas”. (Japiassu, 2006, p. 38-
39).
“Pesquisa transdisciplinar é a que se afirma no nível dos esquemas cognitivos podendo
atravessar as disciplinas e visando à criação de um campo de conhecimentos onde seja
possível a existência de um novo paradigma ou de um novo modo de coexistência e de
diálogo entre os filósofos e os cientistas, os esquemas nocionais devendo circular da
filosofia às ciências naturais e humanas, sem que haja nenhuma hierarquia entre esses
diversos modos de problematização e experimentação [...] Diferentemente da pesquisa
monodisciplinar, ela se interessa pela dinâmica gerada pela ação de vários níveis de
Realidade. Não constituindo uma nova disciplina, passa pelo conhecimento disciplinar e
dele se alimenta”. (Japiassu, 2006, p. 39-40).
No trabalho são observadas três obras publicadas no Brasil que se propõem a discutir o
contato entre psicologia e acupuntura com o intuito de descobrir de que forma esse contato
está ocorrendo, são elas: Acupuntura e psicologia de Yves Requena, Psique e medicina
tradicional chinesa de Helena Campiglia e Psiquismo em Medicina Oriental de Ilka
Domingas Penna.
1. Acupuntura e psicologia – Yves Requena
Yves Requena é um médico acupunturista francês.
Em seu segundo capítulo intitulado “A Psicologia” o autor apresenta uma caraterologia
de Gaston Berger e fala da psicologia como se a psicanálise englobasse todo o seu
conhecimento. A contribuição que o livro se propõe apresentar é analogia entre essa
caraterologia de Berger e os seis temperamentos da acupuntura.
No capítulo quatro, Requena descreve as cinco constituições da acupuntura (Madeira,
Fogo, Terra, Metal e Água): “A constituição chinesa irá definir a vulnerabilidade específica
de um ou de outro órgão ou funções chinesas, para um dado indivíduo”. (REQUENA, 1990
p. 110). Demonstram-se características morfológicas e se uma desarmonia se apresenta
onde ela é mais propensa por ser constitucional, poderão aparecer características psíquicas.
O conceito de constituição não restringe uma única constituição à pessoa, essa
vulnerabilidade apresentada pode se dar em mais de um órgão, tornando complexa a
apresentação da morfologia.
Existe ainda, na ciência ocidental, uma grande necessidade de explicar o que acontece nos
processos psíquicos ao invés de concentrar esforços em como se dá o processo de
adoecimento e como se dá o processo de cura. Ainda é notável que a maior necessidade é a
de entender, complicando o estudo quando se tenta dominar toda a complexidade humana,
o esforço é notado na passagem: “O interesse de aproximar a acupuntura das análises caracteriológicas da psicologia é
grande. Ela permite ao acupuntor dar mais exatidão ao caráter de seu paciente e de
deduzir os desequilíbrios de energia nos meridianos em função de seu comportamento
[...] Por último, a mesma permite atualizar de outra maneira a relação psiquê-soma,
contida na acupuntura, mas imperfeitamente sistematizada até agora, relação que aliás
sempre preocupou os médicos e psicólogos ocidentais em suas pesquisas de correlações
entre o caráter e o humor, a morfologia dominante ou a atividade preponderante de tal ou
qual glândula endócrina, ou de algum sistema de tal folheto embriológico em relação aos
outros, etc.” (REQUENA, 1990, p. 78)
O Nei Jing é o texto mais antigo de acupuntura e por essa característica trazer uma
dificuldade de compreensão, ele é dotado de simbolismo. Apesar de reconhecer que não há
uma exatidão, pois o livro é de ampla compreensão, isso não impediu o autor de estabelecer
uma correlação direta entre os temperamentos chineses e os caráteres de Berger. O fato
numérico não impediu o autor de dividir dois desses temperamentos chineses em mais dois,
sem estipular o critério que utilizou: “O texto não é de grande exatidão (o autor está se
referindo ao Nei Jing), mas entretanto é possível estabelecer uma relação precisa entre os
seis temperamentos chineses e os oito caráteres de Gaston Berger, sendo duplos dois desses
temperamentos”. (REQUENA, 1990, p. 93)
O texto perde confiança ao demonstrar falta de rigor na sua descrição das consituições
chinesas: “É preciso dizer que é em parte, graças a essa classificação em cinco diáteses feita
por Jacques Ménétrier, fundador do método, que conseguimos definir as cinco constituições
chinesas” (REQUENA, 1990, p. 131). Nota-se que por efeito do sincretismo o autor já não
se preocupa em descrever as constituições chinesas para depois promover o contato com
outra teoria, o sincretismo acontece como que de imediato.
Antes mesmo de descrever os seis temperamentos da acupuntura (Tai Yang, Shao Yang,
Yang ming, Tai yin, Jue yin e Shao yin), o autor traça um paralelo entre os mesmos e os
oito caráteres de Berger (colérico, nervoso, sentimental, passional, apático amorfo,
sanguíneo e fleugmático). Ele resolve o problema numérico dividindo dois temperamentos
da acupuntura (Yang ming-terra, yang ming-metal, Tai yin-terra, Tai yin-metal) de forma a
corresponder as duas teorias de forma sincrética: “Para se determinar o mais exatamente possível o comportamento psicológico desses
seis temperamentos, pode-se de modo muito simples, estabelecer uma correspondência
com os oito caráteres descritos por Gaston Berger. Esses oito caráteres, como dissemos,
são definidos pela variação de três fatores que são atividade, a emotividade, e o rancor
(acessório). Esses três fatores podem ser transpostos em acupuntura da seguinte forma
analógica” (REQUENA, 1990, p.142).
Posteriormente ele apresenta um teste chamado TC40, uma adaptação de um teste de
1959 de Berger onde apresenta quarenta afirmativas para a pessoa classificar como “sente-
se incluído” – muito (10 pontos), bastante (5 pontos) , pouco (2 pontos) ou nada (0 pontos).
Frases essas cuja pontuação corresponde a uma das fusões entre os temperamentos chineses
e os caráteres de Berger, reduzindo a complexidade humana a apenas quarenta afirmativas,
entre elas: “Em geral convencido de estar com a razão gosta de discutir e cortar os cabelos
em quatro” (REQUENA, 1990, p. 152). Cada fusão tem 5 frases. Somente após explicar
seu teste ele apresenta os temperamentos da acupuntura. Esse teste também é baseado no
teste multifásico que originalmente tem 500 afirmativas.
Existe uma extensa combinação possível entre os temperamentos chineses, podendo
envolver três ou mais temperamentos, até todos (REQUENA, 1990). Essa diversidade de
relação entre os temperamentos demonstra a inutilidade de se restringir em um teste os
temperamentos chineses.
Requena critica o próprio teste de Berger e apresenta dados de entrevista com 133
pessoas com uma estatística de acerto do seu teste de 69,92%, ou seja de cerca de 30% de
erro, justificando os erros com um motivo que poderia servir como demonstrativo que a
complexidade supera o teste: “Por que o teste de Berger torna-se falho? Não é tanto porque a avaliação das perguntas
sobre os fatores seja mal feita a uma possível imprecisão dessas perguntas, mas como já
destacamos é porque a emotividade ou a atividade ou ainda a reflexão, ou dois desses
fatores são em geral ambivalentes nos pacientes, porque justamente eles oscilam entre
dois caráteres, onde esses fatores são contraditórios. Nesses casos, muito freqüentes, a
contagem das dez perguntas sobre um ou dois desses fatores, numerado até 100, em lugar
de ser francamente elevado, ou francamente baixo, oscila próximo da média, a 50. Mas o
resultado bruto do teste não leva isso em conta. Tomemos um exemplo: seja um paciente
cujo caráter é ao mesmo tempo colérico e quase também sentimental, Shao yang – Shao
yin. No teste, ele é então muito emotivo, ativo e secundário; o resultado dá: passional.
Ora, a estrutura de seu caráter não corresponde em nada aquele do passional, mas a uma
mistura do colérico e do sentimental; o mesmo acontece com sua morfologia e patologia”
(REQUENA, 1990. p. 211-212).
O desenvolvimento da pesquisa de Yves Requena não se dá de forma nem interdisciplinar
nem de forma transdisciplinar, o resultado se mostrou empobrecido, pois se utiliza de um
sincretismo entre a acupuntura e uma parte da psicanálise sem contribuição.
2. Psique e Medicina Tradicional Chinesa – Helena Campiglia
Helena Campiglia é médica, acupunturista, formada em análise Junguiana e análise
Reichiana.
Embora o foco da obra seja a análise Reichiana, o contato mais frutífero se dá entre na
ênfase que a autora dá ao estudo dos símbolos, por sua influência Junguiana, e o potencial
explorado de representações simbólicas que os Cinco Elementos têm. Foi capaz de traduzir
a importância do símbolo, e como este tem o poder de comunicar: “Para entender a
dimensão do mundo psíquico é preciso transcender o pensamento linear e racional [...] A
holografia [...] é uma figura que representa, em cada uma das suas partes, o todo, mas o
todo transcende às partes” (CAMPIGLIA,2004, p. 22).
Ao propor um diálogo entre Reich e a acupuntura, a autora se apressa a mostrar
convergências: “Reich descreveu de modo bastante similar àquele da Medicina Chinesa, o
modo como a energia (libido) afeta o psiquismo e molda a maneira de ser do indivíduo”
(CAMPIGLIA,2004, p. 25) A questão é que a libido ou a bioenergia de Reich não pode ser
simplesmente equiparada ao Qi da acupuntura e não é apresentado como é possível atribuir
essa similaridade.
Encontram-se dificuldades quando o objetivo é o sincretismo. A teoria Reichiana não
pode ser tomada como uma verdade a cerca da psique, existem divergências entre as teorias
psicológicas quanto ao funcionamento do psiquismo. Já na filosofia da acupuntura a
construção conceitual se dá de forma uníssona. A acupuntura é uma prática utilizada na
intenção de restabelecer o equilíbrio energético do organismo; pressupõe que é possível
viver em harmonia consigo, com os outros e com a natureza. Esse conceito por si só
demonstra um ponto de fricção entre a acupuntura e a caracterologia Reichiana que acredita
que: “Apresentam-se, a seguir, os caracteres neuróticos descritos por Reich e pelos autores
neoreichinanos: oral, compulsivo, fálico-narcisista, histérico e o caráter (o traço) fóbico e
a psicose. Cada um desses traços ou caracteres mostra aspectos quantitativos e
qualitativos de fixação da libido, ocasionando quadros bastante diversos. Todos temos
alguma fixação neurótica, maior ou menor, pode haver mais de uma fixação em uma
pessoa. O ser humano é complexo, bem como o seu desenvolvimento; não se pode
esperar encontrar indivíduos completamente ‘não-neuróticos’ sem conflitos ou
fixações”.(Campiglia, 2004, p. 28).
Ao afirmar que sempre há uma fixação neurótica, está se afirmando que o neurótico, o
patológico é a norma, é o que será sempre encontrado. Essa visão mostra um conflito com a
visão chinesa pois para a acupuntura visa o equilíbrio, equilíbrio esse alcançável.
Campiglia tem em seu estudo a psicoterapia Reichiana e estabelece em seu livro o
seguinte sincretismo: “Dos cinco elementos, existem as seguintes possibilidades de
associação com os tipos caracteriológicos descritos: Elemento Água – tipo fóbico;
Elemento Madeira – tipo fálico-narcisista; Elemento Fogo – tipo histérico; Elemento Terra
– tipo oral; Elemento Metal – tipo anal” (Campiglia, 2004, p. 39). Dessa forma se reduz a
possibilidade de diálogo, visto que uma correlação não traz um elemento novo para
discussão, e sim dois elementos e suas “similaridades”, tornando-se uma maneira de entrar
em contato com o novo da mesma maneira que já se havia feito. É necessário evidenciar
que essa correlação não foi argumentada.
O estudo da acupuntura se mostra como uma tentativa de encaixar aos moldes ocidentais
para poder compreender: “Provavelmente, a atividade de liberação ou acúmulo do Sangue, descrita nos antigos
livros chineses, relaciona-se ao armazenamento de energia que se dá no Fígado por meio
do glucogênio hepático. Como o Sangue é um veículo de energia, pode-se concluir que ao
armazená-lo, o Fígado também retém a energia” (CAMPIGLIA, 2004, p. 55).
Isso reduz a complexidade que do conceito chinês pois o Sangue é a tradução para o
termo Xue, que engloba o Sangue imaterial sua função energética e também o sangue
material. Essa é uma tentativa de reduzir o conhecimento chinês ao que foi descoberto
dentro do conhecimento ocidental, sem considerar que talvez a ciência ocidental tenha que
se desenvolver muito para achar algo e assim equipara a esse sangue imaterial, o
movimento é sempre levando em consideração que o que foi encontrado pelos chineses,
será equiparado a um conceito ocidental.
Ao mesmo tempo em que apresenta o Shen como parte indivisível do corpo, como a força
que move o corpo, como o conceito de vitalidade, faz uma ligação do Shen ao neocórtex
(CAMPIGLIA, 2004). Nessa ligação entre Shen e neocórtex, além de faltar uma explicação
para a conexão, não houve uma argumentação de contribuição na mesma.
O texto é perpassado por falta de informação nos sincretismos, e uma falta de objetivo
dos mesmos. Existe uma seção de recomendação de pontos de acupuntura de acordo com o
elemento, e em momento algum se faz uma ligação aos caráteres Reichianos nessa seção. A
maior contribuição da obra talvez esteja na pequena enciclopédia de sentidos para os
símbolos Fogo, Terra, Metal, Água e Madeira.
3. O Psiquismo em Medicina Oriental – Ilka Domingas Penna.
Ilka Penna é psicóloga, acupunturista, shiatsuterapeuta, formada em medicina
psicossomática, com mestrado em Eletroacupuntura.
Uma das associações centrais do livro é a entre os Cinco Elementos e a Psicanálise. A
autora divulga uma relação entre Ego, Superego e Id através de relações que os Cinco
elementos têm, substituindo o elemento Fogo por Ego, o elemento Terra por Superego, e o
elemento Água por Id. A pulsão que o Id investe no Ego pode ser direcionada a Madeira
por contrageração causando frustração ao Id (PENNA, 2004). Ela acredita trazer mudanças
significativas para a psicanálise em campos considerados estruturais: “Em contrapartida,
posso dizer que alguns princípios da Psicanálise, engajados na dinâmica dos Cinco
Elementos da medicina Chinesa, são passíveis de manipulação terapêutica com grande
eficácia”. (PENNA, 2004, p. 76). Penna afirma poder tratar o Superego através da
shiatsuterapia. Nenhuma dessas correlações tem embasamento apresentado.
No livro é demonstrada uma relação, sem argumentação, entre os Cinco Elementos e os
tipos de Elias, integra assim o tipo cérebro-espinhal ao elemento Fogo, o tipo Gastro-
intestinal ao elemento terra, o tipo Bronco-Pulmonar ao elemento Metal, o tipo Genito-
urinário ao elemento Água, o tipo Muscular ao elemento Madeira.
A Madeira está relacionado às Gônadas, o Fogo tem ligação às glândulas Hipófise e
Pituritária, a Terra tem conexão com o Timo e o Pâncreas, o Metal liga-se à Tireóide, e a
Água tem relação com as Adrenais (PENNA, 2004). Hormônio é um aspecto da fisiologia
humana que não foi considerado pela acupuntura chinesa, embora o tratamento englobe
disfunções hormonais para os chineses essas disfunções tem o nome de desarmonias e são
consideradas somente como sintoma. Apesar de conseguir englobar o aspecto hormonal
mesmo não o considerando, a autora acredita ser necessário determinar quais glândulas
estão relacionadas a quais elementos. A analogia é demonstrada mas o raciocínio que as
liga não é mostrado.
Penna tem a proposta de integrar conhecimentos e técnicas visando uma unidade
psicossomática, uma complementação (PENNA, 2004), e com esse intuito promoveu
diferentes sincretismos sem uma exposição de lógica. Porém ela apresenta em muitos
momentos como uma visão pode ampliar a visão de outro campo se aproximando de um
“novo modo de coexistência” (JAPIASSU, 2006, p. 39-40): “No caso do vazio energético do Hun, a exteriorização não se produzirá e a pessoa pode
manifestar-se apagada ou excessivamente tolerante, faltando-lhe a assertividade e tendo
uma visão restrita da vida. Tratar tonificando o Vazio da Madeira e despertando, ao
mesmo tempo, o potencial criativo do paciente, bloqueado pelo vazio. Trabalhar também
a assertividade, a capacidade de perceber, sentir, ver e valorizar as coisas ao redor e a
maneira de adaptar-se a esta realidade” (PENNA, 2004, p. 39).
4. Comprometimentos do sincretismo
Os autores dos três livros afirmam utilizar da analogia para fazer as correlações entre a
acupuntura e certas áreas da psicologia. O que é possível observar é que essa analogia sem
restrições, sem parâmetros está passível de falhas e contradições, e é o que se apresenta
nesses três trabalhos como o relacionamento da estrutura Id ao Rim (Shen) feito por Penna
e ao Po (alma vegetativa do Pulmão) por Campiglia.
Ao discursar sobre o Hun (aspecto mental, também considerado como espírito, relacionado
Fígado), Requena e Campiglia discordam quanto à estrutura relacionada: “Hun é a porta
entre o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo [...] Está ligado ao cosmos, à rede de
conexões que existe entre nós e o universo. Sua relação com o espaço e o tempo é tênue,
tudo é relativo para o Hun, sua lógica não é linear, mas circular” (CAMPIGLIA, 2004, p
99). A autora aqui faz uma correlação entre o que é etéreo e o inconsciente, puramente
relacionando os dois por sua ligação ao cosmos e ao abstrato. Já Requena enxerga de outra
forma: “Temos também bons motivos para pensar que o inconsciente, em sua estrutura, foi
considerado pelos médicos chineses antigos; é o caso especial que se refere a estrutura Po,
‘alma vegetativa’ da qual falamos” (REQUENA, 1990, p. 217). Portanto o Incosciente
psicanalítico está ligado ao Hun para Campiglia e ao Po (relacionado ao Pulmão) para
Requena.
O mesmo acontece com o Complexo de Édipo. Relatando o elemento Madeira Penna
afirma: “As sensações sexuais que ocorrem da primeira floração (comparada à fase
Edipiana) podem ser suprimidas quando se transformam em fontes de sofrimentos,
humilhações e perigos” (PENNA, 2004, p. 37). Já Campiglia mostra outra versão,
relacionando ao Fogo: “Ao elemento Fogo, cabe o desenvolvimento da fala, da expressão no mundo, da
sensualidade e da sexualidade. O Fogo está presente na formação do vínculo com o pai,
no caso da menina, e com a mãe, no caso do menino. Ou seja, esse elemento predomina
na fase do complexo de Édipo” (CAMPIGLIA, p. 130).
Conclusão
Existe a possibilidade de um diálogo interdisciplinar entre a acupuntura e a psicologia,
porém é necessário cuidado, pois é facilmente factível que adotemos a acupuntura como
uma técnica a ser submetida e modificada aos moldes da psicologia ocidental. É necessário
que a relação entre esses paradigmas distantes se dê de forma a contemplar um
enriquecimento, à criação: “Enfim, a ciência determinista clássica cede lugar a uma ciência
pluralista: respeitando outros questionamentos, outras culturas, cuja mensagem parece
poder se integrar em um campo cultural mais vasto, inaugurando talvez uma nova era do
saber” (PRIGOGINE apud LIMA, 2005, p. 179). Nenhum livro apresenta um ponto de
tensão, um conflito entre a acupuntura e psicologia
Por enquanto só é possível observar a dificuldade de se lidar com uma prática diferente e
a tentativa de assimilar esse novo conhecimento a partir de um conhecimento já existente
na psicologia. A troca entre essas duas áreas ainda se dá prioritariamente dando vazão à
uma necessidade de explicar de forma exata, de compreender a luz da ciência ocidental o
avanço da acupuntura.
Referência Bibliográfica:
CAMPIGLIA, H. Psique e Medicina Tradicional Chinesa. São Paulo: Roca, 2004.
JAPIASSU, H. O Sonho transdisciplinar: e as razões da filosofia. Rio de Janeiro: Imago,
2006.
LIMA, P. V. A. A gestalt-Terapia no contexto científico e intelectual contemporâneo.
HOLADO, A. (org) Gestalt-Terapia e contemporaneidade: contribuições para uma
construção epistemológica da teoria e da prática gestáltica. Campinas: Livro Pleno, 2005.
PENNA, I.D. O Psiquismo em medicina oriental. Rio de Janeiro: Sohaku-in edições,
2004
REQUENA, Yves. Acupuntura e psicologia. São Paulo: Andrei, 1990.
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