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ADOLESCÊNCIA E TRIBOS URBANAS:CONSTRUÇÕES SÓCIO-HISTÓRICAS E CULTURAIS.
Rudolf Rotchild Costa Cavalcante1
Instituto Dom Bosco – Salesiano/Campos dos Goytacazes – RJ
Preparando-me para uma aula inaugural de Sociologia deparei-me com uma pergunta: O que é ser adolescente? Resolvi respondê-la com os alunos no cotidiano da sala-de-aula. Antes de apresentar qualquer conceito teórico sobre adolescência achei salutar, inicialmente, observá-la nas pesquisas de Gilberto Freyre e Philippe Ariès e utilizá-las como exemplo para fazer os alunos compreenderem que a adolescência faz parte de um processo de construção sócio-histórica e cultural. Com tudo isso, adiante foi possível explorar os conceitos contemporâneos de agrupamento social dos adolescentes elencadas pelo sociólogo Norbert Elias como tribos urbanas, um fenômeno sociológico. Daí, produzimos entrevistas num formato de programas de TV com alunos, familiares e convidados para saber como são as tribos urbanas presentes em uma cidade do interior, aspecto social incomum.
PALAVRAS DE CHAVE: Adolescência; Construção sócio-histórica; Grupo Social; Tribos Urbanas.
Como se (des)forma um sociólogo.
Inicialmente, antes mesmo de começar a falar da minha experiência como professor
de sociologia no ensino médio, gostaria de fazer uma reflexão sobre a formação do sociólogo,
que vem sofrendo modificações significativas ao longo da sua história de luta e conquistas.
Vale salientar que depois de longo tempo de interrupção, mais ou menos uns trinta anos, a
sociologia volta aos bancos escolares – fator que influencia diretamente na formação do
sociólogo também como profissional de educação. Temos testemunhado atualmente o esforço
que as universidades tem feito para investir em cursos de licenciaturas e complementações
pedagógicas em ciências sociais para suprir as necessidades do mercado educacional. A
sociologia enquanto disciplina começa a deixar de ser vista como um produto da elite
acadêmica que insiste em dizer que a prática pedagógica enfraquece as ações da pesquisa
sociológica. Contrariando este pater poder, Pedro Demo enfatiza em seus estudos que todo o
professor deve ser também um pesquisador, que a sua prática de sala-de-aula deve ser de mais
investigação e menos exposição de conteúdo. Uma prática desafiadora em um universo
escolar que não nos dá condições de realizá-la.
Contudo estamos dentro das escolas rompendo paradigmas, que não são fáceis, e
propondo uma prática pedagógica diferenciada. As reações e as resistências, por parte dos
alunos e dos colegas de trabalho, são muitas. Mais do que ter uma nova matéria na grade
1 Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Prof. Darcy Ribeiro (UENF) e Licenciado em Sociologia pelo Instituto A Vez do Mestre-UCAM (2009)
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curricular dos alunos e menos uma no bolso dos professores, a sociologia na escola traz
provocações para os jovens educandos, num contexto um tanto quanto filosófico, para que
eles possam começar a entender quem eles de fato são na sociedade. Quais são as suas
contribuições, as suas interferências. Um movimento contrário ao modelo conteudístico do
sistema escolar. Uma (des) formação do sociólogo que não foi preparado para enfrentar esses
“obstáculos”. Não basta o estágio, é necessário que as universidades, independente da força
da lei, possam investir também no educador da sociologia.
Segundo François Dubet2, a Escola, enquanto instituição formal da sociedade, tende a
estar fora do mundo, a ser reprodutora de valores burgueses e mesquinhos, a se transformar
num verdadeiro santuário de princípios universais: quanto mais disciplinados são os alunos,
mais livres eles serão.
Cabe ao sociólogo interromper o discurso sagrado de que o professor é autoridade
carismática reencarnante dos princípios religiosos, como se fossem “deuses” incorruptíveis.
Cabe ao educador da sociologia discutir o fluxo comercial e monetário do sistema escolar, um
verdadeiro mercado de diplomas, uma máquina de produzir desigualdades, um ambiente de
competição onde o mérito, conquistado por aquele que obtém a nota mais alta, se torna
sinônimo de sucesso escolar. O capital aqui é simbólico. É preciso que os alunos critiquem a
sociologia através de metodologias específicas, para que o resultado disto sirva de elementos
para uma ciência social que deverá estar sempre em construção, inacabada. Não devemos
agir como deterministas, afinal as leis sociais são questionáveis e derrubáveis.
Divago sobre essas ponderações para dizer que a minha formação de sociólogo ainda
se encontra em processo. Apesar de já ter conquistado a graduação na UENF (Universidade
Estadual do Norte Fluminense Prof. Darcy Ribeiro) em Ciências Sociais e a complementação
pedagógica no Instituto A vez do Mestre/UCAM, a sala-de-aula hoje é a continuidade de tudo
aquilo que teorizei durante quase sete anos, onde seis anos foram dedicados a graduação e um
ano dedicado a complementação. Quero deixar registrado que a minha graduação em
particular foi bastante peculiar. Trabalhei e estudei ao mesmo tempo, uma lógica inexistente
para a sociedade burguesa-capitalista.
É válido dizer que apesar desta sociedade do trabalho exigir melhor formação do
trabalhador, na prática ela não oferece nenhuma facilidade. Quem trabalha diurnamente tem
as chances diminuídas para conseguir realizar um curso de ensino superior também diurno, ou
seja, mesmo que o trabalhador consiga passar no vestibular e se matricular, este costuma
2 Sociólogo francês, professor da Universidade de Bordeaux II e diretor de estudos na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS). Autor de diversos livros sobre juventude marginal, escolas e instituições.
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encontrar no seu percurso acadêmico, muitas dificuldades estruturais para conseguir terminar
o curso superior. Como bancar a exigência de melhor formação se as instituições de trabalho
não permitem que o trabalhador possa investir parte do seu tempo em estudos que vão de
acrescentar crescimento? Não há um entendimento por parte dos empregadores, com
raríssimas exceções, de que o crescimento do trabalhador possa ser revestido para o seu
próprio negócio ou empresa. Daí, precisamos fazer dois movimentos: provocar as instituições
de ensino superior, através de debates, encontros, pesquisas e artigos, a investir em cursos
noturnos e provocar motivações para que os empregadores públicos e privados possam
incentivar os nossos trabalhadores a sair da “ignorância perniciosa do capitalismo”.
Eu, em particular, tive que enfrentar todas as adversidades de trabalhar e fazer um
curso diurno em ciências sociais. O que me motivou continuar foi justamente a vontade de
buscar uma carreira profissional que pudesse gerar perspectiva de vida. Nunca me imaginei
dando aula de sociologia, até porque o curso não oferecia a possibilidade do aluno fazer uma
licenciatura. Contudo com o apoio de alguns professores da minha formação sociológica e de
coordenadores e diretores de escolas aonde eu lecionava como professor de artes, fui
superando as dificuldades até chegar até aqui e me encontrar com vocês neste breve relato de
experiência.
Ser adolescente: uma construção sócio-histórica e cultural.
Que tipo de assunto eu desenvolveria no primeiro dia de aula para alunos que nunca
tiveram a matéria sociologia, enquanto ciência da sociedade, em sua grade curricular e nem
sequer sabiam do que se tratava. O desafio de objetivar a sociologia em sala-de-aula, também
seria grande para um professor que tinha recentemente saído da universidade, independente
dos seus dez anos de experiência como arte educador autodidata, pois a metodologia de
ensino da sociologia tem as suas particularidades, apesar de seguir os mesmos princípios
pedagógicos de todas as outras disciplinas. Até hoje os alunos questionam a importância da
sociologia em sua vida prática, por ser uma disciplina diferente de todas as outras em
obrigatoriedade, de ser uma disciplina que ainda não faz parte do vestibular. A sociologia para
os alunos ainda é distante.
Uma alternativa então seria abordar o tema adolescência com o intuito de gerar
discussões e indagações sobre a sua história social e daí procurar encontrar respostas para que
o aluno pudesse se entender enquanto adolescente. Uma proposta bastante ousada. Os jovens
do século XXI são imediatistas e raros são aqueles que querem refletir sobre a sua identidade.
Entretanto, utilizando a criatividade como metodologia possível, podemos nos surpreender
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com os resultados, mesmo que estes estejam motivados pela necessidade meritocrática da
pontuação. Só para citar um exemplo, na finalização do trabalho feito em sala-de-aula, muitos
grupos se mostraram envolvidos com a proposta, chegando utilizar a linguagem teatral para
expressar a sua pesquisa. Adiante relataremos melhor o que foi dito.
Inicialmente apresentei diversos autores da área da sociologia, da história, da
antropologia e da psicologia social que falassem da adolescência enquanto construção sócio-
histórica e cultural. Fizemos um paradoxo com as teorias que pregam a adolescência como um
fator da natureza humana, desprovido de influências históricas, sociais e culturais. Primeiro,
estudamos as pesquisas iconográficas de Philippe Ariès que em seu livro “História Social da
Criança e da Família” nos deixou claro que tanto a infância, quanto a adolescência ganham
lugar no mundo a partir do momento que começam a serem percebidas como indivíduos
providos de força de trabalho e potencial consumidor. A percepção desses pequenos
indivíduos muda junto com a sociedade. Os jovens na antiguidade eram apreciados pela sua
bravura precoce, eram obrigados a se identificar como adultos e para isso tinham que adotar
comportamentos e costumes específicos. O que vemos hoje como parte da natureza humana
(adolescência), só foi assim considerado depois que a cultura e a sociedade passaram a
percebê-la de forma diferenciada.
Em segundo lugar resolvi apresentar estudos feitos por Gilberte Freyre a respeito da
juventude aristocrática brasileira do século XIX, contextualizando-a com realidades sociais
bem próximas. De forma também precoce, os que hoje consideraríamos como pré-
adolescentes, tratavam de comprar as suas barbas postiças e adquirir vida boêmia de
embriaguez necessária. Tudo isso era feito para se sentirem mais adultos e para adentrarem
definitivamente no universo masculino. Naquele tempo, a sociedade colonial patriarcal
através dos seus representantes paternos (os pais) faziam questão de se manter no poder,
decidindo o futuro daqueles que seriam descendentes das suas riquezas. Os filhos de escravos,
sendo classe inferior, com raras exceções tinham chance de ascensão social.
Adiante, antes de encerrar a parte expositiva da proposta de trabalhar a identidade
juvenil, perpassamos por autores da antropologia e da psicologia social. No campo da
antropologia, entendemos que os jovens apesar de terem endereços diferentes, ou seja,
culturas diferentes, não são considerados os mesmos. Existem particularidades sócio-
históricas e culturais como vimos no estudo de Margareth Mead e Ruth Benedict sobre
sociedades diferenciadas (Nova Guiné e E.U.A) onde os fatores culturais interferem no
desenvolvimento humano destas que se processam da dependência infantil para uma relativa
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independência. Todavia as diferenças surgem nas variações do comportamento adolescente de
cada cultura como os papéis sexuais contrastantes.
Já a contribuição da psicologia social é bastante relevante. Berta Weil Ferreira3, por
exemplo, foi uma dessas pesquisadoras que ousou investir seus estudos psico-sociais na
adolescência. No seu livro “Adolescência. Teoria e Pesquisa” ela nos diz que “o período do
crescimento humano usualmente situado entre o início da puberdade e o estabelecimento da
maturidade adulta é a adolescência (...). O termo ‘adolescência’ deriva do verbo latino
‘adolescere’, que significa crescer – e corresponde ao período de crescimento acelerado entre
a infância e a maturidade” (FERREIRA: 21).
Tribos urbanas: fenômeno sociológico
Depois de entender um pouco do passado, avançamos para os nossos dias. O que de
diferente estaria acontecendo no universo da juventude? As relações sociais dos jovens são as
mesmas ou passaram por mudanças? As respostas destas perguntas nos levaram a observação
dos agrupamentos sociais dos jovens, de como eles lidam com a falta de afeto coletivo e de
como as iniciativas individuais são praticadas sem a presença do adulto. Resolvemos
consultar os estudos do sociólogo Norbert Elias em A sociedade dos Indivíduos (1996),
quando este fala que as tribos urbanas enquanto grupo social se constitui como um fenômeno
sociológico. Aprendemos que os indivíduos que se propõem a fazer parte de tribos buscam a
sobrevivência afetiva, acreditando que assim vão conseguir chegar à fase adulta.
A partir dos conceitos apresentados, observamos através de imagens, músicas e relatos
diversas tribos urbanas contemporâneas como os góticos, os emos, os funkeiros, os
pagodeiros dentre outros que fazem parte do contexto cotidiano social dos alunos. Este
momento da atividade foi bastante relevante, onde os próprios jovens demonstraram estarem
identificados com o trabalho, um momento em que eles se sentiram mais a vontade. Foi o
momento que a teoria conseguiu ser visualizada na prática, aspecto importante para que o
aluno quebrasse as suas resistências para a disciplina sociologia.
O teatro como recurso pedagógico
Utilizar o teatro como recurso pedagógico não é privilégio da disciplina artes, deve ser
explorado por outras disciplinas. Segundo os parâmetros curriculares nacionais: “Dramatizar
não é somente uma realização de necessidade individual na interação simbólica com a
realidade, proporcionando condições para um crescimento pessoal, mas uma atividade
3 Pesquisadora da PUC-RS e Doutora em Psicologia
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coletiva em que a expressão individual é acolhida. Ao participar de atividades teatrais, o
indivíduo tem a oportunidade de se desenvolver dentro de um determinado grupo social de
maneira responsável, legitimando os seus direitos dentro desse contexto, estabelecendo
relações entre o individual e o coletivo, aprendendo a ouvir, a acolher e a ordenar opiniões,
respeitando as diferentes manifestações, com a finalidade de organizar a expressão de um
grupo.”
Num esforço de entender como são e o que pensam aqueles que pertenceram e
pertencem às tribos urbanas de uma cidade de interior, aspecto social incomum, produzimos
entrevistas num formato de programas de TV (Talk-Show) com alunos, familiares e
convidados que se auto declararam pertencentes a uma tribo urbana. Nesta experiência
destacamos as apresentações de dois grupos de alunos. O primeiro a ganhar destaque
apresentou um talk-show onde uma Drag Queen foi entrevistada com uma linguagem teatral –
“O show da Penélope Charmosa”. Levantando implicitamente a discussão de que os
homossexuais também têm as suas tribos. Dentro deste contexto, observamos que o teatro
aplicado nas atividades foi um ótimo recurso utilizado para alcançar alguns objetivos do plano
de aula. “A arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo como o todo; reflete a
infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e idéias”
(FISCHER, 1987).
Os alunos puderam através dos personagens vivenciar um pouco da realidade dos
membros de uma tribo urbana. Assim a questão da identidade elencadas no início do relato,
vêm à tona com as características (comportamento, referências religiosas e políticas,
lideranças, vestuário) das tribos urbanas destacadas na apresentação teatral.
O outro a ganhar destaque foi o grupo que trouxe uma ex-hippie para ser entrevistada,
onde o tema das drogas foi abordado com muita propriedade e desvelo. Todas as
peculiaridades do movimento hippie vistos em sala-de-aula anteriormente foram esclarecidas,
além de estabelecer uma relação com a comunidade externa da escola. Trazer familiares para
participar da construção do saber é algo que deve acontecer sempre no processo de ensino-
aprendizagem. Divide as responsabilidades da educação e estabelece uma parceria para uma
formação humana mais saudável.
O resultado de todo este investimento intelectual, produzido com a participação de
todos os grupos, se deu na avaliação final da etapa do estudo através de avaliações escritas e
outros tipos de atividades avaliativas.
Bibliografia:
6
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 1981.
DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. São Paulo: Autores Associados, 2003.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2004.
FERREIRA, Berta Weil. Adolescência: teoria e prática. Porto Alegre: Sulina, 1978.
FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987.
FREYRE, Gilberto. De vida Social no Brasil nos Meados do Século XIX. 1 edição.,Recife,
1964, tradução do inglês de Social Life in Brazil in the Middle of the 19th Century,
Baltimore, 1992, de Valdemar Valente, revista e aumentada pelo autor Gilberto Freyre.
MEIRIEU, Philippe. Carta a um jovem professor. Porto Alegre: Artmed, 2006.
Parâmetros Curriculares Nacionais:arte/Secretária de Educação Fundamental – Brasília:
MEC/SEF, 1997.
ANEXO (Fotos):
7
Show da Penélope Charmosa2° ano do Ensino Médio
Instituto Dom Bosco – Campos/RJ
Entrevista com a ex-Hippie2° ano do Ensino Médio
Instituto Dom Bosco – Campos/RJ
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