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Poema Cantiga, do
livro Lira dos Vinte Anos
Ilustrações e
Textos Adicionais
álvares de azevedo
rui de oliveira
1a edição
são paulo, 2017
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A quem dedico são muitos os artistas que fizeram parte de
minha formação e permanecem até hoje ao
meu lado na companhia de novos e importantes
criadores que vou admirando.
Não apenas os artistas plásticos participaram da
criação deste grande mosaico que, na verdade,
compõe o trajeto de qualquer artista, ao longo dos
anos, mas também fui influenciado por escritores,
arquitetos, quadrinistas, designers, músicos e
cineastas, tanto de animação quanto de cinema de
sequência viva.
No caso pontual de ilustradores de livros,
seria muito difícil enumerar todos eles. Cada
um foi importante, numa determinada fase
de meu trabalho.
Recortando unicamente os ilustradores, que
representam um segmento clássico e eternamente
atual, eu citaria, entre tantos outros: Charles
Ricketts, Richard Doyle, Sidney Sime, Charles
Robinson, Gustave Doré, Arthur Rackham,
Edmund Dulac, William Robinson, Harry Clarke,
Charles Dana Gibson, N.C. Wyeth, Jirí Trnka,
Albín Brunovsky e Werner Klemke. Esta relação
está incompleta. Mas a todos eles — num certo
período de minha vida profissional e cultural —
admirei profundamente, e estudei as suas obras.
Tenho também grande apreço e acompanho os
trabalhos de alguns ilustradores de nossos dias.
Todos são verdadeiros mestres na arte de contar
histórias por imagens.
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rui de oliveira
sou muito grato a todos vocês.
Mas o maior destinatário deste livro são
crianças do meu país, às quais dediquei
mais de quarenta anos de meu trabalho.
Sobretudo àquelas sem acesso às
minhas imagens, por conta da profunda
injustiça e anomia social que infelizmente
grassam em nossa sociedade. Mas gostaria
de dizer a essas crianças que tudo o que
desenhei em minha vida foi em seu nome.
Com o objetivo único de enaltecê-las,
dignificá-las e criar a realidade
transformadora e consciente do sonho
em suas vidas.
neste elenco de influências, eu não
poderia deixar de citar o brasileiro
Álvaro Marins, o Seth, especialmente a
sua monumental obra em bico de pena
O Brasil pela Imagem. Além de enriquecer
e enternecer o meu imaginário durante
toda a minha infância, ele me despertou
também para a arte da ilustração.
Faço também uma carinhosa menção a
dois outros quadrinistas e ilustradores que
eu, um menino na Zona Norte do Rio,
copiava avidamente: Jayme Cortez e
André Le Blanc. Magníficos artistas que,
muitos anos mais tarde, tive a honra de
conhecê-los pessoalmente.
Nesta sequência de depoimentos, eu
gostaria também de dedicar este livro à
Mônica Balloussier, que acompanhou e
participou de toda a sua criação, desde
os primeiros traços, das primeiras artes
finais, até a conclusão do livro.
Gostaria de fazer uma agradecida menção
aos mestres que, academicamente, me
formaram, tanto na Escola de Belas Artes
da ufrj quanto na Universidade de
Arte e Design Moholy-Nagy, em Budapeste
na Hungria. Também cito, com muito
carinho, a minha querida professora
Regina Yolanda. Fui seu aluno em
uma escolinha de arte quando eu tinha
quinze e dezesseis anos.
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Acredito que, para um ilustrador realmente comprometido com a imagem
e com a materialização da palavra, ilustrar um conto de fadas será sempre
uma aventura, um labirinto, uma sala de espelhos. Em suas versões mais
próximas do original, portanto, longe das releituras, o conto de fadas é
sempre um texto que nos assombra ante os seus mistérios. Esta é a minha
experiência e testemunho, após ilustrar alguns contos de fadas.
Acho que, pelo fato de ele se originar da palavra falada, talvez explique
o seu conteúdo intrigante e insondável. Nos imemoriais serões à luz de
velas, ou à beira das lareiras, as palavras ditas pelas Sibilas, Mamãe Gansa
e Griôs ecoavam nestes recintos bruxuleantes e com isso ganhavam corpo
e sombras. Um texto lido solitariamente tem outro tipo de sombra,
ou seja, ele tem sombra própria, mas não projetada. E, pairando acima
de tudo, temos de admitir que a fala é muito sedutora. Os augúrios e
presságios pronunciados ganham forma e matéria diante da imaginação
e devaneio dos ouvintes. Ao visualizar um conto de fadas, o ilustrador se
transforma num gênero de Mamãe Gansa. Um rapsodo visual.
Acredito que seja um privilégio ilustrar um conto de fadas. Ainda
mais neste caso, quando o trabalho do ilustrador é o de um inventariante
da memória, do sonho e do passado não vividos das pessoas. Toda a
imagem é regeneradora ao olhar da criança, quando ela é feita com arte
e empenho. A imagem será sempre crível em sua irrealidade. Mesmo
quando os adultos agem com a sua demonização e a veem como horror e
angústia, ela é — como arte e verdade — eternamente transcendente na
alma de um pequeno leitor.
Olhar é contemplar, ver é imergir. Acho que estes dois estados da
fruição da imagem deságuam no mesmo estuário. Convergem, tangenciam
sem se tocar, principalmente quando estamos diante de ilustrações de
contos de fadas. Será pelo fato de tratarem de temas imutáveis e
imorredouros da alma humana? Ou por elaborarem esfinges, enigmas,
símbolos no interior de seus textos que remontam à noite dos tempos?
Especialmente na representação dos contos de fadas, a ilustração
deve ser sempre uma aura física das palavras. Ele, o conto de fadas, é
um espelho côncavo e convexo ao mesmo tempo, e só nos resta, como
ilustrador, deixar passar a luz do texto através de um prisma. A ilustração é
uma imagem caleidoscópica deste gênero de texto. A imagem espelhar de
Ilustrando Contos de Fadas
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um conto de fadas delimita a sua revelação, como foi dito anteriormente, nós
estamos num quarto de espelhos.
Confesso que tenho preferência — apesar de não fazer muito — pela
ilustração que convencionalmente classificamos como clássica.
O que seria uma ilustração clássica? O que seria uma ilustração
contemporânea? Fugiria ao escopo deste pequeno texto discutir esta questão.
Mas, sinceramente, não posso negar que me encantam os drapeados
e os brilhos das vestimentas pintadas por Veronese, Ingres e Watherhouse.
Gosto de representar minúcias do que já é um detalhe. E, diante de todas
estas indagações, como poderíamos definir, mesmo que parcialmente, a
arte de ilustrar?
Ilustrar é supor. A ilustração é uma esfinge a partir de um texto, em que
só nós possuímos a chave para o desnudamento de seu mistério. Neste caso,
podemos nos referenciar a Alice, ou seja, não vemos a imagem por meio do
espelho, e sim através do espelho. Repetindo: ver é imergir. É passar através
de uma superfície física, no caso de nosso estudo, a ilustração. Em outras
palavras, a ilustração nos livros é um elo, um liame que une à sua
forma visível, figurativa e tangível, o universo do invisível, que se abriga
dentro de nós.
A ilustração de um Conto de Fadas, ao nosso mais íntimo e atento olhar,
também se apresenta como uma espécie de acróstico visual. Em vez de letras
de uma palavra que compõem novas palavras, como é o caso do acróstico, as
ilustrações também constroem renovadas formas no imaginário de cada um.
E o que são estas imagens oriundas de tantas outras?
Vemos o que já vimos, e não o que estamos em realidade vendo.
Estes extratos, estas camadas de memória que passam pela cultura, pelas
desafeições, pelas inseguranças e sonhos feitos e desfeitos, todo este
inventário de vida passada, presente e até mesmo futura confluem para
a leitura de uma ilustração de contos de fadas.
Para encerrar estas reflexões sobre as ilustrações de contos de fadas,
gostaria de invocar um exemplo da música. O grande pianista polonês Arthur
Rubinstein, amigo de Villa-Lobos, dizia que se sentia tranquilo quando
tocava Chopin porque ele sabia que “este grande mestre tocava no coração
das pessoas”. Portanto, a boa ilustração é aquela diante da qual os nossos
olhos brilham, os nossos corações resplandecem e a nossa memória eterniza.
rui de oliveira
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12 Em um castelo doirado
Dorme encantada donzela;
Nasceu — e vive dormindo
— Dorme tudo junto dela.
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Adormeceu-a sonhando
Um feiticeiro condão,
E dormem no seio dela
As rosas do coração.
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15Dorme a lâmpada argentina
Defronte do leito seu:
Noite a noite a lua triste
Dorme pálida no céu.
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