View
221
Download
5
Category
Preview:
Citation preview
DENISE GALLO PIZELLA
Anlise da sustentabilidade ambiental do sistema de classificao das guas doces superficiais
Dissertao apresentada Escola de Engenharia de So Carlos, Universidade de So Paulo, como parte dos requisitos para obteno do Ttulo de Mestre em Cincias da Engenharia Ambiental.
Orientador: Prof. Titular Marcelo Pereira de Souza
So Carlos 2006
DEDICATRIA
Dedico este trabalho minha famlia, em especial minha me e av, que sempre se encontram a
meu lado fazendo mais do que o possvel para auxiliar-me. minha irm e tios Joo e Ortncia,
pelo mesmo apoio constante.
Ao Vagner, pelas diversas contribuies, dedicao, companheirismo e ternura que me do foras
para perseguir meus sonhos.
A meus filhotes que tanto amo.
Aos amigos que me acompanharam nesta jornada.
A todos os mestres que me inspiram na luta pelos meus ideais.
AGRADECIMENTOS
Nestes dois anos de muito trabalho, gostaria de agradecer a todos que, direta ou indiretamente, tenham
contribudo para sua realizao, a comear pelo Prof. Marcelo, pela amizade, confiana e
ensinamentos.
minha famlia, que forneceu a base e os valores que possibilitaram o desenrolar desta anlise,
especialmente ao apoio constante de minhas me e irm, av Maria, tia Ortncia e Tio Joo que, com
todo o amor e dedicao, auxiliaram-me de todas as formas que lhes foram possveis.
Agradeo muito ao total apoio do Vagner, com sua dedicao, amor e companheirismo, elementos
insubstituveis para o desenvolvimento deste trabalho, e aos meus filhotes que me acompanham por
onde vou.
Ao apoio dos amigos de Sertozinho Eliane, merson, Janana, Adriano, amigos e alunos do Curso
Comunitrio Paulo Freire, e tantos outros. Em So Carlos, queles que tive a alegria de conhecer e
conviver, especialmente ao Cludio, Mateus, Celinha, Ana Lcia e rica.
Ao CNPq pela concesso de financiamento para a realizao deste trabalho.
Ao Evaldo, pelo apoio em minhas constantes dvidas e pela amizade e aos demais docentes do SEA
pelos conhecimentos compartilhados.
Ao pessoal do SIG pelo apoio e amizade.
A todos do CRHEA pela acolhida, pelos prstimos concedidos e amizade, especialmente Claudete,
Wellington, Mara, Aquiles e aos demais funcionrios que permitem a existncia deste Centro.
Profa. Dra. Mnica Porto da POLI/USP e ao Prof. Dr. Marcos Von Sperling da UFMG, pela ateno
e disposio de material bibliogrfico de grande relevncia para o trabalho. todos da lista de
discusses da ABRH, pela indicao de material e discusses que se mostraram totalmente pertinentes
a este trabalho.
Sejamos simples e calmos, Como os regatos e as rvores, E Deus amar-nos- fazendo de ns Ns como as rvores so rvores E como os regatos so regatos, E dar-nos- verdor na sua primavera, E um rio aonde ir ter quando acabemos .... E no nos dar mais nada, porque dar-nos mais seria tirar-nos mais.
Alberto Caeiro
RESUMO
PIZELLA, D.G. Anlise da sustentabilidade ambiental do sistema de classificao das guas doces superficiais. 2006. 159 f. Dissertao (Mestrado). Escola de Engenharia de So Carlos, Universidade de So Paulo, So Carlos, 2006.
O Brasil um pas dotado de grandes reservas hdricas superficiais e biodiversidade aqutica, apesar de sua distribuio desigual entre as diversas regies hidrogrficas. Tendo em vista o conceito de desenvolvimento sustentvel presente em diversos Tratados Internacionais de Meio Ambiente e Recursos Hdricos, objetivados preservao dos ecossistemas aquticos juntamente com a distribuio eqitativa dos benefcios advindos da utilizao dos recursos hdricos, a Poltica Nacional de Recursos Hdricos (Lei n 9433/97) estabeleceu os objetivos e os instrumentos regulatrios e econmicos que norteiam a gesto hdrica brasileira, tendo por pressuposto a utilizao sustentvel destes recursos. Dentre os instrumentos criados para tanto, destacam-se neste trabalho a definio de padres de qualidade para as guas superficiais, regulamentada pela Resoluo CONAMA n 20/86 e revogada pela Resoluo CONAMA n 357/05, e o enquadramento dos corpos de gua superficiais, regulamentado pela Resoluo CNRH n 12/00. A partir do conhecimento sobre os novos paradigmas que estruturam os sistemas de gesto da qualidade hdrica em pases com tradio em sua implementao, procurou-se desenvolver uma anlise crtica do sistema de gesto da qualidade hdrica brasileiro, com enfoque para os sistemas de classificao das guas doces superficiais, considerando-se os objetivos e critrios de qualidade hdrica adotados e os sistemas de monitoramento. Para a realizao dos objetivos propostos, procedeu-se reviso bibliogrfica dos documentos balizadores dos objetivos da gesto hdrica em mbito mundial, buscando-se identificar os princpios que norteiam os sistemas de gesto da qualidade hdrica em escala global; anlise dos sistemas de gesto da qualidade hdrica em pases de referncia, como Estados Unidos da Amrica, Canad, Unio Europia, Reino Unido, Frana, Austrlia e Nova Zelndia, com intuito de identificar as novas tendncias de gesto da qualidade hdrica; anlise do sistema de gesto da qualidade hdrica brasileira nos aspectos de disponibilidades e demandas, organizao institucional e legal, objetivos, parmetros e padres de qualidade, sistema de classificao e enquadramento dos corpos de gua doce superficiais, buscando-se identificar os principais problemas e desafios de gerenciamento. Constataram-se entraves de ordem tcnica, legal, econmica, social e institucional, como: falta de articulao entre os instrumentos das polticas hdrica e ambiental e entre rgos gestores; dificuldades no estabelecimento de Comits e as Agncias de Bacias, indispensveis para a eficcia do sistema; incongruncia entre objetivos de qualidade hdrica protetivos e a existncia de classes de qualidade permissivas; desenvolvimento de padres de qualidade hdrica considerando apenas as caractersticas fsico-qumicas e microbiolgicas da gua, em detrimento de suas caractersticas ecossistmicas; alm da defasagem no sistema de informaes ambientais e no monitoramento da qualidade hdrica em todo o territrio. A partir do diagnstico realizado neste trabalho, buscou-se levantar recomendaes para o aperfeioamento do sistema tendo em vista o cumprimento dos objetivos de sustentabilidade ambiental das polticas ambiental e hdrica brasileiras.
Palavras-chave: gesto da qualidade hdrica, classificao das guas doces, enquadramento dos corpos de gua.
ABSTRACT
PIZELLA, D.G. Analysis of environmental sustainability of the superficial freshwater classification system. 2006. 159 f. Dissertao (Mestrado). Escola de Engenharia de So Carlos, Universidade de So Paulo, So Carlos, 2006.
Brazil is a country endowed with great superficial water reserves and aquatic biodiversity, despite its unequal distribution among diverse hydrographic regions. In view of the sustainable development concept established in many international Environment and Water Treated, objectified to the aquatic ecosystems preservation and the equitable distribution of the water uses benefits, the National Water Policy (Law n 9433/97) determined the objectives and the regulatory and economic instruments that guide the sustainable use of these resources. Among these instruments, are distinguished in this work those directly related to the water quality management, as the definition of superficial water quality standards, regulated in CONAMA Resolution n 20/86 (revoked by CONAMA Resolution n 357/05), and the superficial water bodies framing, regulated in CNRH Resolution n 12/00. From the knowledge on the new paradigms that structuralize the water quality management systems in countries with tradition in its implementation, it was looked to develop a critical analysis of the Brazilian water quality management system, under the institutional point of view and of the instruments legally constituted to implement it, with approach for the superficial freshwater classification systems, considering the objectives and criteria of water quality adopted and the monitoring systems. For the accomplishment of the objectives considered in this work, it was proceeded the bibliographical revision from documents makers of the water management objectives in a world-wide scope, searching to identify the principles that guide the water quality management systems in a global scale; analysis of water quality management systems in reference countries, as United States of America, Canada, European Union, United Kingdom, France, Australia and New Zealand, with intention to identify the new trends of water quality management; analysis of Brazilian water quality management system in the aspects of availabilities and demands, institutional and legal organization, objectives, parameters and water standards, classification system and superficial freshwater framing, searching to identify the main problems and challenges of management. There were evidenced technical, legal, economic, social and institutional impediments, as: articulation lack between water and environment policies instruments and between managing agencies; difficulties in the establishment of Committees and Basins Agencies, indispensables for the system effectiveness; incongruity among water quality protective objectives and the existence of permissive quality classes; development of water quality standards considering only the water microbiological and physicist-chemistries proprieties, disrespecting its ecosystem characteristics; beyond the imbalance in the environment information and water quality monitoring systems in all country. From the diagnosis carried through in this work, one searched to raise recommendations for the perfectioning of the system in view of the fulfilment of Brazilian water and environmental policies sustainability objectives.
Key words: water quality management, freshwater classification, enquadramento das guas doces.
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1. Protocolo para derivao de critrios de qualidade hdrica no Canad........................... 3
Figura 2. Protocolo simplificado para a classificao dos corpos de gua segundo o WFD........50
Figura 3. Diviso Hidrogrfica Brasileira......................................................................................76
Figura 4. Bacias estaduais que possuem os corpos de gua enquadrados e a legislao utilizada
para a classificao das guas. ..................................................................................................... 126
Figura 5. Problemas enfrentados pelos estados para a implementao e aplicao do
enquadramento dos corpos de gua ............................................................................................. 127
Figura 6. Nvel de implementao do monitoramento da qualidade das guas nas unidades da
Federao......................................................................................................................................130
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Diretrizes de algumas das Declaraes Internacionais ratificadas pelo Brasil referentes
gua. .................................................................................................................................................10
Tabela 2 - Principais doenas de veiculao hdrica em escala mundial..........................................20
Tabela 3 - Classificao das guas superficiais pelo WFD (2000/60/EC), em funo do estado do
corpo de gua. ...................................................................................................................................46
Tabela 4 - Prazos para a implementao das estratgias do WFD. ..................................................51
Tabela 5 - Classes de qualidade ambiental correspondentes aos ndices de qualidade ecolgica na
Inglaterra e Pas de Gales....................................................................................................................6
Tabela 6 - Classes de qualidade hdrica na Inglaterra e Pas de Gales ...............................................7
Tabela 7 - Classes de qualidade hdrica na Esccia..........................................................................58
Tabela 8 - Parmetros de qualidade hdrica comumente utilizados na Frana .................................63
Tabela 9 - ndices de qualidade hdrica e suas descries ..................................................................4
Tabela 10 - Classes de qualidade hdrica francesas ............................................................................5
Tabela 11 - Distribuio percentual dos domiclios brasileiros que se utilizam solues alternativas
para o suprimento de gua, segundo as grandes regies geogrficas. ..............................................79
Tabela 12 - Cobertura dos servios de saneamento por classes de renda
2000..................................................................................................................................................81
Tabela 13
Leis e instituies responsveis pelo enquadramento dos corpos de gua nas unidades
de federao brasileiras................. .................................................................................................121
Tabela 14 - Critrio Crnico para as concentraes de amnia proposto pelo EPA para guas
doces, considerando a presena de peixes nos estgios preliminares de vida.............................158
Tabela 15 - Critrio Crnico para as concentraes de amnia proposto pelo EPA para guas
doces, considerando a ausncia de peixes nos estgios preliminares de
vida..............................................................................................................................................154
LISTA DE SIGLAS
ANA Agncia Nacional de guas
ANZECC
Australian and New Zealand Environment and Conservation Council
ARMCANZ
Agriculture and Resource Management Council of Australian and New Zealand
CCREM- Canadian Council of Ministers of the Environment
CETESB- Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental
CNRH Conselho Nacional de Recursos Hdricos
CERH - Conselho Estadual de Recursos Hdricos
CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente
CWQG Canadian Water Quality Guidelines
DEFRA Department for Environment, Food and Rural Affairs
DNAEE - Departamento Nacional de guas e Energia Eltrica
EA Environmental Agency
EEC- European Economic Community
EQI- Ecological Quality Indices
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IPVA- ndice de Proteo da Vida Aqutica
IUCN International Union for Conservation of Nature
MMA Ministrio do Meio Ambiente
MS Ministrio da Sade
NPDES- National Pollutant Discarge Ellimination System
OMS Organizao Mundial de Sade
PERH Poltica Estadual de Recursos Hdricos
PNMA Poltica Nacional de Meio Ambiente
PNRH Poltica Nacional de Recursos Hdricos
PNUMA Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente
SISNAMA Sistema Nacional de Meio Ambiente
SAGE
Schma d Amnagement et de Gestion des Eaux
SDAGE
Schma Directeur d Amnagement et de Gestion des Eaux
SEGRH Sistema Estadual de Gerenciamento dos Recursos Hdricos
SEMA- Secretaria Especial de Meio Ambiente
SEMAM - Secretaria do Meio Ambiente da Presidncia da Repblica
SEPA - Scottish Environment Protection Agency
SIGRH Sistema Integrado de Gerenciamento dos Recursos Hdricos
SNGRH - Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos
SRH Secretaria de Recursos Hdricos
USEPA US Environment Protection Agency
UWWTD - Urban Waste Water Treatment Directive
WCED World Commission on Environment and Development
WFD Water Framework Directive
SUMRIO
1. INTRODUO.......................................................................................................................... 1
2. OBJETIVOS............................................................................................................................... 4
2.1. OBJETIVO GERAL........................................................................................................... 4
2.2. OBJETIVOS ESPECFICOS............................................................................................ 4
3. METODOLOGIA...................................................................................................................... 6
4.DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL: PRESSUPOSTOS E OBJETIVOS DA
GESTO HDRICA ...................................................................................................................... 8
5. QUALIDADE HDRICA ........................................................................................................ 12
5.1. Bens e servios fornecidos pelos ecossistemas de gua doce ......................................... 14
5.2. Impactos antrpicos sobre a qualidade hdrica ............................................................. 16
6. GESTO DA QUALIDADE HDRICA................................................................................ 24
6.1. Objetivos de qualidade hdrica........................................................................................ 25
6.2. Indicadores de qualidade hdrica .................................................................................... 28
6.3. Padres de qualidade ambiental e Padres de emisso................................................. 30
7. SISTEMAS DE GESTO DA QUALIDADE HDRICA EM PASES DE
REFERNCIA ............................................................................................................................. 34
7.1. Estados Unidos da Amrica ............................................................................................. 34
7.2. Canad ............................................................................................................................... 40
7.3. Unio Europia.................................................................................................................. 44
7.4. Reino Unido ....................................................................................................................... 52
7.4.1. Inglaterra e Pas de Gales.......................................................................................... 53
7.4.2. Esccia......................................................................................................................... 57
7.5. Frana ................................................................................................................................ 61
7.6. Austrlia e Nova Zelndia................................................................................................ 67
7.7. Tendncias identificadas nos sistemas de classificao da qualidade hdrica, de
acordo com sua anlise em pases de referncia ................................................................... 71
8. SISTEMA DE GESTO DA QUALIDADE HDRICA NO BRASIL ............................... 75
8.1. Situao dos recursos hdricos no Brasil ........................................................................ 75
8.1.1. Distribuio dos recursos hdricos ........................................................................... 75
8.1.2. Demandas pelos recursos hdricos............................................................................ 78
8.2. Poltica Ambiental Brasileira............................................................................................ 85
8.3. Poltica Hdrica Brasileira .............................................................................................. 877
8.4. Objetivos e Padres de qualidade hdrica no Brasil....................................................... 91
8.5. Enquadramento das guas doces superficiais brasileiras .............................................. 96
8.6. Anlise dos objetivos de qualidade hdrica ..................................................................... 99
8.7. Anlise dos critrios de qualidade hdrica..................................................................... 103
8.8. Anlise dos padres de qualidade hdrica da Resoluo CONAMA n357/05, com
enfoque aos usos mais restritivos das guas doces............................................................... 106
8.8.1. Padres de qualidade hdrica visando o abastecimento para consumo humano109
8.8.2. Padres de qualidade hdrica visando a proteo das comunidades aquticas . 114
8.9. Anlise institucional do sistema de gesto da qualidade hdrica................................. 117
9. CONCLUSES E RECOMENDAES............................................................................131
10. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...............................................................................137
1
INTRODUO
A escassez e imprescindibilidade da gua para a vida no impedem sua utilizao
inapropriada pelo Homem, dificultando sua disponibilidade atual e futura. A renovao da gua
no planeta ocorre por meio do ciclo hidrolgico, com a gua movimentando-se continuamente
entre as fases slida, lquida e gasosa e possibilitando a recarga de rios, reservatrios e guas
subterrneas, indispensveis sobrevivncia humana. Na medida em que interage com os
elementos do solo, subsolo e atmosfera, sua qualidade por estes influenciada e, com a extenso
das aes humanas sobre a paisagem natural, vm se modificando intensamente, dificultando a
manuteno dos ecossistemas aquticos e terrestres e sua utilizao mltipla pelo ser humano.
A diversificao dos usos mltiplos da gua, com a criao de necessidades crescentes
pelo recurso so grandes responsveis por suas alteraes em quantidade e qualidade,
intensificando os conflitos por sua aquisio (TUNDISI, 2003). Aes antrpicas que
desconsideram as dinmicas dos ecossistemas aquticos proporcionam modificaes no ciclo
hidrolgico, diminuindo a capacidade de infiltrao da gua no solo, alterando o regime dos rios
e superando a capacidade de recarga das reservas de gua (TUNDISI, 2003).
O Brasil um pas dotado de grande diversidade climtica, geomorfolgica e biolgica,
apresentando uma ampla rede hidrogrfica que responde por 53% da produo de guas doces do
continente sul-americano e 12% do total mundial (REBOUAS, 1999), cuja distribuio se d
por meio das trs grandes unidades hidrogrficas do Amazonas, So Francisco e Paran, que
concentram cerca de 80% da produo hdrica do pas. As unidades hidrogrficas subdividem-se
em 12 regies hidrogrficas, com variaes espaciais e temporais de distribuio hdrica distintas,
sendo tais disparidades na distribuio hdrica desconsideradas como fatores condicionantes
quando da ocupao humana ao longo do territrio, assim como se sucede com as demais
2
potencialidades e fragilidades naturais do mesmo, resultando em um quadro de degradao
ambiental e social por todo o pas.
Especificamente em relao aos recursos hdricos, as desigualdades de desenvolvimento
econmico regionais, com diferentes graus de ocupao e intensificao das atividades
produtivas, resultam em situaes de estresse hdrico e ambiental. A estes fatores somam-se os
impactos decorrentes da rede de influncias antrpicas nos ambientes rurais e urbanos que afetam
a integridade dos sistemas hdricos, por meio de aes variadas como: interrupo do fluxo
hdrico e degradao da qualidade hdrica, canalizao e desvio do curso natural de rios,
impermeabilizao do leito dos rios no meio urbano, despejo de poluentes, prticas inadequadas
de aqicultura, uso inadequado do solo nos meio rural e urbano, dentre outros. As discusses
acerca da importncia dos fatores naturais para a existncia e continuidade das sociedades
humanas, das interferncias ambientais negativas quando de sua desconsiderao nas diversas
atividades e a inter-relao destes fatores com a existncia de relaes sociais desarmnicas
evoluram para a consolidao de metas e prticas ambientais baseadas no conceito de
desenvolvimento sustentvel, definido como o desenvolvimento que atenda as necessidades
humanas do presente sem o comprometimento de as futuras geraes alcanarem suas prprias
necessidades
(WCED, 1987).
A sustentabilidade ambiental incorpora a premente necessidade de manuteno dos
ecossistemas de suporte do planeta como premissa indispensvel ao crescimento econmico
eqitativo e permanncia da humanidade. A persistncia da vida no planeta passa a ser
priorizado nos sistemas de gesto em quaisquer nveis, em conjunto com uma distribuio mais
justa dos recursos naturais disponveis, dentre os quais destaca-se a gua, em razo de sua
imprescindibilidade manuteno da vida no planeta e ao desenvolvimento das mais variadas
atividades humanas.
3
Tendo em vista o conceito de desenvolvimento sustentvel e suas premissas preconizadas
em diversos Tratados Internacionais de Meio Ambiente e Recursos Hdricos, com intuito de
preservao dos ecossistemas juntamente distribuio eqitativa dos benefcios advindos da
utilizao dos recursos hdricos, a
Poltica Nacional de Recursos Hdricos (PNRH) (Lei n
9433/97) estabeleceu os objetivos e os instrumentos regulatrios e econmicos que norteiam a
gesto hdrica brasileira, tendo por pressuposto a utilizao sustentvel dos recursos hdricos.
Dentre os instrumentos criados para tanto, destacam-se neste trabalho aqueles diretamente
relacionados ao sistema de gesto da qualidade hdrica, como a definio de padres de qualidade
para as guas superficiais, regulamentada pela Resoluo CONAMA n 20/86 (revogada pela
Resoluo CONAMA n 357/05) e o enquadramento dos corpos de gua superficiais,
regulamentado pela Resoluo CNRH n 12/00. A partir da identificao das premissas de
sustentabilidade ambiental presentes nas legislaes que regem a gesto da qualidade hdrica
brasileira (incluindo os tratados internacionais de recursos hdricos ratificados pelo pas), bus-car-
se- investigar nesta pesquisa o sistema de gesto da qualidade hdrica brasileira, nos aspectos:
objetivos, critrios e padres de qualidade, enquadramento das guas doces, disponibilidades e
demandas pela gua ao longo do territrio, cooperao institucional entre os rgos que fazem
parte do sistema de gesto e monitoramento. Procurar-se- tambm conhecer o sistema de gesto
da qualidade hdrica em pases de referncia, a fim de identificar novos paradigmas que
estruturam os sistemas de gesto da qualidade hdrica em pases com tradio em sua
implementao. A partir destes dados, procurar-se- desenvolver uma anlise crtica do sistema
de gesto da qualidade hdrica brasileiro, sob o ponto de vista institucional e dos instrumentos
legalmente constitudos para implement-lo, com enfoque para os sistemas de classificao das
guas doces superficiais, considerando-se os objetivos e critrios de qualidade hdrica adotados e
os sistemas de monitoramento.
4
2. OBJETIVOS
2.1. OBJETIVO GERAL
Considera-se como objetivo geral do trabalho:
A anlise da adequao ou no do sistema de gesto da qualidade hdrica brasileiro, com
enfoque ao sistema de classificao das guas doces superficiais, aos pressupostos de gesto
hdrica sustentvel identificados nos tratados e conferncias internacionais de gesto hdrica
ratificados pelo Brasil, como a Conferncia Internacional sobre a gua e o Meio Ambiente de
Dublin de 1992, a Declarao do Rio de Janeiro para o Meio Ambiente e Desenvolvimento de
1992 (especificada no captulo 18 da Agenda 21), a Declarao de Paris de 1998 e a Declarao
Ministerial de Haia sobre Segurana Hdrica no Sculo 21 de 2000.
2.2. OBJETIVOS ESPECFICOS
Consideram-se como objetivos especficos:
- Anlise dos sistemas de gesto da qualidade hdrica em pases de referncia, afim de se
identificar suas tendncias de gesto, nos aspectos de objetivos e critrios de qualidade, alm das
estratgias utilizadas para a classificao das guas nestes pases.
- Anlise da adequao ou descumprimento dos padres de qualidade das guas doces em relao
ao nvel de qualidade requerida para cada classe de gua doce da Resoluo CONAMA n
357/05, tendo-se em vista os usos mais restritivos de cada classe.
5
- Anlise dos objetivos e critrios utilizados para o desenvolvimento dos padres de qualidade
hdrica no Brasil.
- Identificao do sistema de gesto da qualidade hdrica do ponto de vista institucional e o
monitoramento das guas doces superficiais brasileiras.
6
3. METODOLOGIA
Para a realizao dos objetivos propostos neste trabalho, foram adotados os seguintes
procedimentos:
- reviso bibliogrfica dos documentos balizadores dos objetivos da gesto hdrica em mbito
mundial: Agenda 21, Declarao de Dublin, Declarao Ministerial de Haia sobre Segurana
Hdrica no Sculo 21 e Declarao de Paris, visando a identificao dos princpios que norteiam
os sistemas de gesto da qualidade hdrica em diversos pases, inclusive o Brasil.
- anlise dos sistemas de gesto da qualidade hdrica em pases de referncia. Como critrios
de escolha, realizou-se levantamento bibliogrfico para a identificao dos pases mais citados
como modelos de organizao institucional, legal, e que mais se aproximassem aos pressupostos
de gesto identificados nos documentos supracitados. A disponibilidade de informaes foi outro
requisito fundamental para a escolha, optando-se pelos Estados Unidos da Amrica, Canad,
Austrlia e Nova Zelndia, Frana, Reino Unido e Unio Europia. Na anlise dos dados,
buscou-se identificar os objetivos da gesto hdrica e os sistemas utilizados para a avaliao da
qualidade e classificao dos corpos de gua doce superficiais, assim como o monitoramento,
quando existente.
- a partir da anlise dos pases de referncia e de levantamento bibliogrfico, buscou-se
identificar as novas tendncias de gesto, relacionadas aos objetivos do trabalho: objetivos e
critrios/parmetros de qualidade e sistemas de classificao dos corpos de gua doce
superficiais.
- anlise do sistema de gesto da qualidade hdrica brasileira abrangendo os aspectos: situao
dos recursos hdricos quanto aos aspectos de demandas e disponibilidades, objetivos, parmetros
e padres de qualidade, sistema de classificao e enquadramento dos corpos de gua doce
7
superficiais e organizao institucional. Buscou-se, desta forma, identificar os principais
problemas e desafios da gesto, segundo a anlise de diversos autores, assim como delinear
recomendaes para o aprimoramento do sistema.
- a anlise dos parmetros de qualidade para as classes de gua doce da Resoluo CONAMA
n 357/05, tendo em vista os usos mais restritivos a que so destinadas (abastecimento domstico
e proteo de comunidades aquticas), foi realizada da seguinte forma:
abastecimento domstico: comparao dos limites de concentrao para cada
substncia da Resoluo com os valores de referncia para potabilidade recomendados
pela Organizao Mundial de Sade, por meio do documento Guidelines for
Drinking-water Quality (2004) e pela Portaria 518/04 do Ministrio da Sade.
proteo das comunidades aquticas: comparao dos limites de concentrao para
cada substncia da Resoluo com os valores de referncia para proteo de
comunidades contra efeitos crnicos e agudos recomendados pela Agncia de
Proteo Ambiental norte-americana (USEPA), tendo por base o documento Current
National Recommended Water Quality Criteria (2003) e pelo Conselho de Ministros
do Meio Ambiente do Canad, por meio do documento Protocol for the Derivation of
Water Quality Guidelines for the Protection of Aquatic Life (CCREM, 1999).
8
4. DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL: PRESSUPOSTOS E OBJETIVOS DA GESTO HDRICA
A preocupao com as conseqncias ambientais perniciosas derivadas do rpido
crescimento tecnolgico e econmico dos pases industrializados, ocasionou um debate mundial a
respeito dos estilos de vida por eles adotados e dos caminhos que poderiam ser trilhados a fim de
se reverter o quadro de degradao tanto da base natural de sustentao vida quanto ao
ambiente antrpico. Neste sentido, a Unio Internacional de Conservao da Natureza e dos
Recursos Naturais (IUCN), em conjunto com o PNUMA e o World Wildlife Fund (WWF)
publicaram um programa denominado World Conservation Strategy, dando origem ao termo
desenvolvimento sustentvel (ELLIOT, 1994), inspirado na idia de ecodesenvolvimento
formulada na Conferncia de Estocolmo de 1972 (ALMEIDA, 1998). No entanto, foi apenas em
1987 que o conceito adquiriu amplitude global por intermdio do estudo elaborado pela
Comisso Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (WCED) da ONU (tambm
conhecida como Comisso Bruntland), denominado Nosso Futuro Comum . Neste relatrio, h
um pormenorizado estudo sobre a relao entre desenvolvimento e meio ambiente, em conjunto a
sugestes de polticas para se alcanar tal concepo de desenvolvimento. A WCED (1987)
definiu desenvolvimento sustentvel como sendo aquele que atende s necessidades do presente
sem comprometer a possibilidade de as geraes futuras atenderem suas prprias necessidades
(p. 46), ou seja, uma forma de desenvolvimento que permita a manuteno da base ecolgica do
planeta indefinidamente, ao mesmo tempo em que possibilite a distribuio eqitativa dos bens e
servios ambientais a nvel global. Para tanto, consideraram-se como indispensveis em mbito
global a implantao de medidas que aumentassem a eficincia no uso dos recursos naturais,
minimizassem a produo de resduos e prevenissem danos ambientais irreparveis, cujos custos
e benefcios seriam distribudos por toda a sociedade (WCED, 1987).
9
A idia de desenvolvimento sustentvel tem como fundamento ecolgico o conceito de
capacidade de suporte, definido como a velocidade mxima de consumo de recursos e de
produo de resduos que pode ser sustentada indefinidamente em uma regio sem impactar a
produtividade e a integridade ecolgica (CARLEY; CHRISTIE, 1993, p.43). Desta forma, a
utilizao sustentvel de um determinado recurso natural pressupe limites baseados em sua
capacidade regenerativa e assimilativa de agentes poluidores, que podem ser definidos mediante
polticas de manejo visando tal controle.
As conseqncias do desenvolvimento econmico sobre os recursos hdricos e as
dificuldades em se estabelecer sua utilizao de forma eqitativa, juntamente necessidade de se
buscar caminhos sustentabilidade ambiental de seu uso a nvel global foram pauta de diversas
conferncias, tratados e acordos assinados pelo Brasil, como a Conferncia Internacional sobre a
gua e o Meio Ambiente em Dublin de 1992, a Declarao do Rio de Janeiro para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (especificada no captulo 18 da Agenda 21), a Declarao
de Paris de 1998 e a Declarao Ministerial de Haia sobre Segurana Hdrica no Sculo 21 de
2000. Um resumo das diretrizes destas declaraes est representado na Tabela 1.
10
Tabela 1- Diretrizes de algumas das Declaraes Internacionais ratificadas pelo Brasil referentes gua.
Fonte: MMA (2004); Tundisi (2003); Setti, (1994).
Tais Tratados lanaram os fundamentos e princpios para a gesto ambiental em todo o
mundo e, apesar das dificuldades em se definir claramente os objetivos e estratgias de alcance
do desenvolvimento sustentvel, pode-se, a partir dos mesmos, delinear suas premissas gerais.
Com relao especificamente gesto hdrica, tm-se os seguintes pressupostos balizadores aos
Declaraes Diretrizes
Agenda 21 Global (1992)
Desenvolvimento e manejo integrado dos recursos hdricos, garantindo seus usos mltiplos; Avaliao dos recursos hdricos; Proteo dos recursos hdricos, considerando os ecossistemas aquticos; Garantia ao abastecimento de gua potvel e ao saneamento bsico; Promoo do desenvolvimento urbano sustentvel; gua para a produo sustentvel de alimentos e desenvolvimento rural sustentvel; Promoo de tecnologias sustentveis para a utilizao dos recursos naturais; Preveno contra impactos da mudana do clima sobre os recursos hdricos.
Declarao de Dublin (1992)
Gerenciamento integrado dos solos e da gua; Gesto participativa dos recursos hdricos; Reconhecimento do valor econmico da gua.
Declarao de Paris (1998)
Proteo dos ecossistemas para a reabilitao e manuteno do ciclo hidrolgico; Fortalecimento das instituies locais e da cooperao internacional para a gesto dos recursos hdricos; Integrao de todos os aspectos de desenvolvimento ao gerenciamento dos recursos hdricos.
Declarao Ministerial de Haia sobre Segurana Hdrica no Sculo 21 (2000)
Garantia ao acesso da gua em qualidade e quantidade e ao saneamento bsico em mbito mundial; Participao da sociedade (principalmente das mulheres) na gesto dos recursos hdricos; Garantia segurana alimentar, atravs do uso mais eficiente da gua; Proteo dos ecossistemas, atravs da gesto sustentvel dos recursos hdricos; Garantia aos usos mltiplos da gua; Segurana contra riscos hidrolgicos; Valorao econmica da gua.
11
sistemas de gesto da qualidade hdrica, que sero considerados como critrios na anlise da
sustentabilidade do sistema de classificao das guas doces superficiais no Brasil:
- equidade na distribuio dos bens e servios ambientais.
- adoo dos princpios da preveno e precauo na utilizao dos recursos hdricos.
- gesto participativa e descentralizada, com decises realizadas no menor nvel organizacional
possvel.
- gesto integrada entre planos governamentais setoriais e de recursos hdricos. Gesto integrada
entre solo e gua (incluindo-se guas subterrneas, continentais superficiais e costeiras), referida
na agenda 21 como gesto ecossistmica.
- valorao econmica da gua, por meio de instrumentos de cobrana socialmente justos
(princpios do poluidor-pagador e do usurio-pagador).
- uso racional da gua, visando a diminuio do consumo, a reciclagem e o reaproveitamento do
recurso. Nas indstrias, adoo da anlise do ciclo de vida dos produtos. Conscientizao da
populao por meio de aes educativas.
- atendimento aos usos mltiplos da gua, com prioridade s necessidades humanas bsicas,
como abastecimento, seguridade alimentar e saneamento, e proteo dos ecossistemas
aquticos.
- proteo contra riscos de origem natural e antrpicos (secas, inundaes, poluio).
- proteo dos ecossistemas aquticos e terrestres relacionados, por meio de prticas de
conservao de reas pouco impactadas e a recuperao das degradadas. Manuteno da
integridade biolgica.
- bancos de dados com informaes ambientais e sociais de amplo acesso. Transferncia de
tecnologias.
12
5. QUALIDADE HDRICA
A qualidade da gua determinada por suas inter-relaes com os componentes do meio
nas diversas etapas do ciclo hidrolgico, sendo tambm funo do uso e ocupao do solo na
bacia hidrogrfica (SPERLING, 1996). comumente expressa em parmetros fsico-qumicos,
como temperatura, turbidez, pH, concentraes de nitrognio, fsforo, metais e materiais em
suspenso, dentre outros, e microbiolgicos, como quantidade de coliformes termotolerantes,
protozorios, cianobactrias, helmintos, bactrias, vrus, dentre outros. No entanto, torna-se cada
vez mais comum e consensual na comunidade cientfica a considerao da estrutura
geomorfolgica dos ambientes superficiais lticos e lnticos por meio de parmetros como
relevo, declividade, composio do substrato e estrutura do leito e margens, assim como a biota
aqutica, em parmetros que considerem a estrutura e funo de suas comunidades. Tais
consideraes justificam-se pela interdependncia dos fatores mencionados, que condicionam o
estado e a existncia uns dos outros, em ambientes definidos como ecossistemas.
Apesar das diversas conceituaes existentes para o termo ecossistema, destaca-se a
definio dada por Odum (1988, p.9):
[...] qualquer unidade (biossistema) que abranja todos os organismos que funcionam em conjunto (a comunidade bitica) numa dada rea, interagindo com o ambiente fsico de tal forma que um fluxo de energia produza estruturas biticas claramente definidas e uma ciclagem de materiais entre as partes vivas e no-vivas da natureza que inclui organismos vivos e substncias no vivas, que interagem para produzir uma troca de materiais entre as partes vivas e no vivas.
Ecossistemas constituem-se por elementos abiticos fundamentais, como gua, luz,
temperatura, minerais, e biticos, abrangendo grupos definidos em nveis trficos especficos. A
estrutura e funcionalidade dos ecossistemas so analisadas quando da avaliao de seu estado,
13
que pode se situar no espectro da condio prstina a altamente degradada. Apesar das
dificuldades em se encontrar ecossistemas em estado prstino, ou seja, de no distrbio, devido
ampla incidncia dos impactos ambientais advindos de aes antrpicas, definem-se ambientes
mais prximos s condies naturais como ecologicamente ntegros, ou seja, que tenham
necessidade mnima de suporte externo (KAR, 1991), com capacidade de manter uma
comunidade adaptativa e balanceada que seja relativamente similar biocenose natural de uma
rea respectiva (ANGERMEIR; KAR, 1994). Por outro lado, ambientes degradados e distantes
em diversos graus das condies de pr-distrbio so estabelecidos em razo de sua incapacidade
de auto-organizao em termos estruturais e funcionais, que os torna mais suscetveis a impactos
e impossibilita seu processo sucessional (MLLER, 1998).
Ecossistemas possuem caractersticas que definem sua capacidade de reagir aos
impactos ambientais, estando estabelecidas nos conceitos de resistncia e resilincia. De acordo
com Holling (1973), resistncia a capacidade de o sistema absorver ou dissipar a perturbao,
enquanto que resilincia definida como a velocidade na qual o sistema pode retornar ao estado
de pr- perturbao aps um distrbio . Sistemas resilientes podem ser facilmente alterados, no
sendo necessariamente muito resistentes, mas possuem uma capacidade maior de retornar
condio inicial, e se caracterizam pelos componentes: elasticidade, ou seja, o tempo requerido
para a restaurao do sistema ao estado de pr-distrbio; amplitude, definida como a intensidade
da modificao do estado inicial e de seu retorno ao mesmo, e maleabilidade, a intensidade na
qual o novo estado de equilbrio estabelecido aps a recuperao do sistema difere do estado
inicial (WESTMAN, 1985). A capacidade de resilincia e resistncia a impactos est
diretamente relacionada ao grau de integridade dos sistemas ecolgicos, da a necessidade de se
conhecer as dinmicas dos ecossistemas terrestres e aquticos e de considerar a busca por sua
14
manuteno ou recuperao como um dos objetivos ltimos da gesto ambiental e de recursos
hdricos.
5.1. Bens e servios fornecidos pelos ecossistemas de gua doce
Alm de seu valor intrnseco para a existncia de todas as espcies vivas, os ecossistemas
de gua doce provm aos seres humanos diversos benefcios, na forma de produtos de consumo
direto (tambm denominados de bens ambientais), como gua para abastecimento e irrigao,
recursos genticos e alimentares, e de servios ambientais, como especificados a seguir
(EMERTON; BOS, 2004; FRICKER, 1998; REVENGA et al., 2000):
- a manuteno do suprimento hdrico, promovida pelas atividades de infiltrao e percolao da
gua no solo, facilitadas pela presena de vegetao ciliar e florestal na rea de drenagem.
- diluio e transporte de resduos: desde tempos remotos, ecossistemas lticos e lnticos so
utilizados como meio de transporte e degradao de resduos, devido suas propriedades fsicas de
velocidade do fluxo, diluio e sedimentao e da atividade biodegradora dos decompositores e
de absoro pelos produtores, os quais atuam como meios naturais de purificao hdrica. No
entanto, os despejos de origem industrial, agrcola e urbana na maior parte das vezes excedem a
capacidade de autodepurao do sistema, desestruturando seus processos internos.
- corredores de transporte de matria e energia: em condies naturais, os ecossistemas aquticos
encontram-se conectados entre si e com o ambiente terrestre. Tal fato possibilita a existncia de
trocas contnuas de materiais e energia entre rios, lagos, plancies de inundao e ambientes
terrestres, responsvel pela manuteno de redes alimentares complexas e dinmicas que
caracterizam sistemas ecologicamente ntegros. Um exemplo claro da importncia desta
15
conectividade pode ser verificada nos ambientes lticos em relao aos peixes migratrios, que
dela dependem para a procriao e a manuteno do ciclo vital.
- esttica e recreao: a contemplao da beleza cnica de ambientes aquticos preservados e as
diversas atividades culturais que proporcionam um componente essencial das sociedades
humanas.
- manuteno da biodiversidade: a interdependncia das redes alimentares aquticas e terrestres, a
disponibilidade de habitats para espcies aquticas e terrestres que realizam parte de seu ciclo de
vida nestes ambientes, alm do fato de se constiturem como a principal fonte de gua para
maioria das espcies existentes, tornam os ecossistemas de gua doce componentes essenciais e
imprescindveis para a manuteno da biodiversidade e, conseqentemente, da sobrevivncia
futura destes e dos demais ecossistemas.
- amortecimento do fluxo hdrico em perodos chuvosos: a presena de reas alagadas e plancies
de inundao componentes dos ecossistemas aquticos atuam como reguladores do fluxo hdrico
e da diminuio do impacto sobre o meio terrestre adjacente em perodos de cheias. Tal fato
ocorre pelo armazenamento da gua nas reas alagadas e pela infiltrao da mesma
proporcionada pelos vegetais.
- controle da eroso: a eroso em ambientes urbanos derivada da exposio do solo nu para a
construo da infra-estrutura urbana (loteamentos, avenidas) e da ausncia de vegetao ciliar ao
longo dos corpos hdricos, e constitui-se numa das maiores fontes geradoras de impactos das
guas receptoras, contribuindo para o transporte de sedimentos da bacia de drenagem para as
mesmas (PORTO, 1995; PERRY; VANDERKLEIN, 1996).
- controle da temperatura hdrica: a temperatura uma propriedade que exerce grande influncia
na qualidade da gua, sobre o metabolismo e respirao de peixes e demais animais aquticos, a
condutividade, condutncia, salinidade e capacidade de dissoluo de gases essenciais vida.
16
Temperaturas elevadas diminuem o teor de oxignio dissolvido e aceleram os processos
metablicos e respiratrios dos seres vivos, ocasionando um aumento na demanda por este gs.
5.2. Impactos antrpicos sobre a qualidade hdrica
Nos sistemas hdricos, os impactos ambientais podem ser causados por
contaminao/poluio qumica e orgnica, a destruio de habitats e o uso consumptivo que
supere a recarga das reservas superficiais e subterrneas, ocasionando a desorganizao
estrutural e funcional da biota aqutica e a perda hdrica em termos qualitativos e quantitativos.
A Poltica Nacional de Meio Ambiente (Lei n 6938/81, art.3, incisoIII) apresenta a
seguinte definio de poluio:
[...] a degradao da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a sade, a segurana e o bem-estar da populao; b) criem condies adversas s atividades sociais e econmicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condies estticas ou sanitrias do meio ambiente; e) lancem matrias ou energia em desacordo com os padres ambientais estabelecidos.
A poluio est diretamente relacionada capacidade assimilativa do meio, realizada por
meio da diluio de seus componentes, adsoro aos sedimentos presentes tanto na superfcie
quanto no leito do corpo de gua e absoro e degradao realizada pelas atividades da biota.
Com relao localizao dos lanamentos, a poluio hdrica pode ser pontual,
quando seus agentes atingem o corpo de gua de forma concentrada no espao, ou difusa, quando
os poluentes encontram-se distribudos ao longo de sua extenso (VON SPERLING, 1995). J
em escala temporal, a poluio pode ser crnica, quando as descargas so realizadas de forma
17
contnua, ou episdica e intermitente, quando no podem ser previstas no espao e no tempo
(MASON, 1996).
De acordo com a natureza dos poluentes e os efeitos que provocam no meio, a
poluio pode ser txica, quando derivada de materiais inorgnicos, como metais e compostos
industrializados, ou orgnica. Os danos dos poluentes txicos nas comunidades aquticas
funo de sua natureza e concentrao, podendo ser agudos, quando sentidos rapidamente,
provocando danos irreversveis e at mesmo fatais, ou crnicos, quando da longa exposio dos
organismos a doses baixas, podendo tambm causar danos irreversveis (MASON, 1996). Na
presena de vrios tipos de poluentes, sua ao pode se dar de forma sinrgica, quando
combinada, ou antagnica, quando h interferncia recproca. Quando introduzidos nos corpos de
gua, tais poluentes podem ocasionar modificaes na estrutura das comunidades aquticas,
geralmente ocasionando elevados nveis de mortalidade sobre indivduos mais suscetveis e a
manuteno das espcies mais tolerantes, ou at mesmo alterando-lhes fisiologicamente de forma
a diminuir sua capacidade reprodutiva (MASON, 1996). De forma geral, h uma reduo na
biodiversidade dos ecossistemas e na complexidade das relaes neles existentes, tornando-os
menos resilientes e resistentes a impactos. As atividades mineradoras, agrcolas e industriais so
as maiores contribuintes para a toxicidade aqutica (MASON, 1996; TUNDISI, 2003).
A poluio orgnica ocorre no momento em que matria orgnica em excesso
introduzida nos corpos de gua, de forma a ultrapassar sua capacidade natural de assimilao,
ocasionando um fenmeno conhecido como eutrofizao, ou fornecendo substrato para a
sobrevivncia de organismos patognicos. A descarga de efluentes orgnicos de origem agrcola,
industrial ou domstica libera elevadas quantidades de nitrognio e fsforo nos meios receptores,
elementos limitantes ao crescimento de organismos produtores. Como conseqncia, h a sbita
proliferao destes, notadamente das cianobactrias (muitas das quais liberam toxinas no meio) e
18
plantas aquticas superiores, e um aumento na demanda por oxignio dissolvido requerido para
sua decomposio. Desta forma, o corpo hdrico entra em um estado de depleo de oxignio,
impossibilitando a permanncia dos organismos mais sensveis e, em razo disto, reduzindo a
diversidade de espcies anteriormente existente, encontrando-se eutrofizado (TUNDISI, 2003).
Dependendo da quantidade de material em suspenso, a prpria atividade fotossinttica dos
produtores pode ser seriamente prejudicada em funo da diminuio na penetrao da luz no
meio aqutico, acelerando o processo (TUNDISI, 2003).
Alm de serem fonte de nutrientes, os poluentes orgnicos podem se estabelecer
como abrigo ou alimento para o desenvolvimento de diversos tipos de microorganismos, muitos
dos quais de ao patognica para o ser humano, provocando a disseminao de doenas. No caso
de efluentes de origem domstica, como esgotos e resduos slidos e do escoamento superficial
urbano e rural (notadamente em locais de atividade agropecuria), h a liberao de elevadas
quantidades de patgenos, sobretudo de coliformes fecais, vrus e vermes. Calcula-se que, em
todo o mundo, faleam por volta de 25 milhes de pessoas ao ano vtimas de doenas de
veiculao hdrica (MASON, 1996), enquanto outras milhes padessem destas enfermidades,
trazendo juntamente aos problemas de sade pblica, uma diminuio da produtividade nos
pases mais frgeis, em razo da perda de dias de trabalho (WCED, 1987).
Podem-se classificar as doenas hdricas em quatro grupos:
- doenas diretamente veiculadas pela gua
- doenas cujos vetores se relacionam com a gua
- doenas cuja origem est na gua (organismos que passam parte do ciclo vital na gua
(ex: Schistossoma mansoni).
- doenas relacionadas com a falta ou mau uso da gua (hbitos higinicos inadequados,
ocasionados tambm por situaes de escassez).
19
O desenvolvimento das doenas hdricas pode ter efeitos imediatos, como no caso do contato
com patgenos, ou de ao cumulativa de efeitos a longo prazo, quando da ingesto de
substncias txicas, resultando em alteraes nas funes fisiolgicas dos seres vivos,
mutagenicidade e teratogenecidade.
O esgoto no coletado e lanado diretamente nas guas superficiais, alm de degradar e
impossibilitar a existncia de uma comunidade aqutica funcional e estruturalmente diversa
fonte de inmeras doenas, as quais, somadas a precarizao da higiene provocada pelo
suprimento hdrico per capita inadequado, respondem pela maior parte das causas de mortalidade
infantil e das internaes hospitalares no mundo e no Brasil. Um resumo das principais doenas
de veiculao hdrica em escala mundial se encontra na tabela 2.
20
Tabela 2 - Principais doenas de veiculao hdrica em escala mundial.
Fonte: Raven; Berg; Johnson
1 (1998) apud Tundisi (2003).
1 RAVEN, P.H.; BERG, L.R.; JOHNSON, G. B. Environment. Saunders College Publishing, 1998. 579p.
Doenas humanas transmitidas por veiculao hdrica
Doena Agente infeccioso Tipo de organismo
Sintomas
Clera Vibrio cholerae Bactria Diarria severa e grande perda de lquido
Disenteria Shigella dysinteriae outros microorganismos
Bactria Infeco do clon e dores abdominais mais intensas
Enterite Clostridium perfringes e outra bactria
Bactria Inflamao do intestino delgado; diarria; dores abdominais
Febre tifide Salmonella typhi Bactria Dor de cabea; perda de energia; hemorragia intestinal; febre
Hepatite infecciosa Hepatite, Vrus A Vrus Inflamao do fgado; vmitos e febre; perda de apetite
Poliomielite Polivrus Vrus Febre; diarria; dores musculares; paralisia e atrofia dos msculos
Criptosporidiose Cryptosporidum Protozorio Diarria e dores abdominais
Disenteria amebiana Entamoeba hystolytica Protozorio Infeco do clon; diarria e dores abdominais
Esquistossomose Schistossoma sp. Verme Doena tropical do fgado; diarria; perda de energia;
fraqueza; dores abdominais intensas
Ancilostomase Ancylostoma sp. Verme Anemia severa
Malria Anopheles sp. Protozorio Febre alta
Febre amarela Aedes sp. Vrus anemia
Dengue Aedes sp. Vrus anemia
21
A poluio hdrica possui caractersticas distintas quanto composio, formas de
lanamentos e alcance, sobretudo sade humana, entre pases desenvolvidos e
subdesenvolvidos. Os primeiros, pioneiros no desenvolvimento de sistemas de gesto hdrica bem
estruturados institucional e financeiramente e de tecnologias de controle de fontes pontuais, tanto
de origem domstica quanto industrial, realizaram com sucesso o controle da poluio orgnica
de origem domstica e, com variaes, vm buscando a diminuio e mitigao dos poluentes
industriais, considerado ainda um de seus grandes problemas. O principal desafio atualmente
nestes pases se d em relao s fontes difusas, tanto agrcolas quanto urbanas, maiores
responsveis pela degradao da qualidade hdrica. Enquanto isto, no mundo subdesenvolvido, o
problema das cargas orgnicas domsticas urbanas e rurais difusas consiste em seu desafio mais
urgente, principalmente em razo dos milhes de pessoas anualmente atingidas pelas doenas
hdricas, sendo dificultada pela inabilidade institucional e insuficincia financeira que os marcam.
A tais questes, soma-se o rpido e crescente desenvolvimento industrial e a expanso das terras
agrcolas, acompanhadas de prticas intensivas de cultivo, tornando cada vez mais grave o
lanamento de substncias txicas nos ecossistemas aquticos.
As alteraes provocadas na estrutura fsica dos corpos de gua, contribuem
significativamente para a destruio de habitats aquticos e as conseqentes perdas de bens e
servios oferecidos por estes ecossistemas, podendo ser ocasionadas pela construo de
reservatrios, canais, diques, obras de transposio e drenagem, impermeabilizao do solo,
dentre outros, ocasionando a fragmentao de ecossistemas e a alterao do fluxo hdrico.
A canalizao de rios, por meio da retificao das margens, aprofundamento do leito e,
comumente, a impermeabilizao das margens e do leito com estruturas de concreto, est
associada aos seguintes impactos: perda da sinuosidade natural e da diversificao de habitats e
fluxo hdrico associados; desconexo do canal principal plancie de inundao, impedindo os
22
processos de troca de nutrientes e a migrao de seres vivos durante as cheias; perda de reas
alagadas e eroso das margens, liberando sedimentos e nutrientes para a gua (USEPA, 1999).
Como conseqncia do aumento das atividades erosivas nas margens e leito dos rios, tm-se
modificaes substanciais em sua morfologia e a destruio de seus habitats, dificultando a
sobrevivncia de vrias espcies. Dentre as alteraes morfolgicas advindas da eroso esto a
queda das margens e dos arbustos que nelas se fixam, o aumento da largura do canal e o
assoreamento do leito. Os sedimentos transportados freqentemente se depositam nas reas de
menor velocidade de fluxo, destruindo habitats e a fauna bentnica e obstruindo o fluxo fluvial.
Dentre outros impactos esto a alterao do material do leito e das variaes de relevo que
possibilitam a formao de remansos e corredeiras, destruindo habitats de organismos bentnicos
e refgio para peixes, em razo da ausncia de barreiras naturais, uniformizao e aumento do
fluxo em todo o canal; desconexo do canal com as guas subterrneas, impossibilitando a
recarga do corpo de gua, com diminuio da vazo em perodos secos, alm da degradao das
comunidades biolgicas aquticas e terrestres da plancie de inundao e perdas de servios
ambientais, como abastecimento, devido escassez hdrica e contaminao, recreao, esttica,
pesca, e aumento do risco de inundaes (BROOKES, 1988).
A urbanizao ocasiona impactos significativos sobre a recarga de aqferos e lenis
freticos. medida que a bacia hidrogrfica tem sua superfcie impermeabilizada, sua vegetao
nativa retirada e seu solo compactado, h perda da capacidade natural de infiltrao de gua no
solo. Desta forma, as guas subterrneas tm seu volume reduzido, fenmeno que intensificado
pela superexplorao destas reservas para o suprimento hdrico da populao urbana. Um fator
decorrente nesta reduo a diminuio do fluxo basal dos rios que, nos perodos secos, no so
mais realimentados da mesma forma que nas situaes de pr-desenvolvimento. Esta diminuio
proporciona impactos agravantes, dada a necessidade de volumes adequados de fluxo para a
23
manuteno de habitats e organismos, diluio de poluentes descarregados nas guas receptoras,
abastecimento e demais usos antrpicos da gua. Outros impactos advindos da urbanizao so a
alterao dos processos de absoro e infiltrao hdrica, com diminuio da recarga de aqferos
e aumento drstico nas vazes de cheias; diminuio da entrada de nutrientes no canal, afetando
sobretudo os sistemas lticos, quando da retirada da vegetao ciliar. Alm disto, guas
receptoras urbanas sofrem freqentes abalos em suas temperaturas devido lavagem, pelo
escoamento, de ruas, avenidas, estacionamentos pavimentados e telhados, superfcies eficientes
na armazenagem do calor solar, s descargas industriais e reduo do sombreamento
proporcionada pela retirada da vegetao ciliar (PERRY; VANDERKLEIN, 1996).
A construo de reservatrios est associada alterao do fluxo, aumentando o perodo
de reteno hdrica na represa, diminuindo a vazo dos sistemas a jusante; alterao no transporte
de nutrientes e sedimentos, aumentando o perodo de reteno e as trocas em ambientes
adjacentes; interferncia na migrao e reproduo de peixes, alm de perdas de servios
ambientais, como recursos pesqueiros, atividades recreativas, pesca, agricultura, transporte,
dentre outros (TUNDISI, 2003); alagamento da rea de drenagem, com destruio de habitats
terrestres e ectonos e perda de terras das comunidades ribeirinhas.
24
6. GESTO DA QUALIDADE HDRICA
A gesto da gua, assim como de outros recursos naturais, determina-se a conciliar as
necessidades humanas capacidade de suporte do meio, sendo a consolidao de objetivos e
estratgias para o alcance do desenvolvimento sustentvel (SOUZA, 2000). No caso da gesto da
qualidade hdrica, tem-se por objetivo a garantia de padres de qualidade adequados para a
garantia dos diversos usos antrpicos da gua e da proteo das comunidades aquticas. No
entanto, de acordo com as peculiaridades culturais, econmicas e polticas de cada local, o grau
de proteo ambiental e de interferncia humana desejados sobre os ecossistemas aquticos
variam, condicionando as medidas a serem adotadas, as quais so estruturadas por instrumentos
de comando e controle, planejamento e econmicos.
Instrumentos de comando e controle, tambm conhecidos como regulatrios, so os
mais tradicionais e se caracterizam pela regulao ambiental direta realizada pelas autoridades
governamentais, por meio de normas de carter obrigatrio, passveis de monitoramento e
punio (BERNSTEIN, 1993). A vantagem deste tipo de instrumento est na autoridade mxima
fornecida aos rgos reguladores no direcionamento dos recursos pblicos para o alcance dos
objetivos ambientais, de acordo com as prioridades sociais e ambientais, que dificilmente seriam
efetivadas com os mecanismos de livre iniciativa do mercado. No entanto, apresenta as
desvantagens de uma maior complexidade exigida em termos de arranjo institucional, recursos
humanos especializado e demanda financeira para as atividades de fiscalizao (ALMEIDA,
1998). Em se tratando da gesto da qualidade hdrica, os instrumentos regulatrios mais
utilizados so os objetivos de qualidade ambiental, os padres de qualidade da gua e de emisso
de efluentes e a outorga para uso da gua.
25
Os instrumentos econmicos, disseminados a partir da dcada de 60, baseiam-se na
idia de internalizao das externalidades ambientais e sociais negativas provenientes das
atividades potencialmente poluidoras, funcionando como incentivos racionalizao do uso e
preservao da qualidade ambiental, por meio dos mecanismos de mercado. Suas vantagens
derivam da efetividade no controle da degradao hdrica sem a necessidade de pesados
investimentos estatais, sobretudo para as atividades de fiscalizao, alm de permitirem ao
empreendedor a escolha de estratgias mais custo-efetivas para o alcance dos objetivos de
qualidade (BERNSTEIN, 1993). Ao mesmo tempo, se estabelecidos de forma justa, as
externalidades negativas oriundas da degradao so transferidas diretamente para o poluidor,
que se v forado a adotar sistemas de preveno para o ganho da concorrncia. Dentre os mais
disseminados encontram-se os princpios do poluidor-pagador e do usurio-pagador, a cobrana
pelo uso da gua, tarifas, subsdios e os mercados de gua (PORTO, 2002; ALMEIDA, 1998).
Tanto os instrumentos de comando e controle quanto os econmicos possuem
vantagens e desvantagens na gesto da qualidade hdrica de um pas, de acordo com seu contexto
social, ambiental, econmico e poltico. No entanto, cada vez mais disseminada a idia de sua
atuao conjunta para o alcance dos objetivos de qualidade desejados (PORTO, 2002). Em razo
do escopo deste trabalho e da extenso do assunto, far-se- uma reviso apenas dos objetivos de
qualidade hdrica e dos parmetros e padres de qualidade e emisso.
6.1. Objetivos de qualidade hdrica
Representam a base do sistema de gesto, indicando o nvel de qualidade desejado
para um determinado corpo de gua, de forma a atender os usos atuais e possivelmente futuros da
gua, considerando ou no a proteo dos ecossistemas. Todos os demais instrumentos devem ser
26
articulados como medidas para seu alcance (PORTO, 2002). A escolha dos objetivos de
qualidade hdrica envolve o diagnstico prvio das condies ambientais, sociais, econmicas e
tecnolgicas do sistema em questo, a fim de possibilitar o conhecimento sobre as necessidades
primordiais dos setores usurios e das comunidades e dos conflitos potenciais ou existentes pelos
usos da gua e dos aspectos ecolgicos do corpo de gua, fornecendo uma indicao de seu
estado atual e da relao entre este e as atividades desenvolvidas. Desta forma, em conjunto com
a anlise da capacidade tecnolgica e financeira existentes, os objetivos de qualidade podem ser
derivados com enfoque nas principais necessidades antrpicas e do corpo de gua, possibilitando
o planejamento ambiental, sendo designados de forma indicativa, permitindo-lhes adaptaes ao
longo do tempo, ou por meios legais de carter obrigatrio, cabveis de fiscalizao pelo poder
pblico.
Segundo Porto (2002) e Von Sperling e Chernicaro (2002), a escolha dos objetivos de
qualidade necessita atender aos seguintes requisitos para ser bem sucedida:
- delimitao adequada da unidade de gerenciamento, em funo das relaes de influncia
mtua entre os usos da gua e do solo e dos ecossistemas aquticos e terrestres, alm da
considerao sobre a legislao, arcabouo institucional e relaes sociais existentes. A escala
espacial deve refletir toda a rea afetada pelos usos atuais e futuros da gua e do solo, de forma a
permitir uma viso conjunta dos problemas em um horizonte temporal de longo prazo. A maioria
dos pases adota a bacia hidrogrfica como unidade de gerenciamento, envolvendo, de acordo
com as peculiaridades locais, mais de uma bacia ou subdivises de uma mesma bacia (sub-
bacias). Fatores culturais, econmicos e tcnicos tambm influenciam no processo.
- o processo deve ser participativo, envolvendo toda a comunidade usuria e afetada pelos usos
existentes, assim como os setores econmicos e as instituies responsveis pela gesto. A
abordagem participativa, desenvolvida por meio de conselhos, auditorias e demais formas de
27
consulta pblica a nica maneira de se identificar os anseios das comunidades e dos usurios,
assim como dos conflitos e dos problemas ambientais existentes. No entanto, devido ao carter
tcnico das auditorias e do contedo de difcil assimilao dos relatrios apresentados, uma
participao efetiva de todos os atores apenas pode ser garantida pelo exerccio contnuo da
discusso, possibilitada pelo fomento s associaes de bacias, referendos, atividades de
educao ambiental nas escolas e comunidades, dentre outras.
- os objetivos devem ser realistas, ou seja, adequados s capacidades tcnicas, institucionais e
financeiras locais, o que no exclui a possibilidade de se traar objetivos de qualidade mais
restritivos no futuro. Adotar objetivos em desacordo com as peculiaridades locais prejudicial
em razo de seu provvel desatendimento se muito rgidos, ocasionando o descrdito por parte
dos setores envolvidos sobre os mecanismos legais que o foraram. Desta forma, aconselhvel
adotar objetivos menos ambiciosos no incio que possam efetivamente ser alcanados, tornando-
os progressivamente mais rgidos medida que condies mais favorveis vo sendo
estabelecidas. No entanto, em conjunto com a definio de objetivos progressivos, deve-se
instituir medidas que conduzam ao aprimoramento institucional, legal, tecnolgico e financeiro
que os possibilitem.
- o processo deve ser adaptativo, ou seja, devido ao carter dinmico das sociedades humanas e
dos ambientes naturais, necessrio que seja revisto periodicamente, com o intuito de se
constatar falhas, problemas ou melhorias que indiquem possveis alteraes nas estratgias ou at
mesmo nos objetivos adotados. De forma contrria, corre-se o risco da inadequao de todo o
processo realidade, tornando-o ineficaz.
- deve possuir horizonte de longo prazo, por meio de um processo de planejamento. Os objetivos
de qualidade hdrica estabelecidos no presente devem necessariamente, de acordo com os
pressupostos do desenvolvimento sustentvel, considerar suas conseqncias futuras ao corpo de
28
gua e s populaes envolvidas. Da a imprescindibilidade de se determinar os objetivos futuros
desejados, os quais devem condicionar os primeiros.
6.2. Indicadores de qualidade hdrica
So importantes instrumentos de gesto, na medida em que permitem a avaliao direta
do estado do sistema hdrico e, conseqentemente, do grau de atendimento aos objetivos de
qualidade designados. Podem ser estabelecidos como variveis individuais ou por ndices de
qualidade. O uso de parmetros individuais possui a vantagem da pormenorizao das
informaes ambientais e da deteco mais acurada das variveis em desacordo com o padro
estabelecido, as quais podem se situar como as causas dos impactos aferidos ao sistema, enquanto
que sua desvantagem reside no extenso nmero de parmetros a serem analisados e na
dificuldade de se determinar efeitos sinrgicos. J o uso de ndices de qualidade possuem a
vantagem de apresentar uma mdia das variveis analisadas, permitindo uma anlise integrada de
suas aes no sistema e uma maior facilidade de entendimento de seu estado para os gestores e o
pblico em geral, com a desvantagem de no oferecer informaes mais detalhadas (CETESB,
2005). A escolha de indicadores apropriados depende intimamente dos objetivos de qualidade
desejados e do conhecimento sobre as caractersticas do corpo de gua (SOUZA, 2003). De
forma abrangente, pode-se definir parmetros ou ndices de qualidade qumicos, fsicos ou
biolgicos.
Indicadores fsico-qumicos so bastante consolidados sendo, em diversos pases, os
nicos presentes nas leis que regulamentam a gesto da qualidade hdrica, em virtude da
abordagem tradicional da poluio como restrita aos aspectos qumicos da gua. A utilizao
destes indicadores possui a vantagem da praticidade e da fcil reproduo metodolgica sob
29
diversas condies ambientais, alm de serem imprescindveis para o controle de fontes de
lanamento pontuais. No entanto, quando utilizados na ausncia de indicadores biolgicos, tm a
desvantagem de demonstrar o estado atual do corpo de gua de forma parcial, desconsiderando
seus impactos atuais e acumulados sobre a integridade de todo o ecossistema aqutico.
Assim como os indicadores fsico-qumicos, os biolgicos podem ser derivados como
variveis isoladas, para avaliao de grupos determinados (macroinvertebrados e peixes sendo os
mais comuns) ou ainda por meio de ndices que abranjam comunidades inteiras, como os ndices
de Integridade Biolgica, amplamente utilizados nos EUA e em diversos pases europeus
(PORTO, 2002). O uso de tais indicadores tm demonstrado diversas vantagens quando
combinados com a abordagem tradicional, tornando-os cada vez mais disseminados como
instrumentos de gesto, tanto por parte de pases com sistemas consolidados quanto por aqueles
com sistemas mais recentes. As comunidades biolgicas respondem e interagem a uma variedade
de fatores fsicos, qumicos e biolgicos presentes naturalmente no meio ou introduzidos pelas
atividades antrpicas. Sendo o ltimo elo da complexa cadeia de fenmenos que ocorrem no
ambiente aqutico, a biota demonstra, por meio de sua estrutura e funcionamento, o estado em
que se encontra o ecossistema de forma mais eficaz e visvel do que a composio qumica da
gua e dos sedimentos (YODER, 1993).
Mesmo quando os objetivos de qualidade hdrica se referem apenas a aspectos
utilitaristas, sem qualquer considerao sobre a integridade do ecossistema, a presena de
degradao na comunidade biolgica pode demonstrar uma condio qumica passada
possivelmente indesejada, que ainda se manifesta por intermdio da bioacumulao e
metabolizao dos contaminantes que, porventura, traga conseqncias negativas ao uso atual e
futuro do corpo d gua. Dois mtodos de avaliao da qualidade ambiental fazem uso destes tipos
de indicadores: o monitoramento biolgico e o bioensaio.
30
O monitoramento biolgico utilizado como forma de avaliao do estado do
ecossistema, partindo do pressuposto de que a riqueza e abundncia de espcies variam em
funo do mesmo. Deste modo, conhecendo-se a estrutura e o funcionamento de comunidades em
locais ecologicamente semelhantes e pouco modificados e comparando-os com a rea estudada,
tm-se o grau de degradao estimada do sistema (YODER, 1993). J o mtodo de bioensaios
utiliza-se de organismos para estudos ecotoxicolgicos de poluentes individuais ou de ao
sinrgica, por meio da avaliao das alteraes genticas, bioqumicas e anatmicas, da
capacidade reprodutiva e da genotoxicidade observadas nos indivduos sob diversas quantidades
da substncia testada (SOUZA, 2003).
6.3. Padres de qualidade ambiental e Padres de emisso
Quando os parmetros indicadores da qualidade hdrica so incorporados legislao,
tornam-se padres ambientais, podendo ser numricos ou narrativos. Devido ao carter legal, os
padres de qualidade so obrigatrios e, portanto, passveis de fiscalizao e sanes quando de
seu descumprimento. Os padres ambientais, condicionados que so aos objetivos de qualidade,
costumam ser especficos para cada uso da gua, por meio de valores-limite das variveis
indicadoras. Desta forma, a maioria dos pases dotados de sistema de gesto da qualidade hdrica
desenvolvem padres determinados e mais restritivos para abastecimento domstico, recreao de
contato primrio e secundrio, preservao da vida aqutica, aqicultura e determinadas
atividades industriais e agrcolas, enquanto que valores mais permissivos so determinados para o
recebimento de efluentes, zonas de mistura e algumas atividades industriais e agrcolas. Como
discutido anteriormente, quando da existncia de diversos usos, o atendimento deve ser feito
quele de qualidade mais exigente.
31
Os padres de emisso ou de lanamento so designados para a limitao dos poluentes
introduzidos no corpo receptor por uma determinada atividade, sendo considerados uma forma de
controle fim-de-tubo, porm bastante eficientes em se tratando de uma maior previsibilidade do
estado de um corpo de gua receptor. Para tanto, podem ser elaborados de acordo com a
especificidade de cada atividade poluidora ou de forma generalizada e uniforme para fontes de
lanamento diversificadas. Em ambos os casos, o efluente deve ser lanado em quantidade tal
que, aps a diluio, no modifique a qualidade do corpo receptor, com exceo da zona de
mistura (rea adjacente ao ponto de lanamento, em cuja extenso o efluente ainda no se
encontra diludo). Padres especficos so geralmente estabelecidos por setores industriais e
possuem a vantagem da maior adequao do grau de tratamento do efluente de acordo com suas
caractersticas, mas tambm podem ser desenvolvidos para o atendimento de padres de
qualidade de acordo com as especificidades do corpo receptor. Os padres de emisso uniformes,
por outro lado, requerem uma menor complexidade de desenvolvimento por parte dos rgos
gestores, apesar de possurem algumas desvantagens (BERNSTEIN, 1993):
- no consideram os requerimentos de qualidade de acordo com as especificidades locais e a
exigibilidade do tratamento de acordo com as caractersticas do efluente.
- quando o efeito combinado de vrios lanamentos excede a capacidade assimilativa do meio
receptor e os padres de qualidade no so alcanados, a responsabilidade no pode ser relegada
a uma fonte especfica.
- as fontes a montante do corpo receptor pode consumir sua capacidade assimilativa, reservando
s fontes a jusante menores possibilidades de lanamento.
- dificultam a coordenao da emisso de licenas em locais em que existam numerosas fontes de
lanamento.
32
A utilizao de padres de emisso como instrumentos de controle da poluio
permitem a regulao apenas sobre as fontes de lanamento pontuais, no possibilitando a
fiscalizao sobre as fontes difusas, que necessitam de outros meios de controle. Por serem
mecanismos de fim-de-tubo, no permitem a avaliao da capacidade poluidora da atividade
como um todo, que necessita de outras formas de deteco, como a anlise do ciclo de vida dos
produtos.
Como discutido para os indicadores de qualidade hdrica, o desenvolvimento de padres
de emisso adequados deve basear-se em amplo conhecimento das condies ambientais fsico-
qumicas, biolgicas, geomorfolgicas e climticas locais, alm da forma com que as atividades
humanas afetam sua integridade e das peculiaridades sociais, tecnolgicas e financeiras locais.
Principalmente com relao aos padres de emisso, deve-se proceder a uma correta anlise
sobre os meios tecnolgicos para o tratamento dos efluentes disposio dos produtores, da
capacidade financeira para utiliz-los e os objetivos de qualidade hdrica desejados, visando seu
balanceamento. H trs formas de se derivar padres de emisso em termos de tecnologias de
tratamento (JHONSON2, 1985 apud PORTO, 2002):
- exigindo-se do produtor o uso da melhor tecnologia disponvel (best avaible technology) para a
remoo ao mximo dos poluentes. Possui a vantagem de um nvel de tratamento mais avanado
e a desvantagem de ser geralmente muito custosa.
- uso da melhor tecnologia para poluentes convencionais (best conventional pollutant control
technology), ou seja, da tecnologia comumente utilizada por um determinado setor produtivo.
Tem a desvantagem de no impor o maior controle possvel sobre os poluentes e a vantagem da
maior acessibilidade por parte do produtor.
2 JOHNSON, R.W. Water quality policies and laws: integrated control. Regional Symposium on Water Resources Policy in Agro-Socio-Economic Development, Daka, Bangladesh, 1985.
33
- uso da melhor tecnologia vivel (best pratical technology), permitindo o uso da tecnologia mais
adequada a capacidade financeira do produtor. Possui a vantagem econmica ao mesmo e o
empecilho do controle mximo sobre a poluio.
Em razo da necessidade de amplo conhecimento sobre os fatores ambientais e
sociais e das dificuldades tecnolgicas, financeiras e institucionais existentes, bastante comum
os pases subdesenvolvidos adotarem sem adaptaes, os padres de qualidade hdrica (tanto
ambiental quanto de emisso) derivado pelos desenvolvidos, o que ocasiona diversos problemas
para o sistema de gesto hdrica (PORTO, 2002; VON SPERLING e CHERNICHARO, 2002),
como ser observado posteriormente.
34
7. SISTEMAS DE GESTO DA QUALIDADE HDRICA EM PASES DE REFERNCIA.
7.1. Estados Unidos da Amrica
A gesto da qualidade hdrica no pas teve incio na dcada de 40 com a promulgao de
Water Pollution Control Act de 1948, em uma abordagem de controle de fontes pontuais sem,
contudo, determinar os objetivos de qualidade para os corpos de gua, os quais tm incio entre o
final da dcada de 60 (USEPA, 2005a). Em 1972, a Agncia de Proteo Ambiental Norte-
americana (USEPA) promulga o vigente Clean Water Act, legislao que norteia a gesto das
guas, determinando os objetivos de qualidade hdrica e os instrumentos para seu alcance, tendo
como uma de suas estratgias o National Pollutant Discarge Ellimination System (NPDES),
programa que regulamenta o lanamento de efluentes pontuais industriais e municipais, por meio
de licenciamento. Em 1975, a Agncia regulamenta a adoo dos critrios de qualidade ao
mesmo tempo em que inaugura uma poltica de antidegradao hdrica. A ausncia de
especificaes mais detalhadas na legislao vigente conduz a uma diferenciao entre os
programas adotados pelos estados, que variam de critrios bastante bsicos e superficiais
(principalmente no tocante aos poluentes txicos) a mais abrangentes e detalhados. Desta forma,
em 1983, uma emenda adicionada na Regulao dos Padres de Qualidade da gua, instruindo-
se Estados e locais sujeitos a autorizaes especiais na criao de polticas de controle da
poluio. No entanto, nem todos os estados aderem efetivamente s medidas e, em 1990, a
Agncia inicia aes para efetiv-las, tornando mandatrias as listas de poluentes anteriores e
incluindo novos critrios para metais (USEPA, 2005a).
O Clean Water Act estabelece os seguintes objetivos de qualidade a todos os corpos de
gua da nao (sees 101(a)(2) e 303(c)):
35
- restaurar e manter a integridade fsica, qumica e biolgica das guas.
- prover, quando possvel, qualidade hdrica necessria proteo e propagao de peixes
e vida selvagem e recreao de contato primrio.
- considerar os usos e valor da gua para abastecimento domstico e industrial, agricultura
e navegao.
Para tanto, dispe dos seguintes elementos:
- designao dos usos do corpo de gua.
- critrios numricos e/ou narrativos para a proteo dos usos.
- poltica antidegradao, desenvolvida em programas que constam de trs nveis
(USEPA, 2005b):
1- manter e proteger os usos atuais e os existentes desde 28 de novembro de 1975, com a
qualidade correspondente da gua. Designar tambm os usos de pesca e contato primrio se a
qualidade assim o permitirem.
2- manter e proteger as guas de melhor qualidade (mais do que a necessria para manter
os usos de pesca e contato recreacional primrio).
3- manter e proteger as outstanding national resource waters (ONRWs), guas de
qualidade especial, que no podem ser modificadas.
- polticas gerais para implementao dos padres de qualidade, incluindo a criao de
zonas de mistura; determinao da varincia dos padres qumicos, permitindo um desvio
temporrio dos mesmos sob condies especiais, alm de medidas para o controle do fluxo
hdrico mnimo.
Como medidas para efetivao dos objetivos de qualidade hdrica e identificao de seus
principais obstculos, faz-se uso de padres de emisso de fontes pontuais industriais e
36
domsticas, planos de gesto, licenas para lanamentos de efluentes, relatrios de avaliao da
qualidade hdrica e programas para controle de poluio difusa.
O arranjo institucional dos EUA, baseado em um elevado grau de independncia dos
Estados nos aspectos legais e administrativos, estende-se ao sistema de gesto hdrica, conferindo
aos mesmos a responsabilidade para a designao dos objetivos de qualidade e a escolha dos
padres que melhor reflitam os usos escolhidos e as condies naturais locais, desde que sejam
cientificamente defensveis. A seo 307(a) apresenta uma lista de concentrao mxima de 126
substncias poluentes prioritrias que deve ser contemplada quando do estabelecimento de
critrios numricos, cabendo ao Administrador local acrescentar ou retirar parmetros, sob
justificativa. Apesar da descentralizao das decises, a USEPA estabelece regras gerais para o
processo de designao dos usos da gua. O processo inclui revises a cada trs anos dos
objetivos de qualidade, por meio da criao de grupos de trabalho e audincias pblicas que
avaliam as condies hdricas e recomendam a manuteno ou modificao dos objetivos e
critrios de qualidade, mediante a disponibilizao prvia de sumrios contendo a avaliao dos
rgos oficiais para consulta pblica (USEPA, 2005a).
A designao dos usos deve ser realizada mediante a avaliao das caractersticas fsicas,
qumicas e biolgicas da gua, da hidromorfologia e da estrutura e funcionamento dos
ecossistemas aquticos e das reas de inundao, dos aspectos sociais e econmicos locais e da
qualidade cnica do corpo de gua, a fim de se analisar as potencialidades para os usos propostos
pela comunidade (USEPA, 1994). Durante o processo de designao as agncias devem rever,
naqueles locais em que no so atendidos os usos de pesca e contato recreacional primrio, as
possibilidades de design-los, induzindo os rgos de controle a uma melhoria progressiva nas
exigncias da qualidade hdrica. As agncias ou demais rgos responsveis pela conduo do
processo devem submeter Agncia um relatrio contendo as recomendaes finais, cabendo
37
mesma decidir pela aprovao da proposta, tendo como uma das ferramentas de anlise a
adequao com a seo 7 do Endangered Act, regulamentao sob aes que colocam em risco
espcies ameaadas de extino. Antes do parecer final, no entanto, a Agncia disponibiliza sua
avaliao para nova consulta pblica e, caso haja problemas com os critrios e objetivos
propostos, pode estabelecer critrios mais adequados. Se forem constatadas melhorias na
qualidade hdrica, o corpo de gua reclassificado para atender a usos mais refinados e nveis de
integridade biolgica maiores (USEPA, 2005a).
Como critrios de qualidade, utilizam-se parmetros qumicos, fsicos e biolgicos
numricos ou narrativos. Na determinao dos padres de qualidade, todos os componentes do
corpo hdrico devem ser considerados (gua, sedimentos e ecossistemas adjacentes), sob uma
abordagem ecossistmica. A ttulo de exemplificao, comentar-se- a respeito
Recommended