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Uma seleção de artigos sobre fotografia no Brasil publicados na grande imprensa e em revistas especializadas entre 1890-1930 -- XII Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia 2012
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Ricardo Mendes
PENSAMENTO
CRTICO EM
FOTOGRAFIA
organizao
Antologia Brasil, 1 890-1930
PENSAMENTO
CRTICO EM
FOTOGRAFIA
Este projeto foi contemplado com o XII PRMIO FUNARTE MARC FERREZ DE FOTOGRAFIA 2012
F i cha tcn i ca
concepo, pesquisa, texto e edio
Ricardo Mendes
impresso
Mattavelli
realizao
XII Prmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia
2012
agradecimentos
Maria Inah Alves de Miranda
Fernando Chaves
Joaquim Maral
Mrcio RM
Maria Luiza Vieira
Maria Teresa Bandeira de Mello
Mnica Carneiro Alves
Ricardo Dias
Tadeu Chiarelli
e
Confoto, FBN, MAM Rio
aos pesquisadores
Helouise Costa e Rubens Fernandes Junior
tiragem
1 000 exemplares
editorado com
SCRIBUS
Antologia Brasil, 1 890-1930
Antologia Brasil, 1 890-1930
Pensamento c rt i co em fo tog ra f i a
Fon tes
arquivos e bibliotecas digitais
Arquivo Pblico do Estado de So Paulo
Fundao Biblioteca Nacional - Hemeroteca
Digital
e ainda
Arquivo Pblico da Cidade de Belo Horizonte
Arquivo Pblico do Espirito Santo
Arquivo Pblico Mineiro
Biblioteca Pblica do Estado do Rio
Brasiliana USP
Centro de Documentao Dom Joo IV
Pr-Memria de Nova Friburgo
Centro de Memria-Cmara Municipal
de Caxias do Sul
Fundao Casa de Rui Barbosa
Fundao Joaquim Nabuco
Hemeroteca Municipal de Lisboa
Museu Lasar Segall - Biblioteca Digital das
Artes do Espetculo
Projeto J. Carlos
Pr-Memria Jacare
arquivos fsicos
Arquivo Pblico do Estado de So Paulo
Fundao Biblioteca Nacional
FUNARTE-CEDOC
IEB-USP
MAM Rio - Pesquisa e Documentao
Museu Lasar Segall
Museu Paulista-USP
portais
O Estado de S. Paulo
Folha de S. Paulo
JusBrasil
FotoPlus
Ricardo Mendes
organizao
Antologia Brasil, 1 890-1930
Pensamento c rt i co em fo tog ra f i a
2013
plano-piloto
contexto
blocos temticos
seleo de artigos
ndice onomstico
artigos em
ordem cronolgica
bibliografia de apoio
5
7
17
337
23
327
345
Antologia Brasil, 1 890-1930 constitui um gesto que procura estimular a
diversidade editorial sobre a histria da fotografia no Brasil.
Os ltimos vinte anos so marcados por intensa produo nos campos da reflexo e
histria nesse segmento. O mercado editorial fotogrfico, porm, extremamente
desigual, com aes episdicas, dificultando a difuso dessa produo e o ensino
especializado. Entre as grandes ausncias editoriais, em especial se atentarmos
para obras de referncia, est o parco conjunto de ttulos voltados para a histria
do pensamento crtico. No recorte amplo que se esconde sob tal denominao deve-
se destacar a extrema dificuldade de acesso ao conjunto ensastico sobre foto-
grafia em praticamente toda a sua extenso temporal de quase dois sculos.
Essa proposio tem como objetivo a produo de uma antologia de ensaios
elaborados no perodo, como primeiro tomo simblico de uma srie, que
constitua um estmulo a iniciativas similares de recortes temporais ou temticos
os mais distintos.
Antologia Brasil trabalha atravs de duas perspectivas. Promover o contato
com fontes documentais, que estimule o leitor, o jovem pesquisador etc a refletir
e dialogar com a historiografia. Nesse sentido, a antologia prope-se como
material didtico. Por outro lado, ao aproximar o leitor de textos de poca, a
edio procura promov-lo como agente de anlise e questionamento da prpria
historiografia, estimulando novas aproximaes.
A literatura fotogrfica constitui o repositrio tradicional para o pensamento sobre
fotografia em sua diversidade: reflexo, ensino e memria. atravs deste
conjunto que entendemos a expresso, provisria: pensamento crtico. Quase
sempre associada crtica na imprensa, modalidade que entre ns marca largo
perodo do sculo XX, a produo crtica encontra, porm, ao longo dos quase
duzentos anos de prtica fotogrfica veculos e locais distintos para gnese e
difuso: a grande imprensa, revistas especializadas de recorte variado ao longo do
tempo, o universo acadmico e a internet. Se a escrita suporte tradicional dessa
reflexo, necessrio apontar que so contemporneos hoje novos autores como o
curador e novas formas como a produo audiovisual.
p l ano -p i l o to
Antologia Brasil, 1 890-1 930
5
Antologia Brasil: 1 890-1930 privilegia um momento marcado pelo movimento
fotopictorialista e a primeira fase do fotoclubismo entre ns. Ambas as refe-
rncias constituem por si justificativas para priorizao desse perodo: a primeira
ocorrncia de uma proposta que aproxime os campos da fotografia e das artes
visuais e o delineamento precrio de um circuito de discusso e circulao de
ideias atravs dos clubes fotogrficos. Ao redor dessas associaes, por vezes
com vnculos diretos, tem lugar no Brasil o surgimento de revistas espe-
cializadas, ao mesmo tempo em que num panorama maior ocorre a expanso de
uma imprensa que tem no uso intensivo da fotografia uma de suas marcas: as
revistas ilustradas.
Estamos assim entre dois momentos. Aquele que antecede o perodo em anlise,
dos primeiros sessenta anos de introduo e difuso da fotografia no Brasil,
marcado pela discusso da fotografia como produto tecnolgico e sua con-
tribuio para os diversos campos da cultura, expresso das interaes tensas
entre cincia e cultura de que somos to prximos. E ao fim, no extremo oposto, o
marcante momento da discusso da fotografia moderna, em especial no segundo
ps-guerra, como expresso esttica autnoma, como sincronia com a cultura da
modernidade.
A seleo dos ensaios um desafio, que cedo revela a necessidade de avaliar as
formas de circulao de ideias de cada momento. A identificao de tipologias de
ensaios, como resenhas, crticas de exposies etc, e a identificao de veculos
como revistas e jornais de grande circulao ou publicaes especializadas so
exemplos desse trabalho. No caso, privilegiou-se o ensaio terico sobre a
reportagem, buscou-se a proposio programtica, mas logo o leitor descobrir
que a edio final mais ampla.
O estabelecimento do texto uma questo relevante, embora tenha sido adotada
uma abordagem provocadora. Do ponto de vista de transcrio, tomou-se
arbitrariamente como referncia a edio online do Grande Dicionrio Houaiss.
No entanto, a origem diversa dos ensaios, a ocorrncia de escritas com registros
distintos ao longo de um perodo algo extenso de 4 dcadas deixam marcas, que
seriam impossveis remover.
Preservou-se integralmente a paragrafao, a pontuao etc. Interveio-se apenas
para eliminar o que parecessem erros de reviso, privilegiou-se o arcasmo at
mesmo em expresses to conhecidas como "kodack", sempre tendo como
referncia a obra de Houaiss, que se revelou surpreendentemente oportuna.
O objetivo era usar essas escritas como meio de atrao e repulsa entre leitor
e texto, procurando assim trabalhar com as reaes de identificao e
distanciamento crtico.
6
plano-piloto
con texto
Photo Club Brasileiro, 1 896
Chega So Paulo em 20 de maio de 1897, vinda do Rio, uma comitiva de oficiais
chilenos. O jornal O ESTADO DE S. PAULO, do dia seguinte, p.1 , comenta a
chegada:
Acompanhando os ilustres viajantes, vieram o capito do mar e guerra
Jos Carlos de Carvalho, os drs. (. . . ) e Ricardo Ramos, engenheiro da
Estrada de Ferro Central, e mais trs membros do Photo Club Brasileiro.
O povo abriu alas para dar passagem aos recm-chegados.
Em outubro do mesmo ano, o Photo Club Paulista, por sua vez, nomeia uma
comitiva para tirar diversas fotografias, no desembarque em Santos e na
chegada a esta capital do 1 batalho da polcia do Estado, como informa nota
no CORREIO PAULISTANO do dia 23, primeira pgina.
Os amadores fotogrficos, novidade entre ns, parecem revelar interesse
incomum. O resultado merece comentrios na imprensa. Assim, na edio de 15 de
maio de 1897, em artigo sobre as festas em honra da esquadra chilena em visita
ao Rio, cujos oficiais visitariam depois So Paulo, o jornal DON QUIXOTE, editado
por Angelo Agostini, comenta, no artigo Festas chilenas, p.3: .. . graas
gentileza do Photo Club, dessa magnfica recepo ficaro perenemente guardados
diversos pontos de vista em excelentes fotografias instantneas.
Em novembro de 1899, novamente nota em DON QUIXOTE, do dia 15, p.7,
registra os convites recebidos: Do Photo Club para a sua exposio de
fotografias. Ser o salo do ativo Photo Club Brasileiro de dois anos antes?
Notcias de eventos similares correm. O peridico lisboeta BOLETIM PHOTO-
GRAPHICO, editado por Arnaldo Fonseca, registra, na edio de setembro de
1901 , p.1 36: O Photo Club Paraense, no Par (Brasil) inaugura no prximo ms
de outubro uma exposio permanente de fotografia.
O que informa essa atividade, febril vista de hoje, desses engajados amadores?
Antologia Brasil, 1 890-1 930
7
Falam antes de tudo, na perspectiva historiogrfica que interessa aqui, sobre quo
pouco se sabe sobre o fotoclubismo, sobre a fotografia daquele perodo. Basta
dizer que essas notas no parecem ter registro na historiografia conhecida. Essas
e outras que surgem hoje muito rapidamente. E a surpreender-nos ao encontrar um
fotoclube homnimo, ativo, fundado em abril de 1 896, que precede em 27 anos o
Photo Club Brasileiro, principal associao brasileira das dcadas de 1920 e 1930.
Um vazio historiogrfico
possvel afirmar que a historiografia da fotografia no Brasil apresenta um vazio
sobre um perodo algo extenso entre o final do sculo XIX e as primeiras dcadas
do sculo seguinte.
Ao longo da crescente e intensa produo historiogrfica que se estabelece entre
ns a partir da dcada de 1970, esse vazio surge lentamente. Os primeiros
estudos histricos concentram-se na introduo e desenvolvimento da fotografia
no Brasil, em tantos segmentos, nas suas aplicaes, e ainda na produo e
difuso das imagens de um estado nacional em formao. No segundo momento,
outro grande ncleo temtico construdo ao redor da fotografia moderna, a
partir da segunda metade da dcada de 1990.
Um pouco ao acaso, um pouco devido a ausncias de arquivos estruturados, um
pouco pela falta de uma crtica historiogrfica, um espao entre esses dois polos
foi tomando forma.
As bordas delimitadoras desse espao no permaneceram fixas. Pesquisas
histricas sobre o modernismo, por exemplo, comearam gradativamente a
corroer os limites imediatos, retrocedendo-os em parte. A dificuldade maior
seria enfrentar a pouca documentao em acervos e, por que no, um vago
preconceito, no contexto da reflexo sobre a fotografia moderna, frente ao
pictorialismo.
Apenas os estudos sobre o retrato no campo da fotografia profissional e as
pesquisas sobre documentao urbana, ou desdobramentos como postais,
parecem delinear olhares sobre o intervalo em questo.
A proposio pode parecer grosseira, mas como imagem esclarecedora de
aspectos do desenvolvimento de uma historiografia to jovem. H, contudo, como
conhecido, contribuies fundamentais para o estudo do recorte temporal que o
projeto Antologia Brasil enfoca: 1 890-1 930. Essa extenso cronolgica , em
verdade, longa, abrangendo mais de duas geraes.
Como indicado pouco antes, estudos importantes sobre a fotografia moderna
dedicaro tempo a estabelecer uma ponte precria com o fotoclubismo mais
8
contexto
prximo e a influncia do pictorialismo que parte deles adota como prtica.
Helouise Costa (1 960) e Renato Rodrigues da Silva lanam, em 1995, o livro
A fotografia moderna no Brasil. A edio resulta de pesquisa premiada pela
FUNARTE, finalizada em 1987. Helouise, em seu mestrado (1 992), analisa, por sua
vez, a influncia do fotopictorialismo na revista O CRUZEIRO, lanada em 1928.
Uma dose de acaso, associada a momentos de intensa poltica cultural voltada
para o setor da fotografia a cargo da Funarte, permitiu que importante conjunto
de imagens integrantes desse circuito fosse preservado. A recuperao da obra
de Hermnia de Mello Nogueira Borges (1 894-1 989), fotoclubista, esposa de
importante membro do Photo Club Brasileiro, fundado em 1923, tem lugar em
1981 em exposio realizada no Rio, evento parcialmente remontado em So
Paulo no ano seguinte. Com a morte da fotgrafa, a coleo doada ao Museu
de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Em 1994, Maria Teresa Bandeira de Mello (1 962) finaliza a pesquisa Arte e
fotografia: o movimento pictorialista no Brasil, realizada no programa de
mestrado da ECO-UFRJ. Publicada quatro anos depois, pela FUNARTE, com o
mesmo ttulo, sua anlise constitui ainda hoje extensa e pertinente apreciao do
movimento na dcada de 1920. Centrado estritamente sobre o conjunto deixado
por Hermnia Borges, a autora enfoca a produo do Photo Club Brasileiro.
A abordagem sofre, porm, em alguns momentos com a parca historiografia
existente. Dados sobre a presena do fotoclubismo no Brasil em seus diversos
aspectos surgem truncados, repetem-se datas desconexas, o que no invalida a
obra, nem as demais citadas. Um exemplo est presente nas referncias sobre as
duas primeiras dcadas do sculo, entre elas, as relativas ao Photo Club Helios.
Talvez um dos mais duradouros fotoclubes do momento, sediado em Porto Alegre,
a associao tem registros de atividades desde meados da dcada de 1900,
participando, por exemplo, da Exposio Nacional de 1908, no Rio. E prossegue,
com atividades aparentemente regulares at o final da dcada de 1930. Essa
trajetria eclipsada constitui exemplo perfeito de desencontro de dados, inten-
samente disseminados na bibliografia brasileira.
Espanta a ausncia de pesquisa sobre o Photo Club Helios, que cubra
efetivamente seu percurso. Registre-se, porm, que o seminrio Dilogos entre
histria, patrimnio e educao (Universidade Federal do Rio Grande, 1 2-1 3 de
junho de 2012), trouxe comunicao de Luzia Costa Rodeghiero, mestranda da
Universidade Federal de Pelotas, que comea a recuperar as aes do Photo
Club Helios, entre maro de 1907, quando fundado, at 1 949. Disponvel em:
< http://seminariodialogos.files.wordpress.com>
Apenas nos ltimos dez anos surgem contribuies significativas que abordam a
fotografia amadora no incio do sculo XX. o caso, por exemplo, da tese de
9
Antologia Brasil, 1 890-1 930
9
doutorado de Suzana Barretto Ribeiro Percursos do olhar da fotografia
profissional e amadora de Campinas (1900-1925) (IFHC-Unicamp, 2003;
Annablume, 2007). Outra significativa recuperao da cultura amadora
fotogrfica, focando o contexto carioca da primeira dcada do sculo XX,
resultou no projeto de doutorado, apresentado em 2010, por Adriana Pereira: A
cultura amadora na virada do sculo XIX: a fotografia de Alberto Sampaio
(FFLCH-USP).
Como Suzana Ribeiro, a autora discute o tema a partir da atuao de um amador,
mas aqui, tendo como panorama as cidades do Rio e Petrpolis, quando surgem
as referncias ao desenvolvimento do Photo Club do Rio de Janeiro ([1 902-
1 91 ?]). Certamente, importante fonte de informao para o projeto a cobertura
realizada pela revista carioca RENASCENA (1904-1 908). Em certa medida, a
pesquisa integra um conjunto de projetos recentes que abordam esse peridico
no tocante a sua relevncia para a histria da crtica de arte.
Por fim, contribuio bibliogrfica recente a mencionar, lanada em 2012, o
livro Fotoclubismo no Brasil: o legado da Sociedade Fluminense de Fotografia,
de ngela Magalhes e Nadja Peregrino (SENAC Nacional/SFF). A edio traa
o percurso de fotoclube fundado em 1944, a mais importante associao flumi-
nense a partir da dcada de 1950, quando passa a ocupar o espao deixado
pelo Photo Club Brasileiro. No segmento inicial da obra, as autoras estabelecem
o mais significativo panorama histrico, na historiografia brasileira, sobre o
fotopictorialismo internacional.
Fontes documentais, instrumentos de pesquisa
A proposta de constituir uma antologia crtica implica em caracterizar um
sistema de circulao de ideias e identificar seus canais de comunicao e
repositrios. No recorte temporal em questo, no ser o livro o meio de
circulao, excetuada a literatura fotogrfica estrangeira, cuja avaliao ser
feita de forma indireta pelas referncias na produo local. a imprensa o
veculo central. Seja a imprensa geral, voltada para o grande pblico; seja,
entre os aspectos que caracterizam o perodo, a imprensa especializada em
fotografia.
Surgem ento as primeiras colunas e revistas especializadas. Embora ttulos
conhecidos, so veculos ainda poucos referenciados e estudados, exceto em
breves ensaios (CAMARGO & MENDES, 1 992; MENDES, 1 998; FERNANDES
Junior, 2010). Em vrios momentos da Antologia Brasil esses peridicos sero
caracterizados. A pesquisa permitiu ainda registrar novos ttulos, alterando o
limite temporal de surgimento desse segmento.
1 0
contexto
O elenco de peridicos conhecido: as editadas em So Paulo REVISTA
PHOTOGRAPHICA (1 909-[1 909]), ILLUSTRAO PHOTOGRAPHICA (1 919-
[1 920]) e REVISTA BRASILEIRA DE PHOTOGRAPHIA (1 926-[1 926]), e as
cariocas, as duas primeiras como revistas associadas ao Photo Club Brasileiro,
por algum momento, e a ltima, de sua propriedade, com longa durao
FOTO-FILM (1925-[1 925]), PHOTO REVISTA DO BRASIL (1 925-[1 926]), e
PHOTOGRAMMA (1926-1 931 ).
Sobre as colunas especializadas, destaquemos aqui o primeiro registro
conhecido, de 1898, no jornal CORREIO PAULISTANO, da srie Artes de amador,
com dezessete inseres. Mas importante lembrar que a experincia editorial
do Photo Club Brasileiro tem incio na coluna O Photo Club Brasleiro, na revista
carioca FON-FON, com curta durao, em meados de 1924.
O projeto Antologia Brasil alterou esse conjunto, em parte. A ele, agregam-se
dois novos ttulos cariocas, editados pelo fotgrafo A. Leterre: em 1902, a
REVISTA PHOTOGRAPHICA, com quatro edies, e dois anos aps, PHOTO
GAZETA, hoje, o mais antigo peridico remanescente. E, experincia nica entre
ns, o paulistano BOLETIM PHOTOGRAPHICO, lanado em 1924, como iniciativa
promocional associada futura REVISTA BRASILEIRA DE PHOTOGRAPHIA,
programada para 1926.
Desse conjunto, cerca de 76 edies tiveram exemplares preservados, signifi-
cativa parcela de um total de 85 nmeros. Esto disponveis em acervos
pblicos, em So Paulo e no Rio de Janeiro, 53 edies nenhuma delas com
acesso digital.
Foi possvel rever todo esse conjunto, excetuando 23 edies da edio
paulista da REVISTA PHOTOGRAPHICA, da PHOTO REVISTA DO BRASIL e da
REVISTA BRASILEIRA DE PHOTOGRAPHIA, todas em coleo privada.
Contudo, esse conjunto havia sido brevemente anotado pelo pesquisador h
quase duas dcadas, o que permitiu um balano parcial. possvel apontar,
assim, que seria oportuno avaliar as contribuies para esta ltima publicao
de autores, como Guilherme Malfatti e Valncio de Barros, fotoclubistas que de
certo modo fazem a ponte, no contexto paulista, entre o fotoclubismo da
dcada de 1920 e de 1940.
A recuperao desse conjunto de peridicos tarefa realizada a partir de obras
de referncias conhecidas. Sobre a imprensa em geral, alm de levantamentos
existentes j mencionados, tomou-se por base fontes historiogrficas como:
Affonso de Freitas (1 915), Jos Freitas Nobre (1 950) e Heloisa de Faria Cruz
(1 997), entre outras. Essenciais ainda, no caso dos artigos selecionados, foram
os estudos especializados sobre autores como Joo do Rio e Olavo Bilac, que
dedicaram parte significativa de suas produes ao jornalismo.
Antologia Brasil, 1 890-1 930
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Evento fundamental para o projeto foi a introduo recente, e em expanso, dos
portais de acesso online a acervos digitais. Reunindo conjunto heterodoxo de
acervos, quanto a ttulos, cobertura regional, formas de acesso e possibilidade
de recuperao de informao, como uma leitura das fontes na abertura da
antologia permite reconhecer , esses repositrios ampliaram de forma
expressiva, em nmero e diversidade de textos, o horizonte de trabalho do
projeto. Ainda assim no foi possvel garantir uma cobertura regional ampliada,
com pareceu plausvel num momento inicial, ficando restrita a seleo final,
salvo raras excees, a artigos publicados na imprensa carioca e paulistana.
Uma cultura fotogrfica em formao
O desenvolvimento do projeto exigiu avaliar, de forma operacional, parmetros
para compreenso e anlise da cultura fotogrfica num contexto dado. Tomou-
se como ponto bsico, como fica em parte evidente no trecho acima, o
reconhecimento de uma circulao de informaes sobre fotografia em escala
inesperada, em todos os seus aspectos. Surpreendeu descobrir em contraste
com a impresso registrada nos estudos disponveis, que aponta uma difuso
restrita, quando muito s cidades de So Paulo e do Rio de Janeiro , que
existe uma circulao, difusa, em escala maior, e em momento anterior ao
usualmente pressuposto a partir da dcada de 1910.
Existe aparentemente uma demanda por informao, que alimentada por
capilaridade a partir de jornais editados no Sudeste, rumo a outros centros.
Certamente, essa difuso, que hoje possvel comear a identificar com o
acesso ampliado, via digital, a colees de peridicos, no deve ter permitido,
porm, aos leitores de ento um viso geral desse panorama estilhaado.
Apenas na dcada de 1920, com o estabelecimento no pas de mecanismos de
distribuio de jornais e revistas de forma mais estruturada possvel imaginar
algum avano, mais pela formao de pblico e menos por condies de acesso a
esses canais por pequenos editores. Um alternativa existe na constituio de
uma rede de representantes, como faz PHOTOGRAMMA, oferecendo ao leitor,
fora dos centros principais, volume e qualidade de informao. Investigao
relevante seria avaliar por exemplo essas representaes, que PHOTOGRAMMA
relaciona regularmente em todas as edies.
Quase certo, porm de forma diversa ao que as revistas brasileiras dedicadas ao
cinema parecem ter conseguido ento, essas iniciativas jornalsticas voltadas
para a fotografia, de menor envergadura de investimento e de interesse mais
restrito, no geraram uma sinergia mais efetiva entre amadores e profissionais
espalhados pelo pas.
12
contexto
Esse interesse difuso, apontado ao incio, que ocorre na imprensa regional
revelado quase sempre em notas, desde do limite inicial do recorte temporal em
questo. Valorizam-se as novidades tecnolgicas, como a fotografia colorida, o
raio X, as teleobjetivas etc. De certo modo, todas estas referncias podem ser
entendidas como formas de ampliao das vises do real, conjunto em que
ganham destaque ainda a fotografia astronmica, as aplicaes em medicina, a
fotografia de espritos e emanaes corpreas as mais diversas. Enfim, novas
virtualidades que tornam prximo o invisvel, o microcspico, o distante.
Aspecto significativo que os ensaios aqui reunidos revelam como o grande arco
do pensamento crtico toma forma lentamente, fragmentariamente. A cultura
como troca e transmisso de valores pode ser identificada em seus diferentes
momentos. Suas referncias internas e externas podem ser dimensionadas desde
j em uma rpida leitura do ndice onomstico ao final da antologia.
Surgem inesperadamente, numa cultura que revela assim pretender sua
transmisso entre geraes, a proposio das revistas especializadas (em
especial, o persistente projeto editorial do Photo Club Brasileiro por quase uma
dcada), o museu de documentos fotogrficos aventado pelo Photo Club do Rio
de Janeiro em meados da dcada de 1900, e a necessidade, apontada por
Guerra Duval, de estabelecer o ensino formal em escala ambiciosa, na dcada de
1920, expresso final de uma questo que se impe desde a virada do sculo.
Ensino, memria, produo crtica e difuso da fotografia so campos que
surgem certamente marcados pela contexto ao redor do fotoclubismo, que atua
ento como articulador intensivo de iniciativas culturais. Questes essas, que
esto ausentes, digamos assim, no campo da fotografia profissional.
Essas aes e proposies tiram proveito, em parte, da expanso dos locais e
agentes do circuito de arte, ao qual pretendem se aproximar. Contudo, preciso
reconhecer, esse panorama fotogrfico tem dinmicas e agentes prprios, que
ativamente buscam essa sinergia. Ao longo do arco temporal aqui tratado
possvel identificar, atravs dos textos selecionados, essa expanso, a adoo de
hbitos e prticas culturais, e a constituio de um pblico para esse circuito novo.
Fotografia e arte
O perodo marca uma mudana radical, episdica de incio, mas em seguida
difusa e regular, na percepo da fotografia como objeto cultural complexo.
Parte-se da sua proposio como expresso mxima das conquistas da cincia,
com aplicaes nos mais diversos setores, expandindo o conhecimento tcnico,
para a concepo de uma fotografia integrada s expresses artsticas.
Antologia Brasil, 1 890-1 930
1 3
O fotoclubismo, em sua faceta associada ao pictorialismo, veculo dessa
proposio. Sua presena no Brasil ocorre, como em outras sociedades similares,
de forma abrupta, sujeita a rupturas e acomodaes de ideias importadas,
processo que exige instrumental analtico, observao e documentao rigorosos.
Seria mais correto evitar uma anlise estrita do panorama local pela tica da
historiografia internacional sobre o pictorialismo, prtica que at aqui tem
apenas ajustado o figurino conceitual ao pouco que se sabe sobre a produo e
recepo da produo brasileira.
Ao invs disso, procurando estender a anlise a um campo ampliado, em especial
ao longo da primeira dcada do sculo XX, possvel identificar essas
ocorrncias como uma contribuio original ao debate sobre uma questo chave
que se impe a partir da segunda metade do sculo anterior sobre a cultura: as
relaes entre indstria e arte.
Visto por essa perspectiva, o fotoclubismo brasileiro em sua primeira fase a
melhor expresso, num pas de industrializao precria, dos conflitos desen-
cadeados. O automatismo do processo fotogrfico ponto central na cartilha
adotada: o instantneo como metfora do conflito entre mecnico e o humano,
negando o autor. Questes associadas, como a oposio entre o amador e o
profissional, expressam o papel e a autoimagem dos agentes nesse debate.
O aggiornamento que tem lugar ento est sujeito aos conflitos decorrentes da
ausncia de um debate sobre arte e cincia no pas, como o que ocorre ao longo do
sculo XIX no contexto europeu, por exemplo. Ainda assim essas ocorrncias
permitem que sejam apreciadas como uma das melhores expresses desse debate
entre ns.
Para entrar e sair da modernidade
Contra a caixa preta, o pictorialismo? As estratgias para acesso modernidade
podem ser avaliadas num contexto inesperado. H um slido debate internacional
que chega at ns, em referncias a autores como Robert de la Sizeranne, cujo
foco precisamente o estatuto artstico da fotografia.
O pictorialismo, que pode ser tomado numa leitura imediata como opo
conservadora para insero na cultura moderna, no pode ser visto, pelo que
sabemos agora do panorama brasileiro, como um produto solidrio ao longo do
extenso arco temporal em que se desenvolve.
O Photo Club Brasileiro, na dcada de 1920, nesse segundo desdobramento do
movimento fotoclubista no Brasil em sua primeira fase, certo, faz aos poucos
1 4
contexto
mera adeso arte acadmica, ignora o universo urbano, as mudanas nas artes
visuais em curso aqui mesmo. Essas decises geram um esgotamento e des-
valorizao severa ante s novas geraes.
Ainda assim, curiosamente, no sero taxados abertamente de passadistas.
Talvez porque circulem em campo controlado, em que se partilham os mesmos
valores, em jornais e peridicos: uma bolha de valores mdios.
A dcada de 1920 tem certamente tenses de fundo na cultura local, que se
expressam em momentos os mais diversos, at mesmo nesse universo das revistas
ilustradas, que mesclam cobertura social e reportagens culturais variegadas.
Em fevereiro de 1924, uma revista carioca FROU-FROU..., em sua nona edio,
traz o artigo Bilhetes da Pauliceia, um comentrio detalhado, acompanhado de
charges, sobre o pseudo futurismo paulista. O autor, que assina simplesmente
B. B. B., encerra assertivamente o extenso desabafo:
Registramos a incoerncia unicamente para declarar que no levamos a
srio o "futurismo" desses senhores e para pedir-lhes, pela alma de
Jpiter, o obsquio extremo de no mexerem mais nos nossos
empoeirados figures mitolgicos.
Cantem, em versos livres a beleza da gasolina, faam odes virgindade
da telegrafia, team madrigais candura do "fox-trot", mas no se
esqueam das palavras sensatas daquele profundo psiclogo que foi La
Bruyre, ao falar de Teofrasto: "Nous qui sommes si modernes seron
anciens dans quelques sicles".
E principalmente, (ah! muito principalmente! ) no digam nunca mais que
so futuristas.
Antologia Brasil, 1 890-1 930
15
16
Os blocos articulam conjunto abran-
gente de temas e manifestaes do
perodo, embora com dimenses e re-
cortes distintos. Dois deles ARTE e
FOTOGRAFIA ARTSTICA apre-
sentam a maior parte dos ensaios, pu-
blicados em veculos variados, da
grande imprensa a colunas e revistas
especializadas em fotografia, modali-
dade que surge no pais a partir de
1 890. Os dois conjuntos em destaque
revelam o trao que caracteriza a pro-
duo escrita sobre fotografia do pe-
rodo: a discusso sobre o estatuto
artstico da fotografia.
Os demais conjuntos procuram carac-
terizar temas como ENSINO ou IM-
PRENSA ESPECIALIZADA, e apon-
tam nesses casos para a circulao de
ideias e imagens. Os demais blocos in-
troduzem outros campos de aplicao
ou temas como a imagem social do fo-
tgrafo, expondo usos e funes em
rearranjo contnuo.
Cada bloco traz os ensaios em ordem
cronolgica, embora sujeita aos sub-
temas. Como apoio ao leitor, alm da
relao completa dos artigos por data
ao final da edio, um conjunto de
TAGs, para usar um termo contempo-
rneo, indicam pontos de destaques.
b l ocos temt i cos
COMPORTAMENTO: crnica, feminino, fabulaes
JOE. Cinematgrafo. GAZETA DE NOTCIAS, RJ, 30.8.1 908, p.1
O convescote de domingo. CIDADE DE FRIBURGO, Nova Friburgo,
1 0.1 2.1 916, p.1
BILAC, Olavo. Dirio do Rio. O ESTADO DE S. PAULO, SP, 21 .1 .1 898,
p.1
TEX, Lo. Pelos "ateliers" e sales... CORREIO PAULISTANO, SP,
27.6.1 913, p.1
BEVILACQUA, Sylvio . No T. S. F. PHOTOGRAMMA, RJ, I I (23):
8-1 0, maio 1 928
SILVA, Oswaldo. Viagens maravilhosas do Dr. Alpha ao mundo dos
planetas No mundo de Marte. Cap. XV. O TICO-TICO, RJ,
I I I (1 02): n.p., 1 8.9.1 907
ARTE: estatuto, pictorialismo, difuso
GRAPHITE, Xisto. Belas-artes. REVISTA ILLUSTRADA, RJ, 1 4 (566):
6, 1 2.1 0.1 889
GRAPHITE, Xisto. Belas-artes (continuao). REVISTA ILLUSTRADA,
RJ, 1 4 (567): 6-7, 26.1 0.1 889
GRAPHITE, Xisto. Belas-artes (continuao). REVISTA ILLUSTRADA,
RJ, 1 4 (568): 6, 2.11 .1 889
DEIR, Eunapio. A arte. KOSMOS, RJ, 1 (11 ): n.p, nov.1 904
Antologia Brasil, 1 890-1 930
25
37
41
45
49
55
59
61
63
67
SILVA, Bethencourt da. A arte e os artistas. O BRAZIL ARTSTICO,
RJ, nova fase, 1 (1 ): 266-270, 1 911
GUERRA DUVAL, Fernando. 1 Salo de Fotografia. GAZETA DE
NOTCIAS, RJ, 9.7.1 924, p.2
BEVILACQUA, Sylvio. Fotografia e pintura. PHOTOGRAMMA, RJ,
1 (2): 6-7, 30.8.1 926
GUERRA DUVAL, Fernando. a fotografia uma das belas-artes?
PHOTOGRAMMA, RJ, 1 (2): 1 -2, 30.8.1 926
FRIEDMANN, Alberto. Os meios de expresso na Fotografia Pictorial.
PHOTOGRAMMA, RJ, 1 (5): 1 -2, 4 e 6, 30.11 .1 926
GUERRA DUVAL, Fernando. Observaes sobre "Meios de expresso
na Fotografa Pictorial". PHOTOGRAMMA, RJ, 1 (7): 1 -2 e 4,
fev.1 927
VECCHIO, Jos Del. Os meios de expresso na Fotografia Pictorial.
PHOTOGRAMMA, RJ, I (7): 1 0-11 , fev.1 927
GUERRA DUVAL, Fernando. Consideraes sobre a Fotografia
Pictorial. PHOTOGRAMMA, RJ, I I I (31 ): 1 -3, abr.1 929
(parte 1 )
GUERRA DUVAL, Fernando. Consideraes sobre a Fotografia
Pictorial. PHOTOGRAMMA, RJ, I I I (32): 1 -5, maio 1 929
(parte 2)
VALFER, F. de. A Fotografia pictorial. PHOTOGRAMMA, RJ, IV (35):
3-5, set.1 930
BORGES, Nogueira. O conceito moderno da fotografia.
PHOTOGRAMMA, RJ, V (39): 6-1 0, jan.1 931
No mundo artstico: A arte na fotografia. FROU-FROU..., RJ, I (1 ):
n.p., jun.1 923
No mundo artstico: A arte na fotografia. FROU-FROU..., RJ, I (8):
n.p., jan.1 924
1 8
blocos temticos
83
117
121
125
133
139
1 45
1 49
89
95
99
103
111
IMPRENSA ESPECIALIZADA
Nosso intuito. PHOTOGAZETA, RJ, I (1 ): 1 , 1 .11 .1 904
LETERRE, A. Fotografia. PHOTOGAZETA, RJ, I (1 ): 1 , 1 .11 .1 904
LOBO, A. de Barros. A nossa misso. ILLUSTRAO
PHOTOGRAPHICA, SP, 1 (3): 11 , maio de 1919
O que pretendemos fazer. REVISTA BRASILEIRA DE
PHOTOGRAPHIA, SP, (1 ): 3-4, jan.1 926
FOTOGRAFIA ARTSTICA: notas do exterior, fotoclubes,
o artista, outros circuitos
CUNHA, A. da. A fotografia artstica. REVISTA MODERNA, Paris,
I I (26): 75-79, dez.1 898
A fotografia na Exposio. O ESTADO DE S. PAULO, SP, 2.1 0.1 900,
p.2-3
Cartas da Itlia: Roma, 26.04.1 911 . CORREIO PAULISTANO, SP,
27.5.1 911 , p.5-6
A exposio do Fotoclube. RENASCENA, RJ, I (5): 1 97-203,
jul.1 904
EFF, Von Ab. Segunda exposio do Fotoclube. RENASCENA, RJ,
I I (1 9): 95-1 01 , set.1 905
FARE, H. De la. L'Exposition du Photo Club au Museu Commercial.
REVISTA DA SEMANA, RJ, (377): 501 0, 4.8.1 907
LIMA, lvaro de. Terceira exposio artstica do Fotoclube.
RENASCENA, RJ, IV (46): 246-256, dez.1 907
MARIANNO Filho, Jos. Arte fotogrfica. PHOTOGRAMMA, RJ,
1 (3): 1 -2, 30.9.1 926
VALLE, F. do. A 4 exposio anual do Photo Club Brasileiro. PARA
TODOS, RJ, IX (457): 32-33, 17.9.1 927
Concurso de fotografias. O ESTADO DE S. PAULO, SP, 31 .1 0.1 929,
p.7
Antologia Brasil, 1 890-1 930
153
155
159
163
167
173
179
183
193
199
205
213
217
223
A propaganda pela fotografia. O PAIZ, RJ, 22-23.9.1 930, p.1 -2
RIO, Joo do. O caador de beleza. A ILUSTRAO BRASILEIRA,
RJ, 1 .8.1 909, p.81 -83
CARREIRO, Carlos Porto. Impresso artstica. O PAIZ, RJ,
24.11 .1 911 , p.1
Exposio Sylvio Bevilacqua. O PAIZ, RJ, 24.6.1 913, p.3
CHRYSANTHME. A arte na fotografia. ILLUSTRAO
BRASILEIRA, RJ, X (1 01 ): n.p., jan.1 929
Como se explicam os artistas: F. Guerra Duval. PHOTOGRAMMA,
RJ, V (40): 4-7, fev.1 931
VERA-CRUZ. Exposio Valrio. SANTA CRUZ, SP, VI (4): 1 83-1 86,
jan.1 906
GUERRA DUVAL, Fernando. Exposio de fotografias do Sr. San
Payo. FOTO-FILM, RJ, I I (22): 1 3-1 4, nov.1 925
ENSINO
BORGES Filho, Nogueira. Curso de fotografia terico e prtico.
FOTO-FILM, RJ, I I (22): 9-1 0, nov.1 925
GUERRA DUVAL, Fernando. Escolas de fotografia. PHOTOGRAMMA,
RJ, I I (24): 1 -3, jul.1 928
JORNALISMO
BILAC, Olavo. Crnica. GAZETA DE NOTCIAS, RJ, 1 3.1 .1 901 , p.1
LOPES, Oscar. A semana. O PAIZ, RJ, 21 .5.1 911 , p.1
X. Os fotgrafos. O PIRRALHO, SP, I I I (1 39): n.p., 1 8.4.1 91 4
BARRETO, Plinio. Um bilhete. A CIGARRA, SP, I (1 9): n.p., 25.3.1 915
20
blocos temticos
271
277
281
285
291
295
267
229
235
243
249
253
257
263
USOS E FUNES: o livro, a cidade, o retrato, a marinha,
a imagem da guerra
A velha e a nova cidade de So Paulo. A PROVNCIA DE SO PAULO,
SP, 11 .8.1 887, p.2
CARLOS, Luis. O retrato. A CIGARRA, SP, I I (42): n.p., 20.5.1 916
Vida militar inglesa. A NOITE, RJ, 1 8.6.1 917, p.2
O recorde mundial de fotografia. So Paulo: Officinas Graphicas
Monteiro Lobato & Cia, [1 922]
GUERRA DUVAL, Fernando. Marinhas. FOTO-FILM, RJ, I I (23): 2,
dez.1 925
ZOILO. Nossas ilustraes. FOTO-FILM, RJ, I I (23): 2-3, dez.1 925
O retrato de S. Majestade a Rainha dos Estudantes. A ESQUERDA,
Fortaleza, 2.4.1 928, p.1
Antologia Brasil, 1 890-1 930
21
299
303
307
311
317
319
323
23
se l eo de a r t i g os
JOE. Cinematgrafo.
GAZETA DE NOTCIAS, RJ, (243):
30.8.1 908, p.1 . il.
(domingo)
O texto ocupa toda a primeira pgina
da edio de domingo. Aberto h pou-
co mais de duas semanas, o grande
evento tema da foto: o Morro da Ur-
ca, ao fundo, rivaliza com o arco gi-
gantesco sob o ttulo "Portal monu-
mental da Exposio".
A Exposio Nacional, comemorativa
do centenrio da abertura dos portos,
representa um dos grandes investi-
mentos simblicos do governo republi-
cano, vitrine para o mundo, mas,
antes de tudo, para seus cidados.
Joe, como assina o escritor e jorna-
lista Joo do Rio (1 881 -1 921 ),
mais um pseudnimo de Joo Paulo
Emlio Cristvo dos Santos Coelho
Barreto. Aos 27 anos, ele, persona-
gem e cronista da cena carioca, re-
gistra nesse artigo fatos ao longo
de uma semana na Capital Federal,
campo de intervenes urbansti-
cas, que rompem com o ar tmido
da antiga sede da Corte, dando um
aspecto metropolitano a uma socie-
dade de contrastes socioculturais
surpreendentes.
O inesperado, nesse contexto, iden-
tificar uma nova expresso social para
o fotgrafo. O texto exemplifica tam-
bm a qualidade do escritor na sua
produo como cronista.
Um estudo mais atento revela, no s
a escrita caracterstica, mas a criao
afluente em transformao contnua.
Dias antes, na edio de 26 de agos-
to, no jornal Correio Paulistano, a par-
te inicial do artigo era publicada sob o
ttulo "Os animais da Exposio".
Anos depois, como "Clic! Clac! O fo-
tgrafo! ", ele incluir o segmento fi-
nal no livro PallMall Rio (1 917.)
evento social
comportamento
lugar social do fotgrafo
24
DOMINGO
A exposio de canrios, uma poro de gaiolas todas do mesmo feitio.
As avezitas parecem assustadas com tanta gente, e so quase cor de
creme algumas, outras amarelo ouro, outras de aafro e castanha,
outras cor de gema de ovo, to delicadas, to areas, to imateriais que
parecem flocos animados de um sopro a perder-se minutos depois.
Como fui dar ali? Os homens gostam de animais de uma esquisita
maneira. O homem da cidade de tal modo vive separado que no o
conhece e no o v seno por excentricidade. Os cachorros so como
elementos decorativos das senhoras, os cavalos ningum os separa das
condues que puxam, salvo quando se membro da Sociedade
Protetora dos Animais. Os gatos no passam de um cacoete filosfico
literrio que se usa por pose porque Renan e Baudelaire gostavam de
gatos como a Sarah em tempo gostou de jaguares. Eu abomino os
gatos, os cachorros, os passarinhos, as galinhas. Um gato ronronando
em cima de uma poltrona enfeza-me, e nada mais desolador do que
uma gaiola com alguns bichinhos, presos pelo egosmo humano, a
trinar vagamente vagas rias, s vezes tristes.
Como fui dar ali? O fato que passei dos canrios aos pombos. E foi
uma linda impresso. H-os todos brancos e todos cinzas e todos
salmo e todos cor de havana; h-os como encrespados artificialmente
com a cauda abrindo em leque e a cabea perdida [num] cocar de penas;
h-os com rebrilhos de cobre e ao, que parecem sados da fantasia de
um forno de faianas de Golfe Juan. Algumas so enormes abrindo as
rmiges fortes; outros podem caber na palma da mo de uma donzela.
E vendo os cartes com informaes sobre os cruzamentos, olhando-
lhes o olhar o olhar dos pombos que olham como se no vissem , o
arrulho exercia em mim como uma fascinao. Diante das gaiolas dos
Cinematgrafo
Antologia Brasil, 1 890-1 930
25
pombos minha recordao voltavam os versos gregos, Vnus, o velho
Virglio e o prudente Enas. Certo, Enas no teria descido aos infernos,
se Vnus no o fizesse conduzir pelas suas pombas brancas.. .
Os pombos levaram-me at ao local da Exposio de bois, de cavalos,
de touros. Que aspecto! O sol, abrindo na porcelana azul do cu,
dardejava uma poeira de diamante cegadora. E naquele brilho
impalpvel acotovelava-se a multido. Eram empregados do comrcio,
eram operrios, eram sujeitos bem postos, eram "sportsmen" e
estrangeiros, mulheres do povo e senhoras do alto tom, cabeas em
cabelo e grandes chapus a Gainsborough, crianas endomingadas e
babys como escapados aos figurinos de luva de seda branca e
gestinhos tenros. A luz tirava chispas e fulguraes das joias, dava um
cunho de apoteose a tudo. Era como se estivssemos na pesagem de
um prado em dia do grande prmio. Os animais estavam na sombra e a
curiosidade era toda para eles. Damas flexveis e delicadas paravam em
xtase diante dos bois formidveis, e os tratadores perfilados davam
informaes:
Esse cavalo?
do Sr. baro do Paran.
E aquela zebra?
Ah! isso cruzado. O Sr. baro tem dezenove. Este filho de um
cavalo e de uma zebra. Com aquele deu-se o contrrio. E so menos
maus que os burros, os zebroides.
Os cavalos pareciam orgulhosos da admirao da turba. Os bois eram
majestosamente paternais. O olhar amistoso de um desses animais
consola a alma. E que estranha sensao a do ambiente! O cheiro
saudvel dos bois, aquelas cabeas to graves e belas, em que o rosa
tem desmaios, o pelo macio e lustroso, a fartura, a plenitude, a pujana
dos exemplares tudo se ligava para infiltrar nas anemias urbanas e
nas neurastenias presentes, a "griserie" de uma outra vida, o desejo
animal de ter muita sade, de no conhecer perfumes e fatuidades, de
viver como os tratadores, dormindo no feno, amando livremente,
refocilando com os bichos. As damas ainda resistiam em passar a mo
pelo dorso dos touros. Os homens iam fatalmente do desejo ao gesto.
As crianas, que esto mais perto da natureza, pediam...
26
Cinematgrafo, 1 908
E parecia que ns todos ramos melhores, sentamos um fluxo de
bondade infinita nessa atmosfera rural.
que no h como a aproximao dos animais domsticos para nos
encher de bondade. As aves dos ares so a msica do viver. Os
pombos so o amor. Os galos so como natais da vida. E os bois so o
conforto e o bem da existncia.
Encontr-los assim belos e bem tratados uma delcia a que o
homem urbano se entrega com um prazer infinito tanto mais
quanto os v e logo dali sai para a civilizao requintada, em pleno
domnio da Cidade Maravilha.
SEGUNDA
Segunda do "Quebranto". Casa cheia. Aplausos, comentrios como na
primeira noite. muito melhor assistir s segundas. A sensao do
pblico muito mais intensa. A pea de Coelho Netto resiste bem ao
contato do grande pblico.
Mas por que os deuses imortais no consentem que se possa louvar
totalmente aquele tentmen? A pea uma stira feroz a um certo
meio. Fraquear um pouco na caricatura dar motivo a que no se
tome a srio a stira. E que fizeram aqueles artistas fingindo elegncia?
Os artistas foram lamentveis. A cena do "five o'clock" foi um
verdadeiro carnaval. Alguns atores apareceram agarrando uma luva
com o ar de quem segura vela em dia de procisso. O Sr. Alfredo Silva,
to inteligente, fazia um tipo de carioca cinicamente gozador e elegante
como um vegete de farsa, com as calas suspensas e uma velha
sobrecasaca; o Sr. Nazareth, com uma cabeleira loira enorme tinha um
fato positivamente de revista de ano. O Sr. Joo de Deus apareceu
valha-nos Deus de "smoking" s cinco da tarde. A Sra. Luiza de
Oliveira tinha um vestido integralmente mgico, e para no faltar nada
quela sarabanda de adelo, um ator de casaca fazia de criado.
Os atores tm a mania de que o fato de somenos importncia. No!
O fato tudo no teatro, ou pelo menos a maior parte. No se faz um
homem elegante com uma velha redingote, e a composio de um
"five o'clock" deixa de ser flagrante apanhado da vida real para passar
insulsa pilhria quando a fazem daquele modo.
Antologia Brasil, 1 890-1 930
27
A regenerao teatral! Ela s se far quando um sujeito, como o
Christiano e com muito dinheiro, ditar aos atores as roupas e for
obedecido.
De resto, eu ouvia duas senhoras conversarem:
curioso este "five o'clock"!
Muito.
J viste? Faz-se tudo menos tomar ch.
verdade. S se l dentro.. .
Mas que tem tudo isso? A obra de Netto fica. uma das facetas do
gnio desse homem admirvel. E eu ouvindo o terceiro ato empolgante
lembro uma carta do grande artista de dolorosa melancolia:
"Quando escreveres, pe um rochedo sobre o corao para que te no
suceda compores s com expresses de amor o que devia sair
integralmente do crebro, justo e forte como Minerva armada. A
bondade desvairou-te onde apontaste um gnio h apenas um pobre
diabo que, h 22 anos, sem trguas, empurra uma pedra para o cimo da
escarpa e, quando imagina haver cumprido a tarefa, v a pedra
despenhar-se no fundo da indiferena. Torna faina e comea a labuta,
arquejando. Se a to estpida contumcia pes o rtulo de 'gnio',
glria a Ssifo!"
Se no fosse esse trabalho incessante do grande beneditino da arte, to
soberbamente as nossas letras contemporneas no fulgurariam, nem
aos pobres mortais seria dado o prazer de gozar a obra desse crebro
extraordinrio, sempre novo e sempre assombroso.. .
QUARTA
Hora de Exposio. Bar. Adolpho Araujo, o jornalista paulista das
frases imprevistas, j chamou um "garon", que se diz italiano
brasileiro, de "panach de nacionalidades", e disse sobre certas
criaturas da literatura cousas horrendas. Ns estamos num ponto
estratgico. V-se a fita do Rio, todo o Rio que passa, e o interessante
que Joaquim Morse e Adolpho Araujo, apesar de serem de S. Paulo,
conhecem toda a gente. Esses jornalistas!
Cinematgrafo, 1 908
28
Aquela espanhola? - Situao admirvel com o deputado do
Amazonas. Mas a crise da borracha? Para tais cousas h sempre
dinheiro.. . Olha o Coelho Netto. O Netto est a entrar no
mercado estrangeiro, primeiras colunas dos jornais de Paris, um
romance sobre imigrantes a sair na "Tribuna Italiana". Srio?
Tudo quanto h de mais srio. E o seu "Up-to-date"? Dizem que
uma pea clef. clef era o "Five o'clock". Imagina tu.. . Mas a
histria daquele casal que ali vai. Ele est mais gordo... Ela tambm,
a impudncia da luz.. . Olha que causa admirao esta concorrncia.
Para tais cousas h sempre dinheiro. O general T... . Sabes que o
general foi encontrado... Silncio, uma questo militar! Decidida
com as ltimas armas do carcs de Eros.. . Mas aquele jovem
elegante o Luiz Edmundo. . Vai para a Europa. Duas edies do
livro esgotadas, dois ou trs jornais. E depois, filho, uma flor com
talento e amabilidade. Aquela a Mme. X? - No, agora I., Mme. I.
Casou de novo por uma nova religio. E os prmios de automveis
bem postos? A concorrncia no deve ser grande. H pouco
dinheiro e muito pouco chic. Essa gente tem carros mas falta-lhe a
linha; aquela linha de elegncia do David Campista. O Gasto de
Almeida, que guia deliciosamente, talvez seja bem. E o Leopoldo da
Cunha, homem da moda, tambm... Vais ver que do a alguma
troupe familiar burguesa! Decises do amvel feiticeiro que o
Thaumaturgo. - O general Gregrio Thaumaturgo de Azevedo?
Sim, o general.. .
E a conversa continua, enquanto a luz envolve os grandes palcios
num zamph multicor de pr de sol esfriado pelas nvoas do mar.. .
SBADO
Ah! um fotgrafo!
A cena foi rpida. Era na Avenida, Mme. de Figueiroa abriu nervo-
samente o leque, baixou a cabea e deitou quase a correr. Na sua
frente, porm, um sujeito louro, com o "kodack" na mo, ria a bom rir,
e quando a linda senhora passou a seu lado, cumprimentou:
V. Ex. fez muito mal, minha senhora. A chapa vai sair preta.
Vai sair preta?
Antologia Brasil, 1 890-1 930
29
Pois est claro! A cabea curvada, o leque escurecendo o rosto.. .
Mas o senhor vai fazer sair isto?
para um jornal ilustrado. Com sua licena.. .
Tem que sair mesmo?
fatal.
Mme. de Figueiroa mordeu o lbio, hesitou, e de sbito resolvida:
Ento se no h remdio, tire outro instantneo direito.
E ficou de p, numa pose de ave real, sorrindo, enquanto o moo
louro de novo a "kodacklsava".
Era na Avenida e a cena foi rpida. Mas em outras ruas em outros
pontos da cidade, quantas cenas idnticas a essa se passam? Porque
ns temos agora mais um exagero, mais uma doena nervosa: a da
informao fotogrfica, a da reportagem fotogrfica, a do diletantismo
fotogrfico, a da exibio fotogrfica a loucura da fotografia. J no
h propriamente mais fotgrafos profissionais, porque toda a cidade
fotgrafa. J no h propriamente pessoas notveis cuja fisionomia se
faa necessidade informativa dos jornais, porque no h cara que no
seja publicada. No s as caras. As caras no bastam. As ruas, as casas,
os aspectos dos cus, os combustores da iluminao, os carros, as
carroas, as montanhas, as rvores. H cinco anos, em visita a qualquer
famlia de mediania burguesa, o visitante contava com quatro ou cinco
desastres fatais: ouvir os progressos da filha mais velha ao piano,
admirar as aquarelas da petiz do meio, aplaudir a caula que recitava de
cor versinhos estropiados. Agora no. Agora s fotografia.
Esteve ontem no corso?
No, minha senhora.
Foi pena. Estavam l os fotgrafos de todos os jornais ilustrados. E
contaram-me que um dos cinematgrafos mandou tirar uma fita.
Aparecemos todos.
Esta Maria vaidosa! No se farta. Olhe que j tem sado numa
poro de instantneos.
A esta frase, caem em cima da visita ruma de hebdomadrios elegantes
e fotogrficos. E a dona do lar d opinies tcnicas.
Cinematgrafo, 1 908
30
No saiu ntido. Um pouco escuro. Ms condies de luz. Este que
est um "Rembrandt" de primeirssima! Ah! Eu entendo. Admira-se? Aqui
no h quem no tenha o seu "kodack". Foi um lote que comprei em
liquidao e a prestaes mensais. At o Juquinha j tira a sua fotografia!
E, em lugar de ver as aquarelas, vemos os retratos tirados pelo
Juquinha: o gato da casa, a cozinheira espantando as galinhas, o
cachorro lambendo as mos do dono da casa tudo sem proporo
sem perspectiva, mas encantador.
Na alta sociedade, no chic mostrar um apetite to vulgar pela
reproduo das imagens. As senhoras tm um ar de desdm, os homens
fingem fugir, mas os retratos das "professional-beauties" aparecem em
instantneos custosamente posados e no h semana em que um
ilustrado no nos fornea a ttulo de documento exato o interior
embelezado de vrios palacetes. De modo que se a burguesia e a alta
roda sentem a vivaz vontade da fotografia, a cidade inteira, todas as
classes sociais, num acordo definitivo do ladro preso ao diplomata
transferido, exigem a reproduo dos seus gestos. mesmo provvel que
at os mortos de mortes violentas sintam a necessidade de reproduo
da sua ltima atitude para no desmerecer no outro mundo.
Sim! a verdade dolorosa! O mundo no tem a obsesso do espelho,
como disse o poeta tem a obsesso da fotografia! Arde uma casa em
certa rua? possvel que o incomparvel corpo de bombeiros demore.
Os fotgrafos surgem logo. O incndio aumenta? possvel que o
valoroso corpo nico e incomparvel como o Po de Acar e a
pedra da Itapuca no o limite. Os fotgrafos, porm, l esto para
fotografar a chegada do corpo, a primeira ordem do comandante, as
chamas, os primeiros esguichos das mangueiras, o povo, os jornalistas,
os donos da casa, a companhia que a segurava. o delrio! Um
cavalheiro faz a coisa mais imprudente e mais vulgar do mundo: casa
como qualquer de ns. possvel que o pretor no aparea ou as
testemunhas no venham. Os fotgrafos l esto para dar o casal
subindo o altar, subindo para o carro, subindo as escadarias da casa e a
de ns! para o futuro breve se no houver um paradeiro pelo menos
para certas intimidades familiares, com a neurose do documento exato.
Mas no s. Dois homens brigam. Morre um, vai outro para a cadeia,
saem ambos fotografados no jornal. Um tipo suicida-se? Retrato dele
Antologia Brasil, 1 890-1 930
31
em todas as idades nas folhas! H uma senhora que saiu rua? Zs!
kodack nela! Voc vai ali confeitaria? Instantneo! E a alucinao.
No se anda nas caladas sem desconfiar dos transeuntes, no se sai
rua sem estudar o andar, por causa das dvidas no se atravessa uma
praa sem a pergunta ntima:
Quantos fotgrafos estaro agora fotografando-me?
E no mesmo preciso sair rua. Na Cmara os deputados esto
sentados e de repente um tiro de magnsio: foi um instantneo. Nas
secretarias, os funcionrios esforadamente escrevem cartas s
namoradas, quando de sbito invadem as salas batalhes de homens
de unhas envernizadas, e clic! clac! e tome instantneos. Nas fbricas,
os operrios esto a palestrar sobre a ltima greve e o direito que todo
o operrio tem de ver a diria aumentada, as horas de labor diminudas,
e aparece um homem, ergue a mo e paf! bifa o quadro natural. E
como j se do as senhoras na missa, s compras, nos banquetes,
escrevendo no seu hall ntimo, e os cavalheiros em mangas de camisa
no seu escritrio, e as cocottes em [menores] grupos e os pic-nics
carnavalescos muito provvel que muito em breve um fotgrafo,
se no for chamado, solicitado, rogado antes entre em casa de uma
pessoa qualquer e exija, seja ele ministro ou contnuo:
Dispa-se e mostre-me como vai para o banheiro! Quero tirar um
instantneo!
E, tremendo de gozo, a vtima, s com a ideia do instantneo, correr
ao banheiro, mesmo que tenha por esse stio do lar uma inexplicvel
implicncia.. .
que o fotgrafo o tirano, o agente da vaidade, o Boreas da
grande tolice universal, o nico sacerdote acreditado no fandango do
mundo. Quando um homem se erige em fotgrafo a sociedade
prostra-se.
Voc tira retratos?
E instantneos.
Venha da, vamos jantar!
A gente encontra na flora enorme uma infinita variedade de
representantes: o fotgrafo artstico de quadros, o amador da fotografia
Cinematgrafo, 1 908
32
de arte, que tira retratos de senhoras bonitas em ambientes lnguidos e
aspectos do luar nos lagos e nas florestas, o fotgrafo da cidade para
cartes postais, o fotgrafo reprter, o fotgrafo ilustrador a que
no escapam nem as vagas das ressacas na baa, o turbilho de
fotgrafos amadores, o fotgrafo high-life, o fotgrafo pndego que
inventa por justaposies de chapas cenas picarescas e de pessoas
graves, o fotgrafo instalado, o "vieux genre", que olha para toda flora
com os ares de pai nobre abandonado pelo filho prdigo.. . Ele entra,
h o estremeo emocionante da massa, e ei-lo a manejar todos como
polichinelos.
Parem!
Todos param.
Vira a cabea!
Todos viram.
Olhe para aqui!
Todos olham.
que ele tem esse direito. No s aqui. Em toda a parte do mundo.
Ainda outro dia, diz o "Hong-Kong Daily Express", havia em Canto,
na China, a execuo de oito malandros. Cada vez que os executores
suspendiam um dos coitados, a chusma de fotgrafos assestava
baterias e apanhava o derradeiro esgar. O ltimo ia ter a cabea
decepada. J o carrasco passava o fio do gldio pelo pescoo do pobre
diabo, quando um dos fotgrafos bradou:
Um instante.
O carrasco parou e o criminoso viveu no transe mais um instante,
porque o macabro fotgrafo queria o instantneo perfeito.
Em transe vivemos ns agora, com a obsesso de apanhar na mquina
os outros e de ver a nossa figura em cada jornal. J comea a no ser
chic passar um ms sem ser fotografado seis vezes. Que ser da cidade,
com tal mania, amanh?
E ao assistir cena de Mme. de Figueiroa, na Avenida, ao pensar,
trmulo de medo, na assustadora epidemia fotogrfica, eu no pude
deixar de recordar que h duas semanas, indo visitar um deputado,
Antologia Brasil, 1 890-1 930
33
tambm amador de fotografia, o deputado fez-me travar
conhecimento com o seu filho de trs meses e meio por estas
palavras:
Um pimpolho j clebre!
Clebre?
Venceu o "record" da fotografia.
Ora esta!
J foi fotografado vinte vezes e, outro dia no meu colo, verdade
que sem querer, tirou o instantneo da ama de leite a preparar-lhe a
fralda.. .
Joe
Cinematgrafo, 1 908
34
Antologia Brasil, 1 890-1 930
35
36
O convescote de domingo.
CIDADE DE FRIBURGO,
Nova Friburgo, 1 0.1 2.1 916, p.1
(domingo)
Cidade serrana fluminense, Nova Fri-
burgo acolhe ao longo do sculo XIX
colonos europeus, alemes e suios
em especial. Isso talvez explique o
costume de passeios e uma vida social
ao livre. No entanto, em muitas cida-
des brasileiras, "pic-nics", excurses e
convescotes tornam-se um novo hbi-
to da sociedade, momento de expres-
so social, interao e investimento.
Esse gnero de evento se revela logo
como objeto de interesse para o ama-
dor fotogrfico, espcie nova de prati-
cante, ou como oportunidade para o
profissional. Um exemplo paulistano
registrado em 1902, no jornal O ES-
TADO DE S. PAULO, do dia seis de
maio, trs dias aps o passeio. Outo-
no, poca oportuna para uma "Excur-
so a M'Boy", ttulo do artigo, e visita
ao antigo colgio dos jesutas, naque-
le sbado reunem-se ao grupo autori-
dades como o secretrio de agri-
cultura, entre outros polticos, repre-
evento social
comportamento
lugar social do fotgrafo
sentantes da imprensa e o fotgrafo
amador J. de S Rocha. O texto,
publicado s pginas 1 e 2, descreve
todos os momentos da excurso inclu-
sive uma cascata fotografada por Ro-
cha de trs pontos diferentes.
O convescote fluminense segue a
mesma estruturao. Fica, porm,
mais evidente a presena da impren-
sa e dos senhores amadores, ganhan-
do destaque a produo de imagens e
o comrcio ao redor dessas fotografi-
as, elas mesmo entendidas como
parte estrutural do fato social.
O convescote de domingo
Antologia Brasil, 1 890-1 930
37
Conforme estava anunciado, teve lugar, domingo, 3 do corrente, o
grande "pic-nic", organizado pelos srs. Odilon Vital, Didimo Manoel de
Oliveira e Aristides Mello, na Olaria, de propriedade dos srs. Thurler.
Embora o tempo estivesse incerto, 1 hora da tarde os bondes
partiram levando um grupo musical, formado de distintos moos, os
srs. Vicente Fassetta e Denencourt Scholts, fotgrafos, e perto de 100
pessoas, entre famlias e representantes da imprensa local. A chuva
impertinente, logo hora da sada dos bondes, caa impiedosa, tendo-
se prolongado durante toda a viagem.
Chegados que foram Olaria, local escolhido ultima hora, devido ao
mau tempo, os convidados, acomodados num vasto salo, oferecido
gentilmente pelo sr. Antonio Thurler, deram comeo a uma elegante
matin danante, que se estendeu at s 4 horas da tarde.
A essa hora, oferecendo o tempo ocasio para fotografias, pois que a
tarde j comeava a tornar-se clara e limpa, os srs. amadores-
fotogrficos tiraram vrios retratos dos presentes ao encantador
convescote.
Em seguida foi servido um magnfico "lunch", regado de excelentes
bebidas, tendo reinado durante ele a melhor harmonia possvel.
Recomearam as danas e vrios outros brinquedos, que terminaram
s 5 horas. A essa hora, perto de 120 pessoas, jornalistas, fotgrafos,
msicos, tomaram assentos nos diversos bondes, que os conduziram a
esta cidade, onde chegaram s 5 horas da tarde sob ruidosos vivas e
aclamaes imprensa, comisso organizadora e ao convescote. Os
convidados se dispersaram, retirando-se cada um para sua residncia,
sob uma impresso magnfica da festa de domingo ltimo.
* * *
As fotografias tiradas pelo amador Vicente Fassetta, que primam pela
nitidez e apurado gosto artstico, que revela a inteligncia do ilustrado
moo, foram colocadas nas vitrines das casas comerciais dos srs. Jos
El-Jachi e Bazar Santos Dumont s vistas do pblico.
Nesta redao, onde tambm se encontram em exposio, os
interessados podero obt-las pelo insignificante preo de 2$000 mil
ris cada uma.
* * *
A comisso organizadora, por nosso intermdio, agradece penho-
radssima a todas as exmas. famlias, jornalistas, fotgrafos e especial-
mente ao destemido grupo musical que to gentilmente compareceram
ao convescote de domingo, emprestando-lhe com sua presena o
maior brilho e valor que se pode admitir.
O convescote de domingo, 1 916
38
Antologia Brasil, 1 890-1 930
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40
BILAC, Olavo. Dirio do Rio.
O ESTADO DE S. PAULO, SP,
21 .1 .1 898, p.1 .
(sexta-feira)
Jornalista e poeta, Olavo Bilac (1 865-
1 918) est presente nessa antologia
em dois momentos, como tambm
Joo do Rio. Embora menos conhecido
hoje por sua produo na imprensa,
esta, em especial suas crnicas,
avaliada em estudos como o de
Antonio Dimas (1 996). revelante
assim que o artigo em questo tenha
sido publicado num jornal paulista,
reflexo quase certo do seu prestgio
como jornalista.
Mais sucinto, em estilo distinto,
igualmente tirando proveito do tom
leve, Bilac comenta nesse ensaio, de
1898, uma oportunidade de negcios
que mira a Exposio Universal
programada para dois anos aps em
Paris. Grandes realizaes que domi-
nam as ltimas dcadas do sculo XIX,
esses eventos representam momento
para exposio das naes desen-
volvidas, em representaes nacionais,
com seus pavilhes.
o feminino
comportamento
crnica
O artigo introduz nesta seleo tema
de fundo, de presena intensa no
perodo coberto pela antologia, ex-
presso na representao visual da
mulher, do feminino. Ao longo desse
recorte temporal registra-se uma
aproximao muito forte entre essas
manifestaes e a prpria expresso
artstica dominante.
Bilac toma como mote anncio na
imprensa do fotgrafo Holzer Fay
Bla, radicado no Rio de Janeiro,
Rua Gonalves Dias, onde se dedica
como boa parte dos profissionais ao
retrato. Pouco se sabe sobre o pro-
fissional, alm de associao eventual
com Bastos & Dias.
Dirio do Rio
Antologia Brasil, 1 890-1 930
41
18 de janeiro de 1898
Ontem, na Gazeta, esta deliciosa notcia:
"O sr. Holzer F. Bla, fotgrafo, teve a ideia de reunir em precioso
lbum, para figurar na Exposio Universal de Paris em 1900, as
fotografias das mais belas senhoras deste pas, e para isso convida-as a
comparecerem na sua oficina, para retratarem-se sem nus algum.
Com este intuito distribuiu pela imprensa convites, afim de que esta os
faa chegar s formosas senhoritas que se julguem no caso de aspirar a
esta glria".
Deliciosa, sim! Deliciosa notcia! Porque, enfim, o Brasil, se no fosse
esse amvel retratista, no se poderia mostrar, dignamente
representado, na exposio de 1900, aos olhos de todo o mundo... Em
primeiro lugar, est provado que no temos dinheiro: nem poderamos
pagar as passagens dos comissrios que fossem levar ao certame
universal os nossos produtos. Em segundo lugar, que produtos
mandaramos ns? O inqurito do atentado de 5 de novembro, para
mostrar ao universo embasbacado os processos novos de que
lanamos mo para fazer poltica? a garrucha de Marcelino, para que a
Europa visse o que a nossa arma eleitoral? algumas folhas dirias,
para que a Civilizao admirasse a planta rara e indgena do apedido? O
nosso corpo de bombeiros, para que o velho mundo se certificasse de
que somente por falta de gua que se no apagam aqui os incndios?
a fotografia dos buracos de qualquer de nossas ruas? a Academia de
Letras? Realmente, le jeu ne vaudrait pas la chandelle. . . .
Mas, o amvel sr. Bla acaba de salvar a situao: se no temos arte,
temos natureza! Se no podemos mandar Europa os produtos da
mo do homem, podemos mandar-lhe os produtos da mo do
Criador! Vamos enviar Exposio Universal as fotografias das nossas
mulheres belas, e isso, graas a Deus ou ao Diabo, no nos falta!
Eu que os diga! Eu, que, com os olhos deslumbrados e tontos, as vejo
passar por aqui, todos os dias, estas louras, de olhos de violetas,
aquelas morenas, de olhos de nix!. . .
Ai, sim! isso o que no nos falta! e a lembrana do fotgrafo foi uma
lembrana verdadeiramente genial. . . Mas (em todas as grandes ideias
h sempre esta adversativa malvada!. . . ) mas, o que torna a ideia pouco
prtica que o fotgrafo, em m hora encarregue as senhoras belas de
julgarem a si mesmas.
Que perigo! Sabeis que no h mulher feia que se no suponha bonita;
por outro lado, as mulheres realmente bonitas amam dizer que no o
so, por modstia ou coquetterie. E, pois, muito provvel que s se
apresentem diante da objetiva da mquina fotogrfica do sr. Bla, j
no as matronas notoriamente feias, mas, o que ser pior, as
senhoritas nem bonitas nem feias, nem carne nem peixe, nem dignas
de adorao nem dignas de repulsa. E o resultado ser este: ou o sr.
Bla desistir de sua ideia e o Brasil no aparecer na exposio, ou o
sr. Bela se resignar a mandar a Paris as fotografias que tiver obtido, e
as parisienses triunfantes e contentes zombaro das nossas
formosuras.. .
E assim se perde, s vezes, uma grande e rutilante ideia!
O.B.
42
Dirio do Rio, 1 898
Antologia Brasil, 1 890-1 930
43
44
TEX, Lo. Pelos "ateliers" e sales...
CORREIO PAULISTANO, SP,
27.6.1 913, p.1
(sexta-feira)
A estrutura do artigo curiosa, embo-
ra o uso de transcries e comentrios
de outros jornais seja prtica comum
no perodo. Mais uma vez, a nota num
peridico paulistano sobre evento
fotogrfico carioca merece ateno
por si s. Sobre Lo Tex no sabemos
muito, alm de nota no mesmo
CORREIO PAULISTANO, em 05 de
maro daquele ano, que o apresenta
como colaborador em partida para o
Rio. Leopoldo Teixeira Leite Filho, seu
nome verdadeiro, acabara de ser no-
meado promotor pblico "no territrio
do Alto Acre", para onde deveria partir
brevemente.
difcil compreender a peculiar trans-
crio do artigo de Lindolfo Collor
(1 890-1 942), ento jovem jornalista.
Fugindo do usual, Lo Tex usa-o como
veculo para seus prprios comentrios
sobre uma tema que lhe prximo,
pois ele, ou seu pai, estiveram na
abertura (veja p.251 ).
o feminino
comportamento
exposio
Sylvio Bevilacaqua (?-1 948) tem aqui
sua primeira referncia nessa anto-
logia. Ao lado de Fernando Guerra
Duval (?-1 950), ele constitui uma das
figuras de longa permanncia entre as
dcadas de 1900 a 1930, delineando
um percurso pessoal surpreendente
desde sua atuao como professor do
Colgio Pedro II at estabelecer seu
estdio profissional, passando pelos
principais momentos do fotoclubismo
carioca. Nesse percurso, Bevilacqua
se dedicar aos temas da mulher e da
criana, em menor grau.
fundamental, considerando a inser-
o num artigo da grande imprensa, a
referncia ao crtico francs Robert de
la Sizeranne, marco terico eleito pelos
principais agentes locais associados
questo da fotografia artstica.
Leia pgina 249 outro artigo sobre o
mesmo evento.
Antologia Brasil, 1 890-1 930
45
Pelos "ateliers" e sales.. .
A exposio de "pastis" Bevilacqua
O Rio assiste, hoje, inaugurao da segunda exposio artstica do
reputado fotgrafo Sylvio Bevilacqua.
O acontecimento tem toda a importncia de uma nota mundana,
como, alis, j o fez notar o cintilante cronista do Jornal do Commercio,
Lindolfo Collor, na sua seo de sbado:
" esta a segunda grande exposio de fotografia artstica feita por
Sylvio Bevilacqua. Dizemos que a segunda grande exposio porque
o ateli de Sylvio , de fato, uma bela exposio permanente, feita ao
sabor do acaso, sem a pretenso de ordem de todas as exposies, e
por isto mesmo tanto mais interessante.
"Se o atelier de Sylvio uma exposio permanente, a sua frequncia
no sofre tambm, logicamente, nenhuma interrupo. De fato, poder-
se-ia afirmar que aquele recanto discreto dedicado ao trabalho artstico
um dos pontos mais preferidos pelo nosso alto mundo artstico, de
passagem pela avenida, para uma 'causerie' ligeira, entre uma 'pose' que
Sylvio arranja e uma disposio definitiva para a rua, para o corso, para
o 'five o'clock'. . .
"De modo que como exposio permanente, o ateli Bevilacqua
sempre um magnfico recanto de palestra, onde a quantidade e
qualidade de esprito faz frente ausncia tanto quanto possvel do
convencionalismo frvolo que sempre enregela as melhores disposies
verbais".
Deve-se registr-lo, portanto, com um comentrio, porque essa
exposio significa, na realidade, alguma cousa mais que um esforo;
exprime mais que uma tentativa.
tambm atestado e que eloquente atestado! do aperfeioamento
a que tem chegado, entre ns, a fotografia, na sua expresso como arte.
H tempos, ainda, discutia-se em Frana, se a fotografia era e se podia
ser uma arte e a discusso assumia, na Revue des Deux Mondes, propor-
es de uma verdadeira polmica, quando Robert de la Sizeranne solveu
a questo, em magistralssimo artigo, concluindo pela negativa.
No h dvida alguma que o problema est, nesse trabalho, reduzido
s propores geomtricas de uma equao, que representa o conceito
ruskiniano das belas-artes.
A despeito, porm, da eloquente argumentao do autor das "Questions
esthtiques contemporaines" a fotografia afigura-se-nos como uma arte ela
reproduz a natureza, com sinceridade absoluta e a sua preciso ser a
mais rigorosa, quando se tornarem definitivos os atuais ensaios de "viso
e impresso colorida".
No momento atual, em fotografia artstica, o pastel representa esse
desideratum.
A exposio Bevilacqua d-nos nitidamente a prova dessa afirmao:
dos cinquenta e tantos trabalhos expostos, cinco podem ser reputados
o nec plus ultra, a derradeira palavra no gnero.
O pastel todo o grande segredo de Bevilacqua, como disse o cronista
do "Jornal do Commercio":
"Toda a reputao de Sylvio reside na feitura impecvel desses
trabalhos que o recomendam verdadeiramente como um um artista
perfeito no difcil 'mtier' de fazer fotografias sem cair no horrvel
chavo da impassibilidade fotogrfica".
fato: a fotografia colorida no poderia, jamais, rivalizar com esses cinco
trabalhos impecveis do grande artista.
O "pastel" que representa Mme. Vaz Carvalho uma maravilha a
figurar nas mais notveis exposies internacionais de arte fotogrfica
tal a expresso do olhar, tal a vida da fisionomia.
Outro para o qual a ateno converge, naturalmente, o retrato de
Mlle. Nabuco de Castro tipo esplendente de beleza tropical, que j
tem sido laureado em alguns concursos de mundanidade.
46
Pelos 'ateliers' e sales, 1 913
Antologia Brasil, 1 890-1 930
47
A "pose" Mlle. Vera Barbosa , tambm, um elegante espcimen do
catlogo, muito embora seja melhor o original perche parla. . . e o Rio-chic
a reputa, mui justamente, como uma das mais finas causeuses dos seus
sales aristocrticos.
Para citar esses somente, silenciaremos, a contragosto, a linda srie de
outros magnficos nmeros do catlogo: Teta e Odette Gasparoni,
Hortncia de Mello, Viva Heitor Cordeiro, serena e sonhadora, em
duas "poses"; Mme. Santos Lobo e finalmente o lindo "pastel" que
representa Bilac, o poeta do Caador das Esmeraldas.
H qualidades inestimveis nos pastis expostos, afora os atributos de
excelente execuo e meticuloso acabamento.
Sente-os, primeira vista, o observador.
Bevilacqua tende a espiritualizar todos os seus retratos, pela "pose", pela
expresso; depois, o seu colorido sbrio como uma "nuance"
empresta s fisionomias intenes sonhadoras de grande efeito,
enquanto a "luz" ou a "sombra" completa a composio da figura.
* * *
O pblico elegante desta capital vai se dar rendez-vous no elegante
"atelier" do fotgrafo Bevilacqua, admirando as silhuetas femininas, em
exposio.
de esperar que contemplem os seus artsticos "pastis" com mais
pastis do que entendimento.. .
certo, porm, que aplaudiro o artista.
J um personagem do teatro ibseniano afirmava que nada faz
simpatizar tanto uma individualidade como a sua "boa estrela. . ."
A "boa estrela" de Sylvio Bevilacqua apresenta-o, ao pblico, por um
prisma encantador; veem todos nele o homem feliz e querido de
todos.. . e vivendo no meio de uma centena tonteadora de formosas
criaturas, cujas atitudes e "poses" e gestos ele modifica e altera sua
fantasia e a seu capricho...
E que no o fazem sofrer.
Tambm no o podem...
Rio, 23-VI-13. Lo TEX
48
BEVILACQUA, Sylvio. No T. S. F.
PHOTOGRAMMA, RJ, I I (23): 8-1 0,
maio 1 928
Novos tempos trazem o rdio. Na
dcada de 1920 surgem emissoras
locais com programao regular. Em
1927, o Photo Club Brasileiro, em 2 de
setembro, realiza s 20h20 uma
palestra sobre fotografia atravs da
Rdio Sociedade do Rio de Janeiro.
No causa surpresa, considerando o
programa editorial do clube, que a
transcrio seja publicada em PHOTO-
GRAMMA daquele mesmo ms. Em
maro de 1928, novamente a revista
do clube publica o contedo do progra-
ma realizado no dia nove. Silvio Bevi-
lacqua o responsvel por ambas as
apresentaes.
As relaes entre fotografia e rdio
no so incomuns. A telegrafia sem
fio, denominao de poca que explica
o ttulo do artigo, surge em anncios
nas revistas fotogrficas. Em 1926, a
sexta edio da REVISTA BRASILEIRA
DE PHOTOGRAPHIA, publicada em
So Paulo, traz novo subttulo: "arte
fotogrfica e radiotelefonia". Ainda
em So Paulo, em 1939, Jos Medina
o feminino
comportamento
imprensa especializada
produzir "Instantneos no ar", entre
fevereiro e maio, na Rdio Bandei-
rantes. O Foto Clube Brasileiro retor-
nar ao rdio apenas em 1948, por
alguns meses, com "Luz e sombra"
pela Rdio Sociedade Guanabara, aos
sbados.
O importante aqui, porm, o tema do
programa apresentado em 1928: a
beleza e a graa feminina na foto-
grafia. Que Sylvio Bevilacqua, com
uma carreira dedicada aos temas da
mulher e da criana, em menor grau,
seja o apresentador, expressa a rele-
vncia do artigo. O fotgrafo apresen-
ta s ouvintes em especial, um passo
a passo para o retrato, estabelecendo
um roteiro que busca promover melhor
interao entre modelo e fotgrafo.
A referncia a Chamfort, provavel-
mente Nicholas Chamfort (1741 -1794),
parece procurar estabelecer o tom
para a conversao: "Quando se fala
da mulher, deve-se molhar a pena no
arco-ris e derramar sobre a escrita o
p das asas das borboletas". Em
tempo, a citao parece ser uma
derivao de outra atribuda a Denis
Diderot (1713-1784).
Antologia Brasil, 1 890-1 930
49
No T. S. F.
O nosso tema de hoje ser: da beleza e da graa feminina em
fotografia.
bem conhecido o que dizia Chamfort: "Quand on parle de la femme,
il faut tremper sa plume dans l'arc-en-ciel et rpandre sur l'criture la
poussire des ailes des papillons".
O fotgrafo retratista aproveita, de fato, o auxlio das cores do arco-
ris e no as das asas das borboletas para por em relevo a beleza e a
graa feminina, porque so elas que vm solcitas e amveis, atravs
da objetiva, gravar na chapa esses primores de esttica humana que se
colocam muito naturalmente diante da mquina fotogrfica, dando
apenas ao retratista a dificuldade do embarao da escolha; mas.. .
outras vezes.. . . o artista obrigado a lembrar-se que as graas eram
somente trs e aquela que ele tem no momento diante dos olhos, ou
diante da objetiva, no nem Tlia, nem Aglaia, nem Eufrosina e,
como atualmente no se suporta mais um retrato rgido ou sem
expresso, que tenha apenas a perfeio fotogrfica, preciso que se
ponha, embora com dificuldade, no trabalho um pouco da alma do
modelo ou um pouco de artifcio que substitua o que a natureza no
deu ao modelo.
necessrio, entretanto, que desde j se diga que a graa, um dos
principais elementos da beleza, a graa fotogrfica tem de ser uma
atitude especial, diferente da graa comum.
Com o desenvolvimento desse ramo da esttica humana, princi-
palmente depois do aparecimento do cinema, em que todos os gestos,
todas as atitudes, todas as expresses, todos os movimentos esto
estudados, analisados, medidos, comparados, catalogados, ficou bem
evidente que um gesto, uma expresso, uma atitude que no possa
durar ao menos trs ou quatro segundos em sua plenitude, poder ser
muito interessante como interrupo de um movimento, como um
instantneo, como um documento, no tendo, porm, geralmente, o
menor interesse sob o ponto de vista artstico e um retrato de
mulher deve ser sempre uma obra de arte, quando retrato moderno,
de luxo, retrato que se d a uma amiga, ou a um noivo e que no queira
parecer um simples documento em forma de ficha de identificao.
O primeiro, isto , o retrato cinematogrfico, o que representa um
movimento interrompido, prprio para as danarinas ou atrizes de
comdia, no exerccio de sua profisso; o outro, o retrato distinto deve
conter ou exprimir a serena graa das expresses e das atitudes calmas,
apresentando-nos a pessoa em idntica maneira a que a encontramos
no convvio social e com a sua melhor cara. Expliquemo-nos. sabido
que todos, principalmente a mulher, tm um dia em que se acham
melhor; ou seja influncia da toilette, ou uma determinada incidncia
da luz, ou seja a simpatia de uma cor qualquer, ou de uma dada
expresso, o certo que esse o momento timo para o retrato,
momento que o artista precisa surpreender, para fazer ressaltar a graa
e a beleza do modelo, quando ele as tem.
Infelizmente nem sempre nos vm ao ateli uma Vnus ou Climne, a
melindrosa de Molire, ou uma houri do paraso de Maom, por isso
estudemos os elementos que entram em jogo, elementos principais;
so trs: o aparelhamento, o artista e o modelo.
Quanto ao primeiro, se de boa qualidade, como deve ser o de um
fotgrafo que se prope a fazer retratos de arte, nada preciso dizer
porque ele obediente e a pessoa j o encontra quando vai ao retratista
com quem simpatizou.
Quanto ao artista.. . quanto ao artista, nada temos a dizer porque
poucos sero os que me esto ouvindo e esses conhecem as suas
regras. Somente talvez alguns amadores gostassem que se lhes dissesse
que nunca devem ficar muito perto da luz, quando trabalham no
interior, porque a luz forte aumenta os defeitos, cava rugas e descobre
manchas; que procurem de preferncia uma luz suave e modeladora, a
dois ou trs metros de uma janela, com um bom refletor do lado da
sombra; assim com um retrato feito bem longe da luz com uma
objetiva de grande abertura, de foco longo, uma chapa rpida e suave a
50
No T.S.F., 1 928
prpria Aeon, a me Eva dos gregos, talvez possa, ainda hoje, ter um
bom retrato.. . anacromtico.
Chegamos agora ao ponto principal da nossa palestra e naturalmente
vs, minha senhora, que me estais ouvindo com tanta ateno, estareis
pensando: que me vai dizer este homem com pretenses a ensinar-me
a ter graa e elegncia?
Em primeiro lugar devo dizer que falo para.. . as outras e depois que
no se trata de graa comum, de graa social, nessa vs sois inexce-
dvel, trata-se de elegncia fotogrfica ou fotognica, como se diz
atualmente; nesta o vosso espelho vos traz sempre enganada; a figura
clssica da verdade saindo nua de um poo, ao espelho, s vale pela
nudez. O espelho vos engana porque vos mostra a vossa beleza em
sentido contrrio aquele em que ela se apresenta e isto, se tinha muita
importncia antes dos cabelos cortados, porque mostrava esquerda
todas as irregularidades da direita agora cresceu de valor por causa do
repartido do cabelo; bem assim todas as outras assimetrias do rosto,
alis indcio de inteligncia, vos so apresentadas s avessas. Alm
disso a cor verde da massa do vidro faz mais plidas as louras e mais
escuras as morenas.
Ao entrar no ateli do artista o modelo deve preferir uma iluminao
alta, como a que nos vem do cu, a luz anglica, como se diz em arte
S ela simptica, s ela d profundidade e brilho ao olhar; a luz
horizontal antiptica, a luz de baixo diablica.
Os gregos que tinham o senso artstico to altamente desenvolvido s
eram apresentados s suas noivas, quando no as conheciam, debaixo
da cpula do Panteo, para que elas ficassem com o olhar
criptoftlmico esta palavra complicada quer dizer: olhos ocultos,
profundos.
Com este conselho passemos ao vosso contingente pessoal, estudando,
sem aprofundar muito as sete belezas da mulher: cabelo, olhos, boca,
braos com as mos, colo, pernas e porte.
De uma o cabelo, pouco se pode dizer porque j quase desapareceu;
dele s se deve lembrar que o modelo deve vir para o retrato com o seu
penteado habitual; se este for a negao esttica do cabelo " l'homme".. .
pacincia. Se ainda houver um pouco dele ondulado e macio, tanto
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melhor. Aconselhamos, entretanto, o retrato de chapu porque as modas,
de hoje ho de envergonhar as moas daqui a dez anos.
Os olhos do modelo, se no trazem de casa a expresso tima para o
retrato, sero para o artista um caso perdido; se ele hbil poder s
vezes com um ligeiro toque dar-lhes o que lhes falta, porque no h
conselho, no h splica, no h sugesto que possa dar a olhos
insignificantes a graa que eles no tm, porque impossvel satisfazer
o pedido de uma mocinha que queira ter nos seus retratos os olhos
como os de D. Rosalina Coelho Lisboa.
A boca que se pode exigir de uma boca? que sorria, desde que no
se lhe pode pedir um bocejo. Aqui ocorre uma dificuldade, que o
sorriso aumenta a boca e as moas tm medo de uma grande abertura
bucal, por isso fazem a detestvel "bouche en coeur" com o rouge.
No tm razo entretanto, hoje em dia no h mais medidas clssicas
para os dotes femininos.
Chegamos s mos. Elas so um tropeo para os pobres artistas; neste
caso particular nada se pode dizer sem exemplificar e infelizmente o
rdio ainda no dispe da placa para a viso distncia. Uma s
observao ocorre aqui, ouvintes de mos bonitas, que o segredo da
graa, nesse ponto, consiste em segurar tudo com o primeiro dedo e o
terceiro, o polegar e o mdio; experimentai diante do espelho
segurando uma flor, o vosso colar de prolas ou uma dobra do vestido.
Quanto ao colo s h para ele a sua beleza prpria ou o auxlio de uma
gaze ou de um colar disfaradamente dispostos; se tm ossos ou
cavidades claviculares, s o retoque na chapa o poder melhorar; se
belo e altivo, deixai-o livre em toda a sua beleza.
Para as pernas, a linha a das esttuas, no useis meias de seda lustrosa
e no as tenhais ambas na mesma posio, porque o porte, a stima
beleza enunciada, depende muito delas com o auxlio das outras
todas.. . e da toilette tambm.
S. Bevilacqua
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No T.S.F., 1 928
Antologia Brasil, 1 890-1 930
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SILVA, Oswaldo. Viagens
maravilhosas do Dr. Alpha ao mundo
dos planetas No mundo de Marte.
Cap. XV.
O TICO-TICO, RJ, I I I (1 02): n.p.,
1 8.9.1 907. il.
(quarta-feira)
I lustrado pelo autor, a srie sobre as
aventuras do Dr. Alpha publicada
entre janeiro e outubro de 1907.
Quase certo, seu autor Oswaldo de
Souza e Silva, com longa atuao na
imprensa, aparentado possivelmente
do fundador da revista O TICO-TICO
(1 905-1 9
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