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UNIVERSIDADE DE SO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRO PRETO
ELIS NGELA ALVES DA COSTA LIPPI
Avaliao e Mensurao da Dor Crnica Advinda do Cncer
Ribeiro Preto 2011
ELIS NGELA ALVES DA COSTA LIPPI
Avaliao e Mensurao da Dor Crnica Advinda do Cncer
Dissertao apresentada Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre em Cincias, Programa Enfermagem Fundamental Linha de Pesquisa: Cincia e Tecnologia em Sade Orientador: Profa. Dra. Ftima Aparecida Emm Faleiros Sousa
Ribeiro Preto 2011
Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a
fonte.
Catalogao na publicao Servio de Documentao de Enfermagem
Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo
Lippi, Elis ngela Alves da Costa Avaliao e Mensurao da dor crnica advinda do cncer, Ribeiro Preto, 2011. Dissertao de Mestrado apresentada Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo. 108 f. ill rea de Concentrao: Enfermagem Fundamental Orientadora: Faleiros Sousa, Ftima Aparecida Emm 1. Cncer 2. Dor 3. Medio da Dor 4. Psicofsica
FOLHA DE APROVAO Nome: LIPPI, Elis ngela Alves da Costa Ttulo: Avaliao e Mensurao da dor crnica advinda do cncer
Dissertao apresentada Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre em Cincias, Programa Enfermagem Fundamental Linha de Pesquisa: Cincia e Tecnologia em Sade Orientador: Profa. Dra. Ftima Aparecida Emm Faleiros Sousa
Aprovado em: _____/_____/______
Banca Examinadora Prof. Dr. _________________________ Instituio: _______________________
Julgamento: ______________________ Assinatura: _______________________
Prof. Dr. _________________________ Instituio: _______________________
Julgamento: ______________________ Assinatura: _______________________
Prof. Dr. _________________________ Instituio: _______________________
Julgamento: ______________________ Assinatura: _______________________
Ao Meu Pai Celeste,
que me concedeu o dom da vida e guia continuamente
os meus passos.
Ao Yuri,
meu amigo, meu companheiro e meu amor para sempre.
Victria, Eduarda, Brbara e ao Yuri C.,
que so parte de mim e
minha inspirao para a busca de conhecimento e sabedoria.
Agradecimentos
Ser feliz ter um corao agradecido (Autor Desconhecido)
Mestra Ftima Faleiros: mais que uma orientadora, um exemplo de
vida, de tica, de busca pelos ideais. Sou imensamente grata pelo
incentivo constante, pela compreenso nos momentos de adversidade,
pelas advertncias e por quanto eu cresci com elas...
Aos amigos do Laboratrio de Psicofsica Clnica Talita, Carla, Simone,
Dbora, Mrcia Flix, Mrcia Garbi, Rodrigo, Lucas e Ndia: obrigada pelo
carinho, amizade e parceria. Andresa e Hilze, que comigo iniciaram esta
trajetria e foram mais que amigas; foram irms.
s Enfermeiras e amigas: Eliana, Tatiana e Terezinha obrigada por me
ajudarem a sobrepujar os obstculos dirios.
Aos amigos da Clnica para o Tratamento da Dor: obrigada pelo
entusiasmo, bondade e competncia no dia a dia de convivncia com o
sofrimento alheio.
Aos amigos do Centro de Endoscopia: obrigada pelas oportunidades de
aprendizado, pacincia e busca pela excelncia.
Aos participantes da Pesquisa pela sincera colaborao neste estudo.
Aos meus queridos sogros Maria e Valdomiro, que com tanto amor e
disposio cuidaram dos meus anjos, tornando possvel esta realizao.
A todos os meus amigos e familiares pelo incentivo e compreenso nos
momentos de ausncia.
No me deixe rezar por proteo contra os
perigos, mas pelo destemor em enfrent-los.
No me deixe implorar pelo alvio da dor,
mas pela coragem de venc-la.
No me deixe procurar aliados na batalha da
vida, mas a minha prpria fora.
No me deixe suplicar com temor aflito para
ser salvo, mas esperar pacincia para
merecer a liberdade.
No me permita ser covarde, sentindo sua
clemncia apenas no meu xito, mas me deixe
sentir a fora de sua mo quando eu cair.
Rabindranath Tagore
RESUMO
LIPPI, E.A.A.C. Avaliao e Mensurao da dor advinda do cncer. 2011. 108 f. Dissertao (Mestrado) - Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto, 2011.
O objetivo geral deste estudo foi avaliar a dor crnica advinda de diferentes tipos de
cnceres. Os objetivos especficos foram descrever as caractersticas sociais dos
participantes, caracterizar a dor percebida por meio de indicadores especficos e
identificar os 10 descritores de dor crnica de maior e menor atribuio conforme a
percepo da amostra. Participaram do estudo 45 mulheres com cncer de mama,
45 homens com cncer de prstata e 60 indivduos de ambos os sexos com cncer
de sistema digestivo. Para a mensurao da dor foram utilizados os 50 descritores
de dor crnica que compem a Escala Multidimensional de Avaliao de Dor
(EMADOR), utilizando-se o mtodo psicofsico de estimao de categorias. Os
resultados da caracterizao social das 3 amostras foram: a mdia de idade foi de
60 anos, 54% eram do gnero masculino, 58,7% casados, 65,3% pertencentes
religio catlica e 50,6% tinham ensino fundamental completo. Na caracterizao da
dor foi evidenciado que, referente ao stio primrio do tumor, 30% estavam
localizados na mama, 30% na prstata e 14,7% no estmago. O incio da queixa
dolorosa ocorreu em 40,7% dos participantes antes do diagnstico da doena,
52,7% relataram somente 1 stio de dor e 55,4% relataram que a mesma era
intermitente. A intensidade da dor atribuda nas 3 amostras, considerando a mdia
aritmtica, demonstrou que os participantes com tumores de sistema digestivo
reportaram os maiores escores (7,58 2,59) e 26,6% desta amostra relataram
escores acima de 8 para todos os descritores apresentados. Na avaliao dos
descritores 10 descritores de maior atribuio foi observado que, 5 estavam
presentes nas 3 amostras: dolorosa, desconfortvel, chata, desagradvel e o
descritor incmoda, o qual foi o mais atribudo tanto pelos participantes com cncer
de sistema digestivo quanto pelos participantes com cncer de prstata,
demonstrando a similaridade da linguagem da dor nos diferentes grupos. Sobre a
dimenso dos descritores de maior atribuio nas 3 amostras houve predomnio de
descritores de dor crnica que caracterizaram a dimenso afetiva (50%), seguido
pelos de dimenso cognitiva (26,6%) e pelos de dimenso sensitiva (23,3%).
Conclumos que, mesmo sendo a dor oncolgica um fenmeno considerado
individual, multidimensional com comprometimento em diversos domnios da vida, a
sua linguagem apresenta semelhana independente do stio do tumor e do gnero e
a dimenso afetiva da dor deve ser melhor explorada nas avaliaes clnicas.
Palavras-chave: 1. Cncer 2. Dor 3. Medio da Dor 4. Psicofsica.
ABSTRACT
LIPPI, E.A.A.C. Evaluation and Measurement of chronic pain from cancer. 2011. 108 f. Dissertao (Mestrado) - Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto, 2011. The aim general of this study was to evaluate chronic pain arising from different
types of cancers. The specific objectives were to describe the social characteristics of
the participants, to characterize the pain perceived by specific indicators and
descriptors to identify the 10 major and minor award chronic cancer pain as
perceived in the sample. The study included 45 women with breast cancer, 45 men
with prostate cancer and 60 individuals of both sexes with cancers of the digestive
system. For the measurement of pain were used 50 descriptors of chronic pain
comprising the Multidimensional Pain Evaluation Scale (EMADOR), using the
psychophysical method of category estimation. The results of the social
characterization of the 3 samples were mean age was 60 years, 54% were male,
58.7% married, 65.3% belonging to the Catholic area and 50.6% had completed
elementary education as schooling. The characterization of pain was evident that, for
the primary tumor site 30% were located in the breast, prostate 30% and 14.7% in
the stomach. The onset of pain complaint occurred in 40.7% of the participants
before the diagnosis of disease, 52.7% reported only one site of pain and 55.4%
reported that it was intermittent. Pain intensity given in three samples, considering
the arithmetic mean, showed that participants with tumors of the digestive system
report higher scores (7.58 2.59) and 26.6% of this sample reported scores above
average in 8 arithmetic mean of all the descriptors presented. In the evaluation of the
descriptors was seen observed that among the 10 descriptors with higher scores, five
were present in three samples: "painful," "uncomfortable", "boring," "unpleasant," and
the descriptor "incommode that was the longer assigned by both the participants
with cancer of the digestive system and by the participants with prostate cancer,
demonstrating the similarity of the language of pain in different groups. The
dimension of descriptors with higher scores in three groups, there was a
predominance of chronic pain descriptors that characterize the affective dimension
(50%), followed by the cognitive dimension (26.6%) and size sensitive (23.3%). We
conclude that even though cancer pain phenomenon considered an individual,
multidimensional impairment in several areas of life, their language has similarities
regardless of tumor site and gender, and affective dimension of pain should be
further explored in the clinical ratings.
Keywords: 1. Cancer 2. Pain 3. Pain Measurement 4. Psychophysics.
RESUMEN
LIPPI, E.A.A.C. Evaluacin y medicin del dolor crnico por cncer. 2011. 108 f. Dissertao (Mestrado) - Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto, 2011. El objetivo de este estudio fue evaluar el dolor crnico que se presenta a partir de
diferentes tipos de cncer. Los objetivos especficos fueron describir las
caractersticas sociales de los participantes, caracterizar el dolor percibido por los
indicadores especficos y identificar los 10 descriptores de mayor a menor atribucin
dolor crnico oncolgico conforme la percepcin de la muestra. Participarn del
estudio 45 mujeres con cncer de mama, 45 hombres con cncer de prstata y 60
individuos de ambos sexos con cncer en el sistema digestivo. Para la medicin del
dolor se utilizaron 50 descriptores de dolor crnico que comprende la Escala
Multidimensional de Evaluacin del Dolor (EMEDOR), utilizando el mtodo
psicofsico de estimacin de categoras. Los resultados de la caracterizacin social
de las 3 muestras fueron: la edad media fue de 60 aos, 54% eran varones, el
58,7% casados, 65,3% pertenecen a la religin catlica y el 50,6% haba completado
la educacin primaria. En la caracterizacin del dolor era evidente que, referente al
sitio del tumor primario 30% se localizaron en la mama, 30% en la prostata y 14,7%
en el estmago. El inicio de la queja del dolor se produjo en el 40,7% de los
participantes antes del diagnstico de la enfermedad, el 52,7% inform de un solo
sitio del dolor y el 55,4% inform que la misma era intermitente. La intensidad del
dolor atribuida en tres muestras, teniendo en cuenta la media aritmtica, mostraron
que los participantes con los tumores del sistema digestivo reportaron los mayores
escores (7,58 2,59) y el 26,6% de esta muestra reportaron escores mayores que 8
en el promedio aritmtico de todos los descriptores presentados. En la evaluacin de
los 10 descriptores de mayor atribuicin se observ que, 5 estaban presentes en los
3 grupos: "dolorosa", "desconfortable", "aburrido", "desagradable", y el descriptor
"incmodo" que fue el mas atribuido por participantes con cncer del sistema
digestivo como tambin por los participantes con cncer de prstata, lo que
demuestra la similitud en el lenguaje del dolor en diferentes grupos. La dimensin de
los descriptores de mayor atribuicin en los 3 grupos, hubo un predominio de los
descriptores de dolor crnico que caracterizan la dimensin afectiva (50%), seguido
por la dimensin cognitiva (26,6%) y por los de dimensin sensitiva (23,3%).
Llegamos a la conclusin de que, aunque el dolor oncologico sea considerado un
fenmeno individual, multidimensional con comprometimiento en los diversos
dominios de la vida, su lenguaje presenta semejanza independiente de la
localizacin del tumor y de gnero, y la dimensin afectiva del dolor debe ser objeto
de un mejor estudio en las evaluaciones clinicas.
Palabras clave: 1. Cancer 2. Dolor 3. Dimensin del Dolor 4. Psicofisica.
Lista de Ilustraes
Grfico 1 Incidncia Mundial de Cncer em ambos os sexos (2008).............. 19
Figura 1 As dimenses da Dor Total................................................................ 26
Lista de Tabelas
Tabela 1 Resumo das estatsticas de morte e casos de cncer em nvel
mundial ocorridos em 2008...............................................................
20
Tabela 2 Caractersticas sociais da amostra composta por clientes com
cncer de sistema digestivo e dor crnica (N=60).............................
54
Tabela 3 Caractersticas da dor crnica da amostra composta por clientes
com cncer de sistema digestivo (N=60)..........................................
56
Tabela 4 Descritores de dor crnica de maior atribuio na caracterizao da
dor crnica de clientes com cncer de sistema digestivo (N=60)...
57
Tabela 5 Descritores de dor crnica de menor atribuio na caracterizao
da dor crnica de clientes com cncer de sistema digestivo
(N=60)................................................................................................
58
Tabela 6 Caractersticas sociais da amostra composta por mulheres com
cncer de mama e dor crnica (N=45)..............................................
60
Tabela 7 Caractersticas da dor crnica da amostra composta por mulheres
com cncer de mama (N=45)............................................................
62
Tabela 8 Descritores de dor crnica de maior atribuio na caracterizao da
dor por mulheres com cncer de mama (N=45)................................
62
Tabela 9 Descritores de dor crnica de menor atribuio na caracterizao
da dor por mulheres com cncer de mama (N=45)..........................
63
Tabela 10 Caractersticas sociais da amostra composta por homens com
cncer de prstata e dor crnica (N=45)..........................................
65
Tabela 11 Caractersticas da dor crnica da amostra composta por homens
com cncer de prstata (N=45)........................................................
66
Tabela 12 Descritores de dor crnica de maior atribuio na caracterizao da
dor por homens com cncer de prstata (N=45)...............................
67
Tabela 13 Descritores de dor crnica de menor atribuio na caracterizao
da dor por homens com cncer de prstata (N=45)..........................
68
Lista de Abreviaturas
ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas
BPI Brief Pain Inventory
CACON Centro de Alta Complexidade em Oncologia
DDS Descriptor Diferencial Scale
DP Desvio Padro
EMADOR Escala Multidimensional de Avaliao de Dor
IARC International Agency for Research on Cancer
IASP International Association for the Study of Pain
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
INCA Instituto Nacional do Cncer
IPAI Initial Pain Assessment Inventory
JCAHO Joint Comission on Accreditation of Healthcare Organizations
KCPAT Korean Cancer Pain Assessment Tool
MA Mdia Aritmtica
MPAC Memorial Pain Assessment Card
MPI Multidimensional Pain Inventory
MPQ McGill Pain Questionnarie
NPTA Numerical Pain Treatment Algoritm
NRS Numeric Rating Scale
OMS Organizao Mundial da Sade
OP Ordenao de Posio
PD Pain Drawing
PMI Pain Management Index
PPP Pain Perception Profile
SAS/MS Secretaria de Ateno Sade/Ministrio da Sade
SBED Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
SDPM Sndrome Dolorosa Ps-Mastectomia
SF 36 Medical Outcomes Study - 36
VAS Visual Analogue Scale
VRS Verbal- Visual Rating Scale
WHO World Health Organization
SUMRIO
1. INTRODUO................................................................................................ 15
1.1. Problema e Justificativa............................................................................. 16
1.2. O Cncer e a Dor....................................................................................... 18
1.3. A Dor Total................................................................................................. 25
1.4. A dor no indivduo com cncer de sistema digestivo............................... 28
1.5. A dor na mulher com cncer de mama...................................................... 30
1.6. A dor no homem com cncer de prstata.................................................. 32
1.7. Avaliao da Dor do Cncer...................................................................... 33
1.8. A Escala Multidimensional de Avaliao de Dor (EMADOR).................. 37
2. REVISO DA LITERATURA.......................................................................... 40
3. OBJETIVOS.................................................................................................... 47
3.1. Objetivo Geral............................................................................................ 48
3.2. Objetivos Especficos................................................................................ 48
4. PERCURSO METODOLGICO..................................................................... 49
4.1. Local de Estudo......................................................................................... 50
4.2. Amostra..................................................................................................... 50
4.3. Critrios de Incluso.................................................................................. 50
4.4. Critrios de Excluso................................................................................. 51
4.5. Perodo...................................................................................................... 51
4.6. Aspectos ticos......................................................................................... 51
4.7. Material...................................................................................................... 51
4.8. Procedimento............................................................................................. 51
4.9. Anlise dos Dados..................................................................................... 52
5. RESULTADOS E DISCUSSO...................................................................... 53
5.1. Avaliao e Mensurao da dor crnica advinda do cncer de sistema
digestivo.........................................................................................................
54
5.2. Avaliao e Mensurao da dor crnica advinda do cncer de mama..... 59
5.3. Avaliao e Mensurao da dor crnica advinda do cncer de prstata.. 64
5.4. Discusso dos dados entre as diferentes amostras.................................. 69
6. CONSIDERAES FINAIS............................................................................ 74
REFERNCIAS............................................................................................... 77
APNDICES.................................................................................................... 92
Apndice A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido...................... 93
Apndice B Instrumento de Coleta de Dados.......................................... 95
ANEXOS......................................................................................................... 96
Anexo A- Escala Multidimensional de Avaliao de Dor (EMADOR)......... 97
Anexo B- Cpia da Autorizao junto ao Comit de tica em Pesquisa.... 107
1. Introduo
Introduo 16
1.1. Problema e Justificativa
O cncer configura-se como uma das principais causas de morte em todo o
mundo. Os benficos avanos na tecnologia para o diagnstico e nos tratamentos
farmacolgicos e no farmacolgicos, tm aumentado significativamente a
expectativa de vida das pessoas, porm grande parte destas sofrer com a dor
advinda do cncer, seja obtendo a cura da doena ou mesmo durante a evoluo
para a morte.
Na dcada de 70, a dor oncolgica foi considerada o maior problema de
sade nos Estados Unidos da Amrica (BONICA, 1978) e na dcada de 80,
considerada como emergncia mdica mundial pela Organizao Mundial da Sade
OMS (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1990).
O sofrimento e as repercusses na qualidade de vida dos clientes,
cuidadores, familiares e amigos so significativos para quem os vivencia. Dessa
forma, a dor do cncer traz consequncias em diversos domnios da vida: fsico,
psicolgico, espiritual e social, sendo a mesma considerada como dor total
(SAUNDERS, 1976). No obstante, quando inevitavelmente os tratamentos para o
cncer falham e a sade deteriora, h necessidade de mudanas no foco do cuidado
prestado pelas equipes de sade, ou seja, ao invs da busca pela cura da doena, a
busca pela qualidade de vida por meio dos cuidados paliativos no qual o manejo da
dor um dos principais objetivos (CARACENI, 2005; PITORAK, 2005).
Segundo a OMS, todo governo deve incluir o controle da dor e cuidados
paliativos em seu sistema de sade, pois tais estratgias so eficazes para aliviar a
dor e outros sintomas e proporcionar uma melhor qualidade de vida para clientes
com cncer e doena avanada (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1990).
Contudo, tais objetivos s sero alcanados se houver uma adequada e necessria
educao na formao dos profissionais de sade para empregarem de forma
efetiva tais estratgias.
Desde o ano 2002, atuando como enfermeira em uma Clnica Especializada
no Manejo da Dor Crnica de um Hospital Pblico, convivemos cotidianamente com
o sofrimento de pessoas portadoras de dor oncolgica. Semelhante a diversos
servios de assistncia a este tipo de clientes, uma avaliao e caracterizao
Introduo 17
sistematizada e fidedigna da dor no realizada, resultando em subestimao e
dificuldade no manejo da dor.
Abundante literatura sobre a dor do cncer h disponvel em nosso meio
(APOLONE et al., 2009; BASTOS et al., 2009; BORNEMAN et al., 2010; BOUREAU
et al., 2001; BRUNELLI et al., 2010; CAPONERO, 2008; CARACENI, 2001, 2005;
CHIH-YI SUN et al., 2007; COLVIN; FALLON, 2008; COUCEIRO; MENEZES;
VALENA, 2009; HADI et al., 2008; DUGGLEBY, 2002; EDRINGTON et al., 2007;
FERREL; MICHAEL; PAICE, 2008; FOLEY, 1999; HALPERT; ERDEK, 2008;
JACOBSEN et al., 2009; JENSEN, 2003; KATZ et al., 2005; KLEPSTAD et al., 2002;
MACDONALD et al., 2005; MANTYH et al., 2002; MARINEO, 2003; MIASKOWSKI et
al., 2007; MICELLI, 2002; MYSTAKIDOU et al., 2007; PERRON; SCHONWETTER,
2001; PIMENTA et al., 2006; PITORAK, 2005; POLESHUCK et al., 2006;
PORTENOY, 1999; RIPPAMONTI; LONGO, 2004; STENSETH et al., 2007; VAN
DEN BEUKEN VAN EVERDIGEN et al., 2007; VILA et al., 2005; VILHOLM et al.,
2008; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1990) e, apesar de todas as pesquisas e
diversos artigos publicados na rea, faz-se necessria a implementao de
melhorias nos sistemas de sade do mundo para promover uma melhor qualidade
de vida aos que, de forma crescente, vivenciam a dor oncolgica. Esta deve ser a
meta dos profissionais de sade, atuando de forma inter e transdisciplinar nos
contextos clnicos.
Ferreira (2005) descreve a dor como uma experincia subjetiva e
multidimensional que envolve aspectos sensitivos, hednicos e culturais e que evoca
reaes fsicas e emocionais que podem ser atenuadas, acentuadas ou perpetuadas
por variveis scio-culturais, orgnicas e psquicas dos clientes e por condies
ambientais em que se apresenta (informao verbal)1. Por conter tantas variveis e
devido sua multidimensionalidade, avaliar e mensurar este fenmeno torna-se um
notrio desafio.
Muitos autores consideram que avaliar a queixa lgica e suas implicaes
contribui significativamente para a escolha das melhores alternativas teraputicas a
serem empregadas (BOUREAU, 2001; FALEIROS SOUSA, 2004; JENSEN, 2003;
TEIXEIRA, 2004). Para tal, diversos mtodos de avaliao tm sido empregados,
mas no h em nosso meio um modelo especfico de instrumento para avaliar a dor
1 Informao fornecida por Srgio Henrique Ferreira, em Ribeiro Preto em 2004.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Apolone%20G%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Brunelli%20C%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Edrington%20J%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Jacobsen%20PB%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Jensen%20MP%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Marineo%20G%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Miaskowski%20C%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Pitorak%20EF%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Vila%20H%20Jr%22%5BAuthor%5D
Introduo 18
no cncer (CARACENI, 2001, 2005; FALEIROS SOUSA, 2009; JENSEN, 2003;
VILA, 2005).
Dentre os tipos de cnceres mais incidentes que produzem dor de forma
crnica, ou seja, que ultrapassam 3 meses de durao, esto os tumores de mama
nas mulheres, de prstata entre os homens e de sistema digestivo em ambos os
sexos.
Tendo a finalidade de melhor compreender a dor crnica advinda de
diferentes tipos de cncer, consideramos que a identificao dos descritores mais
atribudos pelos clientes possibilitar a adequada avaliao e mensurao da dor
percebida e contribuir para conhecimento da linguagem da dor oncolgica, alm de
trazer subsdios para um melhor manejo deste fenmeno.
1.2. O Cncer e a Dor
Anualmente, milhes de pessoas em todo o mundo perdem a vida devido ao
cncer, em todas as fases do ciclo vital. Ele no uma nica doena, mas uma
coleo de transtornos que constituem, pelo menos, 300 diferentes tipos histolgicos
(BRASIL, 2011a). Os tumores so o resultado de uma cascata de reaes celulares
genticas e epigenticas anormais de perda de regulao do crescimento celular,
caracterizada pela proliferao anormal, mudanas estruturais no interior das clulas
motivadas por fatores genticos e ambientais (qumicos, fsicos ou biolgicos), com
efeitos aditivos ou multiplicativos. As clulas tumorais podem cair na corrente
sangunea e se instalarem em outro rgo distante, formando as metstases
(ALBERTS et al., 2010; CAPONERO, 2008; BRASIL, 2011a).
A incidncia, distribuio geogrfica e o comportamento de tipos especficos
de cnceres esto relacionados a mltiplos fatores, incluindo sexo, idade, raa,
predisposio gentica e exposio a carcingenos ambientais, como o tabaco, os
azocorantes, as aflatoxinas, o benzeno, cido desoxirribonuclico do grupo herpes e
papiloma, bem como vrus de cido ribonuclico do tipo C (BRASIL, 2008).
O cncer est profundamente associado a situao social e econmica dos
clientes e os fatores de risco so mais elevados nos grupos com nvel mnimo de
educao. Alm disso, os clientes das classes sociais mais baixas tm taxas de
Introduo 19
sobrevivncia inferiores aos das classes sociais mais elevadas (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2002).
O crescimento e o envelhecimento populacional afetaro, de forma
significativa, o impacto do cncer no mundo, principalmente sobre os pases de
mdio e baixo desenvolvimento. No Brasil, o cncer constitui a segunda causa de
morte na populao brasileira desde 2003 (BRASIL, 2011a). Em nvel mundial, a
Agncia Internacional para Pesquisa sobre o Cncer/Organizao Mundial da Sade
(Internacional Agency for Research Cancer IARC, World Health Organization -
WHO) estimou que em 2008 ocorreriam 12,4 milhes de casos novos e 7,6 milhes
de bitos por cncer no mundo (INTERNACIONAL AGENCY FOR RESEARCH
CANCER, 2008).
Dados mais recentes sobre a incidncia do cncer foram publicados em 2008
pela IARC/WHO, evidenciando que o cncer de pulmo (1,52 milhes de casos
novos), de mama (1,29 milhes), de clon e de reto (1,15 milhes) so os tumores
mais incidentes no mundo (Grfico 1).
Grfico 1 Incidncia mundial de cncer em ambos os sexos em 2008 (Adaptado de INTERNACIONAL AGENCY FOR RESEARCH CANCER, 2008)
2
2 Disponvel em: Acesso em: 10 mai
2011.
Mama
Prstata
Pulmo
Prstata
Colo-retal
Crvico-uterino
Estmago
Fgado
Corpo uterino
Esfago
Ovrio
Bexiga
Linfoma No-Hodgkin
Leucemia
Rim
Pncreas
Incidncia
Mortalidade
Nmero de novos casos ou mortes por 100 000 pessoas por ano
http://globocan.iarc.fr/factsheets/populations/factsheet.asp?uno=900
Introduo 20
Devido ao mau prognstico, o cncer de pulmo foi a principal causa de
morte (1,31 milhes), seguido pelo cncer de estmago (780 mil bitos) e pelo
cncer de fgado (699 mil bitos), dados demonstrados na Tabela 1.
Tabela 1 Resumo das estatsticas de morte e casos de cncer em nvel mundial ocorridos em
2008 (adaptado de INTERNACIONAL AGENCY FOR RESEARCH CANCER, 2008)
3
Estatsticas Mundiais Masculino Feminino Ambos os
sexos
Populao (milhares) 3402841 3347220 6750061
Nmero de casos novos de cncer (milhares)
6617.8 6044.7 12662.6
Taxa de idade padronizada* 203.8 165.1 181.6
Risco de adquirir cncer antes dos 75 anos (%)
21.2 16.5 18.7
Nmero de mortes por cncer (milhares)
4219.6 3345.2 7564.8
Taxa de idade padronizada* 128.6 87.6 106.1
Risco de adquirir cncer antes dos 75 anos (%)
13.4 9.1 11.2
5 cnceres mais frequentes Pulmo Mama Pulmo
Prstata Coloretal Mama
Coloretal Crvico-uterino
Coloretal
Estmago Pulmo Estmago
Fgado Estmago Prstata
*Taxa de idade padronizada: nmero de novos casos ou mortes por 100 000 pessoas por ano
No Brasil, as estimativas para o ano de 2011 apontam para a ocorrncia de
489.270 casos novos de cncer. Os tumores mais incidentes para o sexo masculino
sero os cnceres de pele no melanoma (53 mil casos novos), os de prstata (52
mil), de pulmo (18 mil), de estmago (14 mil) e de clon e de reto (13 mil). Para o
sexo feminino, aponta-se que os mais incidentes sero os tumores de pele no
melanoma (60 mil), de mama (49 mil) e de colo do tero com 18 mil casos novos
diagnosticados (BRASIL, 2011a).
O grande impacto na sade e mortalidade dos clientes em todo o mundo,
motivam que significativos investimentos no controle do cncer sejam empregados
3 Disponvel em: Acesso em: 10 mai
2011.
http://globocan.iarc.fr/factsheets/populations/factsheet.asp?uno=900
Introduo 21
na atualidade. O conhecimento mdico, as novas tecnologias para o diagnstico e
para o estadiamento, o desenvolvimento de novas terapias e a deteco precoce da
doena, tm proporcionado um aumento da sobrevida aps o diagnstico inicial,
exigindo a conquista de uma melhor qualidade de vida (CAPONERO, 2008;
SPINOSA; SANHUEZA, 2002). Apesar de todos estes avanos, muitos clientes com
cncer ainda permanecero sofrendo com a dor oncolgica e perdendo tempo
precioso de suas vidas em consequncia da dor e do sofrimento (MORETE,
MINSON, 2010).
Estatsticas recentes e acuradas sobre a prevalncia da dor nos clientes com
cncer no esto disponveis, dadas as devidas propores em diferentes pases do
mundo. VAN DEN BEUKEN-VAN EVERDINGEN et al. (2007) realizaram uma
reviso sistemtica da literatura incluindo 52 estudos publicados nos ltimos 40
anos, evidenciando que a dor um sintoma prevalente em 33% dos clientes aps
tratamento com inteno curativa; nos clientes sob tratamento antineoplsico, a
prevalncia eleva-se para 59% e em clientes caracterizados com doena em fase
avanada, metasttica ou terminal, a prevalncia de dor chega a 64%. Incluindo-se
todos os estados da doena, a prevalncia de 53% e 18% dos participantes
apresentaram nveis de dor moderada ou severa. Os clientes com cncer de cabea
e pescoo so os quais apresentam a maior prevalncia, seguidos pelos clientes
com tumores gastrintestinais. Os autores desta reviso concluram que, apesar das
recomendaes da Organizao Mundial de Sade, a dor do cncer ainda um
problema significativo (VAN DEN BEUKEN-VAN EVERDINGEN et al., 2007).
Outros autores apontam que cerca de 18 milhes de pessoas em todo o
mundo sofrem devido dor causada pelo cncer, manifestando-se em 51 a 70% dos
clientes com cncer nos diversos estgios evolutivos da doena, sendo observada
em 70 a 90% dos portadores de neoplasias avanadas e 40% apresentam dor
intensa (LAURETTI, 2007; MORAES, 2004).
A Associao Internacional para o Estudo da Dor (International Association for
the Study of Pain IASP) a define como uma experincia sensorial e emocional
desagradvel que primariamente associada leso tecidual ou descrevemos em
termos desta leso ou ambos (INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR THE STUDY
OF PAIN, 2010).
A dor pode surgir em qualquer momento da fase evolutiva ou na fase
remissiva da doena. Acredita-se que muitos buscaro os servios de sade devido
Introduo 22
a uma queixa dolorosa, podendo ser este o primeiro sinal da doena neoplsica. Os
procedimentos diagnsticos e os teraputicos, as cirurgias mutiladoras ou no, a
quimioterapia e a radioterapia tambm podem ocasionar dor. Nos estgios
avanados da doena a dor um importante e comum agravo qualidade de vida
destes clientes (CAPONERO, 2008; PERRON; SCHONWETTER, 2001;
RIPPAMONTI; LONGO, 2004; VAN DEN BEUKEN-VAN EVERDINGEN et al., 2007).
Em 1984, a OMS estabeleceu normas para o controle da dor no cncer,
internacionalmente reconhecidas, aceitas e aplicadas na atualidade (WORLD
HEALTH ORGANIZATION, 1990). Tais estratgias baseiam-se na farmacoterapia
analgsica, conhecida como escada analgsica da OMS, padronizando o
tratamento analgsico de acordo com a intensidade da dor percebida. Acreditando
que, por ser acessvel a maior parte dos povos do planeta, a escada analgsica
efetiva aliviar a dor em aproximadamente 90% dos clientes com cncer e em 75%
dos clientes com doenas sem possibilidade de cura em estgio avanado
(MINSON; MARANGONI, 2010; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1996).
Porm, aps 27 anos, problemas no manejo da dor oncolgica so evidentes,
conduzidos pela falta de conhecimento da sua multidimensionalidade, baseando-se
as estratgias de manejo principalmente na dimenso fsica.
Desde 2000, a Agncia Americana de Pesquisa e Qualidade em Sade
Pblica (Joint Comission on Accreditation of Healthcare Organizations JCAHO) e a
Sociedade Americana de Dor (American Pain Society) descrevem-a como 5 sinal
vital, devendo ser avaliada e registrada ao mesmo tempo e no mesmo ambiente
clnico em que so avaliados os outros sinais vitais (temperatura, pulso, respirao e
presso arterial). Este recurso propicia que sejam empreendidos tratamentos ou
mudanas na conduta teraputica (CLARKE; KASHANIA, 1998; DEPARTMENT OF
VETERANS AFFAIRS, 1999; FALEIROS SOUSA, 2002).
Complexos mecanismos esto envolvidos na induo da dor associada ao
cncer. Segundo Caponero (2008); Perron e Schonwetter (2001); Manthy et al.,
(2002); Ripamonti e Longo (2004) existem mltiplas causas para a dor oncolgica:
Expanso tumoral com consequente presso em rgos circunvizinhos;
Secreo de mediadores inflamatrios e pr-hiperalgsicos;
Infiltrao tumoral de plexos nervosos causando dano ao tecido neural (dor
neuroptica);
Introduo 23
Disseminao metasttica do cncer nos ossos;
Distenso de vsceras e da cpsula de rgos slidos, inflamao da mucosa,
isquemia e necrose que ativam nociceptores viscerais, ocasionando a dor
visceral;
Rpida perda de peso, hipercatabolismo muscular, imobilizao ou aumento
da tenso muscular e espasmos dolorosos do msculo, ocasionado pelas
metstases sseas, podem causar a dor muscular;
Dores relacionadas ao tratamento, que incluem a dor articular aps
quimioterapia e terapia hormonal, mucosite dolorosa aps radio e
quimioterapia, dores neuropticas ps-radiao, hiperalgesia induzida por
opioides e dores ocasionadas por leses neurais advindas de intervenes
cirrgicas.
Para Manthy et al. (2002) a dor do cncer frequentemente torna-se mais
grave quando a doena progride e a gravidade muito varivel de cliente para
cliente, de tumor para tumor e de stio para stio.
Outros autores pontuam que os mecanismos causadores da dor nos clientes
com cncer esto relacionados prpria doena neoplsica decorrentes da invaso
tumoral em 60 a 80% dos casos; consequentes aos tratamentos antineoplsicos em
20 a 25% dos casos (dor ps-operatria, ps-quimioterapia, ps-radioterapia) e no
associada ao cncer e seu tratamento em 5 a 10% dos casos (BRASIL, 2001a;
CAPONERO, 2008; PARRIS, 1997).
Os tipos de dor que ocorrem nos pacientes com cncer so a nociceptiva, a
neuroptica e a mista. A dor nociceptiva ocorre por estimulao trmica, qumica ou
fsica nas terminaes nervosas ocasionadas por danos teciduais. Os estmulos
dolorosos ativam os nociceptores perifricos atravs de neurnios intactos
ascendendo para estruturas do tronco cerebral. A dor nociceptiva compreende a dor
somtica e a dor visceral. A dor somtica decorrente da ativao de nociceptores
cutneos e profundos, sendo geralmente descrita como bem localizada, constante,
dolorosa, como pontada ou agulhada. A dor visceral causada por processos
patolgicos em rgos internos que ativam nervos aferentes sensoriais que inervam
estes rgos sendo caracterizada como contnua, mal localizada e profunda. A dor
neuroptica resultante de leso nervosa total ou parcial, central ou perifrica em
consequncia de processos compressivos, infiltrativos ou lesivos na estrutura
nervosa. caracterizada como queimante, em choque, ardente, com formigamento
Introduo 24
e parestesia. As causas mais comuns da dor neuroptica nos clientes com cncer
inclui as sequelas de radioterapia, quimioterapia ou cirurgia, inflamao, inflitrao
tumoral e traumas. Comumente, os clientes apresentam dor mista envolvendo a dor
nociceptiva e a dor neuroptica (CARACENI, 2001; PERRON; SCHONWETTER,
2001; PIMENTA; FERREIRA, 2006; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1990;
WUJCIK; UTLEY, 1997).
Utilizando sua durao como referncia, a dor pode ainda ser classificada em
aguda ou crnica e ambas so frequentes na dor oncolgica. A forma aguda
relaciona-se principalmente a procedimentos cirrgicos, diagnsticos e teraputicos.
A forma crnica ou persistente que estende-se por mais de 3 meses, deixa de ser
um sinal para constituir uma doena; acomete cerca de 50% dos clientes em todas
as fases da doena e ocorre em mais de 2/3 dos clientes nas fases avanadas
(BRASIL, 2001a; LEE et al. 2005; PIMENTA et al., 2006; SILVA, 2001).
A dor crnica produz alteraes vegetativas incluindo insnia, falta de apetite,
falta de desejo sexual, favorece o desenvolvimento de um repertrio de respostas de
esquiva e de fuga relativas a atividades fsica, social e ocupacional (BOUREAU,
2001; CAPONERO, 2010; MORAES, 2004; MURTA, 1999).
Para Caponero (2010), a dor crnica relacionada s neoplasias ocorre por
que o sistema nervoso, frente a estmulos dolorosos constantes, fica hiperexcitvel,
aumenta o campo de recepo e o nmero de receptores na membrana neural,
gerando dor independente de novos estmulos, ocasionando um desequilbrio entre
o sistema que informa a existncia de dor e aquele que o suprime.
A cronicidade da dor do cncer pode ser muito estressante para o corpo e
para a alma e requer ateno cuidadosa e permanente para ser manejada
adequadamente. Frequentemente, associa-se com ideias de progresso tumoral e
piora clnica, levando angstia da incerteza do sofrimento futuro e da proximidade
da morte. Apesar de toda complexidade, diversos autores apontam que a dor crnica
do cncer pode ser manejada na quase totalidade dos casos com o emprego de
terapias farmacolgicas e no farmacolgicas disponveis atualmente (CAPONERO,
2008; CANCER-PAIN ORG, 2002; GIVEN et al. 2007; GUILLEN, 2007; PORTENOY;
LESAGE, 1999; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1990).
Para Ripamonti e Longo (2004), a Sndrome da Dor Crnica do Cncer pode
conduzir a fadiga, ansiedade, medo, depresso, raiva e isolamento, fatores que
podem diminuir os limites individuais de dor. Em contrapartida, o sono adequado,
Introduo 25
elevao do humor, diverso, empatia e entendimento podem elevar os limites
individuais de dor, repercutindo positivamente na qualidade de vida do cliente e de
seus familiares, amigos, cuidadores e equipe. Para tornar isto possvel, faz-se
necessria uma assistncia global e transdisciplinar.
Outros autores (INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR THE STUDY OF
PAIN, 2008; MURTA, 1999; PERRON; SCHONWETTER, 2001; RIPPAMONTI;
LONGO, 2004) apontam que existem diversos fatores que podem afetar diretamente
a habilidade dos clientes em controlar sua dor, incluindo:
aspectos emocionais, como a ansiedade e depresso;
aspectos cognitivos, como a confiana de uma pessoa em sua capacidade de
lidar com a dor, desespero e constante lembrana da natureza incurvel e
progressiva da doena;
contextos social e ocupacional, incluindo o apoio que um cliente recebe de
seu parceiro ou famlia;
fobia por parte dos clientes, familiares e profissionais sobre a administrao
de medicamentos opiceos.
Os clientes com dor crnica oncolgica podem ainda sofrer com a ocorrncia
de dor episdica ou dor da descoberta (breakthrough pain), definida como surto
de dor ou dor aguda que ocorre num contexto de dor bem controlada, acarretando
sofrimento e agravo qualidade de vida, podendo ter diversas causas tais como a
metstase ou afeces que naturalmente progridem (CARACENI, 2001;
CAPONERO, 2004; COLVIN; FALLON, 2008; INTERNATIONAL ASSOCIATION
FOR THE STUDY OF PAIN, 2008).
1.3. A Dor Total
O Binio 2008-2009 foi considerado pela IASP o Ano Mundial de Combate a
Dor do Cncer, mas a preocupao com a dor oncolgica no recente. Na dcada
de 1970, a inglesa Cecily Saunders introduziu o conceito de dor total para definir o
tipo de dor percebida pelos clientes oncolgicos. Considera-se a dor advinda do
cncer como total por trazer consequncias em todos os domnios da vida, sejam
eles fsico, psicolgico, social, emocional e espiritual, que a proximidade da morte
Introduo 26
pode lhes proporcionar (SAUNDERS, 1976). Na figura 1 a autora descreve a
natureza abrangente da dor do cncer.
Figura 1 As Dimenses da Dor total (adaptado de CANCER PAIN, 2008) 4
As consequncias no domnio fsico podem ser causadas pelos efeitos diretos
do tumor, pelo tratamento, pela debilidade geral e por diversas comorbidades. A dor
espiritual e a angstia incluiu questes existenciais, a busca de sentido e de
propsito, a raiva do "destino", bem como questes relacionadas a f e a religio
especficas. A dor social refere-se posio do cliente na sociedade e na cultura, s
questes financeiras e ao impacto da dor sobre a famlia e cuidadores. A dor
psicolgica, muitas vezes difcil de compreender e manejar, envolve aspectos
culturais, experincia prvia, ambiente social e crenas, sexo, personalidade e
estado emocional, ocasionando medo, ansiedade e depresso. (CAPONERO, 2008;
MICELLI, 2002; SAUNDERS, 1976).
Os aspectos fsicos da dor no podem ser manejados de forma isolada. O
termo "dor irrelevante aos opiceos por vezes utilizado para descrever os
componentes da dor comuns na dor psicolgica, social e espiritual que so
4 Disponvel em: < http://www.iasp-
pain.org/AM/Template.cfm?Section=Global_Year_Against_Cancer_Pain&Template=/CM/HTMLDisplay.cfm&ContentID=8716> Acesso em: 09 out 2009.
Introduo 27
frequentemente negligenciados nas avaliaes clnicas (INTERNATIONAL
ASSOCIATION FOR THE STUDY OF PAIN, 2008).
Consideramos que h em nosso meio inadequao da necessidade de tratar
a dor pois, para o alcance dos objetivos de uma assistncia eficiente e da melhoria
da qualidade de vida, h necessidade de se manejar a dor em todos os seus
domnios e os vrios componentes devem ser considerados e manejados
simultaneamente.
Muitos dos clientes com cncer podem ainda vivenciar desconfortos
ocasionados por leses cutneas, odores desagradveis, transtornos alimentares,
insnia, ansiedade, mutilao, desfigurao, fadiga, luto antecipatrio, dificuldades
econmicas, de acesso aos servios de sade e desintegrao do mundo familiar.
Estes fatores podem resultar em piora da dor e ocasionar o sofrimento total
(INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR THE STUDY OF PAIN, 2008; PIMENTA et
al., 2006).
As consequncias da dor do cncer so devastadoras, podendo incluir
incapacidade funcional, imobilidade, isolamento social, estresse emocional e
espiritual, conduzindo cessao das terapias potencialmente curativas. Alguns
clientes com cncer expressam maior medo de morrer de dor do que de morrer por
causa da doena, alm de seus familiares e amigos que tambm sofrem por
testemunhar a dor e a angstia experimentadas por um ente querido com cncer
(CAPONERO, 2004; MARTINS, 2004; MACIEL, 2004).
Para Espinoza e Sanhueza (2007), como o cncer uma das causas de
morte vivenciada atravs de um difcil processo, o entendimento deste por toda a
equipe de sade permite que haja a conduo de uma morte com qualidade,
considerando que o cliente possa estar o mais livre possvel da dor. Os autores
ainda salientam que a espiritualidade permite suportar a dor, o sofrimento, d
sentido vida embasada na f religiosa.
Fitch (2006) descreve que doenas como o cncer que ameaam a vida,
desafiam a espiritualidade, ameaam a esperana e motivam a busca pelo
significado ou sentido da situao, e a espiritualidade se refere dimenso que
motiva o significado.
Bonica (1978), ainda na dcada de 70, apontava sobre a necessidade de uma
abordagem multidisciplinar na assistncia aos clientes com dor do cncer. Outros
autores apontam para a importncia deste tipo de abordagem no cuidado ao cliente
Introduo 28
durante a evoluo do cncer desde o diagnstico at a morte, pois esta capaz de
promover conforto, dignidade e respeito, condies to necessrias aos clientes com
cncer avanado (CARACENI et al., 1996; FERREL; LEVY; PAICE, 2008; FOLEY et
al., 2006).
1.4. A Dor no Indivduo com Cncer de Sistema Digestivo
Os cnceres de sistema digestivo abrangem as neoplasias malignas de
esfago, de estmago, de pncreas, de fgado, de vescula, de vias biliares, de
intestino delgado, de clon e de reto.
Dentre os tumores acima citados, destaca-se o cncer de estmago e,
segundo estimativas do Instituto Nacional do Cncer (INCA) em 2010 o nmero de
casos novos de cncer de estmago ser de 13.820 nos homens e de 7.680 nas
mulheres, correspondendo a um risco estimado de 14 casos novos a cada 100 mil
homens e 8 para cada 100 mil mulheres. No mundo, a incidncia do cncer de
estmago configura-se como a quarta causa mais comum e, em termos de
mortalidade, a segunda causa de bitos por cncer. Em geral, sua magnitude de
duas a trs vezes maior nos pases em desenvolvimento e tem maior incidncia no
sexo masculino que no feminino (BRASIL, 2010).
Cerca de 9,4%, equivalendo a um milho de casos novos de todos os
cnceres, so de clon e de reto. Estima-se que, para o ano de 2010 em nosso pas,
de todos os novos tipos de cncer diagnosticados, 13.310 homens sero acometidos
e 14.800 mulheres. Os tumores malignos de clon e de reto, em termos de
incidncia, configuram-se como a terceira causa mais comum de cncer no mundo,
em ambos os sexos, e a segunda causa em pases desenvolvidos. Estes valores
correspondem a um risco estimado de 14 casos novos a cada 100 mil homens, e 15
a cada 100 mil mulheres (BRASIL, 2010).
Cerca de 20% de todas as dores de origem neoplsica encontram-se
localizadas no tronco e os tumores do aparelho digestivo correspondem a 31% de
todos os cnceres que causam dor, e quanto maior o estadiamento clinico-
patolgico, maior a incidncia de dor relacionada neoplasia. Nos clientes terminais
Introduo 29
deste tipo de cncer, as dores tendem a ser mais intensas, progressivas e incidentes
em 60 a 80% dos clientes (DELGADO, 2002).
Nos tumores do estmago, a dor pode apresentar-se como sintoma inicial,
muitas vezes confundindo-se com sintomas de doenas benignas e comuns como
gastrite e lceras ppticas (WEBMD, 2010).
As dores moderadas e graves so frequentes em clientes com cncer do trato
digestivo. Alm disso, procedimentos endoscpicos, muitas vezes necessrios para
o estadiamento da doena, podem ainda ser outro fator de ocorrncia de dor,
ansiedade e desconforto para estes clientes (ESSINK-BOOT et al., 2007).
O cncer de pncreas uma das neoplasias com maior ndice de letalidade e
a sobrevida global continua a ser de 4% em todas as etapas. A dor abdominal um
sintoma importante nos clientes com cncer pancretico incurvel, principalmente na
parte superior do abdmen, podendo irradiar para as costas, sendo muitas vezes
difcil de tratar. Outros problemas comuns para os clientes com este tipo de
neoplasia so obstruo intestinal, obstruo biliar, insuficincia pancretica,
caquexia-anorexia e depresso, condies para o aumento da queixa dolorosa e
perda da qualidade de vida. A dor visceral um dos sintomas mais difceis de
controlar, aumentando a demanda para a eutansia nos pases nos quais tal prtica
permitida. O manejo da dor, dos seus sintomas e sua avaliao devem ser
constantes, pois so aspectos mais importantes para a assistncia a estes clientes e
com a progresso da doena, a dor pode tornar-se insuportvel (DI MOLA; DI
SEBASTIANO, 2008; FAZAL; SAIF, 2007; MARINEO, 2003).
Na vigncia de dor induzida por cncer hepatobiliar, a inadequada ateno ao
sintoma doloroso tem um impacto negativo na qualidade de vida, porm o alvio
satisfatrio da dor e do sofrimento pode ser conquistado na maioria dos casos por
meio da abordagem multidisciplinar. Este tipo de cncer pode acarretar dores do tipo
nociceptiva, neuroptica ou uma combinao dos dois (HELPERT; ERDEK, 2008).
Nos portadores de cncer de clon e de reto submetidos a intervenes
cirrgicas com colocao de estomas, alm de todas as implicaes que o
diagnstico de cncer ocasiona, os clientes podem deparar-se com diversas
alteraes em seu processo de viver, que vo desde a alterao da fisiologia
gastrintestinal, da autoestima a alterao da imagem corporal ocasionada pelos
dispositivos, odores e leses cutneas periestomais. Todas estas transformaes
Introduo 30
condicionam a vida familiar, afetiva, laboral e social da pessoa, acarretando dor
fsica, social e espiritual (CASCAIS; MARTINI; ALMEIDA, 2007).
1.5. A Dor na Mulher com Cncer de Mama
O cncer de mama um dos principais diagnsticos entre mulheres no
mundo inteiro, com 1 milho de novos casos por ano e, segundo a Organizao
Mundial da Sade, estima-se que por volta de 2020, 70% dos casos novos de
cncer de mama ocorrero em pases em desenvolvimento. O nmero de casos
novos de cncer de mama esperados para o Brasil em 2010 ser de 49.240, com
um risco estimado de 49 casos a cada 100 mil mulheres (BRASIL, 2010).
O cncer de mama o segundo tipo de cncer mais frequente no mundo e o
mais comum entre as mulheres. provavelmente o mais temido pelas mulheres,
devido alta frequncia e, sobretudo, pelos seus efeitos psicolgicos, que afetam a
percepo da sexualidade e a prpria imagem pessoal (BRASIL, 2010; VILHOLM,
2008).
Semelhante a outros tipos de tumores, a dor ocasionada pelo cncer de
mama est relacionada principalmente a cirurgias e procedimentos invasivos
(bipsias, tumorectomia e mastectomias, disseces de linfonodos); a radioterapia
(reaes dolorosas na pele, plexopatias braquiais e cervicais); a quimioterapia
(mucosites, artralgias e mialgias e neuropatias perifricas), ao linfedema de
membros superiores devido ao esvaziamento axilar; a dor ssea ocasionada e por
terapia hormonal; a dor relacionada ao crescimento tumoral e suas metstases,
sendo que aproximadamente 25% dos tumores malignos de mama produzem
metstases primeiramente para os ossos, pulmes e fgado (KATZ et al., 2005).
A dor local, devido ao tumor primrio, muitas vezes s ocorre quando h
invaso da pele local, sendo este um agravo para o diagnstico inicial da doena.
A Sndrome Dolorosa Ps-Mastectomia (SDPM) condio frequente para as
mulheres que foram submetidas a cirurgias, produzindo dor do tipo crnica, podendo
ser de natureza neuroptica, resultante de leso de nervos ou disfuno do sistema
nervoso, e nociceptiva, resultante de leso dos msculos e dos ligamentos. A
Introduo 31
frequncia da sndrome pode variar entre 4 a 56% (COUCEIRO; MENEZES,
VALENA, 2009).
A SDPM foi relatada pela primeira vez durante os anos 1970, caracterizada
como maante e em queimao, e a dor no trax anterior, no brao e na axila
podem ser exacerbadas por movimentos da cintura escapular (WOOD, 1978).
A causa exata da SDPM ainda obscura, mas vrias teorias etiolgicas tm
sido postuladas, incluindo a disseco do nervo intercostobraquial, dano ao nervo
axilar intraoperatrio e dor causada por neuroma (COUCEIRO; MENEZES,
VALENA, 2009; JUNG et al., 2003; MacDONALD, 2005).
A prevalncia de queixas como dor, fadiga, parestesia e edema no membro
superior ipsilateral entre as clientes que se submeteram a tratamentos para o cncer
de mama pode ser elevada, variando de 5 a 74%. Em muitos casos, estes sintomas
impedem as mulheres de voltarem s suas rotinas dirias, s prticas de exerccios
e de recreao, interferem no ato de dirigir, no cuidar dos filhos, no lazer e na
atividade sexual, repercutindo na qualidade de vida (COUCEIRO; MENEZES,
VALENA, 2009; QUEIROZ et al., 2009). Os mesmos autores relatam que dados
sobre estas complicaes podem ser subestimados pelos mdicos e pelas clientes,
que tentam aceit-los como normal ou como consequncia irremedivel do
tratamento..
Alguns estudos tm demonstrado as diferenas na expresso da dor entre os
homens e as mulheres. Para Costa (2008), h maior prevalncia de dor na mulher
em diversas condies clnicas e pode ser devido, em parte, a variaes hormonais
frequentes nas mulheres e os efeitos adversos de analgsicos so mais comuns
entre elas, pois estas utilizam mais analgsicos que os homens.
Segundo a INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR THE STUDY OF PAIN
(2007), h evidncias de que as mulheres experimentam dores mais recorrentes,
mais intensas, mais duradouras e com menor tolerncia a diversos estmulos
dolorosos do que os homens, mas que essas expresses podem variar no
transcurso da vida, reduzindo-se depois dos anos reprodutivos.
Tais variveis devem ser consideradas para a avaliao de mensurao da
dor, bem como na escolha de estratgias para o manejo da dor associada ao cncer
de mama.
Introduo 32
1.6. A Dor no homem com Cncer de Prstata
Segundo o Instituto Nacional do Cncer, o nmero de casos novos de cncer
de prstata estimado para o Brasil no ano de 2010 ser de 52.350. Estes valores
correspondem a um risco estimado de 54 casos novos a cada 100 mil homens. Em
termos de valores absolutos, o cncer de prstata o sexto tipo de cncer mais
comum no mundo e o mais prevalente em homens, representando cerca de 10% do
total de cncer. Mais do que qualquer outro tipo de cncer, este considerado o
cncer da terceira idade, uma vez que cerca de trs quartos dos casos no mundo
ocorrem a partir dos 65 anos (BRASIL, 2010).
Como sintoma, a dor pode aparecer na fase avanada da doena, sendo
caracterizada por um quadro de dor ssea, sintomas urinrios ou, quando mais
grave, por infeces generalizadas ou por insuficincia renal. Os clientes podem
experimentar dor direta no local das metstases, frequentemente uma dor surda e
constante que aumenta gradualmente em intensidade com o tempo. Eles descrevem
a dor geralmente com o agravamento dos sintomas; outros clientes no relatam
nenhuma dor at que uma complicao secundria ocorra como instabilidade
estrutural que conduz a fraturas patolgicas ou a colapso vertebral. Tais eventos
podem causar espasmos do msculo, compresso de nervo e, mais seriamente,
compresso da medula espinal e consequente aumento da dor (INTERNATIONAL
ASSOCIATION FOR THE STUDY OF PAIN, 2008; REALE; TURKIEWICZ; REALE,
2001).
A fadiga e a dor ssea so sintomas comuns na fase avanada do cncer de
prstata e, juntos, tais sintomas deterioram a qualidade de vida, requerendo
intervenes interdisciplinares, tais como a educao dos clientes e seus cuidadores
para promover o conforto e o alvio destes sintomas crticos (BORNEMAN et al.,
2010; RIPAMONTI; LONGO, 2004).
A piora da dor nos portadores de cncer prosttico afeta a capacidade de
realizao de atividades de vida dirias, devendo ser a meta do seu manejo a
diminuio da intensidade dos sintomas e o aumento das funes e,
consequentemente, a melhora da qualidade de vida global destes homens (HADI, et
al., 2008).
Introduo 33
Outros autores salientam que programas para mudar a atitude frente a dor do
cncer, aperfeioar as habilidades de comunicao entre clientes e profissionais de
sade, agregar mudanas institucionais e a avaliao adequada do cliente em
termos de sndromes dolorosas podem ser estratgias promissoras na luta contra o
sofrimento e a dor associados ao cncer prosttico (LATTANZI, 1999; MNGER-
BEYELER et al., 2008).
1.7. Avaliao da Dor do Cncer
A avaliao um passo vital e preliminar para o controle satisfatrio da dor do
cncer (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1996). Segundo Guillen (2007), a dor
um sintoma subjetivo e preciso ensinar a avali-lo.
Vrios autores enfatizam que para o melhor manejo da dor do cncer faz-se
necessria uma avaliao global que caracteriza os sintomas fsicos, avalia a
relao entre a dor e a doena, clarifica o impacto das condies de dor e os
transtornos na qualidade de vida do cliente. Esta avaliao requer o uso de uma
nomenclatura padro, uma avaliao funcional qualificando e quantificando as
deficincias nos vrios domnios (BOUREAU et al., 2001; MICELLI, 2002;
PORTENOY; LESAGE, 1999; TEIXEIRA, 2004; YENG et al., 2005).
No obstante, a dor intrinsecamente subjetiva e o autorrelato do cliente o
padro ouro para a avaliao (JENSEN, 2003; PORTENOY; LESAGE, 1999). Para
McCaffery5 (1968 apud FERREL, 2005, p. 83), a dor o que a pessoa diz que est
enfrentando e existe sempre que ele diz que h".
Pimenta et al. (2005) descrevem que a dor do cncer tem conceito popular de
incontrolvel e de terrvel e, embora este temor tenha fundamento, possvel reduzi-
la com avaliao e tratamentos adequados. Estes autores salientam que a avaliao
da experincia dolorosa no um procedimento simples e a seleo dos
instrumentos e mtodos a serem usados na avaliao deve ser cuidadosa, dada a
natureza complexa e subjetiva do fenmeno lgico.
5 McCAFFERY, M. Nursing practice theories related to cognition, bodily pain and main environment
interactions. Los Angeles: University of California Los Angeles.
Introduo 34
Conforme o Manual Tcnico do INCA (BRASIL, 2001a) o sucesso no
tratamento da dor requer uma avaliao inicial cuidadosa de sua natureza, incluindo
o entendimento dos diferentes tipos e padres de dor, e esta avaliao ir atuar
como uma linha de base para o julgamento de intervenes subsequentes.
A avaliao funcional do fenmeno doloroso, assim como o impacto
biopsicossocial, so fundamentais para definir o diagnstico e as condutas
teraputicas e assim sendo, a avaliao do cliente com dor oncolgica deve ser
multidimensional, envolvendo a quantificao e qualificao dos aspectos biolgicos,
fsicos, psicolgicos, sociais, cognitivos, afetivos e culturais dos clientes (FALEIROS
SOUSA, 2004; TEIXEIRA, 2004; YENG, 2005).
Para uma adequada avaliao da dor crnica do cncer, necessrio
mensurar o mais fidedignamente possvel o fenmeno lgico. Segundo Faleiros
Sousa (2002, p. 446):
[...] a mensurao da dor extremamente importante no ambiente clnico, pois se torna impossvel manipular um problema desta natureza sem ter uma medida sobre a qual basear o tratamento ou conduta teraputica. Com uma mensurao apropriada da dor torna-se possvel determinar se os riscos de um dado tratamento superam os danos causados pelo problema clnico e permite escolher qual o melhor e mais seguro dentre os diferentes tipos.
Na literatura cientfica, encontramos vrios mtodos que podem ser utilizados
para avaliar e mensurar a dor. Eles podem ser classificados em instrumentos
unidimensionais, que quantificam apenas a severidade ou intensidade, e
multidimensionais, que buscam avaliar as diferentes dimenses da dor a partir de
diferentes indicadores de respostas (DA SILVA; RIBEIRO-FILHO, 2006; PEREIRA;
FALEIROS SOUSA, 1998).
Os instrumentos unidimensionais constituem um meio simples dos clientes
atriburem a intensidade da dor percebida e devido fcil aplicao, so os mais
utilizados na pesquisa e na clnica. Para Da Silva e Ribeiro-Filho (2006), as escalas
unidimensionais mais frequentemente utilizadas so a Escala de Categoria
Numrica (Numeric Rating Scale NRS), a Escala Analgica Visual (Visual
Analogue Scale VAS) e a Escala de Categoria Verbal ou Visual (Verbal- Visual
Rating Scale VRS).
Introduo 35
Considerando que a dor um fenmeno complexo, os instrumentos
multidimensionais buscam avaliar de maneira mais completa possvel a experincia
dolorosa.
Para Da Silva e Ribeiro-Filho (2006), a importncia de uma avaliao acurada
da dor clnica tem promovido a exploso de uma variedade de escalas
multidimensionais. Entre os principais questionrios e inventrios multidimensionais
de avaliao da dor descritos na pesquisa e clnica encontramos o Instrumento de
Avaliao Inicial da Dor (Initial Pain Assessment Inventory - IPAI), o Inventrio Breve
de Dor (Brief Pain Inventory - BPI), o Questionrio McGill de Dor (McGill Pain
Questionnaire - MPQ), o Desenho da Localizao da Dor (Pain Drawing - PD), o
Perfil da Percepo da Dor (Pain Perception Profile - PPP), a Escala de Avaliao
da Dor Relembrada (Memorial Pain Assessment Card - MPAC), o Inventrio
Multidimensional de Dor (Multidimensional Pain Inventory - MPI), a Escala de
Descritor Diferencial (Descriptor Diferencial Scale - DDS) e a Escala
Multidimensional de Avaliao de Dor (EMADOR).
Na literatura, verificamos que o BPI e o MPQ esto entre os mais utilizados
para avaliar a dor oncolgica. Estes instrumentos esto disponveis em diversas
lnguas e nas formas reduzida e completa. O MPQ, institudo por Melzack e
Turgerson (1975), um questionrio amplamente utilizado em ambientes clnicos e
na pesquisa.
Jensen (2003) revisou sistematicamente a literatura para identificar a
fidedignidade e a validade das medidas de dor oncolgica e avaliar suas
propriedades psicomtricas. Nos 164 estudos analisados, 74,4% avaliaram a
intensidade da dor, 29,3% avaliaram a combinao da intensidade e interferncia da
dor em um nico escore, 14% avaliaram a interferncia da dor, 10,4% a qualidade,
10,4% o alvio da dor, 8,5% os efeitos/dissabor/incmodo, 1,8% os stios de dor e
1,2% os aspectos temporais da dor. Para o autor, a dor tem muito mais qualidades
sensitivas e afetivas que vo alm de sua intensidade.
Faleiros Sousa e Silva (2005) sugerem que um instrumento ideal de avaliao
da dor deve ter propriedades de uma escala de razo; deve fornecer informao
imediata sobre a fidedignidade do desempenho dos clientes; deve ser relativamente
livre de vieses; deve ser simples de utilizar com clientes com e sem dor, tanto em
contextos clnicos quanto de pesquisa, ser fidedigno, ser sensitivo s mudanas na
Introduo 36
intensidade da dor e demonstrar utilidade tanto para a dor experimental quanto a dor
clnica, permitindo comparaes confiveis entre ambos os tipos de dor.
Segundo Pimenta (2003), para que haja um adequado controle da dor
oncolgica, faz-se necessria a organizao de sistema de identificao e a
avaliao do cliente com dor oncolgica pela enfermagem deve envolver aspectos
fsicos, psicossociais e teraputicos, alm de minuciosa caracterizao da dor.
A avaliao e a mensurao so os primeiros passos de qualquer estratgia
de manejo da dor do cncer. No entanto, apesar dos diversos instrumentos
disponveis, ainda no h em nosso meio uma metodologia padronizada vlida para
avaliar o estado da dor no cliente com dor crnica associada ao cncer no contexto
clnico (CARACENI, 2001; JENSEN, 2003).
Na pesquisa, os ensaios clnicos de tratamento da dor oncolgica devem
utilizar medidas de dor confiveis e vlidas e, apesar da grande variedade de
medidas disponveis, ainda no existem quaisquer orientaes claras para
selecionar uma ou mais medidas em relao s demais (JENSEN, 2003).
Para uma avaliao fidedigna, h que se estabelecer uma efetiva
comunicao entre profissionais, clientes e cuidadores. Micelli (2002) aponta que a
forma de comunicao da dor depender de fatores tais como idade do cliente,
sexo, estrutura de personalidade, funes cognitivas, histria pessoal, contexto
scio-familiar e de dor, estado afetivo e condies psico-orgnicas do momento.
Para a autora, a comunicao da dor depender ainda da qualidade do ouvinte, da
disponibilidade real e sincera de escuta, da comunicao inequvoca do ouvinte ao
cliente e da sua determinao inarredvel em dele cuidar.
Segundo Abella e Ochoa (2007), existem erros frequentemente identificados
na Amrica Latina relacionados com a avaliao de clientes com dor, aplicveis
queles com dor oncolgica:
No crer na avaliao do cliente, desconsiderando que o indicador mais
confivel da existncia e da intensidade da dor o seu autorrelato e nem o
comportamento nem os sinais vitais podem substitu-lo;
No mensurar a dor permanentemente e em intervalos regulares;
Desconsiderar as populaes especiais (neonatos, lactentes, crianas
pequenas, pessoas com retardo mental, demncia, grupos tnicos e
imigrantes com pouca linguagem), devendo-se conhecer as especificidades
de cada grupo;
Introduo 37
Focar apenas o manejo da dor e esquecer da qualidade de vida, ou seja,
alm de se quantificar a intensidade da dor, deve-se indagar sobre o impacto
da dor na funcionalidade e nas atividades de vida diria;
No investigar a natureza da dor, desconsiderando que a classificao da
fonte pode guiar o uso de medicamentos especficos e o seu manejo;
Subutilizar e ignorar os mtodos no farmacolgicos, sendo que tais mtodos
podem ajudar a reduzir o consumo de analgsicos e melhorar a qualidade de
vida dos clientes.
1.8. A Escala Multidimensional de Avaliao de Dor (EMADOR)
A natureza multidimensional e os diversos domnios da vida afetados pela dor
oncolgica torna sua mensurao uma tarefa desafiadora. H que se considerar que
a mesma pode ser expressa de diversas formas, como por alteraes no vocais
(postura, expresses faciais, atividade motora, atividade autonmica), pelas
expresses vocais paralingusticas (como choro) e a pela linguagem (PEREIRA,
2001). As palavras so um dos aspectos da dimenso lingustica da dor, utilizadas
para comunic-la e para descrever sua experincia (DUGGLEBY, 2002).
Para Bonica (2002), a dor apresenta um vocabulrio especfico que possibilita
a comunicao do cliente com os profissionais, famlia, sociedade, variando de
acordo com a cultura, a sociedade e a poca vivida.
A busca pelo conhecimento sobre a linguagem da dor antigo e foi descrito
pela primeira vez na literatura em 1939 por Dallenbach, quando o autor props uma
lista de 44 palavras divididas em 5 grupos avaliando a temporalidade e a distribuio
espacial da dor, bem como a sua integrao com questes afetivas e atributos
qualitativos (NOBLE et al., 2005).
Melzack e Turgerson (1971) selecionaram 102 palavras e as denominaram
descritores de dor, os quais foram categorizados nas dimenses sensorial
discriminativa, cognitiva-avaliativa e afetivo-motivacional. Posteriormente tais
descritores compuseram o instrumento multidimensional MPQ. Para Faleiros Sousa
e Silva (2005), este questionrio apresenta algumas dificuldades, tais como o fato de
os procedimentos de escalonamento de categorias utilizados para quantificar cada
Introduo 38
conjunto de descritores fornecerem informaes ordinais e, em vez de intervalar, o
MPQ limitado em sua capacidade de informao quantitativa acerca da dor,
fazendo com que alguns clientes fiquem confusos com o vocabulrio. Alm disso,
ele fornece apenas um escore total.
Para Duggleby (2002) a avaliao da dor depende da comunicao entre o
avaliador e a experincia individual do cliente sobre a dor percebida, e os
instrumentos tem a funo de facilitar tal comunicao.
Buscando-se uma adequada avaliao da dor, Faleiros Sousa et al. (2010)
identificaram e validaram, por meio de mtodos psicofsicos, os descritores de lngua
portuguesa que caracterizam a dor crnica, considerando as diferenas culturais em
expressar verbalmente a dor.
A Psicofsica um campo da psicologia experimental que visa reconhecer a
relao funcional entre os estmulos fsicos e as respostas que eles provocam, com
o propsito de medir intensidades da percepo sensria e de experincias
emparelhando com a intensidade do som, do paladar, do esforo percebido e dor,
tendo a psicofsica nascido quando os cientistas comearam a pensar na
possibilidade de mensurar as sensaes (DA SILVA; RIBEIRO-FILHO, 2006);
STEVENS, 1975).
Faleiros Sousa et al. (2010, p. 5) descrevem a importncia da psicofsica na
avaliao e mensurao da dor:
A psicofsica tem como suposio central que o sistema perceptual um instrumento de mensurao que gera resultados (experincias, julgamento, respostas) que podem ser sistematicamente mensurados e analisados. Dessa forma, cumpre mencionar a importncia de escutar qualitativamente o outro de tal forma que envolva empatia, interesse e respeito s diferenas e subjetividade, para que o pesquisador no projete valores e crenas, assim como o mundo interno, fazendo com que a percepo se torne distorcida em relao percepo da vida e da dor atualmente usada nas Cincias, tm se mostrado promissores para escalonar fenmenos subjetivos, entendendo a diversidade e a multidimensionalidade do ser humano e a beleza do crebro e da mente humana como sistema ativo capaz de capturar essas qualidades por meio de descritores.
Da Silva e Ribeiro-Filho (2006) salientam que as aplicaes da psicofsica tm
sido relevantes tanto para o tratamento quanto para manipulao das dores aguda e
crnica, clarificando seus mecanismos e fornecendo uma base cientfica para os
modernos mtodos de avaliao e mensurao. Para estes autores, o rigor das
ferramentas da psicofsica podem contribuir no processo na avaliao e mensurao
Introduo 39
tanto da dor clnica quanto da experimental, podendo gerar uma medida fidedigna e
vlida do quinto sinal vital nas suas diferentes dimenses.
Para Faleiros Sousa et al. (2010), a dor influenciada por fatores culturais,
situacionais e tambm pela ateno, motivao, emoo, dentre outras variveis
psicolgicas. A maior parte da informao necessria para se adequar um
procedimento de avaliao da dor origina-se do que o cliente relata, complementada
pela avaliao fsica. O cliente considerado (no ambiente clnico ou de pesquisa)
como um instrumento de mensurao, sendo que quem sabe sobre a dor que
percebe quem a sente.
Com o objetivo de elaborar um instrumento multidimensional de avaliao de
dor para a lngua portuguesa, validado de forma subjetiva e estatstica, Faleiros
Sousa et al. (2010) desenvolveram a Escala Multidimensional de Avaliao de Dor
(EMADOR).
Para a elaborao do EMADOR, participaram 6 juzes, 493 profissionais da
sade e 146 participantes portadores de dor aguda e de crnica. As autoras
utilizaram a lista de descritores contida no MPQ, em livros, em artigos cientficos
especficos da literatura mundial, em dicionrio da lngua portuguesa e em dicionrio
mdico.
Em sua forma inicial, o instrumento constou de uma lista com 308 descritores
e respectivas definies e, abaixo das mesmas, foi colocada uma escala de
categorias de 7 pontos, contendo alternativas que variavam de 0 a 6, segundo as
quais os participantes deveriam emparelhar os seis julgamentos, atribuindo escores
que representassem o quanto, em sua percepo, tal descritor era atribudo para
caracterizar a dor.
Foram utilizados mtodos psicofsicos diretos e indiretos, sejam de estimao
de categorias, estimao de magnitudes e emparelhamento intermodal com
modalidade de resposta e comprimento de linhas. Resultaram destes experimentos
os 40 descritores que mais caracterizaram a dor aguda e os 40 descritores que mais
caracterizaram a dor crnica, validando assim a escala psicofsica de atribuio dos
descritores de dor aguda e de dor crnica para a lngua portuguesa e,
consequentemente, a EMADOR. Tal instrumento de descritores de dor para a lngua
portuguesa captura indicadores que possibilitam analisar a linguagem da dor e suas
dimenses: sensitivas, afetivas e cognitivas.
Introduo 40
Para Faleiros Sousa (2011), na dimenso sensitiva os descritores e
respectivas definies expressam a percepo da sensao fsica da dor, como
queimante, em punhalada e perfuradora. Na dimenso afetiva, os descritores e
respectivas definies sugerem que a dor afeta o humano no que diz respeito s
emoes e consequente dinmica psquica, por exemplo, deprimente, cruel e
atormentadora. Na dimenso cognitiva, os descritores e respectivas definies
sugerem explicao, racionalizao e intelectualizaro da dor percebida, ou seja,
pode-se pensar sobre ela e como exemplo esto os descritores chata,
desgastante e brutal (informao pessoal)6.
A eficcia do manejo depende de uma avaliao e mensurao da dor
consistente e fidedigna, as quais vm sendo feitas no laboratrio e na clnica. Os
artigos publicados anteriormente tiveram o propsito de que a gerao de
conhecimento nessa rea viesse construir uma cultura de ensino, de pesquisa e de
assistncia no domnio da dor humana no Brasil (FALEIROS SOUSA, 2010).
Diversas pesquisas j foram e esto sendo realizadas utilizando-se a
EMADOR nas verses aguda e crnica para avaliao e mensurao da dor
humana, considerando que tal escala satisfaz os critrios psicomtricos de
fidedignidade, objetividade e consistncia escalar (EVANGELISTA, 2007;
HORTENSE, 2009; PEDROSA, 2009; SALTARELI, 2007; ZAMBRANO, 2004).
Porm, de forma indita na presente investigao, foi a EMADOR utilizada para
avaliao e mensurao da dor crnica associada ao cncer.
6 Informao fornecida por Ftima Aparecida Emm Faleiros Sousa em Ribeiro Preto em maio de 2011.
40
2. Reviso da Literatura
Reviso da Literatura 41
O objetivo desta reviso de literatura foi identificar artigos cientficos sobre a
avaliao e mensurao da dor do cncer.
Evidenciamos que h disponvel na literatura um nmero abrangente de
pesquisas sobre a dor oncolgica. Entretanto, tais pesquisas no abordam os temas
avaliao e mensurao deste fenmeno, demonstrando que h necessidade de
serem realizadas mais pesquisas sobre esta temtica.
No estudo realizado por Duggleby (2002), foram comparados os descritores
relatados por um grupo de 11 clientes com cncer em estgio avanado para
descreverem a sua dor, utilizando-se os descritores que fazem parte dos
instrumentos MPQ, o MPAC e a VAS, muito utilizados na avaliao do fenmeno
doloroso. A idade dos participantes variou entre 66 e 80 anos; 5 eram do sexo
feminino e 6 do masculino. Os sujeitos ficaram livres para usar quais e quantas
palavras julgassem necessrias para descrever a dor percebida. Dos resultados,
apenas 31% das palavras do MPQ foram utilizadas, somente duas do MPAC e uma
das duas da VAS.
Uma reviso da literatura cientfica realizada por Caraceni et al. (2005) avaliou
os mtodos de mensurao de dor utilizados em ensaios clnicos controlados em
oncologia, publicados entre 1999 e 2002, que tiveram a dor crnica do cncer como
objetivo principal ou secundrio. Dos 68 artigos selecionados foi identificado que,
69% escolheram ferramentas unidimensionais para a mensurao da dor. Segundo
os autores, ficou evidenciado que a maioria dos autores estava consciente da
necessidade de se utilizar instrumentos vlidos de medio da dor nos ensaios
clnicos, contudo muitas vezes essas ferramentas no foram devidamente utilizadas
na experimentao.
Shin et al. (2007) avaliaram e compararam as propriedades psicomtricas das
escalas multidimensionais o Inventrio Breve de Dor-forma abreviada (Brief Pain
Inventory -Short Form / BPI SF) e o Questionrio McGill de Dor-forma abreviada
(McGill Pain Questionnaire -Short Form / MPQ-SF) aplicadas a 119 participantes
asiticos de descendncia americana com cncer. Os resultados deste estudo
indicaram que as escalas de dor foram internamente consistentes, sendo que alguns
itens de cada instrumento foram redundantes e o BPI-SF foi considerado mais vlido
que o MPQ-SF.
Reviso da Literatura 42
Em outro estudo conduzido por Chih-Yi Sun et al. (2007) foi realizado ensaio
clnico prospectivo com o objetivo de relatar as barreiras para o tratamento da dor
oncolgica. Participaram da pesquisa 83 clientes com diagnstico do cncer de
mama, do pulmo, de clon e de prstata. A mensurao da dor foi realizada por
meio de escala verbal e a maioria dos participantes apresentou dor moderada
(escores 4 e 6 em uma escala de numrica de 0 a 10 pontos).
Verificamos na literatura que o BPI um instrumento multidimensional que
recebeu verses transculturais em diversas lnguas e foi utilizado para a avaliao
da dor oncolgica (DAUT; CLEELAND E FLANERY, 1983; KLEPSTAD et al., 2002;
MYSTAKIDOU et al., 2007; STENSETH et al., 2007; SHI et al., 2009; WANG et al.,
1996).
Na verso norueguesa, o BPI foi aplicado a 300 participantes com cncer. No
total, 235 participantes (78%) foram capazes de preencher o questionrio, mas 82
(35%) tiveram itens sem preenchimento. A anlise identificou a intensidade da dor e
as interferncias nas funes fsicas, psicolgicas e no sono. Para os autores, o BPI
tem propriedades psicomtricas satisfatrias, porm mais pesquisas so
necessrias para estabelecer os instrumentos de avaliao da dor em participantes
incapazes de responder a um questionrio de dor global. Alm disso, foi salientado
que h necessidade de investigar se os itens de interferncia da dor tambm
refletem deficincias relacionadas com a doena (KLEPSTAD et al., 2002).
Na verso grega de validao do BPI, o instrumento foi utilizado para avaliar a
dor de 220 participantes com cncer. Destes, 147 relataram dor intensa, 48 dor
moderada e 25 dor leve. Sobre o tipo de analgesia empregada, 21 participantes
estavam recebendo analgsicos opioides fortes, 33 recebendo opioides fracos e 166
participantes no receberam nenhum tratamento com analgsicos opioides
(MYSTAKIDOU et al., 2007).
Stenseth et al. (2007) investigaram, entre 55 participantes com cncer, a
gravidade e a interferncia da dor em diversas funes (atividade geral, trabalho,
humor, caminhar, sono, relacionamento com outras pessoas e apreciao pela vida),
solicitando aos participantes que completassem as verses reduzida e completa do
BPI. Foi observado que 48 participantes completaram as duas avaliaes e, com
exceo do humor, no apresentaram diferenas significativas, enquanto que 17
clientes relataram que a dor tem maior influncia sobre as funes do que todos os
outros fatores analisados.
Reviso da Literatura 43
Shi et al. (2009) investigaram a representao do autorrelato na avaliao da
dor crnica de 1147 participantes com cncer durante a ltima semana de vida.
Utilizou-se o BPI para avaliar a dor atual, a pior e a mdia de dor durante a semana
anterior morte. Os resultados indicaram que as classificaes de recordar a pior
dor, ao invs de avaliaes de dor atual, podem refletir melhor a experincia total e o
impacto da mesma, sendo esta uma orientao para a escolha do perodo de
autorrelato utilizado em ensaios clnicos.
Com o intuito de avaliar a eficcia de uma interveno psicoeducacional para
diminuir escores de intensidade e aumentar o conhecimento sobre o manejo da dor
do cncer, uma amostra de 164 participantes oncolgicos com dor associada a
metstases sseas foi analisada. Os autores avaliaram as alteraes nos estados
de humor utilizando o Profile of Mood States, a qualidade de vida mensurada atravs
do Medical Outcomes Study Short Form (SF-36), bem como nvel de dor e sua
interferncia utilizando-se o BPI. Ao final do estudo, as diferenas na pontuao dos
componentes fsicos e dos mentais do SF-36 e os itens de interferncia no BPI,
entre os trs grupos de respondentes, foram significativos do ponto de vista clnico e
estatstico (MIASKOWSKI et al., 2007).
Com o objetivo de evidenciar as barreiras percebidas para o manejo da dor do
cncer, 50 participantes americanos com descendncia chinesa foram entrevistados.
Para a avaliao da dor foi utilizado o BPI e as barreiras individuais com as maiores
pontuaes foram tolerncia dor, intervalos de tempo usado para a dosagem de
remdios, progresso da doena e dependncia (EDRINGTON et al., 2009).
Um estudo multicntrico foi realizado na Itlia para avaliar a epidemiologia, os
padres e a qualidade dos cuidados prestados a participantes com dor do cncer,
utilizando o PMI (Pain Management Index). O PMI compara o mais potente
analgsico prescrito para um cliente com o pior nvel de dor relatado. Foram
recrutados 110 centros de atendimento e 1801 participantes com cncer avanado
compuseram a amostra com os tipos mais comuns de tumor: de pulmo, de mama e
coloretais. Foi observado que, apesar das limitaes intrnsecas do PMI, h m
qualidade no manejo da dor do cncer (cerca de 50% em alguns subgrupos) e que
os recursos de nvel III da escala analgsica da OMS so empregados com atraso a
uma porcentagem significativa de participantes. Para os autores, necessria uma
abordagem mais ampla e educao em cuidados paliativos para um melhor manejo
da dor na Itlia (APOLONE et al. 2009).
Reviso da Literatura 44
Russell, Aveyard e Oxenham (2006) analisaram os diferentes mtodos de
avaliao da prevalncia da dor e o PMI, comparando o manejo da dor e avaliando a
rapidez no seu controle em dois grupos de participantes com cncer. Um grupo foi
composto por 712 participantes assistidos por mdicos generalistas na comunidade
e outro grupo composto por 152 participantes, atendidos em uma unidade
especializada de cuidados paliativos. Foram observadas diferenas significativas
entre os dois grupos no que se refere ao tempo para o controle da dor, sendo que a
unidade especializada de cuidados paliativos alcanou o controle da dor
significativamente mais rpido. Concluiu-se que os mtodos estabelecidos de
medio da dor e o PMI so limitados na capacidade de medir a dor ao longo do
tempo, de avaliar a resposta dos prescritores s alteraes da dor, havendo a
necessidade de se estabelece
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