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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
VANDER LAAN REIS GOES
MEDIDAS PROVISÓRIAS E SEUS PROBLEMAS NO SISTEMA
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
RECIFE – PE 2005
VANDER LAAN REIS GOES
MEDIDAS PROVISÓRIAS E SEUS PROBLEMAS NO SISTEMA
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife/Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre. Orientador: Dr. GEORGE BROWNE REGO Área de Concentração: Direito Público Linha de Pesquisa: Neoconstitucionalismo: Direitos Fundamentais. Justiça e Processos Constitucionais
RECIFE – PE 2005
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Maria Siméia Ale Girão – UFAM
G593m Goes, Vander Laan Reis.
Medidas provisórias e seus problemas no sistema constitucional brasileiro / Vander Laan Reis Goes. � Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2005.
114p.; 30 cm Inclui bibliografia.
Dissertação (Mestre. Área de concentração em Direito
Público). Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco. Orientador: Prof. Dr. George Browne Rego.
1. Medidas provisórias – Brasil 2. Sistema Constitucional (Direito) – Brasil I. Título
CDU (1997): 347.6 (81) (043.3)
Homenagem de gratidão às memórias de Umberto
Calderaro Filho e de Eduardo França Lessa,
minhas referências de vida. Calderaro, exemplo
grandioso, na Amazônia, de jornalista responsável
com seu tempo, sua gente e sua região. Lessa, pelas
orações e pela direção dada à minha formação.
AGRADECIMENTOS
A todos aqueles que de forma direta ou indireta contribuíram para que fosse alcançada
mais esta meta de minha formação profissional, especialmente minha mulher Neci e meus
curumins Raul, Beatriz e Vander Filho pelos momentos em que fui ausente.
Agradeço, e de forma especial, aos Professores Doutores George Browne Rêgo e
Vallisney de Souza Oliveira pelas orientações acadêmicas. Ao primeiro, como orientador,
pelas críticas e sugestões à dissertação, quando ainda na sua versão inicial e antes da pré-
Banca. Ao Professor Vallisney, meu co-orientador, pela paciência que teve, sugerindo e
fazendo anotações pormenorizadas, inclusive advertindo quanto ao que podia e ao que não ser
usado num trabalho dessa natureza.
Ao Professor Carlos Gomes, aposentado pela cadeira de Língua Portuguesa da UFAM,
pela colaboração na revisão deste trabalho.
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Humberto Bergmann Ávila
RESUMO
GOES, Vander Laan Reis. Medidas Provisórias e seus problemas no sistema constitucional brasileiro. 2005. 109f. Dissertação de Mestrado – Centro de Ciências Jurídicas / Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. No presente estudo o autor discorre acerca de medida provisória, cujo uso considera desnecessário; Este ponto de vista resulta de seu labor diário como Procurador-Geral da Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas, que como assessor é responsável pelo exame prévio de técnica legislativa, de legalidade e de constitucionalidade; Legislar é tarefa originária dos membros do Poder Legislativo, agentes privilegiados com função de elaborar leis socialmente justas; As medidas provisórias, na forma com vêm sendo editadas, não são bem aceitas pela sociedade civil, também por virem dos regimes de Vargas e dos Militares, adotadas com a expressão Decreto-Lei; Aponta diferenças entre Decreto-Lei e Medida Provisória, no primeiro caso a alternatividade urgência ou relevante interesse público e no segundo, cumulativamente, urgência e relevância; Traz, ainda, comentários sobre o Supremo Tribunal Federal composto por onze ministros, sediado em Brasília, com jurisdição em todo território nacional, conforme dispõe o artigo 101 da Constituição Federal; No artigo seguinte enumera as competências do STF como guardião da Constituição, especialmente quanto ao controle de constitucionalidade de leis e atos, inclusive das medidas provisórias; O resultado do estudo indica a adoção do artigo 64, §§ 1o. e 2o. da CR/88 como caminho lógico para a retirada desse instituto do sistema constitucional brasileiro pois seu uso excessivo põe em risco a harmonia entre os poderes; A adoção desse dispositivo, como é sugerido, permitiria ao Presidente da República solicitar urgência aos projetos de sua iniciativa sem índole de ato arbitrário e sem as rotineiras críticas da imprensa. Palavras-Chaves: Medidas. Provisórias. Problemas.
ABSTRACT
GOES, Vander Laan Reis. Presidential Decrees Termed and its problems in the Brazilian constitutional system. 2005. 109 pages. Master Degree – Centro de Ciências Jurídicas / Faculdade de Direito de Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
In this study, the author discourses on the presidential decrees termed, the use of which he considers unnecessary; This conclusion result from his daily labor as the legislative Assembly´s Attorney for the State of Amazonas, who as an advisor is responsible for previous examination, concerning legislative technique, legality and constitutionality; To legislate is the duty prescribed to members of the legislative body, agents privileged with the task of making socially fair laws; The presidential decrees termed aren´t accepted by civil society due to their excessive use by Government and their origin in the Vargas and Military periods, during both of which they were used under the name of “act of law”; The author denotes differences between acts of law and presidential decrees termed; In the former, alternately, urgency or relevant public interest, and in the latter, cumulatively, urgency and relevance. He also comments on the Federal Supreme Court, comprised of eleven justices, its seat in Brasilia and jurisdiction over all national territory, as prescribed in article 101 of the Brazilian Constitution; Article 102 enumerates the jurisdictional competence of the Supreme Court as guardian of the constitution, especially the competence related to reviewing laws and acts as to constitutionality, including presidential decrees termed.; As a result of the study, he indicates the use of article 64, paragraphs 1 and 2, as a logical and adroit way to withdraw that institute from our constitutional system, since their excessive use offends the principle of division of political power; The adoption of article 64, as suggested, will permit that the President demand urgency for government projects, without the nature of an arbitrary act, and without the routine media criticism. Key-words: Presidential. Decrees. Termed.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………... 11
1 A TRIPARTIÇÃO DOS PODERES............................................................................... 15
1.1 A clássica divisão dos Poderes........................................................................................ 18
1.2 O Legislativo segundo Montesquieu............................................................................... 20
1.3 O Legislativo visto por Loewenstein............................................................................... 21
1.4 Os Poderes na visão de Kelsen....................................................................................... 23
2 O UNIVERSO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS BRASILEIRAS............................. 26
2.1 A origem de nossa Medida Provisória............................................................................ 28
2.2 O regime jurídico-constitucional das MPs..................................................................... 30
2.3 As Medidas Provisórias nos Estados.............................................................................. 32
2.4 Arbitrariedade do Executivo ou inércia do Legislativo?................................................ 35
2.5 Os pressupostos de edição.............................................................................................. 38
2.6 A idéia de “relevância” e “urgência”.............................................................................. 39
2.7 O controle judicial das Medidas Provisórias.................................................................. 41
3 O PROCESSO LEGISLATIVO DAS MPs................................................................... 44
4 QUESTÃO INTRIGANTE, PREJUDICIAL E INCONSTITUCIONAL.................. 48
4.1 A amplitude das Medidas Provisórias............................................................................ 51
4.2 Críticas e sugestões......................................................................................................... 54
4.3 Os Princípios Constitucionais......................................................................................... 56
5 MEDIDAS PROVISÓRIAS: NORMAS E FORMAS.................................................. 58
5.1 Natureza jurídica............................................................................................................. 59
5.2 Efeitos da extinção.......................................................................................................... 61
5.3 A posição da jurisprudência............................................................................................ 62
5.4 Formas de controle......................................................................................................... 64
5.5 Pressupostos de valoração.............................................................................................. 66
5.6 O controle judicial.......................................................................................................... 69
5.7 A dinâmica política......................................................................................................... 74
6 PRÁTICA LEGISLATIVA E POLÍTICA.................................................................... 79
6.1 O tributo a serviço dos governantes................................................................................ 82
6.2 Criação de impostos via Medidas Provisórias................................................................ 84
6.3 MPs 1.507 e 2.226, intromissão no Judiciário................................................................ 90
7 ANÁLISE DO TEMA NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS................................................... 94
7.1 Quadro das Medidas provisórias editadas...................................................................... 96
7.2 Confronto das forças políticas........................................................................................ 97
CONCLUSÃO..................................................................................................................... 99
REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 105
INTRODUÇÃO
A medida provisória, prevista no artigo 62 da Constituição Federal, é uma inovação
jurídica cuja órbita de atuação deve estar circunscrita aos pressupostos de urgência e
relevância. É espécie normativa com força de lei, na verdade, que constitui exceção ao
princípio pelo qual é o Legislativo que deve cuidar da elaboração de leis. Seu objetivo é
possibilitar ao Chefe do Executivo a adoção de medidas jurídicas em face de circunstâncias
relevantes e urgentes que imponham a ação imediata do Estado, inexistindo outros
instrumentos jurídicos eficazes. A medida provisória que pode ser regulada por lei ordinária,
desde sua adoção, em 1988, tem sido usada abusivamente, em flagrante desrespeito ao
mandamento constitucional que pressupõe a existência de circunstâncias extraordinárias para
a sua edição. No caso da MP, o Executivo simplesmente a edita, passando a vigorar após a
sua publicação, diferentemente da lei delegada em que o Legislativo autoriza o Executivo,
através de Resolução do Congresso Nacional, a legislar sobre questões de seu interesse,
especificando o conteúdo e os termos de seu exercício.
Medidas Provisórias e seus problemas no sistema constitucional brasileiro, assunto
discutido e debatido no campo doutrinário com farta divulgação nos meios de comunicação, é
matéria de domínio geral, de conhecimento dos operadores e estudiosos do direito e também
de leigos. O desenvolvimento deste estudo é baseado na doutrina nacional e na jurisprudência
de nossa Suprema Corte, sem deixar de lado o enfoque histórico.
Fontes relevantes para o desenvolvimento do trabalho, além da farta bibliografia sobre
o tema, foram os artigos em jornais, em revistas especializadas e na internet, mormente
aqueles manifestamente contrários à adoção de medidas provisórias no nosso sistema
constitucional, representativos de corrente e tendência às quais o autor se filia.
Ainda nesta parte introdutória, é importante apontar o surgimento da medida
provisória no sistema constitucional brasileiro como uma resposta à busca de um instituto que
não permitisse excessos como aconteceu com o seu antecessor, o decreto-lei, utilizado nos
governos de Vargas e dos Militares. A medida provisória teve origem na expressão
provvimenti provvisori com forza di legge, disposta na Constituição Italiana de 1947.
As medidas provisórias também sofreram forte influência da Carta anterior, ao
assegurar ao Presidente da República uma certa “função legislativa”. E como postulado
inicial, elas resultam do exercício, pelo Presidente, de competência constitucional
extraordinária e representam a expressão concreta de um poder cautelar geral deferido ao
Chefe do Executivo da União. Não resultam de delegação legislativa, como acontece com a
lei delegada, mas de um poder originário de legislar em situações excepcionais conferido pelo
Poder Constituinte Originário e condicionado às hipóteses e aos limites impostos pela própria
Constituição.
A escolha do tema, As Medidas Provisórias e seus problemas no sistema
constitucional brasileiro, deve-se ao exercício pelo autor do cargo de Procurador-Geral no
Poder Legislativo do Estado do Amazonas, onde desenvolve, na titularidade da função,
atividades relacionadas com o processo legislativo aplicado às proposituras que chegam para
exame de admissibilidade no que se refere à legalidade e à constitucionalidade, bem como
com técnicas legislativas das iniciativas, sejam elas oriundas do Legislativo, do Executivo ou
do Judiciário.
No desenvolvimento da dissertação, adotou-se uma postura de não aceitação desse
instituto no sistema constitucional pátrio pela desnecessidade de seu uso. O critério processual
aqui adotado, de inquestionável conteúdo dogmático e também descritivo, porque o assunto
assim impõe, o que não significa renúncia, por exemplo, ao aspecto sociológico que deve
envolver o exame das matérias objeto de medidas provisórias, como sendo ações e reações
dos legisladores, se é que podemos assim considerar o parlamentar no momento que lhe é
usurpada a sua atribuição principal.
Destaque-se que as medidas provisórias fogem da atividade principal dos
Parlamentos, a produção e a elaboração de leis. E a compreensão de lei se dá necessariamente
dentro da concepção de Montesquieu e do processo legislativo previsto na vigente
Constituição.
Oferece-se uma leitura crítica de como o referido instituto vem ao nosso sistema
jurídico. Daí o necessário e imprescindível exame segundo a doutrina dominante nesse
campo.
Mostra-se que a edição de medidas provisórias pelo Executivo em número tão
elevado é inaceitável, sobretudo quando eram permitidas as reedições (antes da EC nº
32/2001). As estatísticas apontam que só nos dois governos do Presidente Fernando Henrique
Cardoso (1994 a 2002) e dois terços do de Luiz Inácio Lula da Silva foram editadas mais
medidas provisórias do que nos governos de José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco,
bem como que na vigência das Constituições de 1937 e 1967 (regimes Vargas e Militar) foi
adotado menor número de decretos-leis.
Há, também, críticas ao uso excessivo de medida provisória e à continuidade do seu
poder de interferência no processo legislativo, mesmo depois da ampla modificação trazida
pela EC nº 32/2001. Indica-se a adoção dos §§1º e 2º do artigo 64 da CF/88 como um
caminho lógico para retirar o referido instituto de nosso sistema constitucional.
Examina-se, ainda, a atuação parlamentar que no controle dos pressupostos
constitucionais das medidas provisórias retirou a efetividade pretendida pela referida Emenda,
acobertando inconstitucionalidade formal, no momento da apreciação das mesmas.
O presente trabalho não tem a pretensão de abordar todos os aspectos das medidas
provisórias, mas trazer à baila o exame de alguns tópicos que cercam o tão discutido instituto.
O certo é que alguma coisa precisa ser feita para inibir a voracidade do Chefe do
Executivo Federal para reduzir as medidas provisórias ou mesmo retirá-las do sistema
constitucional brasileiro. E a preocupação do autor reside no insaciável uso desse instituto
que, inclusive, vem interferindo nas questões do Poder Judiciário. E o exemplo é a MP nº
1.507, de 19.07.1996, que criou restrição para a concessão de medidas liminares em ações
ajuizadas por servidores públicos para obtenção de reajustes salariais. Essa despropositada
intromissão do Governo foi além com a MP nº 2.226, de 04.09.2001, que gerou enorme
controvérsia entre os juristas e provocou problemas e dificuldades para os advogados que
militam na Justiça Federal vez que referido dispositivo afetava os honorários de sucumbência
dos causídicos, em caso de acordos entre demandantes e a União.
Aspecto interessante do estudo diz respeito à questão da responsabilidade do Estado –
no caso de atos legislativos – por prejuízos causados pelas medidas provisórias.
Aponta, como ponto central de seu trabalho, a adoção dos §§ 1º e 2º do artigo 64 da
Constituição Federal, como um caminho para a retirada daquele instituto do sistema jurídico-
constitucional pátrio.
1 A TRIPARTIÇÃO DOS PODERES
A rotina das edições das medidas provisórias vem constituindo uma descabida
interferência do Poder Executivo nas atribuições próprias do Legislativo. Não seria demais
considerar aqui a clássica reunião das funções do Estado em três – o Executivo, o Legislativo
e o Judiciário – proposta por Montesquieu a fim de viabilizar a concepção política de
limitação do poder estatal e desse modo evitar o advento do arbítrio governamental. A partir
deste princípio, o Chefe do Executivo não poderia investir contra o indivíduo, já que ninguém
estaria obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. O próprio
Executivo se encontraria sob o crivo do Judiciário e o último, por sua vez, deveria aplicar
penas e dirimir, imparcialmente, os conflitos.
Carl Schmitt1 acentuou que o poder mais sujeito ao arbítrio seria o Legislativo, pois
este possuiria a prerrogativa de criar as leis, podendo legislar conforme a vontade da maioria
detentora do poder, gerando assim a opressão sobre os grupos minoritários da sociedade.
Portanto, para se efetuar um controle efetivo sobre àqueles que fazem as leis, foi desenvolvido
o instituto do controle de constitucionalidade, obrigando o legislador a respeitar os preceitos
assegurados na Carta Magna.
Antes de abraçar a causa do nazismo, Schmitt tinha seu pensamento na esteira do
principio sistematizado por Montesquieu e defendia que os poderes não eram efetivamente
divididos ou separados, mas mostram-se distintos e coordenados, havendo a chamada
1 SCHMITT, Carl. La Defesa de la Constitucion. Trad. Manuel Sanches Garto. Barcelona: Labor, 1931. p. 157-158.
interpenetração dos mesmos, no intuito de se viabilizar a prática governamental. É o que se
extrai da primeira lição de Schmitt.
J.J. Gomes Canotilho2 atribui a Carl Schmitt a criação da tese da ratione necessitatis,
pela qual o Presidente agia como um legislador extraordinário, expedindo medidas diferentes
das leis emanadas do Estado legislativo parlamentar, permitindo-se que um órgão executivo
expedisse medidas com forma e valor de lei, significando que teríamos atos simultâneos de
leis e execução de leis, que Schmitt denominava de medidas.
Essa “tese” de Carl Schmitt partiu da interpretação do art. 48, nº, da Constituição de
Weimar que concedia poder ao Presidente do Reich (Adolf Hittler) para decretar ordenanças
com valor de lei.
Para Lawrence H. Tribe3, já existia o entendimento pacificado pela Suprema Corte
norte-americana acerca da questão da cooperação entre os poderes, na seguinte passagem:
Conforme o entendimento firmado no início do século XX, a Suprema Corte, interpretou que a separação dos poderes não concebe cada branch como sendo autônomo, mas, deixa cada um dependente uns dos outros, assim como foi deixado para cada um funções de natureza executiva, legislativa e judicial.
Cabe lembrar que, para muitos, acontece uma certa contradição entre a teoria da
divisão dos poderes e a teoria da unidade e indivisibilidade do poder estatal, que é
visivelmente política. Georg Jellinek 4 , neste sentido, ilustraria que essas teorias foram
desenvolvidas para fundamentar o Estado constitucional e embasar a criação de um Estado
federal. A primeira teria o objetivo de conceber um tipo ideal de Estado e a segunda
pretenderia a criação pluralista do Estado composto por dualidade governamental. Assim,
2 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Coimbra, 1996. p. 664. 3 TRIBE, Lawrence H. American Constitucional Law. 2. ed. New York: Foudation Press, 1988. p. 72. Vol. 1. 4 JELLINEK, Georg. Teoria general del estado. Cidade do México: Fundo de Cultura Econômica, 2002. p. 380.
Jellinek disserta sobre a confusão que se fez entre soberania e poder estatal, equívoco que foi
responsável por todas as críticas acerca da célebre doutrina de Montesquieu. Concluiria esse
jurista alemão que o Estado moderno foi constituído a partir das idéias jusfilosóficas dos
grandes mestres Rousseau e Montesquieu, havendo a conjugação de suas idéias de forma a
preservar a unidade do poder.
Com isso, o poder estatal seria observado como uno e indivisível, sendo mais
apropriado empregar o termo funções do Estado do que poderes estatais. Nestes termos,
Paulo Bonavides5 tece o seguinte comentário:
Visceralmente antagônico à concentração do poder, foi, portanto, o princípio fecundo de que se serviu para a proteção da liberdade o constitucionalismo moderno, ao fundar, com o Estado jurídico, o governo da lei, e não o governo dos homens, ou seja, a government of law not a government of men, conforme asseverou judiciosamente, numa locução já histórica, o insigne John Adams, dissertando acerca da Constituição americana.
A questão da governabilidade do Estado torna-se mais tormentosa a partir da criação
do welfare state, ou Estado assistencialista. Neste momento, surge um executivo fortalecido
em face da demanda de políticas econômicas que devem ser implantadas rapidamente, não
podendo aguardar o trâmite regular das leis. Desta forma, instrumentos de delegação
legislativa passam a ser conferidos aos governantes com o fito de viabilizar a implementação
de políticas públicas, ainda que aparentemente sem suprimir as prerrogativas do Legislativo.
Estes argumentos sobre a questão da governabilidade do Estado, não inibem a nossa
posição contrária ao instituto das medidas provisórias, abusivamente editadas pelo Poder
Executivo Federal, pelo fato de o Brasil não se encontrar vivendo momentos de instabilidade
institucional.
5 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 72.
Entretanto, o Estado Social transige com a perigosa existência de um Executivo
vivamente atuante e, que geralmente busca alargar seus poderes para a realização de novas
diretrizes políticas. Neste caso, as meras leis delegadas não mais seriam suficientes para a
agilidade desejada pelo governo, que então passaria a reivindicar novas formas excepcionas
de legislar, rompendo com a harmonia entre os poderes e abrindo margem ao abuso
governamental.
1.1 A clássica divisão dos Poderes
O sistema federativo brasileiro é uma forma de organização de Estado tipicamente
republicana e presidencialista, embora existam alguns sistemas parlamentaristas unitários, nos
quais a medida provisória tem assento constitucional. Esse instituto, introduzido em nossa
vigente Constituição, foi inspirado no modelo italiano, cuja redação é idêntica igual, com
pequenas variações, conforme se verifica da leitura do artigo 77 da Constituição daquele país.
Considerando o poder como uma unidade, uma caraterística do Estado, observa-se
que muitos são levados a interpretar de forma equivocada a expressão tripartição do poder,
como se os poderes fossem estanques. Daí resultarem problemas de argumentação a respeito
das atividades estatais. A distinção se faz entre os órgãos que desempenham as funções
provenientes do poder existentes nas sociedades.
Do comportamento das sociedades, tem-se verificado, ao longo da História, a
existência de três funções básicas:
a) uma, geradora do ato geral;
b) outra, geradora do ato especial;
c) uma terceira, solucionadora de conflitos.
As duas primeiras encarregavam-se de gerar os atos e executá-los, sendo a terceira,
destinada à solução dos conflitos entre as pessoas e entre estas e o Estado.
No chamado Estado Absoluto, essas funções foram identificadas em muitas
sociedades e em muitas oportunidades. Naquele, o exercício do poder concentrava-se nas
mãos de uma única pessoa (física) que o exercia pessoalmente ou por meio de auxiliares,
prevalecendo sempre a vontade do soberano, que se confundia com o próprio Estado, sendo
sua vontade a matriz para todas as atividades estatais.
A separação dos poderes foi resultante da diminuição do poder do soberano, no
momento em que se transmitia a uma Assembléia o exercício da função legislativa, como
forma de proteger-se de qualquer abuso. Era a independência dos órgãos, especialmente
aquele responsável pela elaboração do conjunto ordenativo, fato que afasta, em princípio, a
preponderância da vontade de uma única pessoa. Com a aplicação prática desse princípio,
verificou-se a transformação das monarquias absolutas em sistemas de governo mais
limitados, surgindo assim os regimes parlamentares.
Atualmente a interpretação literal da expressão separação dos poderes já não é motivo
de discussão, uma vez que estão bem definidos os conceitos de poder, órgãos e as funções que
desempenham.
No nosso sistema constitucional, a Carta Política de 1988, manteve em seu texto a
expressão “independentes” e “harmônicos” entre si, para a caracterização dos Poderes da
República. Esse desdobramento constitucional das funções dos poderes, tem um mínimo e um
máximo de independência de cada órgão de poder, a fim de facultar o exercício harmônico
desses poderes, de forma que, se não existissem limites, um poderia se sobrepor ao outro,
inviabilizando a desejada harmonia.
No Brasil, como na maioria dos países livres, o poder de legislar, como regra
constitucional geral, cabe somente ao Legislativo, que é o órgão legitimado para representar o
povo na elaboração de normas jurídicas que regerão a vida da sociedade politicamente
organizada. É a chamada democracia indireta, ou representativa, na qual, em virtude da
impossibilidade óbvia de reunião de todo o povo em uma assembléia legiferante, outorga-se a
alguns indivíduos, escolhidos mediante um processo em que seja assegurada a livre
concorrência ao cargo de legislador, o poder de quando decidir e como alterar a ordem
jurídica à qual toda a sociedade se encontra submetida. Se não fosse assim, estaria evidente
que o Poder Executivo agiria com arbítrio, como acontece com as medidas provisórias,
especialmente aquelas que vêm ao nosso mundo jurídico sem os requisitos constitucionais da
urgência e da relevância.
1.2 O Legislativo segundo Montesquieu
É atribuída a Montesquieu a responsabilidade pela sistematização dessa teoria, da
tripartição de poderes, embora na lição de Aderson de Menezes6 também seja apontada, sem
discrepância, como tendo precedência nesse tema. Aristóteles (na Antigüidade), São Tomás
de Aquino (no medieval) e John Locke (na modernidade).
Busca-se aqui tentar mostrar as ofensas ao princípio da independência e harmonia
defendido por Montesquieu7, segundo o qual legislar é atribuição específica do Legislativo.
Aliás, a prática política tem mostrado que a lição de Montesquieu permanece em pleno vigor,
6 MENEZES, Aderson de. Teoria Geral do Estado. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 245-246. 7 MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O Espírito das Leis (as formas de Governo, a Federação e a Divisão dos Poderes). Tradução e notas de Pedro Vieira Mota. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 170, 173, 174, 175, 177, 182.
pois sempre que se concentra excessivo poder, observa-se a emergência do fenômeno do
autoritarismo. A divisão das funções do Estado garante a limitação do poder dos governantes,
principal instrumento dos cidadãos contra a usurpação do poder.
Ainda para Aderson de Menezes8 a obra De l’Esprit des Lois, escrita em 1748, era um
legítimo tratado de ciência política,
constituiu-se um grande sucesso do ponto de vista da divulgação e aceitação, pois a filosofia montesquiana se firmou, na esfera do constitucionalismo, como um princípio impostergável a prol das liberdades individual e pública.
Oportunas, quando estão em exame o aspecto do uso excessivo de medidas
provisórias e a intromissão nas atividades próprias do Poder Legislativo, as palavras de
Montesquieu9
Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder. Uma Constituição pode ser de tal modo que ninguém será constrangido a fazer coisas que a lei não obriga e a não fazer as que a lei permite.
1.3 O Legislativo visto por Loewenstein
Para Karl Loewenstein10, a clássica separação dos poderes estaria ultrapassada dentro
do enfoque e da nova realidade do Estado assistencialista. Segundo a sua análise, a clássica
divisão das funções do Estado não seria de todo má, muito embora a ação governamental
contemporânea exija uma direção mais unificada, que atualmente poderia ser chamada de
8 MENEZES, Aderson de. Teoria Geral do Estado. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 247-248 9 MONTESQUIEU, Charles de Secondat. op. cit., p.205 10 LOEWENSTEIN, Karl. Political power and government process. 3. ed. Chicago: [s.n], 1965. p. 49.
liderança política. A função do governo, dentro desta hodierna perspectiva, deixa de estar
restrita à execução de leis genéricas e abstratas, que tão somente haveriam de representar a
vontade geral da nação. Agora, a legislação vem refletir o direcionamento político da nação, e
tanto o Legislativo quanto o Executivo deixam de ser funções distintas, para serem
simplesmente consideradas como diferentes técnicas de liderança.
Particularmente não poderia o autor concordar com o postulado de Loewenstein, uma
vez que independentemente de a ação governamental respeitar a diretriz política comum, a
clássica divisão das funções do Estado continua sendo relevante para a defesa das liberdades.
Temos assim que nenhum argumento deve ser substrato à mitigação ou supressão da
separação dos poderes proposta por Montesquieu. Evocando questões de relevante interesse
nacional como justificativa para o Executivo adquirir poderes extraordinários de legislar,
enfraquece-se o freio desta função, destacando as amarras jurídicas que evitam o surgimento
de governos autoritários. Assim sendo, devemos notar que os princípios da separação dos
poderes permeiam toda a estrutura governamental, já que compõe a sua base de sustentação.
Ao invocar-se estes princípios, não se está argüindo questões meramente constitucionais, mas
assegurando a construção de governos legítimos e transparentes.
Também cabe examinar como seriam as ações e reações dos legisladores, se é que se
pode assim chamar o parlamentar no momento em que lhe é usurpada a mais importante
atribuição.
1.4 Os Poderes na visão de Kelsen
Em sua obra Teoria Geral do Direito e do Estado, Hans Kelsen11, quando conceitua
“separação dos poderes”, diz que se trata de designação de um princípio de organização
política. Ele pressupõe que os chamados três poderes podem ser determinados como três
funções distintas e coordenadas do Estado e que é possível definir fronteiras separando cada
uma dessas três funções.
Ainda Kelsen, na obra antes referida, tomando por base a Constituição Americana e a
compreensão de que a revisão judicial é uma transgressão evidente dos princípios da
separação dos poderes, sobre essa questão assim pondera:
os poderes confiados ao governo, estadual ou nacional, estão divididos em três grandes departamentos, o executivo, o legislativo e o judiciário, que das funções apropriadas a cada um desses ramos de governo será investido um corpo separado de funcionários públicos, e que a perfeição do sistema exige que linhas que separam e dividem esses departamentos devam ser amplas e claramente definidas.
O órgão legislativo, na visão de Kelsen12, tem função legislativa apenas na medida em
que esteja autorizado a criar normas gerais. Nunca ocorre na realidade política que todas as
normas gerais de ordem jurídica nacional tenham de ser criadas exclusivamente por um órgão
legislador. Na prática, o que importa é apenas a organização da função legislativa segundo a
qual todas as normas gerais têm de ser criadas pelo órgão legislativo.
11 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 385-386. 12 KELSEN, op. cit., p. 386-387
Admite Kelsen13 a existência de funções legislativas do Executivo e do Judiciário,
mesmo que a maioria das Constituições incorporem o princípio da separação de poderes. No
primeiro caso ele se refere a que “o chefe do departamento executivo pode decretar normais
gerais no lugar do órgão legislativo, sem que desse órgão emane qualquer autorização
especial na forma de um estatuto autorizante, caso estejam vivendo circunstâncias especiais
como guerra, rebelião ou crise econômica”. Quanto à função legislativa do Judiciário, Kelsen
diz que a função legislativa ocorre
quando os tribunais são autorizados a anular leis inconstitucionais; além disso, os tribunais exercem uma função legislativa quando a sua decisão, em um caso concreto, se torna um precedente para decisão de outros casos similares; um tribunal com essa competência cria, por meio de sua decisão, uma norma geral que se encontra no mesmo nível dos estatutos criados pelo chamado órgão legislativo.
Ainda para Kelsen, a separação de poderes ocorre porque apenas as normas gerais
criadas pelo órgão legislativo são designadas como leis (leges). Logo a sua designação como
órgão legislativo é tão mais justificada quanto maior for a parte que ele possui na criação de
normas gerais.
No entanto, essa posição não é sustentada pelos fatos, pois o próprio Hans Kelsen vê
apenas duas funções básicas do Estado: a criação e aplicação do Direito. E essas funções são
infra e supra-ordenadas. Na verdade ele fala da criação e aplicação do Direito subjacente ao
dualismo do poder legislativo e do executivo, no sentido mais amplo.
Do ponto de vista da hermenêutica jurídica, registre-se a contribuição de Hans
Kelsen14, quando diz que não cabe ao jurista aplicar o direito, criando normas individuais e
concretas e na sua observação “a questão de saber qual é, entre as possibilidades que se
apresentam nos quadros do Direito a aplicar, a correta não é sequer – segundo o próprio
13 KELSEN, op. cit., p.388-390 14 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 368-369.
pressuposto de que se parte – uma questão de conhecimento dirigido ao Direito positivo, não
é um problema de teoria do Direito, mas um problema de política do Direito”.
O certo é que a posição de Kelsen, até mesmo considerando-se as Constituições que
consagram a rigidez da separação dos poderes, como ocorre nos Estados Unidos, considera a
participação do Executivo no processo legislativo, quer seja através do poder do veto, quer
pela possibilidade de apresentação de projetos de lei, como acontece nas democracias
européias.
2 O UNIVERSO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS BRASILEIRAS
Neste capítulo trazemos algumas considerações sobre o Poder Legislativo,
especialmente na visão de Montesquieu. Outra abordagem diz respeito à origem da medida
provisória brasileira que sabe-se foi a Itália sua fonte inspiradora e, também, como esse
instituto acontece na Argentina, México, Uruguai e Espanha. Não se tem a pretensão de
considerar que os exemplos destes países no pertinente à medida provisória, decreto-lei e lei
delegada, aqui trazidos de forma singela e em ligeiras pinceladas, possam ser entendidos
como um estudo de Direito Comparado. São apenas ilustrações apontadas pelo o autor para
demonstrar que as medidas provisórias brasileiras apresentam-se descabidas, principalmente
na forma como vêm sendo editadas. È este o real objetivo, vejamos:
Argentina – Dos 129 artigos da vigente Constituição Argentina, especialmente no
capítulo que trata das atribuições do Poder Executivo (art. 99), não há previsão de decretos-lei
e nem de medidas provisórias. Contudo, a prática tem sancionado o costume de os expedir,
quando há uma necessidade súbita que impõe ao Executivo a realização de uma função não
prevista em lei ou delegada a esse Poder. Bielsa aduz quatro tipos de restrições ao uso do
decreto-lei na Argentina: a) somente o Poder Executivo constitucional pode legitimamente
editar decretos-lei, não se admite o exercício do poder legiferante a um governo de força; b)
não havendo uma necessidade súbita que exija imediata execução de decreto-lei que venha
satisfazê-la, não se justifica a sua expedição; c) o ato deve se revestir da forma de decreto-lei
e ser submetido ao Congresso para aprovação; d) a matéria que pode ser objeto de decreto-lei
é apenas aquela que diz respeito às funções específicas do Poder Executivo, vale dizer, não
poderá, por exemplo, versar sobre matéria de direito privado, direito processual, criação de
impostos etc., todas essas de competência exclusiva do Congresso.
México – A Constituição mexicana outorga ao Poder Executivo o poder de expedir
decretos com força de lei em algumas situações especialíssimas, que ela própria
expressamente especifica, quais sejam, regular a estabilidade econômica do país ou em casos
de saúde pública. Nos demais casos, resta ao Poder Executivo valer-se da delegação
legislativa a ser dada pelo Congresso, em situações emergenciais, por tempo limitado e em
matérias restritas às descritas no ato da delegação;
Uruguai – A Constituição do Uruguai concede ao Presidente a possibilidade de
solicitar urgência aos seus projetos de lei, pedido esse que deverá ser justificado. Nesses
casos, decorridos o prazo estabelecido, sem que haja pronunciamento do Congresso, o projeto
é tido como aprovado. A única restrição material ao pedido de urgência refere-se às matérias
que exijam quorum qualificado, que deverão tramitar normalmente. Contudo, a limitação
mais importante é a que diz respeito à proibição de que o Presidente envie mais de um projeto
urgente de cada vez. Enquanto estiver tramitando um projeto urgente no Congresso, outro não
poderá ser enviado.
Espanha – Na Espanha, além da lei delegada, a Constituição confere ao Poder
Executivo poderes para a edição de disposições legislativas provisórias, em caso de
“extraordinária e urgente necessidade”. A forma dessas disposições assemelha-se aos
decretos-lei e possuem as seguintes vedações de caráter material, de acordo com o art. 86 da
Constituição: a) ordenamento das instituições básicas do Estado; b) direitos, deveres e
liberdades dos cidadãos; c) regime das Comunidades Autônomas; d) Direito Eleitoral geral. O
Congresso terá trinta dias para convalidá-las, derrogá-las ou transformá-las em projetos de lei
de tramitação regular. Não há qualquer referência sobre seus efeitos, no caso de não serem
aprovadas. Tendo em vista a estabilidade do regime espanhol, a concentração de poder na
figura do rei e um modelo parlamentarista bem definido, a adoção do decreto-lei não é capaz
de gerar crises ou choques de comando entre o Governo e o Parlamento, contudo, ainda
assim, verifica-se que a sua edição é feita com cautela.
2.1 A origem de nossa Medida Provisória
No sistema constitucional brasileiro, o antecedente mais próximo da medida
provisória é o decreto-lei, oriundo do Direito italiano. A doutrina e a jurisprudência daquele
país reconheciam a validade dos decretos de urgência, que eram motivados pela absoluta
necessidade do que consideravam salus republicae suprema lex esto, levando algumas vezes à
ocorrência de abusos.
O decreto-lei representou a atividade normativa do Poder Executivo, surgido no caso
brasileiro, com a Constituição de 1937, que, em seu artigo 12, possibilitava ao Presidente da
República adotá-lo sob a forma de atividade eventual. Essa atividade normativa do Presidente
da República em forma de decreto-lei não constou de nossa Carta Política de 1946,
reaparecendo na Constituição de 1967 e EC nº 01/69, promulgada sob o regime militar
implantado em 1964, com a denominação de decreto com força de lei.
O decreto-lei é típico ato normativo primário e geral, pois representa a existência de
um poder normativo primário próprio do Presidente da República, independente de qualquer
forma de delegação.
Pondo-se, frente a frente, como que contrastando, o decreto-lei e a medida provisória,
algumas diferenças são nitidamente notadas. A primeira diferença é que o decreto-lei tinha
como pressupostos de expedição o modo alternativo, pois seu texto determinava sua adoção
somente em caso de urgência ou de interesse público relevante. A medida provisória, por sua
vez, exige cumulativamente a urgência e relevância.
Relevante mostrar outra divergência. Teoricamente a medida provisória tem um
aspecto de abrangência superior a do decreto-lei, que por sua vez estava subordinado às
condições contidas no artigo 55 da Emenda Constitucional nº 01/1969, a seguir transcrita:
O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e
desde que não haja aumento de despesas, poderá expedir decretos-leis sobre as
seguintes matérias:
I. Segurança nacional; II. Finanças públicas, inclusive normas tributárias; e III. Criação de cargos públicos e fixação de vencimentos.
O decreto-lei estava assim limitado pela não ocorrência de aumento de despesas e por
limitações materiais. Pelo atual texto constitucional, a edição de medida provisória não possui
limites, podendo, inclusive, versar praticamente sobre todas as matérias, excetuadas as poucas
vedações trazidas pela EC nº 32/2001.
Outra diferença se visualiza quanto à aprovação. O decreto-lei previa a figura do
decurso de prazo, isto é, em caso da não manifestação do Congresso Nacional, este era tido
como aprovado tacitamente. A medida provisória impõe a aprovação do Congresso Nacional.
Outro aspecto diz respeito à nulidade dos atos praticados na vigência do ato
normativo. A rejeição do decreto-lei não acarretava a nulidade dos atos praticados durante a
sua vigência. Já a medida provisória perde a sua eficácia de modo retroativo (ex tunc). Na
medida provisória é admitida a apresentação de emendas por parte do Congresso Nacional, o
que não era possível nos decretos-lei, que seriam aprovados ou rejeitados.
Foi a medida provisória italiana a fonte para a adoção da medida provisória pelo
constituinte brasileiro de 1988. A Constituição italiana de 1947, em seu artigo 77, abaixo
transcrito, refere-se à figura da medida provisória com força de lei como provvedimenti
provvisori com forza di legge.
Art. 77 O Governo não pode, sem delegação das Câmaras, promulgar decretos que tenham valor de lei ordinária. Nos casos extraordinários de necessidade e de urgência, o Governo poderá adotar, sob sua responsabilidade, medidas provisórias com força de lei. Deve, contudo, apresentá-las no mesmo dia para apreciação das Câmaras que, mesmo dissolvidas, são convocadas e devem reunir-se dentro de cinco dias. Os decretos perdem o seu poder legal desde o início, se não convertidas em lei no prazo de sessenta dias a partir de sua publicação. As Câmaras podem, contudo, regulamentar com relações jurídicas surgidas na base dos decretos não convertidos em lei.
Para Raul Machado Horta15 “há distinção entre norma e provvedimenti, esta última
significando ato particular e concreto, sendo, portanto um termo usado para indicar
provisoriedade, o que elimina a idéia de seu uso para regular uma série indeterminada de
casos futuros”.
Por essa razão, a Constituição italiana não empregou a palavra norma, pois, se assim o
fizesse, implicaria em douradora aplicação no tempo. Ainda segundo Horta16, como fonte,
temos a seguinte posição:
O modelo italiano projetou-se no Projeto de Constituição da Comissão de Sistematização da Assembléia Nacional Constituinte de nosso País, sob a Presidência do Senador Afonso Arinos de Mello Franco, que adotou o regime parlamentar de governo e a ele incorporou as medidas provisórias, com força de lei, reduzindo a técnica recolhida do modelo parlamentar italiano.
2.2 O regime jurídico-constitucional das MPs
As medidas provisórias brasileiras têm por objeto matérias que podem ser reguladas
por lei ordinária, diferentemente das leis delegadas (art. 68 § 1º da CF/88) pelas quais o
15 HORTA, Raul Machado. Medidas Provisórias. Revistas de Informações Legislativas, n. 107. 16 HORTA, Raul Machado. op. cit.
Legislativo autoriza o Chefe do Poder Executivo, através de Resolução do Congresso
Nacional, especificando o seu conteúdo e os termos de seu exercício, com limitações impostas
pela Carta Magna.
Zeno Veloso17, para quem a medida provisória tem por objeto matérias que podem ser
reguladas por lei ordinária, traz contribuição expressiva sobre este instituto:
Embora não tenha a Constituição limitado, expressamente, o conteúdo material das medidas provisórias – e se trata de uma omissão gravíssima, indesculpável –, não se pode concluir, só por esta verificação gramatical – e superficial – que possa o Presidente da República editar medidas provisórias sobre qualquer matéria. Quem interpretar a Carta Magna com lógica, visão de conjunto e preocupação sistemática, tendo presente o princípio democrático e a segurança jurídica, enxergará, inexoravelmente, limitações constitucionais implícitas para a atuação, neste campo, do Poder Executivo.
A promulgação da Emenda Constitucional nº 32/2001 parece que buscou criar limites
e competências, nos moldes do que prevêem as leis delegadas. Veja-se o artigo 68, § 1º, da
CF/88, que estabelece que não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do
Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado
Federal, matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:
a) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de
seus membros;
b) nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;
c) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.
Se há rigor e limites na regulamentação de leis delegadas que é uma forma
constitucional de atribuição por delegação de competência legislativa ao Poder Executivo,
adotada e de uso comum em muitos países, por que não se retirar a medida provisória de
17 VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 143-146.
nossa sistema constitucional, a qual que tem por objeto matérias que podem ser reguladas
através de lei ordinária?.
Para Clélio Chiesa18 as medidas provisórias demonstram-se inadequadas ao sistema
governamental estabelecido pela Constituição, sabidamente elaboradas para o sistema
parlamentarista de governo, confrontam o sistema presidencialista , tornando-se uma pedra de
tropeço no caminho da harmonia entre os Poderes, cujas funções são diversamente exercitadas
no Presidencialismo, de marcada independência de cada qual das funções estatais.
2.3 As Medidas Provisórias nos Estados
Das vinte e sete Constituições Estaduais e Distrital, poucas trazem a previsão de
edição de medidas provisórias. Dentre essas Cartas Estaduais que atribuem ao Chefe do Poder
Executivo a faculdade de editar medidas provisórias, temos as de Tocantins (artigo 27, § 3º),
de Santa Catarina (artigo 51), do Acre (artigo 79) e do Piauí (artigo 75, § 3º).
A doutrina não dominante, representada por Hely Lopes Meireles e José Nilo de
Castro, entende que o instituto das medidas provisórias pode ser adotado pelos Estados. A
eles, soma-se Antonio Roque Carrazza19
nada impede, porém, que exercitando seus poderes constituintes concorrentes, os Estados, Municípios e Distrito Federal, respectivamente, prevejam a edição de medidas provisórias mutatis mutandis, devem ser aplicados os princípios e limitações que cercam as medidas provisórias federais.
18 CHIESA, Clélio. Medidas Provisórias (Regime Jurídico-Constitucional). 2. ed. Curitiba: Juruá, 2002. p. 14 19 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 157
Carrazza20, na mesma obra, assim arremata
A partir do federalismo, chega-se à conclusão de que seja admissível a edição de medidas provisórias, obedecidos os pressupostos constitucionais por Estados e pelo Distrito Federal”. [...] O desaparecimento da vedação constitucional aos Estados de editarem decretos-lei, constante da Constituição anterior, é outro argumento ponderável.
A jurisprudência sobre medidas provisórias estaduais, do Supremo Tribunal Federal,
considera as regras básicas de processo legislativo previstas na Constituição Federal como
modelos obrigatórios às Constituições Estaduais.
E o exemplo, recente, atual, é a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2391-8, de
13.08.2003 (medida liminar), Rel. Min. Ellen Gracie, proposta contra o artigo 51, §§ 1º, 2º e
3º, da Constituição do Estado de Santa Catarina, com a seguinte decisão: “As medidas
provisórias perderão a eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de
trinta dias a partir de sua publicação, devendo a Assembléia Legislativa disciplinar as relações
jurídicas delas decorrentes”. Destaque-se, por ser fundamental, a parte final da decisão
proferida na citada ADIn
É vedada a edição de medida provisória sobre matéria que não possa ser objeto de lei delegada. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória não deliberada ou rejeitada pela Assembléia Legislativa.
Como no caso da medida provisória federal, a estadual também é objeto passível de
crítica, pelo fato de que o Executivo, em nome do Estado Social, venha interferindo cada vez
mais abusivamente na seara do Poder Legislativo. E a grande preocupação está por conta de
que algumas Constituições Estaduais têm previsão de edição de medidas provisórias, embora,
na prática, pouco ainda tenha sido usado esse instrumento. Verifica-se que somente o
Executivo Federal, utilizando-se do instituto das medidas provisórias macula a harmoniosa
20 CARRAZA, op. cit, p. 159
relação entre os poderes. Imagine-se o que aconteceria se os vinte e sete (27) governantes dos
Estados e do Distrital Federal também pudessem editar medidas provisórias?
O certo é que, considerando a média de sessenta e cinco MPs federais editadas
anualmente e hipoteticamente admitindo-se que os Governadores não seriam vorazes na
adoção desse instituto, teríamos o número anual de 1.775 MPs estaduais, o que já seria
suficiente para entulhar os tribunais dos Estados com pedidos de declaração de
inconstitucionalidade, especialmente em razão das questões políticas regionais, bem mais
acentuadas e palpáveis de acordo com as características de cada região.
É uma questão para reflexão, pois a adoção de medidas provisórias pelos Estados
pode sim ser motivo de preocupação, principalmente se forem considerados os abusos
cometidos pelo Executivo Federal nessa questão, quando, por exemplo, edita medidas
provisórias sem o timbre da urgência e da relevância.
Crê o autor que as questões da governabilidade e do Estado Social, embora atinentes
ao Poder Executivo, poderiam sim ser antes submetidas ao crivo de um Legislativo ágil e
cônscio de suas reais atribuições, tanto na esfera estadual como na federal.
Sob esses aspectos, o certo é que nenhum argumento deve ser base para a mitigação
ou supressão da separação dos poderes. Evocando questões de relevante interesse nacional
como justificativa para o Executivo adquirir poderes extraordinários de legislar, enfraquece-se
o freio desta função, desatando as amarras jurídicas que dificultam o surgimento de governos
autoritários.
Cada Poder deve ficar adstrito ao cumprimento de suas atribuições específicas, quais
sejam, executar, legislar e julgar, respeitados os contornos e os limites de intromissão
definidos como checks and balances.
2.4 Arbitrariedade do Executivo ou inércia do Legislativo?
As questões que mais merecem a atenção dos estudiosos do direito, no tema objeto
desta dissertação, dizem respeito às reedições das medidas provisórias que aconteciam antes
da EC nº 32/2001 e suas atuais numerosas e abusivas edições, fato que tem levado os juristas
brasileiros a questionar os aspectos da urgência e da relevância dessas medidas, fundamento
utilizado pelo Chefe do Poder Executivo Federal para adotá-las.
Quando ainda eram possíveis as reedições de medidas provisórias, anteriormente à
vigência da EC nº 32/2001, buscava-se uma segunda via, uma alternativa lógica, para os
assuntos tratados por medida provisória, sem que a doutrina oferecesse uma proposta objetiva.
A referida emenda não atingiu o seu objetivo, hoje é um instrumento impotente para
conter a fúria do Executivo em editar medidas provisórias, daí porque apontamos os §§ 1o e 2o
do artigo 64 da Constituição Federal como alternativa para a apresentação de matérias de sua
iniciativa porque também permite ao Executivo pedir urgência para projeto de lei ordinária,
procedimento que igualmente trata das medidas provisórias, sem a mácula de intromissão no
Legislativo e sem as críticas da sociedade organizada.
Neste caso, o texto constitucional apontado determina que, se Câmara dos Deputados
e o Senado Federal não se manifestarem sobre a propositura, sucessivamente, em até quarenta
e cinco dias, esta é incluída na Ordem do Dia, sobrestando-se a deliberação quanto aos demais
assuntos, para que se ultime a votação.
Assim, a adoção dos §§ 1º e 2º do artigo 64 da CF/88, para a apreciação de projetos de
leis com pedido de urgência, poderia ser o caminho mais apropriado para o universo de um
Estado Democrático de Direito, assentado no artigo 1o de nossa Carta Magna, e com respeito
ao princípio da tripartição dos Poderes, previsto no artigo 2o do texto constitucional.
Note-se que o artigo 64, além de ser instrumento compatível com o Estado
Democrático de Direito, no caso de o Congresso Nacional não se manifestar sobre os projetos
do Executivo timbrado com pedido de urgência no prazo do §2º, serão sobrestadas todas as
demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo
constitucional determinado, até que se ultime a votação. Noutras palavras, os projetos terão
votação preferencial sobre todas as outras iniciativas. No caso das MPs, além de se
constituírem instrumento de indevida intromissão no Legislativo, não se manifestando o
Congresso Nacional no prazo do § 6º, do art. 62, ficam sobrestadas todas as demais
deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando, sem exceção. Aqui ocorre o
“trancamento das pautas”, objeto de críticas da imprensa.
Por esse modo de compreensão, com a utilização da norma constitucional proposta,
poder-se-ia banir do nosso sistema jurídico constitucional o desnecessário instituto das
medidas provisórias. Assim, o inciso V do artigo 59 e a integralidade do artigo 62 de nossa
Carta Política seriam letras mortas.
Entretanto, mesmo em vigor, a Emenda Constitucional nº 32/2001, observa-se, a cada
ano, um aumento do uso de medidas provisórias apresentadas pelo Presidente da República. O
Jornal do Senado nº 1.989, de 16.08.2004, editado em Brasília, traz a manchete “Senadores
apontam excesso de Medidas Provisórias como entrave à ação do Congresso”, que mostra
que o trancamento das agendas de votações por medidas provisórias não convertidas em leis,
tornou-se uma prática freqüente desde 2001, quando entrou em vigor a Emenda
Constitucional nº 32 prevendo que a MP não examinada até quarenta e cinco dias depois de
sua edição, passa a obstruir as votações na Casa legislativa em que esteja tramitando.
Dessa matéria veiculada pelo Jornal do Senado, tem-se o depoimento do presidente
da Comissão de Constituição e Justiça, senador Edison Lobão, revoltado porque o Presidente
da República abusa da prerrogativa de editar Medidas Provisórias. Para o senador Magno
Malta, o governo tem demonstrado falta de respeito com o Congresso. Os membros do
Congresso Nacional, por mais atrelados que estejam ao governo, reclamam urgentes
mudanças no processo de votação das medidas provisórias.
Ainda sobre a questão, vale ser mencionado um texto do então senador Fernando
Henrique Cardoso extraído do artigo Constituição e Prepotência que ele assim destacou no
jornal A Folha de São Paulo, p. 2, datado de 07.06.1990:
O Executivo abusa da paciência e da inteligência do país, quando insiste em editar medidas provisórias sob o pretexto de que, sem sua vigência imediata. O Plano Econômico (Collor) vai por água abaixo, e, com ele, o combate à inflação. Com esse ou com pretextos semelhantes, o governo afoga o Congresso numa enxurrada de medidas provisórias. O resultado lamentável: a Câmara e o Senado nada mais fazem que apreciá-las aos borbotões. É certo, porém que, seja qual for o mecanismo, ou o Congresso põe ponto final no reiterado desrespeito a si próprio e à Constituição, ou então é melhor reconhecer que no País só existe um Poder de verdade, o do Presidente. E daí por diante esqueçamos também de falar em democracia.
O resto da história todos sabem. Na Presidência da República, de 1994 a 2002,
Fernando Henrique Cardoso, somente no seu primeiro governo, apresentou 217 medidas
provisórias, que tiveram 2.705 reedições.
Por essas paradoxais atitudes dos Chefes do Executivo, que antes de chegarem à
Presidência da República eram visceralmente contra a adoção de medidas provisórias, somos
levados ao seguinte questionamento: é o chefe do Executivo arbitrário ou é o Legislativo que
é omisso?
Examinando a história política brasileira, a resposta mais apropriada seria a de que
ocorrem as duas situações, com uma maior crítica ao Poder Executivo pelo conteúdo
densamente político na adoção desse instituto.
2.5 Os pressupostos de edição
No exame do texto constitucional, não é difícil perceber que a edição das medidas
provisórias pelo Presidente da República ficou condicionada à presença indispensável de dois
pressupostos: a relevância e a urgência.
Nesse aspecto, nenhuma dúvida subsiste entre os especialistas: quer a denominação
seja a de pressupostos, quer seja a de condições, o certo é que a relevância e a urgência se
enquadram perfeitamente num e noutro caso. Ou seja, tanto é possível dizer que a edição de
medida provisória pressupõe a sua ocorrência, como também não será errôneo afirmar que a
edição está condicionada à sua presença.
Manuel Gonçalves Ferreira21 , por exemplo, deixa bem claro que, em relação às
medidas provisórias, “tal poder é condicionado pela ocorrência de relevância e urgência”.
Pinto Ferreira Filho22 , por seu turno, consigna: “A edição das medidas provisórias está
condicionada pela existência de pressupostos constitucionais de caráter positivo, quais sejam
a relevância e a urgência”, cuja inobservância deslegitima a validade da medida provisória”.
Em última análise, não se pode deixar de concluir que, para a legitimidade da edição
desses atos especialíssimos, é imprescindível que a situação fática tenha essas duas
características inafastáveis, quais sejam, a relevância e a urgência.
Para Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em seu Dicionário da Língua Portuguesa,
editado pela Nova Fronteira em 1999, “relevância” provém de relevo, significa importância e
“urgência” tem o significado de necessidade imediata, de situação de emergência.
21 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Do Processo Legislativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 234. 22 FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 288. Vol. 3.
Em outras palavras, haverá relevância quando o assunto tratado pela medida
provisória for de grande importância para o Estado e, logicamente, revestido de muita
seriedade. Por outro lado, ocorrerá urgência quando a disciplina do assunto for de tal modo
premente e necessária que não poderá aguardar o lerdo e burocrático processo legislativo
comum.
Tais pressupostos, logo se vê, são cumulativos e não alternativos. Para que a medida
provisória seja legítima e constitucional, é preciso que a situação fática geradora do ato seja
ao mesmo tempo relevante e urgente. E daí logo podemos asseverar que se a situação for
apenas relevante, mas não urgente, ou, ao contrário, se for apenas urgente, mas não relevante,
o Presidente não terá legitimidade para editar a medida provisória. Se o fizer, estará atuando
de forma inconstitucional por inobservância do artigo 62 da Lei Maior.
2.6 A idéia de “relevância” e “urgência”
Os pressupostos de relevância e urgência, necessários à edição das medidas
provisórias, conforme o art. 62 da Constituição, configuram-se indiscutivelmente como
vocábulos que expressam conceitos jurídicos abertos. Não é difícil perceber o motivo. A
relevância e a urgência são valoradas de forma diversa conforme o intérprete, de modo que o
que é relevante e urgente para um poderá não o ser para outrem. E o intérprete processará a
interpretação em conformidade com a ótica que tiver sobre a situação fática a ser considerada,
tendo-se que admitir, por conseguinte, o necessário caráter de variabilidade da valoração.
Aliás, conjugando-se os dois fatores, poder-se-ão obter quatro valorações diferentes:
1ª) o intérprete entende presentes a relevância e a urgência;
2ª) considera que essa ou aquela situação se reveste de relevância, mas não de
urgência;
3ª) pode, ao revés, considerar a mesma situação como de urgência, mas não de
relevância; e
4ª) pode, enfim, entender que não há nem relevância nem urgência.
Conseqüência inevitável da variabilidade dos juízos de valor sobre os conceitos de
conteúdo impreciso reside na necessidade de que o ordenamento jurídico indique o agente
estatal responsável pela valoração. Significa que a função de avaliar os critérios constitutivos
do conceito é atribuída a determinado ou determinados agentes. A estes incumbirá, num
processo de avaliação da situação fática a ser considerada, e tendo sempre em mira o interesse
público (que, em última análise, é fator inafastável pelos agentes do Estado em qualquer
situação), externar a interpretação da mesma situação e extrair dela os efeitos que a ordem
jurídica autoriza.
Como a competência para fixar o juízo de valor pertence ao agente determinado,
prévia e expressamente pelo ordenamento jurídico, pode dizer-se que a exteriorização que
resulta de sua interpretação constitui manifestação de vontade dotada de supremacia, por isso
que autorizada pelo ius positum. Podemos mesmo caracterizá-la como vontade estatal
dominante, porquanto, em princípio, todas as demais vontades que resultarem do processo de
valoração da mesma situação fática levada a cabo por outras pessoas restarão em nível de
subordinação à vontade autorizada na norma jurídica.
No caso das medidas provisórias, a Constituição é clara ao indicar o Presidente da
República como o agente que tem competência para manifestar a vontade estatal dominante.
“Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas
provisórias [...]”, é esse o texto constitucional previsto no art. 62 da Constituição.
Nele se verifica serem nítidas as linhas delineadoras do instituto. Primeiramente, os
pressupostos constituem conceitos jurídicos indeterminados, porque suscetíveis de valoração
subjetiva por parte do intérprete. Em segundo lugar, a atribuição específica para proceder à
valoração é do Presidente da República, e, se o é, não pode competir a ninguém mais senão a
ele. Por último, temos que, mesmo diante da valoração no sentido da existência da relevância
e urgência, o Presidente da República não está sujeito à obrigatoriedade de expedir a medida
provisória: “[...] poderá adotar [...]”, são as palavras da Constituição, e essas palavras, longe
de indicarem coerção para agir, refletem mera atuação facultativa.
Em virtude dessa atribuição privativa, outorgada ao Presidente da República, de
mensurar a relevância e urgência com vistas à edição de medida provisória, tem sido
levantada freqüentemente a indagação sobre se é juridicamente possível, ou não, submeter
essa avaliação ao crivo do Poder Judiciário.
2.7 O controle judicial das Medidas Provisórias
No seu trabalho sobre as medidas provisórias, Vera Cristina Gaspari Monteiro23 traz
opinião favorável ao controle jurisdicional sobre os pressupostos de relevância e urgência. Tal
controle, segundo o qual a urgência e a relevância, embora discricionárias, são absorvidas e
dissolvidas juridicamente no momento em que a medida é editada, sendo seu entendimento
23 MONTEIRO, Vera Cristina Gaspari. Medida Provisória: panorama doutrinária e jurisprudencial. Revista Trimestral de Direito Administrativo. n. 16, p. 141 e segs, 1996.
afinado com o de Lúcia Valle Figueiredo, ambas admitindo o citado controle. Assim ela
discorre
se cabe ao Judiciário controlar a constitucionalidade das leis, emanadas do Legislativo, com mais razão, dada a excepcionalidade do poder conferido ao Presidente da República, pode constatar se aqueles pressupostos foram ou não verdadeiramente preenchidos, se aquela autoridade observou ou ultrapassou o balizamento determinado constitucionalmente.
A referida autora mostra ainda, sem divergir, que o Ministro José Celso de Mello
Filho, do Supremo Tribunal Federal, também sustenta que o Judiciário não teve subtraído o
poder de apreciar e até mesmo de valorar os requisitos constitucionais. Completa a relação,
trazendo idêntica opinião de Clève, para quem caberá ao Judiciário delimitar o alcance e a
caracterização da locução “relevância” e “urgência”.
Segundo Zeno Veloso24, o Brasil, desde a Constituição de 1891,
adota o modelo difuso de controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e a declaração de inconstitucionalidade pode ser obtida por via de defesa ou de exceção, oponível perante qualquer juiz ou tribunal, desde que a questão da constitucionalidade seja relevante para a decisão do caso concreto, que tem efeito inter partes.
Paralelamente, temos o controle jurisdicional concentrado, por via de ação direta de
inconstitucionalidade, de competência do Supremo Tribunal Federal, destinada a alcançar a
declaração de inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo federal ou estadual
(artigo 102, inciso I, alínea a, da CF/88).
Como já foi dito, a ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) é proposta perante o
STF, exclusivamente, que decide a questão em primeira e única instância e o controle de
24 VELOSO, Zeno. op. cit., p. 61
constitucionalidade, em tese, é de competência privativa do órgão de cúpula do Poder
Judiciário, na qualidade de guardião da Carta Magna.
E medida provisória é alcançada por ação direta de inconstitucionalidade (ADIn), cujo
processo está disciplinado na Lei nº 9.868/99.
3 O PROCESSO LEGISLATIVO DAS MPs
Sabe-se que as monarquias absolutistas contribuíram de forma muito decisiva para o
desenvolvimento do Estado Democrático de Direito, naturalmente que após muitos séculos de
sujeição do homem ao poder tirano dos governantes, consolidando o pensamento sobre a
necessidade de regras claras tanto para o poder do Estado quanto para a responsabilidade dos
governantes. Estabeleceu, assim, regras sobre os direitos dos homens e a criação de
instrumentos capazes de garantir a efetividade desses direitos, imprescindíveis para a defesa
dos cidadãos das injustiças praticadas pelas autoridades públicas.
Em razão desses fatos surge o constitucionalismo, movimento resultante do ideário da
Revolução Francesa que teve por objetivo limitar o poder do Estado e garantir direitos
individuais através de um conjunto de normas e é aí que nasce o Estado Democrático de
Direito para, além de uma concepção meramente formalista, garantir a concretização das
aspirações humanas de convivência pacífica e de justiça social, contribuindo sobremaneira
para a realização desses objetivos a teoria defendia por Montesquieu.
Segundo o princípio da separação de Poderes, o equilíbrio entre o poder soberano do
Estado e os direitos individuais estaria devidamente assegurado se o exercício das três funções
estatais (legislativa, executiva e jurisdicional) estivesse a cargo de órgãos distintos e
autônomos25.
25 O art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem, de 1789: “Toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos e nem determina a separação dos Poderes, não tem Constituição”.
Na verdade os três Poderes constituídos do Estado ficam limitados por um conjunto
de normas constitucionais, não havendo validade em regras ou procedimentos que
desrespeitem a Constituição. Há limites impostos a cada um dos Poderes e o próprio texto
constitucional estabelece controles no exercício do poder estatal. Na Constituição existem
mecanismos que consagram um “sistema de freios e contrapesos”, ou o “checks and
balances” na doutrina americana, de modo que todo o ordenamento jurídico trabalhe na
defesa do bem comum, respeitando os princípios da dignidade da pessoa humana e da justiça
social.
Especificamente no caso brasileiro, a Assembléia Nacional Constituinte promulgou a
atual Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, o poder constituinte originário
é o poder inicial, autônomo, ilimitado e incondicionado de fazer uma Constituição para um
país.
Para tanto, o poder constituinte originário destinou o monopólio da criação das
normas jurídicas ao Poder Legislativo, função estatal cujo exercício ficou a cargo do
Congresso Nacional, que é órgão independente e autônomo, composto pelas duas Casas
Legislativas (Câmara dos Deputados e o Senado Federal), formando, assim, um sistema
bicameral de produção de leis, com atuação fixada pela Carta Magna que enumera sete
espécies principais de normas a serem produzidas pelo Estado e apreciadas pelo Poder
Legislativo: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas,
medidas provisórias, resoluções e decretos legislativos.
O bicameralismo é um sistema em que as duas Casas representativas manifestam-se
sobre a elaboração de uma lei. No texto constitucional vigente, a função de legislar é dividida
entre essas duas Câmaras do Congresso Nacional e, portanto, para a elaboração válida das leis
tanto a Câmara dos Deputados como o Senado Federal devem deliberar sobre a matéria e
concordar com o texto ao final produzido. Noutras palavras, a efetividade do sistema
bicameral pressupõe necessariamente o funcionamento de cada uma das Casas Legislativas,
mesmo considerando a existência de Regimentos Internos com a descrição e procedimentos a
serem observados no desenvolvimento dos trabalhos legislativos e administrativos de
Deputados e Senadores.
O processo legislativo bicameral adota a forma da sessão separada, isto é, a Câmara
dos Deputados e o Senado decidem em dias, locais e horários diferenciados, naturalmente de
cada um em seu respectivo Plenário, sobre matérias postas ao exame do Legislativo.
Entretanto, no texto constitucional há a previsão de “sessão conjunta” do Congresso
Nacional (prevista desde a Constituição de 1934), que nada mais é do que a reunião de
Deputados e Senadores para deliberação em um mesmo Plenário, juntos em um mesmo dia e
horário, sobre determinada matéria determinada na pauta. Mesmo a despeito da sessão
conjunta, é mantida a autonomia das duas Casas e no momento da votação, ou seja, a da
deliberação das matérias, Deputados e Senadores votam separadamente e após a proclamação
do resultado, conforme o caso, será realizada a votação pelos membros da outra Casa.
Disciplinando os trabalhos conjuntos, comuns às duas Casas Legislativas, surge uma
outra norma no âmbito do Congresso Nacional, isto é, o Regimento Comum, originalmente
aprovado pela Resolução nº 1/1970, do Congresso Nacional, bem como por outras Resoluções
conexas. As regras do Regimento Comum disciplinam as reuniões concomitantes entre os
Deputados e os Senadores, com votação em separado por Casa, ficando também estabelecido
que o Congresso Nacional poderá ser convocado fora do período das sessões legislativas
ordinárias (de 15 de fevereiro a 15 de dezembro de cada ano), desde que o seja pelo
Executivo, para deliberar especificamente sobre pauta predeterminada., inclusive nos casos de
decretação de estado de defesa ou de estado de sítio.
É importante esclarecer que o processo legislativo relativamente à edição de medidas
provisórias, especialmente após a promulgação da EC nº 32/2001, funda-se na Resolução
Legislativa nº 01/2002 (Regimento Comum das duas Casas Legislativas) que objetiva
delimitar a edição de medidas provisórias e garantir a prontidão na apreciação pelo Congresso
Nacional.
A não deliberação da Comissão Mista prejudica a uniformização da apreciação dos
pressupostos constitucionais, o que, pela delonga, traz danos ao processo legislativo e
desordem no ordenamento jurídico.
O efeito prático apenas mitiga com relação á nossa pretensão de retirar tal instituto do
sistema constitucional brasileiro. A Medida Provisória nº 28, por exemplo, foi rejeitada por
inconstitucionalidade material, mas produziu efeitos durante três meses a partir de sua edição.
A rejeição se deu por unanimidade da Câmara dos Deputados por se tratar de Processo Penal,
matéria vetada no art. 62, §1º, I, b, da CF/88.
Por outro lado, a MP nº 44 confirma a necessidade da Comissão Mista (das duas
Casas Legislativas). Esta foi editada e publicada no DOU de 26.6.2002, aprovada na Câmara
dos Deputados. Em 12 de novembro do mesmo ano, o Senado Federal a rejeitou, por ausência
dos pressupostos da urgência e da relevância, embora tenha produzido efeitos imediatos. O
mesmo também aconteceu com as MPs nºs 42 e 62, que embora publicadas, foram rejeitadas
pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados.
Especificamente no episódio da MP nº 62, que mesmo rejeitada pela Câmara dos
Deputados foi convertida em Projeto de Lei de Conversão, PLV nº 27/2002, este
integralmente rejeitado pelo Senado Federal.
O texto provisório do Executivo, somente após cinco meses da data de sua edição, foi
decidido pelo Congresso Nacional, demonstrando que este abdicou, mais uma vez, do poder
de frear o abuso nas edições das medidas provisórias.
4 QUESTÃO INTRIGANTE, PREJUDICIAL E INCONSTITUCIONAL
Medidas provisórias e seus problemas no sistema constitucional brasileiro objetiva
sim oferecer uma posição crítica, especialmente no que se refere ao acentuado e desnecessário
uso desse instituto, muitas vezes utilizado sem o timbre da urgência e da relevância, fato que,
num primeiro plano, o macula de inconstitucionalidade formal. O assunto intriga pela forma
abusiva como o Poder Executivo vem editando as medidas provisórias. Para demonstrar esta
afirmação basta a indicação dos governos do Presidente Fernando Henrique Cardoso (de
01.01.1995 a 31.12.2002) e um pouco mais da metade do de Luiz Inácio Lula da Silva (de
01.01.2003 a 01.05.2005) que editaram 213 Medidas Provisórias, apesar das limitações
contidas no artigo 62, introduzidas com a promulgação da EC nº 32/2001 que veda edição de
medida provisória relativa, entre outras matérias, a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos, direito eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de
seus membros; planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos
adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º.
Além das vedações do artigo 62 da Constituição Federal, com as alterações
introduzidas pela EC nº 32/2001, que trouxe um bom número de proibições para a edição de
medidas provisórias, há, ainda, a vedação do artigo 246, da CF/88, que proíbe tais espécies
normativas com a finalidade de regulamentar os artigos 170, 171, 176 e 178 de nossa Carta
Política, conforme redação das Emendas Constitucionais nºs. 06 e 07, ambas de 16.08.1995.
Em certo momento do nosso estudo, até vislumbramos a idéia da limitação do número
de medidas provisórias por período legislativo. Esta idéia feneceu pela desconfiança que a
sociedade tem dos políticos, quer pela falta de independência de uma boa parte deles, quer por
seus comprometimentos pessoais com o Poder Executivo.
Vencida a primeira hipótese, o desenvolvimento do trabalho aponta para a
desnecessidade do uso das medidas provisórias no sistema constitucional brasileiro e indica
um caminho lógico e sem os incômodos trancamentos das pautas do Congresso Nacional,
como vem acontecendo nos últimos cinco anos.
Ver-se-á, no decorrer deste estudo, que, no contexto do Direito Constitucional, há a
indicação de um meio capaz de retirar as medidas provisórias de nosso sistema jurídico-
constitucional, caso o Chefe Executivo da União adotasse o art. 64, §§ 1º e 2º, da Carta
Política, que prevê a solicitação de urgência para os projetos de lei de sua iniciativa.
A prejudicialidade e a inconstitucionalidade devem ser aspectos obrigatórios a serem
abordados por quem se dispuser a fazer uma construção dogmática a respeito das fronteiras e
implicações decorrentes da aplicabilidade das medidas provisórias. Aurélio, em seu
Dicionário da Língua Portuguesa, define prejudicialidade como qualidade ou caráter de
prejudicial.
Sob o prisma processual civil, ela ocorre como situação decorrente da impossibilidade
de se apreciar um objeto processual, dependente, sem interferir na análise de um outro e nesse
sentido de dependência só tem razão de ser perante ações em que o desfecho de uma pode ser
suscetível de inutilizar os efeitos pretendidos na outra (definição encontrada no AC do STJ de
28/5/1991, in BMJ 407-455).
A prejudicialidade refere-se à hipóteses de objetos processuais que são antecedentes
da apreciação de um outro objeto que os inclui como premissas de uma decisão mais extensa.
Por isso ela tem sempre por base uma situação de conjunção por inclusão entre vários objetos
processuais simultaneamente pendentes em causas diversas.
No processo legislativo e especificamente sobre a prejudicialidade das medidas
provisórias, Juliana Carla de Freitas Valle26 informa que “prejudicialidade é a declaração do
Poder Legislativo durante as deliberações de uma matéria para determinar a perda de
oportunidade de apreciação. A declaração final de prejudicialidade implica arquivamento da
matéria”.
Um exemplo prático de prejudicialidade no instituto das medidas provisórios ocorreu
no episódio da MP nº 62, que rejeitada pela Câmara dos Deputados, foi convertida no PLV nº
27/2002. A referida medida provisória foi declarada prejudicada.
Por outro lado, inconstitucionalidade significa não estar de acordo com a
Constituição, apenas para expressar uma singela definição. E medidas provisórias sem os
requisitos da urgência e da relevância são inquestionavelmente inconstitucionais.
Para Clemerson Melin Cléve27 , cabe ao Poder Judiciário delimitar o alcance e a
concretização da locução “urgência e relevância”. Também, para Vera Cristina Gaspari
Monteiro28, que em seu trabalho apresenta uma resenha completa dos opinamentos favoráveis
ao controle jurisdicional acerca dos requisitos de urgência e relevância. O mesmo autor assim
se posiciona
26 VALLE, Juliana Carla de Freitas do. Medidas Provisórias: o procedimento legislativo e seus efeitos jurídicos. Brasília: FDK, 2004. p. 70. 27 CLÉVE, Clémerson Melin. As Medidas Provisórias e a Constituição Federal de 1988. Curitiba: Juruá, 1991. p. 48 28 MONTEIRO, Vera Cristina Gaspari. op.cit., p.141
Se cabe ao Judiciário controlar a constitucionalidade das leis, emanadas do Legislativo, com mais razão, dada a excepcionalidade do poder conferido ao Presidente da República, pode constatar se aqueles pressupostos foram ou não verdadeiramente preenchidos, se aquela autoridade observou ou ultrapassou o balizamento determinado constitucionalmente.
Por essa linha de raciocínio, o Poder Judiciário não teve subtraído o poder de apreciar
e até mesmo de valorar os requisitos constitucionais (a urgência e a relevância). Na verdade
nem poderia ser diferente, pois o artigo 5º, inciso XXXV, da CF/88, diz: “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. É ele que decide sobre controle de
constitucionalidade (concentrado ou abstrato).
E o controle de constitucionalidade de lei federal ou ato normativo federal, aqui
compreendidas as medidas provisórias, compete ao Supremo Tribunal Federal, conforme
disposição contida no artigo 102, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal.
O processo do controle de constitucionalidade acha-se regulamento pela Lei nº 9.868,
de 10 de novembro de 1999, que “dispõe sobre o julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal”.
4.1 A amplitude das Medidas Provisórias
O exame do assunto enfocado pretende identificar e mostrar com maior profundidade
o funcionamento do processo de produção de medidas provisórias pelo Executivo Federal e,
no âmbito dos Estados, com menor ênfase, porque poucas Constituições Estaduais trazem a
previsão de MPs. No campo das medidas provisórias estaduais, Carrazza 29 , assim se
posicionou:
nada impede, porém, que, exercitando seus poderes constituintes decorrentes, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal prevejam a edição de medidas provisórias, respectivamente, estaduais, municipais e distritais. A eles, mutatis mutantis, devem ser aplicados os princípios e limitações.
A Constituição Federal, no artigo 62, atribui ao Presidente da República a
competência para a edição de medida provisória, atendidos os pressupostos de urgência e
relevância, sendo um instrumento absolutamente excepcional no âmbito do processo
legislativo, que por esse caráter deve ser interpretado com a máxima restrição. Sob essa
perspectiva, vem a indagação se os Estados podem editá-las. A doutrina nacional entende que
não. Michel Temer30 tem esse entendimento e assim se manifestou: “as medidas provisórias
só podem ser editadas pelo Presidente da República, não podendo adotá-las os Estados e os
Municípios”.
Com previsão no artigo 59, inciso V, da vigente Constituição Federal, a medida
provisória, na verdade é uma espécie normativa que, em nosso sistema, substituiu o decreto-
lei utilizado durante os regimes de exceção. Estabeleceu-se, assim, a possibilidade de o
Presidente da República adotar, em caso de urgência e relevância, medida provisória com
força de lei, na forma constitucionalmente disposta no artigo 62 e com a previsão de que estas
medidas devem ser submetidas de imediato à apreciação do Congresso Nacional, implicando
a sua não conversão em lei, em quarenta e cinco dias, na perda da eficácia, desde a sua edição
(art. 62, § 6º, da CF/88).
29 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 153. 30 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 152.
Como antes se comentou, a medida provisória resulta do exercício, pelo Presidente da
República, de competência constitucional extraordinária e representa a expressão concreta de
um poder cautelar geral deferido ao Chefe do Poder Executivo da União, não sendo fruto de
delegação legislativa, mas um poder originário de legislar em situações excepcionais
conferido pelo Poder Constituinte Originário e condicionado apenas às hipóteses e nos limites
impostos pela própria Constituição.
O uso de medidas provisórias, na quantidade e na forma como atualmente ocorre,
escudado em interesse político nem sempre perceptível pela sociedade, tem um tratamento
crítico neste trabalho porque além de abusivas, muitas delas vêm ao nosso mundo jurídico
sem o comprovado timbre da urgência e relevância.
Também neste capítulo, pretendemos demonstrar que o uso excessivo de medidas
provisórias indicam conseqüências institucionais preocupantes, como a quebra do sistema de
tripartição de poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna de 1988. Nos Estados
Democráticos de Direito o poder de legislar pertence privativamente ao Parlamento, inclusive
no caso de procedimentos provisórios. E isto decorre diretamente da titularidade do poder
conferida pelo povo e ao povo, do qual os Deputados são representantes por força do voto.
Esse é o sistema que vigora no Brasil, conforme está disposto no artigo 1º e seu parágrafo
único, da denominada Constituição Cidadã.
O que deve preocupar a todos é a apropriação institucional desta função pelo Poder
Executivo, que ocupando indevidamente um espaço constitucionalmente reservado ao
Congresso Nacional, provoca distorções de caráter político-jurídico e nos leva a dizer que o
Governo Federal, não satisfeito com as suas funções executivas, apoderou-se das legislativas
e, o que é mais grave, vem procurando minimizar a atuação do Poder Judiciário, como
aconteceu com a edição da MP nº 1507/96, que condicionou a concessão de liminares à
prestação de caução. O que se tem visto é que a divisão dos poderes políticos no Brasil parece
ter uma feição bipartida, pois o Poder Legislativo mostra sinais de inércia diante da usurpação
de sua mais importante atribuição, pelo Poder Executivo.
Não nos limitamos às criticas ao Chefe do Poder Executivo pelo demasiado número
de edições de medidas provisórias, conforme quadro das MPs Editadas apresentado no item
11.1 da presente dissertação. Oferecer-se-á, também, uma alternativa – ponto central do
trabalho – ou seja, a adoção dos §§ 1º e 2º, do artigo 64, da CF, que assegura ao Presidente da
República urgência para a apreciação de projetos de sua iniciativa.
Como instrumental mais eficiente do que o instituto das medidas provisórias, o artigo
64, em seus §§ 1º e 2º do art. 64, sem os resquícios de regime arbitrário e sem a grita dos
parlamentares e da sociedade organizada, poderá se constituir num dispositivo capaz de retirar
as desnecessárias medidas provisórias do nosso sistema constitucional.
4.2 Críticas e sugestões
O presente trabalho decorre de leitura da farta bibliografia escolhida e de artigos
correlatos ao tema, adotando-se posicionamento sob o prisma da dogmática do direito,
recheado de críticas à abusiva utilização de edições de medidas provisórias, pelo Executivo
Federal, porque evidente a usurpação das atribuições próprias do Legislativo, ao argumento
de que o Estado moderno deve ser mais ágil para ter governabilidade.
Exemplos de grave intromissão do Poder Executivo temos as medidas provisórias nº.
1.507 de 19.07.1996 e nº. 2.226 de 04.09.2001. A primeira dispôs sobre a restrição na
concessão de medidas liminares em ações movidas por servidores públicos para obtenção de
reajustes salariais e a segunda provocou problemas e dificuldades para os advogados que
militam na Justiça Federal.
Na MP nº 1.507, a concessão de liminar, nesse caso específico, estaria condicionada à
prestação de caução, garantia real ou fiduciária. A simples enumeração das conseqüências
advindas da aplicação dessa medida provisória torna evidente que ela se traduz restrição
abusiva à atividade do Judiciário, na tutela preventiva dos direitos e interesses postos sob sua
análise. A conseqüência da MP nº. 1.507, é a violação do art. 2º da Constituição Federal, que
assegura “serem os Poderes da União independentes e harmônicos entre si”.
O excessivo uso de medidas provisórias avança de modo preocupante porque estas
iniciativas constituem-se inaceitáveis intromissões noutros Poderes, como acontece com a MP
nº 2.226/2001 que em seu art. 3º agride o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa
julgada. Esta MP interfere na questão dos honorários de sucumbência de advogados em ações
promovidas contra a União, que em caso de existência de acordos implica a responsabilidade
de cada uma das partes pelo pagamento de honorários de seus patronos, mesmo que tenham
sido objeto de condenação com trânsito em julgado.
Doutro modo, mostra o atual processo da edição de medida provisória e como a não
transformação das mesmas em leis, no prazo assinado pela EC nº 32/2001, implica em
trancamento das pautas das sessões ordinárias do Congresso Nacional, que fica impedido de
prosseguir com as discussões, votações e aprovações das proposições a este submetidas.
Entretanto, o estudo não se limita a uma posição simplesmente crítica, aponta-se como
alternativa para esse número acentuado de edições, a adoção, pelo Presidente da República,
dos parágrafos 1º e 2º do artigo 64, da Constituição Federal, que lhe assegura poder solicitar
regime de urgência para a apreciação de projetos de sua iniciativa.
Como instrumental mais eficiente do que a medida provisória prevista no artigo 59, V,
da Constituição Federal, os dois primeiros parágrafos do artigo 64, impõem ao Congresso
Nacional manifestação acerca do projeto de lei de iniciativa do Executivo Federal, dentro de
quarenta e cinco dias, sob pena de, não sendo analisada a proposição de inclusão desta na
ordem do dia, sobrestar-se a deliberação quanto aos demais assuntos, para que se ultime a sua
votação.
4.3 Os Princípios Constitucionais
A Constituição Federal promulgada em 1988 é expressão legítima da vontade do povo
brasileiro e reflete o anseio de uma sociedade mais justa. O seu artigo 1º afirma que a
República Federativa do Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direito, fundado
na dignidade da pessoa humana, abrindo espaço para o exercício da cidadania.
A Constituição é informada por princípios. Na lição de Celso Antonio Bandeira de
Mello31 princípio é
mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.
Entre os princípios que informam a Constituição, destacamos o princípio da
constitucionalidade, que exprime que o Estado Democrático de Direito se funda na
legitimidade de uma Constituição emanada da vontade popular, e o princípio da legalidade
31 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Os pressupostos das medidas provisórias e o controle judicial. Enfoque Jurídico, 6. ed., p. 27, abr/maio, 1996.
(art. 5º, II) expresso como basilar do Estado e que submete todos à lei, mas, diga-se, da lei que
realiza o princípio da igualdade (art. 5º, I) e da justiça.
Encontramos ainda o princípio da ordem econômica e da ordem social referidos no
caput do artigo 193 e no artigo 170 respectivamente; o princípio da independência do juiz
(artigo 95), o princípio da segurança jurídica (artigo 5º, XXXVI e LXXIII) e o princípio da
divisão dos poderes expresso no artigo 2º, que procura ser uma forma de limitação ao uso do
poder, ao mesmo tempo em que separa as funções de legislar, administrar e julgar. Esse
princípio encontra-se presente no sistema constitucional brasileiro desde a proclamação da
independência, no art. 9º da Constituição Imperial de 1824, o que o torna fundamental no
ordenamento jurídico brasileiro. Remete-nos, assim, à Teoria da Tripartição dos Poderes,
devido à necessidade de separar o Poder Legislativo do Poder Executivo como forma de se
evitar a tirania.
Sabe-se que, quem detém o poder costuma não medir esforços para se manter nele,
bem como que o exercício do poder tende, naturalmente, a ultrapassar os limites estabelecidos
pela lei, cometendo-se abusos. Surge, então, a necessidade de uma constante alternância de
poderes no regime democrático.
O atual texto constitucional expressa no art. 2º que: “são poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. No entanto, a
divisão desses poderes não é rígida, daí o Poder Constituinte ter criado um mecanismo de
exceção à separação dos poderes, expresso pelo art. 62, parágrafo único, a chamada Medida
Provisória.
5 MEDIDAS PROVISÓRIAS: NORMAS E FORMAS
Em conformidade com o texto constitucional, o Constituinte Originário categorizou a
medida provisória como sendo uma espécie normativa e por isso mesmo apta a criar direitos e
obrigações. Todavia, num primeiro exame fica claro que mesmo estando previsto no artigo
59, inciso V, da Constituição Federal, não é lei. A força de lei que a medida provisória
adquire, após a sua regular publicação, mesmo como atributo de dispositivo legal não é
suficiente para torná-la lei, posição esta também defendida por Michel Temer 32 , nestes
termos: “Lei é ato nascido no Poder Legislativo o que se submete a um regime jurídico
predeterminado na Constituição, capaz de inovar originalmente a ordem jurídica, ou seja, criar
direitos e deveres”.
Como que fechando os olhos para a nossa realidade e como que fazendo tabula rasa
do texto constitucional, os governantes têm praticado verdadeiros despautérios no uso de
medida provisória, quando se vê que o mecanismo legiferante tem sido utilizado para
situações sem a urgência e, muito menos, sem a relevância, que são requisitos necessários, e
obrigatórios para sua adoção. Em alguns casos tem servido a propósitos nada elogiáveis para
coibir a concessão de liminares em processos judiciais, confiscar dinheiro do povo e suprir
direitos consolidados por legislações fartamente debatidas na sociedade civil organizada e no
Congresso Nacional.
Para haver lei, é vital a sua produção pelo Poder Legislativo. E este requisito falta à
medida provisória, porém, ainda assim, é capaz de criar direitos e deveres. Essa capacidade de
32 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 151
criação de direitos e obrigações tem origem no fato de o constituinte ter permitido uma
exceção ao princípio doutrinário segundo o qual legislar incumbe somente ao Legislativo. É
fruto de vontade unipessoal, e não da representação popular como estabelece o parágrafo
único do artigo 1º da Constituição Federal vigente diz que “todo poder emana do povo”.
O certo é que a medida provisória, como espécie normativa definitiva e acabada,
mesmo possuindo um caráter temporário, está sujeita ao controle de constitucionalidade como
todas as demais leis e atos normativos. Este controle de constitucionalidade representa
também mais uma forma de limitação da medida provisória.
5.1 Natureza jurídica
Discorrendo sobre a natureza jurídica da medida provisória, convém registrar a
existência de alguns elementos valiosos para identificá-la de forma bem precisa, traçando-se
um limite de seu uso e de seus efeitos, pois isto representa um suficiente instrumento
hermenêutico.
O cerne central da discussão, quanto à natureza jurídica da medida provisória, reside
na dúvida quando de sua qualificação: ato administrativo, ato político ou lei? Marco Aurélio
Greco33 afirma que a medida provisória é apenas um ato administrativo, próprio do Executivo,
não configurando lei.
Para Joel de Menezes Niebuhr34 o fato da medida provisória não ser produto do Poder
Legislativo, embora impeça qualificá-la como lei em sentido formal, não é o bastante
33 GREGO, Marco Aurélio. Medidas Provisórias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p.14-15. 34 NIEBUHR, Joel de Menezes. O novo regime constitucional da Medida Provisória. São Paulo: Dialética, 2001. p. 81-82
para justificar entendimento de que ela seja ato administrativo. Para ele a medida provisória
constitui espécie normativa que inova a ordem jurídica, revestindo-se dos atributos referentes
à generalidade e à abstração, que, tendo índole política, não pode ser considerado um ato
administrativo.
A corrente liderada por Clémerson Melin Clève entende que medida provisória é lei,
pois para ele lei não é apenas produto do Poder Legislativo. Nesse jogo dos contrários e dos
favoráveis a equiparação de medida provisória a lei, vale menção à posição de Celso Antonio
Bandeira Mello35, que aponta cinco objeções para tal caracterização, além do fato de que a
medida provisória não tem origem no processo legislativo.
Mesmo atenta à objeção apontada por Mello em sua obra citada, de que medida
provisória não é lei, o certo é que a doutrina majoritária firma-se no sentido de que a medida
provisória continua sendo qualificada como lei, mas como lei especial, peculiar, excepcional,
efêmera e precária, com efeito derrogatório ex tunc e pendente dos caracteres da urgência e da
relevância.
Diante disso e do disposto no artigo 62 da CF/88, surge a dúvida: a medida provisória
é lei ou apenas tem força de lei?. Interpretando com rigor esse dispositivo constitucional, a
medida provisória, na sua gênese, tem apenas força de lei. Submetida ao Congresso Nacional,
com as modificações introduzidas pela EC nº 32/2001 e após a sua conversão, a medida
provisória passa a ser lei quanto ao aspecto formal e material.
35 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. op.cit.
5.2 Efeitos da extinção
A denominação de medida provisória exprime o seu caráter efêmero e precário, tendo,
portanto, uma curta duração. Assemelha-se a uma providência cautelar destinada a satisfazer
estado de necessidade legislativo consubstanciado em situação fática relevante e urgente. Em
qualquer hipótese, a medida provisória extingue-se, sendo convertida em lei ou não. Por isso
se diz que ela é provisória.
É importante frisar que o Constituinte conferiu à medida força de lei, atribuindo-lhe a
capacidade de inovar a ordem jurídica, criando, modificando e extinguindo direitos e deveres,
já a partir da data de sua publicação, como acontece com a lei produto do Poder Legislativo.
Em caso de a medida provisória colidir com leis anteriores, mesmo sendo efêmera e
precária, conquanto se revista de força de lei, não traz essa repercussão, mas cinge-se a
suspender a eficácia da legislação anterior. Dessa forma, uma lei somente pode ser revogada
por outra lei, jamais por medida provisória, por sua natureza jurídica diversa.
As normas prescritas em medida provisória somente agregam capacidade de revogar
legislação anterior quando convertidas em texto de lei através do procedimento de conversão,
ou seja, serão capazes de revogar lei quando deixam de estar previstas em medida provisória e
passam a fazer parte de outra lei, quando aprovadas pelo Congresso Nacional.
Em sendo implementada a conversão da medida provisória, seus efeitos se
estabilizam, deixando de ser efêmeros e precários, passando a integrar a ordem jurídica de
maneira ampla e sem restrições.
Assim, os efeitos da não-conversão da medida provisória em lei, mantêm-se, em
regra, ex tunc, retroagindo à data de sua publicação, como se ela jamais tivesse existido. No
rigor lógico, por ser medida provisória, os seus efeitos não podem se assentar no tempo. Por
força disso, a não conversão da medida provisória em lei restaura a ordem jurídica
antecedente a ela, mesmo durante o seu período de vigência.
5.3 A posição da jurisprudência
Gilmar Ferreira Mendes36, quando exercia a Subchefia para Assuntos Jurídicos da
Casa Civil da Presidência da República, hoje Ministro do STF, disponibilizou artigo na
internet abordando o tema – controle de constitucionalidade das medidas provisórias – no
qual assim se posicionou:
Nenhuma dúvida subsiste sobre a admissibilidade do controle abstrato em relação às medidas provisórias. O Supremo Tribunal Federal tem concedido inúmeras liminares com o propósito de suspender a eficácias dessas medidas enquanto ato dotado de força normativa, ressalvando, porém, a sua validade enquanto proposição legislativa suscetível de ser convertida ou não em lei.
Mendes também foi enfático quando afirma:
Relevante, portanto, para o processo de controle de normas, não é saber se determinada medida provisória foi aprovada com alteração, mas sim se essas modificações alteram, substancialmente, o objeto da ação instaurada, de modo a afetar a sua própria existência.
36 MENDES, Gilmar Ferreira. O controle de constitucionalidade das Medidas Provisórias. Revista Jurídica Virtual, Brasília, v. 1, n. 2, jun./1999.
Ao Supremo Tribunal Federal, por força das disposições contidas no artigo 102, da
CF/88, compete-lhe a guarda da Constituição. Por isso, é de sua competência o julgamento de
ações de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos. Logo, as medidas provisórias
também são passíveis de argüição de inconstitucionalidade.
Sobre o assunto, o entendimento majoritário das decisões do Pretório Excelso, é que
as medidas provisórias sem o timbre da urgência estariam eivadas de inconstitucionalidade.
Nesse sentido, a primeira ação de inconstitucionalidade examinada pelo STF, foi a ADInMC
nº 162-1/DF, de 14.12.1989, que admitiu o exercício da atividade jurídico-política, bem como
a possibilidade de análise de uma medida provisória quando configurado o abuso ou desvio de
poder.
No ano de 1990, por ocasião da ADInMC nº 293, o Tribunal Constitucional, liderado
pelo então ministro relator Celso de Mello, apontou, sinalizou, para a adoção de um papel
mais ativo em relação às medidas provisórias, demonstrando em diversos graus o interesse em
melhor analisá-las e limitá-las. Em seu vasto estudo esmiuçou o instituto e concluiu que:
“mesmo sendo o Presidente o árbitro inicial da conveniência, necessidade, utilidade e
oportunidade de seu exercício”, essa circunstancia não subtrairia “do Judiciário o poder de
apreciar e valorar, até, se for o caso, os requisitos constitucionais de edição das medidas
provisórias. A mera possibilidade de avaliação arbitrária daqueles pressupostos, pelo Chefe do
Executivo, constitui razão bastante para justificar o controle jurisdicional”.
Em outras inúmeras oportunidades, através de outras ações diretas, questionou-se a
existência desses pressupostos, porém o STF jamais foi além da mera previsão de seu
controle, conforme posição reiterada nas ADIns nºs. 1.130, 1.397 e 1647.
O certo é que, só após decorridos dez anos da promulgação da Constituição Federal,
foi finalmente feito na ADIn nº 1.753, de 16.04.1998, o efetivo controle, em sede de liminar,
ao fundamento da ausência de um dos pressupostos essenciais à medida, a urgência.
A prática deformou o instituto, ao ponto do próprio Supremo Tribunal Federal admitir
a reprodução, ou reedição, de medida provisória que não tenha sido convertida em lei no
prazo de trinta dias e que não tenha sido expressamente rejeitada pelo Legislativo. A
jurisprudência pacificada do STF vedava a reedição de medida provisória recusada de modo
expresso (ADIn 293-7/600-DF, medida liminar, Rel. Min. Sepúlveda Pertence e 295-3/DF,
Rel. Min. Paulo Brossard).
Essa posição do STF não era levada em consideração pelo Chefe do Poder Executivo
da União, que ao contrário, reiteradamente as reeditava, por exemplo, a Medida Provisória nº
2.088, de 27.12.2000, que teve 35 reedições (MP nº 2.088-35).
Por outro lado, nos primeiros dez anos da promulgação da CF/88, o STF recusava-se a
examinar a ocorrência das condições de urgência e relevância, quando via questões políticas,
de apreciação discricionária e subjetiva (ADIn nº 162-1/DF, medida liminar, Rel. Min.
Moreira Alves). É certo que algumas vezes o STF o fez, quando flagrante a falta de urgência
(ADIn nº 1.753-1/DF, medida liminar, Rel. Min. Sepúlveda Pertence e ADIn nº 1.849-0,
medida liminar, Rel. Min. Marco Aurélio).
5.4 Formas de controle
Marco Antonio Innocenti37, na seção Comunidade Jurídica, observa:
37 INNOCENTI, Marco Antonio. Subtetos estaduais: STF não tem monopólio da constitucionalidade. Disponível em: <http://w.w.w.conjur.estadao.com.br/static>.
É bom que se diga que o STF, no sistema constitucional brasileiro, não detém o monopólio do controle das leis, podendo ser ele exercido por qualquer juízo ou tribunal no âmbito do chamado controle difuso de constitucionalidade, quando decide de forma incidente, em qualquer ação judicial, pela inaplicabilidade de determinada lei, por vício de constitucionalidade, na perspectiva de uma determinada relação jurídica, individual ou coletiva, ficando apenas as partes envolvidas obrigadas em torno da decisão. A Constituição da República apenas reserva ao Supremo Tribunal Federal o controle concentrado de constitucionalidade, cujas decisões têm efeito geral e vinculante.
É claro que o articulista está tratando de controle de constitucionalidade no sentido
mais amplo e genérico de lei, na hipótese do controle abstrato, pela via difusa. O controle
concentrado de constitucionalidade, reservado ao STF, cuja decisão tem efeito erga omnes,
ocorre, por exemplo, no caso das medidas provisórias.
Ao Supremo Tribunal Federal, nos termos das atribuições dispostas no artigo 102 da
Constituição Federal de 1988, compete a guarda da Constituição, estando dentre suas
competências o julgamento de ações de inconstitucionalidades (ADIns) de lei ou atos
normativos federais (art. 102, I, da CF). Logo, as medidas provisórias também são passíveis
de argüição de inconstitucionalidade. Além disso, o controle das medidas provisórias é
exercido por parte do Congresso Nacional, que vota pela conversão em lei ou não de uma
determinada medida provisória. Quando provocado, o Poder Judiciário pode apreciar a
constitucionalidade ou não da medida provisória.
E é no exercício da atividade jurídico-política que se insere a principal possibilidade
de controle jurisdicional dos pressupostos de relevância e urgência das medidas provisórias.
O marco inicial de controle, pelo Supremo Tribunal Federal, aconteceu na AdnMC nº
162 de 14 de dezembro de 1989, quando foi admitida, pela primeira vez, a possibilidade de
submeter à análise os pressupostos de uma medida provisória, desde que configurado o abuso
ou desvio de poder. No ano seguinte, 1990, por ocasião da ADInMC nº 293, o STF, o
Ministro Relator Celso de Mello demonstrou em diversos graus o interesse em melhor
analisá-las e limitá-las.
Ivo Teixeira Gico Junior38 comenta que o Presidente da República “é o árbitro inicial
da conveniência, necessidade, utilidade e oportunidade de seu exercício”, sendo certo que isto
não significa retirar do Judiciário “o poder de apreciar e valorar os requisitos constitucionais
de edição das medidas provisórias”.
Decorridos dezessete anos de vigência da Constituição Federal, podemos afirmar que
foi a partir da ADInMC nº 1.753, de 16 de abril de 1998, que o controle efetivo fundamentou-
se na ausência de um dos pressupostos essenciais à medida, a falta de configuração de
urgência. Além do preenchimento dos requisitos de urgência e relevância, assim como
qualquer lei ou ato normativo, a medida provisória não pode prejudicar o direito adquirido, a
coisa julgada e o ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da CF/88).
Muitos foram os questionamentos, através de ações diretas de inconstitucionalidade,
acerca dos pressupostos da urgência e relevância exigidos para edição de medida provisória
pelo Executivo Federal, todavia, o efetivo controle, em sede de medida liminar, se realizou na
AdinMC nº 1.753 de 16.04.1998. A propósito do julgamento do mérito dessa ação, o
ministro-relator Sepúlveda Pertence posicionou-se no sentido de que a medida provisória já
não pode alegar urgência, teria chegado tarde demais porque fez “coisa julgada”.
5.5 Pressupostos de valoração
Invocamos a referência à vontade estatal dominante como premissa para o fato de que
o ordenamento jurídico atribui a determinado ou determinados agentes o poder jurídico de
valorar os aspectos subjetivos concernentes aos conceitos jurídicos indeterminados. E que,
38 GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Controle judicial das MPs. Disponível em: <http://w.w.w.neofito.com.br/artigos>.
como é somente sua a competência para fazê-lo, segue-se que as demais vontades a ela
deverão sujeitar-se.
Em outras situações, todavia, o direito positivo prevê expressamente uma outra
manifestação volitiva, cronologicamente posterior, que traduz o poder jurídico de revalorar os
critérios subjetivos deixados a cargo do agente responsável pela emanação da vontade
anterior. Ou seja: o sistema normativo atribui a determinado agente o poder de emitir juízo de
valor subseqüente, o qual não se confunde com o juízo de valor originário, resultante da
primeira valoração. Tais situações, como é fácil perceber, envolvem dois agentes ou órgãos
(dois ou mais de dois, hipótese esta, embora menos comum): um, o agente que exteriorizou a
primeira manifestação volitiva, sendo esta resultante do juízo de valor sobre a situação fática a
ser considerada; outro, o agente que produziu a vontade subseqüente, também oriunda de
juízo de valor que ele próprio firmou sobre a mesma situação. Há, portanto, dois agentes ou
órgãos, duas manifestações volitivas e, em conseqüência, duas valorações.
No confronto entre essas duas manifestações volitivas, cronologicamente separadas,
poderão advir dois desfechos: ou o juízo de valor subseqüente adota os mesmos fatores de
valoração utilizados pelo juízo de valor originário, e, nesse caso, o confirma; ou, ao contrário,
socorre-se de fatores valorativos diversos, e, nessa hipótese, prevalecendo sobre o primeiro, o
elimina e o substitui.
Ora, na hipótese das medidas provisórias, a Constituição previu apenas duas
manifestações volitivas para proceder à valoração dos conceitos de relevância e urgência − a
do Presidente da República, que emite o juízo de valor originário, e a do Congresso Nacional,
que externa o juízo de valor subseqüente.
Se o Congresso Nacional considera determinada situação fática como revestida de
relevância e urgência, firma juízo de valor confirmatório em relação à vontade originada do
Presidente da República relativa à mesma situação: a medida provisória é então convertida em
lei. No caso de discordar da valoração do Presidente, o órgão legislativo suprimirá a vontade
por este produzida e a substituirá pela sua própria, emitindo, por conseguinte, juízo de valor
substitutivo: a medida provisória será rejeitada.
O procedimento estabelecido para a apreciação das medidas provisórias pelo
Congresso Nacional, regulado na Resolução nº 1, de 1989-CN, mostra claramente o exame
parlamentar a propósito da valoração feita pelo Presidente da República sobre a relevância e
urgência, considerando essa fase como de admissibilidade (art.5º), diferente da fase do mérito
em si, ou do conteúdo da medida (art. 6º). Ao proceder ao exame da admissibilidade, o
Congresso está exercendo naturalmente o controle dos referidos conceitos e, se concluir pela
admissibilidade (emitindo juízo de valor confirmatório), passa ao exame do mérito. Caso o
controle conclua no sentido da inadmissibilidade (porque haverá juízo de valor substitutivo),
a conseqüência será a rejeição da medida, pelo acolhimento da preliminar de ausência dos
pressupostos; nessa hipótese, e só nela, será examinado o conteúdo em si do ato.
Exatamente por ter sido o Congresso Nacional, no caso das medidas provisórias, o
único a receber da Constituição competência para emitir o juízo de valor subseqüente sobre a
relevância e a urgência, seja confirmatório ou substitutivo, segue-se logicamente que essa não
pode deixar de ser a única modalidade de controle sobre os elementos valorativos de tais
conceitos abertos. Se a nenhum outro órgão foi atribuída essa função, não pode o intérprete
admiti-la seja qual for o argumento que adote, porque, caso venha a fazê-lo, estará sugerindo
a existência de conduta controladora sobre a qual é silente a Constituição, não havendo outra
alternativa senão a de considerar tal conduta inconstitucional.
Promulgada a EC nº 32/2001, o Congresso Nacional editou a Resolução nº 1/2002,
vigendo atualmente, com o objetivo de limitar as edições das medidas provisórias e garantir a
rapidez na apreciação conjuntamente pelas duas Casas. O certo é que as medidas provisórias
continuam sendo usadas pelo Executivo em número tão elevado e sem os requisitos
constitucionais da urgência e da relevância.
5.6 O controle judicial
Partindo-se do que consta no quadro constitucional, não há como atribuir a outro
órgão, inclusive ao Judiciário, competência para exercer o controle sobre os pressupostos da
medida provisória. Por mais liberal que seja o intérprete no tocante à grande relevância do
Judiciário no cenário da República, o certo é que a decisão do Supremo Tribunal Federal nas
ADInsMC nº 162 de 14.12.1989 e 1.753 de 16.04.1998, que admitiu o controle de
constitucionalidade quando, por exemplo, estiver ausente o pressuposto essencial à medida (a
urgência), vem sendo desrespeitado pelo Chefe do poder Executivo.
Anteriormente as duas ADIns citadas, o entendimento majoritário, não unânime da
doutrina, é que não havia razão plausível para estender esse controle ao Poder judicante. Ter-
se-ia, segundo os intérpretes, uma verdadeira superfetação de controles, absolutamente
prescindível, já que o controle previsto é atribuído ao Poder que é exatamente aquele que tem
a representação popular e que retrata, de modo geral, a síntese das vontades coletivas.
A duplicidade de controle − pelo Legislativo e pelo Judiciário − poderia causar
confusão maior ainda no que tange à valoração da relevância e urgência, principalmente para
a identificação do juízo de valor dominante, porque se o Presidente emite o juízo de valor
originário, duas portas seriam abertas para o controle, uma para o Legislativo e outra para o
Judiciário. Quid iuris se o Legislativo emite juízo de valor confirmatório antes do Judiciário?
Ou ainda: quid iuris se o Judiciário se antecipa à valoração do Legislativo? Qual o juízo de
valor a ser caracterizado como predominante?
Ter-se-iam nessas hipóteses (admitida, obviamente, valoração pelo Judiciário)
situações absolutamente esdrúxulas. Se o Legislativo confirma a valoração do Presidente e o
Judiciário discorda das duas, estará declarando inconstitucional a medida provisória: teríamos
que admitir que nesse caso, o Judiciário teria o juízo de valor predominante sobre os juízos
emitidos pelos dois outros Poderes, o que se afigura claro absurdo, até porque se teria que
considerar inócua e dispensável a manifestação volitiva do Congresso. Se for o Judiciário a se
manifestar concordantemente com o juízo de valor do Presidente, deveria o Congresso ater-se
a essa avaliação, ou poderia emitir juízo de valor discordante? A ser assim, seria ele, no
primeiro caso, mero chancelador das vontades prévias, e isso logicamente não traduz controle
algum; no segundo, ao discordar delas e rejeitar a admissibilidade da medida, mais
dispensável se tornaria o suposto controle do Judiciário.
Várias razões apontavam no sentido de que o Judiciário nada tem a ver com os juízos
de valor emitidos sobre os pressupostos de relevância e urgência, necessários à edição e
legitimação das medidas provisórias.
A dinâmica que rege a sociedade fez com que alguns estudiosos e aplicadores do
direito também passassem a considerar o Poder Judiciário como solução para os problemas
mais cáusticos ocorridos na estrutura da República.
É certo que o Judiciário, mesmo sendo alvo de muitas críticas, ainda é o Poder de
maior credibilidade perante os membros da sociedade. E uma das razões consiste em não ser
constituído de agentes políticos típicos porque, enquanto a figura do juiz revela certo grau de
austeridade e honestidade, a dos políticos tem transmitido imagem exatamente contrária, qual
seja, a de buscarem mais intensamente seus próprios interesses do que os interesses que
devem representar por terem sido investidos através de processo eletivo. O povo, o colégio
eleitoral, ninguém mais apoia políticos, quer do Legislativo, quer do Executivo, pela crença
de que perseguem apenas interesses eleitoreiros. O momento é, indiscutivelmente, de
profunda crise de credibilidade no que concerne aos agentes dos poderes políticos.
Essa circunstância, porém, não deve ser levada ao extremo de admitir que todas as
formas de exercer o controle final dos atos estatais sejam atribuídas ao Judiciário, porque isso
o tornaria um superpoder, ou seja, um poder prevalente sobre os demais, que, apesar de todas
as mazelas, se constituem de agentes eleitos pelo povo e, portanto, ostentam real
representatividade, diferentemente dos agentes da magistratura que, por maior que seja sua
dignidade institucional, ingressam via concurso público, em que demonstram conhecimentos
jurídicos, mas não representam as aspirações de nenhum colégio eleitoral.
Ascendê-lo ao status de superpoder acarreta desequilíbrio mais profundo, totalmente
indesejável no sistema dos checks and balances, fundamental no regime da distribuição do
poder político.
O próprio Judiciário tem sofrido com veementes críticas, ora justas, ora injustas, diga-
se a bem da verdade − por não estar conseguindo levar a bom termo a função que lhe foi
atribuída − a de prestar jurisdição, solvendo os litígios e, assim, atendendo os interesses da
coletividade que a ele recorre. Têm faltado resultados efetivos ao Judiciário.
Não é incomum, por esse motivo, encontrar-se reclamações e lamúrias entre os
jurisdicionados que a ele tenham recorrido ou que a ele pretendam recorrer. Causas
demoradas, processos anacrônicos, estrutura arcaica. Isso sem contar as várias notícias de
desvio de finalidade em certos setores de sua ação, com perseguições a algumas pessoas e
exercício de nepotismo em favor de outras. Todos os que lidam nos meios forenses têm
conhecimento desses fatos. E a população também começa a desconfiar de que também o
Judiciário não é a vestal da República, como muitos supõem. Aliás, se algo não há na
República, é um Poder sobre o qual nenhuma dúvida paire quanto à sua moralidade e
probidade.
Assim, o Judiciário não pode ser considerado o árbitro final dos juízos de valor
atribuídos aos demais órgãos da República. Fala-se que é necessário reduzir o âmbito da
discricionariedade, que não se pode deixar sem controle os atos de agentes públicos, que,
enfim, a última voz a avaliar os critérios de conveniência e oportunidade deve ser a do juiz,
que o princípio da razoabilidade significaria substituir o juízo de valor de outros agentes pelo
dos membros do Judiciário, que este Poder deve avançar no campo político, não se atendo
exclusivamente ao campo jurídico. Nada disso é viável diante de sistema que, como o nosso,
distribui as funções entre os três poderes estruturais da República.
O Judiciário é, e deve continuar sendo, o titular da função jurisdicional, vale dizer,
aquela que tem como núcleo central dirimir conflitos de interesses individuais ou coletivos, e
só excepcionalmente atuar com certa conotação política, como é o caso de sua competência
para exercer o controle repressivo da constitucionalidade das leis. Não é isso o que ocorre,
entretanto, quando a Constituição atribui a outros órgãos ou agentes o poder de emitir juízos
de valor sobre certas situações fáticas. Essas valorações são próprias dos Poderes que têm
realmente a função diretiva e política do Estado, o Executivo e o Legislativo.
Soa, portanto, bastante estranho que se defenda a idéia de que o Judiciário tem o
poder de verificar se foi observado ou não o balizamento relativo aos conceitos de
“relevância” e “urgência” no caso das medidas provisórias. Por que a ele será cometida a
função de verificar o “balizamento”? Que poder político exerce, de modo a lhe ser possível
fazer tal valoração de modo mais correto do que a atribuída ao Presidente da República e ao
Congresso Nacional? Serão os agentes destes Poderes inaptos para dar sentido aos referidos
conceitos abertos?
Avulta, ainda, indagar em que momento a Constituição permitiria esse supercontrole.
Na disciplina constitucional, ao contrário, não é isso que ocorre. Apresenta-se, isto sim, a
função de valoração de tais critérios atribuída ao Chefe do Executivo e ao órgão representante
do Poder Legislativo Federal.
Afigura-se que esse suposto poder de controle pelo Judiciário também ofende o
sistema da tripartição de Poderes, em relação ao qual um dos pilares é o da indelegabilidade,
como regra, da função de um Poder a outro. Em outras palavras, quer significar que a nenhum
Poder é legítimo invadir seara que a Constituição reservou a outro.
Por todo o contexto constitucional, e particularmente pelo que reza o art. 62 da Lei
Maior, existem no tocante às medidas provisórias, como já se disse, duas manifestações
volitivas que refletem a emissão de juízos de valor sobre o que é “relevância” e “urgência”:
uma do Presidente da República (juízo de valor originário) e outra do Congresso Nacional
(juízo de valor subseqüente). Nada mais que essas duas.
Resulta daí que o único controle sobre os fatores que delineiam esses conceitos
indeterminados é o exercido pelo Poder Legislativo através do Congresso Nacional. Trata-se
de controle político, tipicamente discricionário, no qual tem de haver certo grau de
subjetivismo para alcançar os elementos da valoração do substrato fático a ser considerado.
Esse controle, não é difícil observar, está longe de poder ser atribuído ao Judiciário, já
tão atarefado com as funções que lhe são típicas. A perfeita adequação que envolve a função
controladora é realmente a do Congresso Nacional, exercente, como o Presidente da
República, de função política.
O caminho menos pedregoso seria que o Chefe do Executivo passasse a editar
medidas provisórias somente quando estivessem presentes os requisitos da urgência e da
relevância, em número limitado, anualmente, ou que adotasse a sugestão do autor: retirar esse
instituto do sistema constitucional brasileiro, com a adoção dos §§ 1º e 2º do artigo, da CF/88.
5.7 A dinâmica política
A análise do dispositivo constitucional que faculta ao Poder Executivo a edição de
medida provisória, enfatizava o caráter político de sua edição e reedição (antes da EC nº
32/2001), sua inconstitucionalidade e a conivência dos Poderes Legislativo e Judiciário.
O processo legislativo, levado a efeito, em última análise, pelo Poder Legislativo, é
uma garantia fundamental da interdependência e harmonia dos poderes. A perspectiva do
legislador, sua intenção, ao dispor sobre a edição de MP, parece ter sido inteiramente
desvirtuada pelo Poder Executivo.
Ocorre que a edição e reedição sucessiva de MPs tornou-se uma regra no fazer
político da prática do Executivo, configurando assim o desvirtuamento, com fulcro,
basicamente, na falta de relevância e urgência, requisitos básicos impostos pelo artigo 62 da
CF/88 para que o Poder Executivo lance mão deste artifício extraordinário.
Dentre os fatores que podem ser abordados está o de que a prática legislativa, via de
regra, coloca-se como demasiadamente morosa, passando pela Câmara dos Deputados e pelo
Senado Federal, em que sofre a influência de posições distintas de Partidos com visões
singulares, o que não pode ser considerado como motivo para a edição de medidas
provisórias. Muito pelo contrário, significa a forma ideal existente em uma democracia que se
quer representativa de sua população.
As forças políticas que travam batalhas ideológicas no Congresso são reflexos dos
anseios da própria população. Tentar ultrapassar essa etapa mediante o artifício da MP
consiste em um frontal desrespeito à instituição do Poder Legislativo como instrumento de
consecução da democracia formal.
Considerando que haveria matérias de alta relevância e impostergável urgência, o
legislador dispôs, no art. 62 da Carta Magna, que poderiam ser editadas MPs quando a
combinação destes dois requisitos se fizesse um fato inquestionável.
Como matéria relevante e urgente, as MPs, assim consideradas, seriam votadas no
prazo de 30 dias, conforme dispunha o artigo 62 da CF/88, até a vigência da EC nº 32/2001, a
contar de sua publicação, uma vez que o interesse nacional estaria em jogo.
O Poder Executivo, até 01.05.2005, editou 965 medidas provisórias, sem considerar as
centenas de reedições permitidas até a vigência da EC nº 32/2001, na maioria dos casos sem
estarem presentes os constitucionais pressupostos de relevância e urgência, o que ocorria pelo
pouco caso que fazia o Congresso Nacional em aprová-las no prazo legal.
No Estado Democrático de Direito, a harmonia e a interdependência dos poderes é um
pressuposto fundamental. Para sua consecução, é necessário que haja, antes de
interdependência, relativa autonomia dos três poderes assim considerados: o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário. Essa independência está expressa no artigo 2º, da Constituição
Federal, assim: “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário”.
Em tese, o Executivo é o responsável pela prática política visando o bem comum da
população que o elege, portanto, é titular de sua soberania, porquanto o processo eletivo e
procedimentos como o impeachment lhe dão a autonomia necessária para tanto. Até por ser a
própria população a única razão da existência do poder político.
O Poder Legislativo, também de caráter político, deve manter em seu interior as
diferentes concepções existentes na sociedade, por intermédio de representantes eleitos pela
população, cabendo-lhe a faculdade de legislar sobre todas as matérias que perfazem o
ordenamento jurídico de uma Nação.
As leis, em suma, estabelecem limites para que os cidadãos e os poderes possam se
movimentar sem arbitrariedades, com garantias mínimas de uma estabilidade social,
estabelecendo as “regras do jogo”.
Ao Judiciário cabe decidir sobre situações fáticas que são levadas a este Poder,
cabendo-lhe aplicar da melhor forma, de acordo com leis, princípios de direito e
posicionamentos reiterados, o Direito, garantindo a estabilidade legal, necessária para o
exercício pleno da cidadania.
Quando tais poderes se fortalecem enquanto instituições que, efetivamente, são, o
Estado Democrático de Direito adquire consistência, atingindo algo próximo de sua forma
ideal, inobstante não seja a legalidade muitas vezes recoberta de legitimidade e de que críticas
possam ser feitas, eventualmente, sobre a não conformidade de algumas leis com a Justiça,
entendida esta última como valor supralegal.
Com o escopo de propiciar maior agilidade a prováveis questões fáticas recobertas de
relevante interesse nacional e caráter de urgência em sua aprovação, o legislador constituinte
achou por bem instituir a figura da medida provisória, de competência, ressalve-se, quanto à
sua propositura, da Presidência da República.
Em casos excepcionais, em flagrante exceção à regra legislativa, quando delineados
os requisitos de relevância e urgência, o chefe do Executivo, pode editar norma legal para
posterior aprovação do Congresso Nacional.
O artigo 62 da CF/88 diz que “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da
República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de
imediato ao Congresso Nacional”. E que se “em até quarenta e cinco dias, contados de sua
publicação, entrará em regime de urgência, ficando sobrestadas, até que ultime a votação,
todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando”.
Somente pelo Congresso Nacional é que a MP se tornará lei, editada pelo Executivo
em caso de urgência e a relevância. Ao Congresso Nacional não cabe somente sua
homologação, o que poderia ensejar a interpretação de que sua apreciação ou não seria mera
burocracia, mas, principalmente, cabe sua aprovação, o que configura possível sua rejeição.
Pelos requisitos de urgência e relevante interesse nacional que caracterizam tal prática
legiferante, é de se considerar que a não apreciação de uma MP pelo Congresso Nacional
refutaria de vez a plausibilidade dos necessários requisitos aventados pelo Poder Executivo
ou, por via de conseqüência, caracterizariam definitivamente o desinteresse que o Poder
Legislativo teria sobre questões urgentes e relevantes para os interesses nacionais.
Da redação inicial da Constituição Federal de 1988, antes da EC nº 32/2001, a medida
provisória somente se transforma em lei após aprovação pelo Congresso Nacional, devendo
ver revogada sua eficácia se tal fato não ocorrer no prazo de 30 dias de sua publicação, caso
em que caberá ao Poder Legislativo dispor sobre seus efeitos durante sua transitória vigência.
As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.
É incabível qualquer argumentação de que seria legal a reedição de MP’s pelo
executivo, especialmente após a promulgação da EC nº 32, uma vez que diversificados os
institutos instaurados pela CF de 1988, sobre iniciativa de leis, sempre indiretas, do Poder
Executivo.
Há a iniciativa proveniente de delegação explícita do Congresso Nacional que
autoriza o Presidente da República a publicar lei, denominada delegada, conforme podemos
depreender do artigo 68 da CF.
A Constituição Federal garante ainda que, por iniciativa do Presidente da República, o
poder legiferante tenha um prazo de 45 (quarenta e cinco) dias para se manifestar sobre
projetos de lei com pedido de urgência, findo o qual a matéria deve ser incluída na ordem do
dia, sobrestando-se a deliberação quanto aos demais assuntos, para que se ultime a votação,
conforme dispõem os §§ 1º e 2º do artigo 64.
Portanto, lei é um ato que deve ou emanar ou ser passível da condescendência do
Poder Legislativo, fato que não se tem observado em relação às edições e às reedições
sucessivas de MPs pelo Poder Executivo quando eram permitidas, enquanto que a medida
provisória, mutatis mutandis, equipara-se a um projeto de lei do Poder Executivo, que deve,
necessariamente, ser apreciado pelo Congresso Nacional.
6 PRÁTICA LEGISLATIVA E POLÍTICA
O Poder Legislativo é uma instituição basicamente política. Em regra geral, as leis
que emanam desse Poder são oriundas de conflitos ideológicos entre parlamentares que
defendem posições e interesses distintos.
Logicamente, deve-se acreditar, sob pena de não se dar nenhuma credibilidade a este
Poder, os interesses nacionais devem consistir na preocupação fundamental dos legisladores,
com algumas divergências ideológicas que devem ser discutidas e votadas, reconhecendo-se a
vontade da maioria.
Idealmente, apesar da falta de escrúpulo de alguns políticos, o pensamento geral da
população vê-se representado na esfera legislativa através de parlamentares eleitos e
compromissados com as causas da população.
Pelo seu caráter colegiado, atendendo ao princípio democrático de que a figura do
Congresso Nacional é mais representativa dos diversos interesses da sociedade do que a figura
da Presidência da República, sempre eleito por parte da população, o Congresso Nacional
possui um poder maior do que o Executivo, podendo inclusive destituí-lo.
Até mesmo para propiciar condições de governabilidade política, o Governo necessita
de considerável maioria para levar a efeito seu projeto político, sob pena de ver inviabilizada
a executoriedade de suas ações.
Em face dessas considerações é de se concluir inadmissível que o Congresso Nacional
se furte de suas responsabilidades enquanto poder constituído, com vistas a propiciar
governabilidade ao Poder Executivo, sob pena de tornar ineficaz o avanço do Estado
Democrático de Direito.
Quando eram permitidas as reedições e como ainda ocorrem as edições sucessivas de
MPs tem-se tornado uma regra geral, em detrimento da exceção que deveria configurar, da
prática política do Poder Executivo.
O Congresso Nacional, por ser, invariavelmente, de base governista não tem buscado
para si a responsabilidade de ou conter ou apreciar as MPs, criando uma situação
juridicamente atípica de legislação arbitrária do Poder Executivo, sem o necessário crivo, de
caráter constitucional, do Congresso Nacional.
O próprio Poder Judiciário, nessa esfera de controle concentrado, representado pelo
Supremo Tribunal Federal, vinha se omitindo de examinar as questões quanto às reedições
sucessivas de MPs, impasse que ficou resolvido com a promulgação da EC nº 32. Resta,
ainda, uma tênue omissão no que tange ao seu posicionamento, como deveria fazê-lo, e aos
requisitos constitucionais de urgência e relevância.
Parece haver um pacto de mediocridade entre os poderes, o qual somente prejudica a
consecução do Estado Democrático de Direito, tornando cada vez mais estéreis as instituições
que deveriam garantir a segurança jurídica no País.
Os instrumentos necessários a uma tomada de atitude pelo Congresso Nacional são
constitucionalmente assegurados, cabendo-lhe somente vontade política para levá-los a efeito.
Antes que uma faculdade do Congresso Nacional, a necessidade de que este venha a agir ante
esta situação é imperativa. A Constituição Federal preceitua, em seu art. 49, XI, que este deve
“zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa de
outros poderes”.
Não obstante, as Mesas da Câmara e do Senado aceitam passivamente a enxurrada de
MPs e não as submetem à deliberação, contribuindo para a castração das prerrogativas do
Poder Legislativo, em um posicionamento claramente político com vistas a possibilitar ao
Executivo que este legisle diretamente, como dantes já foi presenciado na história do Brasil.
O próprio Congresso Nacional é responsável pela deturpação do processo legislativo,
sendo sua responsabilidade que este viesse a se posicionar contrariamente ao procedimento
concernente às edições e reedições de MPs, porque fere suas prerrogativas legiferantes, no
momento em que ao Poder Executivo é outorgado o direito (mesmo que inconstitucional)
fático de legislar.
É a competência legislativa do Congresso Nacional que se vê usurpada, não por sua
contrariedade, mas às vezes por sua conveniente omissão e algumas vezes até mesmo
submissão ao Poder Executivo.
A boa intenção do legislador constituinte foi evidenciada novamente quando da
inclusão, na Carta Magna, de outro dispositivo que cercearia quaisquer arbitrariedades do
Poder Executivo em termos legiferantes, qual seja o de que caberia ao Congresso Nacional
“sustar os atos normativos do poder executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos
limites de delegação legislativa”.
Por outro lado, o Poder Legislativo, bem como o Judiciário, tem se calado ante este
flagrante ato de inconstitucionalidade, olvidando o necessário respeito que estes deveriam ter
frente à Constituição Federal. Os interesses de cunho político que perpassam,
indubitavelmente estes Poderes, sobrepõe-se à própria consecução do Estado Democrático de
Direito.
6.1 O tributo a serviço dos governantes
A idéia de Estado de Direito surge com a submissão do Estado à lei. Na Inglaterra, em
1215, por meio da Magna Carta, pela primeira vez houve uma insurreição contra o poder
desmedido do monarca. Os barões lhe impuseram um documento contendo uma série de
garantias contra o abuso no exercício do poder, notadamente em relação ao abuso no poder de
tributar. A cláusula no taxation without representation foi a pedra de toque do movimento, em
que se exigia a prévia aprovação do Conselho dos Comuns antes de se proceder a qualquer
forma de tributação.
A esse respeito, Antonio Roque Carrazza, em abordagem história, diz:
na Inglaterra, o Conselho dos Comuns, órgão encarregado da autorização da arrecadação, com o decorrer dos tempos se transformou em autêntico órgão de representação popular, constituindo-se no Parlamento, na Câmara dos Comuns, que não só autoriza a arrecadação, mas assume o controle da própria despesa pública. Assim, o nascimento e desenvolvimento do parlamento estão intimamente ligados ao problema do consentimento da tributação.
Logo, pode-se afirmar que o Estado de Direito tem sua origem em uma causa
tributária, pelo fato de que a primeira limitação legal ao poder do governante foi a imposição
do princípio da legalidade tributária.
É verdade que o Estado de Direito, com a sua feição atual, caracterizado não só pela
submissão do Estado ao império da lei, mas também pela divisão de poderes, bem como pela
enunciação de direitos e garantias fundamentais, recebeu esse delineamento apenas no séc.
XVIII, com o Iluminismo, principalmente através de teóricos liberais, como Montesquieu e
Rousseau. Todavia, não podemos olvidar a importância que representou o constitucionalismo
inglês nesse processo de formação do Estado de Direito. Ademais, tanto a Independência
Americana quanto a Revolução Francesa, em que são percebidas claramente as primeiras
expressões da doutrina de Montesquieu, tiveram por estopim a revolta contra o abuso
tributário.
De fato, a instituição do Sugar Act (Lei do Açúcar) em 1764 e do Stamp Act (Lei do
Selo) em 1765 pela Coroa Inglesa nas 13 colônias veio acompanhada de forte indignação por
parte dos norte-americanos.
A Assembléia de Massachusetts protestou com veemência, seguida do legislativo da Virgínia, que aprovou cinco resoluções condenatórias daquelas leis. Elas se opunham não apenas às conseqüências econômicas das leis, como também ao próprio princípio de um Parlamento impor um imposto direto sobre um povo não representado nele.
Era a cláusula no taxation without representation novamente alimentando o
descontentamento com o autoritarismo no trato da questão tributária.
Tudo isso ecoou no Velho Mundo, chegando à França como fonte de inspiração à
revolução que estava por vir. Embora a queda da Bastilha tenha marcado o início da
Revolução, as causas do movimento foram muito mais sérias.
A França era a nação mais poderosa e populosa da Europa, mas seu sistema político – o ancién regime, como os revolucionários o chamariam – vinha apresentando rachaduras havia décadas. [...] A predominância do rei fora comprada por preço muito alto. A aristocracia francesa, fonte tradicional de oposição ao monarca, havia sido comprada através de grandes concessões e privilégios, inclusive isenção de pagar impostos. [...] Entre esses privilégios estava o de coletar direitos de senhoriagem dos camponeses. Esses impostos e tributos feudais eram extraídos com assídua severidade, graças, em larga medida, aos esforços dos feudalistas, uma classe profissional especializada em desenterrar – ou mesmo inventar – taxas de há muitos esquecidas.
Mais uma vez, a sufocação tributária e a falta de participação popular no controle da
atividade financeira do Estado fizeram com que se rompesse o regime isento da cláusula no
taxation without representation.
Portanto, em qualquer Estado que pretenda qualificar-se como Estado de Direito há a
necessidade primordial de submissão do poder e, em especial, do poder de tributar, ao império
da lei.
Sobre tributos, Ives Gandra da Silva Martins39, em artigo publicado em 27.01.2005 na
Folha de São Paulo com o título Tributos e Benesses do Poder, também disponibilizado na
internet, externando duras críticas às medidas provisórias, ensina que:
O tributo é um fantástico instrumento de poder, de domínio, de controle da sociedade. Serve, fundamentalmente, aos governantes (burocratas e políticos), tendo, às vezes, um efeito colateral – mas não absolutamente necessário – que é permitir ao Estado prestar serviços públicos. Por essa razão é que o povo nunca é consultado quando se impõem aumentos da carga tributária. O povo nunca delibera sobre o principal instrumento de domínio dos governos, que é o tributo.
6.2 Criação de impostos via Medidas Provisórias
Crítico das medidas provisórias para a criação de impostos, Martins40 desabafa
Como sabe o governo que o povo está revoltado, nas medidas provisórias introduziu componentes para a redução do direito de defesa do contribuinte, porque é necessário assustá-lo com medidas, sanções e restrições cada vez maiores, a fim de que não pense em discutir qualquer arbitrariedade fiscal.
A nossa Constituição vigente enquadrou-se nesse modelo ao adotar o povo como
fonte de todo poder (art. 1º, parágrafo único), o regime de separação de poderes (art. 2º) e o
princípio da legalidade genérico (art. 5º, II), acompanhado, mais especificamente, pelo
39 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Tributos e Benesses do Poder. Disponível em <http://w.w.w.portaltributário.com.br/artigos/tributosopressores>. 40 MARTINS, Ives Gandra da Silva. op.cit., 2005.
princípio da legalidade da administração pública (art. 37) e pelo princípio da legalidade
tributária (art. 150, I).
Na verdade, a Carta Magna de 1988 foi além, pois restou configurado um verdadeiro
Estado Democrático de Direito e não o tradicional Estado de Direito, tal como idealizado
originariamente. E nem se diga tratar-se de um imbróglio hermenêutico, a interposição do
qualificativo democrático vislumbrado na expressão designadora da modalidade de Estado,
constituída pela nossa vigente Constituição.
Sobre o tema, José Afonso da Silva 41 esclarece todo o alcance dos vocábulos
reunidos:
A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3.º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1.º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de idéias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício.
Reconhece-se, pois, que o princípio da tripartição de poderes é corolário lógico do
regime democrático de Direito contido na Carta Federal de 1988, por força, inclusive, do
disposto no art. 1º, parágrafo único.
Tomando o que interessa de imediato a este trabalho, ao relacionarmos a separação de
poderes com o Direito Tributário, percebe-se que esse princípio foi prontamente atendido pelo
modo como foi concebido o Sistema Tributário Nacional, mediante a criação de órgãos
específicos e independentes para realizarem, cada qual, a legislação, administração e
jurisdição tributária, no campo estrito de suas competências constitucionalmente outorgadas.
41 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 129.
Entrementes, a prática vem se revelando uma quebra dessa harmonia, com o Poder
Executivo utilizando sucessivas Medidas Provisórias (art. 62, CF) para legislar inclusive
sobre questões tributárias, usurpando o poder que lhe foi originariamente concedido pela
Constituição. Infelizmente, o poder competente a restabelecer o comando constitucional, o
Judiciário, tem se mostrado cúmplice na desfiguração da ordem jurídica.
As vedações introduzidas pelo § 1º da EC nº 32/2001 não contemplam as matérias
tributárias, embora o seu § 2º preveja que em caso de medida provisória que implique
instituição ou majoração de impostos, excetuado o disposto nos artigos 153 e 154 da CF/88,
só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte em caso de sua conversão em lei até o
último dia do ano em que foi editada.
Episódio de confronto das forças políticas, a oposição e parte da base governista na
defesa de interesses da sociedade, aconteceu com a eleição de Severino Cavalcante para a
Presidência da Câmara dos Deputados, quando foi derrubada a Medida Provisória nº 232 que
trazia uma gritante injustiça tributária.
Marco Antonio Rocha42 faz oportuna observação acerca da questão que envolveu a
MP 232, assim transcrita:
Uma lição absolutamente cristalina o ministro da Fazenda e, principalmente seu chefe, o presidente Lula, hão de tirar – se forem dignos dos cargos que exercem – desse episódio altamente imoral no que se refere à lisura e à lhaneza que devem presidir as relações entre governo, qualquer governo, e cidadãos. A lição é que a tributação – sua eqüidade, sua justiça, suas mudanças, enfim, tudo o que diz respeito a esse poder dos governos – é coisa séria demais para ser deixada nas mãos da Receita Federal e dos seus agentes.
Aliás, essa atitude do Congresso Nacional, resultante da indignação contra a ação do
Executivo de injustiça tributária contida na MP nº 232, foi sem dúvida, um bom começo
42 ROCHA, Marco Antonio. Estelionato chapa-branca. Disponível em <http://w.w.w.clipping.planejamento.gov.br/notiícias>.
porque demonstra de certa forma a quebra das amarras que historicamente peiam o
Legislativo ao Poder Executivo.
Passada a euforia da MP nº 232, verifica-se que a desvirtuada ingerência legislativa do
Poder Executivo na criação de leis tributárias sempre esteve na mira dos estudiosos do Direito
Público.
Na égide do regime constitucional anterior, vozes expressivas se levantaram contra a
utilização dos decretos-lei na instituição e majoração de tributos. Todavia, o esforço
doutrinário, ao menos diante da realidade fiscal daquela época, revelou-se inócuo, visto que
quase todo o sistema federal de tributação apoiava-se nos famigerados decretos-lei.
Chegou-se a um ponto em que o Supremo Tribunal Federal, mesmo se quisesse, não
teria condições de impedir o uso dessa via normativa na seara tributária. O argumento dos
governantes era que, se a Corte Suprema assim procedesse, o país provavelmente iria à
bancarrota, pois não haveria como se transmutar em tempo hábil todo o sistema, exigindo-se a
produção de leis em sentido formal para amparar, constitucionalmente, todo o regime
tributário.
Mesmo depois de promulgado o texto de 1988, as posições se mantiveram. Os
estudiosos, em sua grande maioria, permanecem firmes repudiando a tese de que seria lícito
ao Presidente da República, por Medida Provisória, exercer função legislativa no campo
tributário. O Supremo, de seu turno, como apontamos, continua acanhado, permitindo o
Executivo utilizar esse veículo normativo na instituição e majoração de tributos.
Nessa luta contra qualquer tentativa de se permitir ao Chefe do Executivo o poder de
legislar em matéria tributária, os publicistas têm se servido de variados argumentos.
Misabel Abreu Machado Derzi43 assevera que:
43 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Atualizada de Aliomar Baleeiro. Rio de Janeiro: [s.n], 2000. p. 806.
do ponto de vista axiológico, prevaleceu, nos desígnios constitucionais, a necessidade de previsão, de conhecimento antecipado e antecipatório, de planejamento dos encargos fiscais, sobre o imediatismo das medidas provisórias. Instituir tributo ou aumentar tributo já existente não é urgente, nem tampouco relevante para a Constituição, que, em tais casos, determina seja observado o princípio da anterioridade.
Promovendo uma análise principiológica, assim se manifesta a professora mineira: “a
segurança jurídica, o princípio da anterioridade e da não surpresa são de tal forma reforçados
no Direito Tributário, que o procedimento legislativo, desencadeado pelas medidas
provisórias, é incompatível com a regulação de tributos”.
Paulo de Barros Carvalho44, por sua vez, é categórico quando questiona:
a União poderá utilizar medidas provisórias para criar tributos, estabelecer faixas adicionais de incidência em gravames já existentes, ou, ainda, majorá-los? Cremos que não. E dois motivos suportam este entendimento: um, pela incompatibilidade da vigência imediata, elemento essencial à índole da medida, com o princípio da anterioridade (CF, art. 150, III, b); outro, de cunho semântico e pragmático, pela concepção de ‘tributo’ como algo sobre que os administrados devam expressar seu consentimento prévio.
Já Antonio Roque Carrazza45, assim se pronuncia sobre o assunto:
se até os tributos que o constituinte considerou mais relevantes e sujeitos à urgência – a tal ponto que os colocou fora do alcance do art. 150, III, ‘b’, da CF – não podem ser criados ou aumentados mediante medidas provisórias, por muito maior razão aqueloutros que a Lei das Leis não considerou nem tão urgentes, nem tão relevantes (tanto que os submeteu às injunções do princípio da anterioridade).
Agregando a esse argumento o fato de que somente “a lei ordinária (e não a medida
provisória) prestigia ao máximo o princípio da estrita legalidade tributária, que leva à
segurança jurídica e à não-surpresa dos contribuintes”. E arremata, assim: “tudo confirma,
portanto, que só a lei – nunca a medida provisória – pode criar ou aumentar tributos”.
44 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 45 CARRAZA, Roque Antonio. op. cit., p. 154-155.
Sacha Calmon Navarro Coelho46 também se põe contrário ao emprego das medidas
provisórias para se proceder a inovações legais, admitindo, contudo, duas hipóteses em que
isso seria válido:
as exceções ao princípio da legalidade na instituição de tributos são essas: guerra e calamidade pública, estando em recesso o Congresso Nacional. É o caso de medida provisória pela urgência e relevância dos motivos, em que pese exigir a Constituição lei ordinária para instituir imposto de guerra e lei complementar para instituir o imposto restituível (empréstimo compulsório) em razão de guerra.
Celso Ribeiro Bastos47 concorda com a posição da professora, estabelecendo, porém,
uma pequena ressalva:
concordamos com o caráter restritivo de Sacha Calmon, ao qual agregaríamos mais um elemento constritor, qual seja o fato de a Constituição exigir lei complementar para os empréstimos compulsórios. Pelo quorum especial da lei complementar, matéria reservada a esta não é passível de tratamento por via da medida provisória. Parece, ao menos, em nosso entender, que a admissibilidade da medida provisória em matéria tributária fica restrita à só hipótese da criação de impostos extraordinários de guerra.
Como se disse, os estudiosos vêm construindo poderoso aparato dogmático contra a
interferência do Poder Executivo na esfera legislativa tributária, admitindo, quando muito,
como fazem os dois últimos professores citados, algumas restritíssimas exceções.
Sem embargo, os argumentos expendidos por esses estudiosos são louváveis, de
forma que se concorda sinceramente com eles, salvo uma ou outra ponderação. No entanto,
crê-se faltar um outro aspecto que não foi muito bem apreciado, ou, se o foi, não lhe foram
rendidas homenagens expressas.
Alude-se ao princípio fundamental da tripartição de poderes, insculpido no art. 2º da
Constituição Federal de 1988.
46 COELHO, Sacha Calmon Navarro. As Medidas Provisórias em matéria fiscal. Enfoque Jurídico. 6. ed. p. 24, abr./maio/1997. 47 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p.126.
De fato, o autor se filia à corrente que sustenta a incompatibilidade de utilização de
Medidas Provisórias na tributação, por tornar-se impossível o respeito ao princípio da
anterioridade (art. 150, III, b). Igualmente, pensa haver ofensa a quase todos os outros
princípios que regem as relações tributárias (como o da segurança jurídica, o da não-surpresa)
bem como à exigência do art. 150, I do Texto Constitucional, suporte do princípio da
legalidade tributária, que somente se perfaz em se legislando por meio das chamadas leis em
sentido estrito.
Entretanto, não é proposta deste trabalho confrontar a precariedade das medidas
provisórias em relação a esses princípios informadores do Direito Tributário. Apesar de se
lembrar mais adiante a fundamental necessidade de haver mudanças no regime jurídico
tributário somente através de leis, em sentido formal, o que se pretende é analisar a utilização
das medidas provisórias frente à disposição do art. 2º da Constituição de 88, que apregoa
expressamente o princípio da tripartição de poderes.
Na verdade, acredita-se que esse princípio fundamental é viga mestra de qualquer
argumentação que vise a afastar das mãos do governante o resquício autoritário que permita a
modificação ou criação unilateral de leis tributárias, embora isso não seja reconhecido
expressamente. Há apenas algumas poucas referências a este tão importante fundamento de
nossa República.
6.3 MPs 1.507 e 2.226, intromissão no Judiciário
Uma das medidas provisórias mais questionadas pelos juristas, ainda hoje, tem sido a
de número 1.507 de 19.07.1996. Esta medida dispõe sobre a restrição na concessão de
medidas liminares em ações movidas por servidores públicos para obtenção de reajustes
salariais.
Ocorre que um grupo de servidores ganhou judicialmente reajuste salarial de 28,86%,
depois de o Poder Executivo ter concedido idêntico reajuste para os militares, em clara
prevalência deste segmento, o que desencadeou uma enorme demanda de ações judiciais com
o mesmo fulcro.
Preocupado com a enorme somas a que os cofres públicos teriam de despender, o
Poder Executivo lançou mão do instrumento da medida provisória para sustar as liminares que
seriam baseadas na concessão anterior, confiando, sobretudo na morosidade judicial ante os
procedimentos protelatórios nos processos, prática comum em muitos dos advogados da
União.
Através dessa MP, a concessão de liminares, nesse caso específico, estaria
condicionada à prestação de caução, garantia real ou fidejussória, o que, regra geral,
inviabilizaria a concessão.
A simples enumeração das conseqüências derivadas da aplicação dessa medida
provisória torna evidente que ela se traduz, na realidade, em restrição abusiva à atividade do
Judiciário, na tutela preventiva dos direitos e interesses postos sob sua guarda.
A ilegalidade de tal MP é flagrante. Em verdade, através dela o Poder Executivo
passou a ter ingerência direta na atividade judicante do Poder Judiciário, resultando
prejudicada a independência deste último em relação às suas decisões.
A conseqüência da Medida Provisória nº 1.507, de 19.07.96, é a violação do art. 2º da
Constituição Federal, que dispõe “serem Poderes da União, independentes e harmônicos entre
si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Além do mais, o que parece ser mais deplorável, tal restrição ao Judiciário constitui
um desrespeito à garantia constitucional que qualquer cidadão possui de livre acesso à Justiça
contra qualquer “lesão ou ameaça de direito”, inscrita no art. 5º, inciso XXXV, da
Constituição Federal. “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”.
Através dessa MP, o Executivo restringiu a natureza preventiva, ou seja, tutelar do
mandado de segurança, sua principal característica. Com efeito, a liminar é concedida
mediante a caracterização do fumus boni iuris e da urgência de sua concessão sob pena de
lesão irreparável do direito.
Ao restringir a concessão de liminar em mandado de segurança, o Poder Executivo
acaba por legislar sobre matéria que não é de sua competência, qual seja, o direito individual
do cidadão, como explicita o art. 68, parágrafo 2º, em seu inciso II.
Em parecer encomendado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, Benedito
Calheiros Bonfim, também membro daquele do Instituto, sobre a inconstitucionalidade da MP
restritiva de liminares, posicionou-se considerando que “a exigência se constitui em aberração
jurídica sem precedentes. Nem mesmo durante o período sombrio do regime militar, houve
tamanha demonstração de arbítrio, salvo quanto às providências de restrição e punições
políticas previstas nos atos institucionais”.
Para demonstrar ainda mais a temeridade do Chefe do Executivo Federal pelo
despropositado uso de medidas provisórias, trazemos também à colação a MP n. 2.226, de
04.09.2001, que em seu artigo 3º, agride o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa
julgada. Esta MP interfere na questão dos honorários de sucumbência dos advogados em
ações promovidas contra a União, no caso de existência de acordos, implicando em
responsabilidade de cada uma das partes o pagamento de honorários de seus patronos, mesmo
que tenham sido objeto de condenação transitado em julgado. O que é um absurdo.
Sem contar outras inúmeras medidas provisórias, as de nºs. 1.507 e 2.226 além de
atentarem contra a Ordem Constitucional, constituem gritante intromissão no Poder
Judiciário.
7 ANÁLISE DO TEMA NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS
Durante os oito anos da administração Fernando Henrique Cardoso, vimos em nosso
país a constante relativização da distinção entre os poderes, fato que se torna visivelmente
encarnado pela adoção das medidas provisórias. Ao longo deste período, o chefe do Executivo
Federal se utilizou freqüentemente desse instrumento para regular toda sorte de matéria, sob o
questionável argumento da necessidade de se viabilizar a ação governamental.
Contudo, é fato notório que inúmeras vezes tais medidas foram empregadas
desnecessariamente, pois em ocasiões em que seria perfeitamente possível respeitar o trâmite
legislativo, sem que houvesse qualquer dano social à engenharia constitucional.
Desta maneira, observa-se o sistema presidencialista pátrio torna corriqueira a
aplicação de medida provisórias em matérias cuja regulamentação a Constituição determina
seja feita via lege. Enfim, ninguém desconhece que determinados preceitos foram positivados
na Constituição justamente para serem especialmente salvaguardados, de modo a proteger os
direitos de cada cidadão. O desrespeito de tais preceitos por meio dessas medidas que
deveriam ser excepcionais, somente trouxe uma profunda insegurança jurídica, que é
incompatível com a concepção mais basilar de Estado de Direito.
Aliás, devemos enfatizar que uma das características mais peculiares do governo FHC
foi o impressionante número de edições e reedições de medidas provisórias. Somente em seu
primeiro mandato foram editadas 160 medidas. Somando estas às editadas em seu segundo
mandato, esse número ultrapassou 366, aqui desconsideradas as reedições permitidas até a
promulgação da EC nº 32/2001. E o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que no
passado fora duro crítico de tais medidas, acabou por se tornar o maior responsável pela
banalização da edição de medidas provisórias, uma vez que estas deveriam ser utilizadas
somente em caráter provisório e excepcional.
Considerando-se a média das edições de medidas provisórias e projetados os números
até o final de 2005, somos levados à constatação de que só nos três primeiros anos do
Governo de Luiz Inácio Lula da Silva terá editado número superior ao do segundo Governo
de Fernando Henrique Cardoso.
Cabe, até mesmo, considerar se não vivemos durante este período uma espécie de
“ditadura esclarecida” do Executivo, que simplesmente passou a legislar via recurso
emergencial para efetivar planos econômicos heterodoxos e a criação de sobretaxas, mesmo
que, para isso, tivesse que atropelar os direitos fundamentais assegurados na Constituição
Federal.
Por fim, a constatação mais grave é a de que quando o Presidente regularmente
evocou os elásticos pressupostos da relevância e da urgência, além de haver violentado os
direitos constitucionalmente assegurados ao cidadão, igualmente, abriu perigoso precedente
para a realização de toda sorte de abusos governamentais. Assim, percebemos que o
desvirtuamento da teoria da separação dos poderes gerou uma profunda instabilidade às
instituições jurídicas, sujeitando o povo brasileiro à arbitrariedade do chefe do Poder
Executivo. Independentemente da política governamental que precisaria ser implantada, o
dogma da distinção de funções do Estado foi absolutamente desrespeitado durante os
Governos de FHC e de Lula. Na realidade, o que se viu foi o Poder Executivo vindo a se
tornar uma espécie de superpoder, aniquilando os demais e, conseqüentemente, conspirando
com as elites políticas e econômicas para oprimir, ainda mais, o povo brasileiro.
O resultado dessa despropositada atuação do Governo é a tendência de maior
abrangência da responsabilidade do Estado em todas as manifestações da sua atuação no caso
do medidas provisórias, uma atividade atípica do Poder Executivo, editadas sem os requisitos
da relevância e a oportunidade da urgência.
7.1 O quadro das Medidas Provisórias editadas
Enfocando essa questão – medidas provisórias – tendo por base os Governos a contar
da promulgação de nossa Constituição Federal em 05.10.1988 até 01.05.2005, temos os
seguintes números:
Medidas Provisórias
Edições por Governo
Outubro/1988 a Maio/2005
GOVERNO PERÍODOS MEDIDAS EDITADAS
SARNEY 05.10.88 a 14.3.90 125
COLLOR 15.3.90 a 29.9.92 89
ITAMAR 02.10.92 a 31.12.94 142
F.H.C 01.1.95 a 31.12.98 160
F.H.C 01.1.99 a 31.12.02 206
LULA 01.1.03 até 01.5.05 143
Fonte: Senado Federal
Do exame do conjunto dessas medidas provisórias editadas até 01.05.2005, num total
de 865, as de caráter econômico, aí incluídas as tributárias e orçamentárias, superam em
números todas outras. Foram 463 de ordem econômica, seguidas por 197 administrativas e,
em terceiro lugar, as que dizem respeito aos servidores públicos, em número de 93. As demais
MPs, em número de 112, foram destinadas às outras questões.
Desde a vigência da Emenda Constitucional n. 32, em 11.09.2001, que alterou o rito
de tramitação das medidas provisórias, temos como dado alarmante que das 467 sessões
deliberativas da Câmara Federal, 247 delas tiveram a pauta de votações trancadas pelas MPs.
7.2 Confronto das forças políticas
Fábio Konder Comparato48 trata do assunto como sendo uma moléstia e diz:
na patologia das medidas provisórias, o que importa não é apenas o estudo das diferentes doenças que o instituto tem apresentado desde a sua infeliz introdução no sistema constitucional de 1988. O que interessa antes de mais nada, ao cultor do direito não desligado do valor supremo da justiça, é pesquisar a etiologia profunda dessas moléstias.
Quando tratamos aqui de “questões políticas” não nos referimos ao tema fundado na
doutrina e na jurisprudência da Suprema Corte norte-americana (A political question
doctrine). Estamos nos referindo às controvérsias, discussões, polêmicas, etc.
Sobre tais questões, o jornalista Marco Antonio Rocha, publicou no jornal O Estado
de São Paulo do dia 21.02.2005 (disponível no e:mail marocha@estado.com.br) faz
abordagens acerca dos confrontos das forças políticas, da seguinte forma:
48 COMPARATO, Fábio Konder. A questão política nas medidas provisórias: um estudo do caso. Disponível
em: <http://www.anpr.org>.
Ao fazer o confronto de projetos, entretanto, não se pode perder de vista, na crítica ao modelo econômico, na denúncia das políticas neoliberais, que as pessoas vivem no município. É nas cidades que se materializam as dificuldades, os problemas e é lá que se esperam as soluções.
Avançando nessa questão, observa-se que os confrontos das forças políticas
acontecem no Congresso Nacional durante as votações de medidas provisórias editadas pelo
Chefe do Executivo da União e, também, no Judiciário através do STF, que tem competência
originária para julgar as ações diretas de inconstitucionalidades formuladas por partidos
políticos e associações de classes.
Os exemplos são as ADIns nºs 2213-0 e 2385-3, requeridas pelo Partido dos
Trabalhadores contra as Medidas Provisórias nºs. 2027-38 de 04.05.2000 e 2088-35 de
27.12.2000 e a ADIn nº 1910-1, esta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil contra o artigo 5º da Medida Provisória n. 1703-18, de 27.10.1998.
E esse confronto em torno e contra as medidas provisórias decorre da mobilização das
forças políticas, das forças sociais e da opinião pública, como, por exemplo, aconteceu nas
votações e “derrubadas” das MPs nºs. 232 e 242, culminando com a eleição de Severino
Cavalcante para a Presidência da Câmara dos Deputados, o que significa dizer que o Governo
Federal perdeu o poder de ditar a pauta de votações da Câmara.
Vale dizer que o Chefe do Executivo da União não dispõe de uma agenda definida
para o Legislativo, pois rotineiramente encaminha matérias de seus interesses pela via de
medidas provisórias. Em torno dessa questão – medidas provisórias – notamos um certo
cuidado do Chefe do Executivo Federal ao fazer uso desse instituto, mais em razão da pressão
popular do que mesmo das ações do Poder Judiciário.
CONCLUSÃO
As medidas provisórias surgiram como instrumentos para a elaboração de leis, sendo
espécies normativas de caráter excepcional. Foram concebidas para atender a situações
urgentes e relevantes que não pudessem aguardar o regular trâmite do processo legislativo. No
entanto, decorridos dezessete anos da vigência do texto constitucional, as estatísticas revelam
que o Poder Executivo Federal editou 865 medidas provisórias e a maioria delas convertidas
em leis e, apenas 91 foram revogadas, rejeitadas ou destituídas de eficácia. Até a vigência da
EC n. 32/2001, quando eram permitidas, houveram 5.121 reedições. Essa produção excessiva
afetou a atividade do Poder Legislativo, comprometeu a segurança das relações jurídicas e
inquietou o sistema normativo.
No caso brasileiro, elas têm por objeto matérias que podem ser reguladas por lei
ordinária, daí porque entendemos desnecessário o seu uso, especialmente quando o Brasil
vive momento de estabilidade econômica e institucional.
O poder de legislar, como regra constitucional geral, cabe ao Legislativo. E como
alertava Montesquieu, “num estado livre, todo homem reputado ter alma livre deve ser
governado por si mesmo”. É o órgão legitimado a representar o povo na elaboração das
normas jurídicas que regerão a vida da sociedade politicamente organizada. É a chamada
democracia indireta, ou representativa, na qual, em virtude da impossibilidade óbvia de
reunião de todo o povo em uma assembléia legiferante, outorga-se a alguns indivíduos,
escolhidos mediante um processo em que seja assegurada a livre concorrência ao cargo de
legislador, o poder de decidir quando e como alterar a ordem jurídica à qual toda a sociedade
se encontra submetida.
Disso tudo, poder-se-ia afirmar que o sistema constitucional brasileiro abrigou como
exceção ao princípio da tripartição de poderes, a possibilidade de edição de medidas
provisórias pelo Presidente da República, conforme o disposto no art. 62 da CF/88.
Assim, analisando-se apenas o dispositivo constitucional que as encerra, é incorrer em
grave equívoco hermenêutico. Se tal interpretação fosse válida, poderíamos dizer, igualmente,
que em qualquer ponto da Constituição onde encontrássemos o vocábulo lei, autorizado
estaria o Presidente a criar medida provisória para regular a matéria, já que o artigo 62
conferiu a esse veículo normativo a mesma força inerente às leis.
Essa construção padece de fundamentação constitucional, pois a análise sistemática da
elaboração legislativa deve levar em consideração, necessariamente, diversos outros fatores,
como por exemplo, a indagação a quem cabe a iniciativa da deflagração do processo
legislativo.
Observa-se que essa chamada iniciativa legislativa também é assegurada ao Poder
Judiciário, rigorosamente limitada, na forma prevista no artigo 96, II, c, da Constituição
Federal, que não extrapola e nem vai além dessa limitada e específica prerrogativa.
Percebe-se quão é difícil fazer uma construção dogmática a respeito das fronteiras e
implicações constitucionais decorrentes da aplicabilidade das medidas provisórias. Mesmo
assim seguiu-se trabalhando no tema porque este foi uma resposta à busca de um instituto que
não permitisse excessos como aconteceu com o decreto-lei, previsto nas Cartas de 1937 e de
1967, que, como acontece atualmente, assegura ao Executivo uma certa “função legislativa”.
As medidas provisórias resultam do exercício, pelo Presidente da República, de
competência constitucional extraordinária e representam a expressão concreta de um poder
cautelar geral deferido ao Chefe do Executivo. Esse instituto não é fruto de delegação
legislativa, decorre do poder de legislar em situações excepcionais, conferido pelo constituinte
originário e condicionado tão-somente às hipóteses e aos limites impostos pela própria
Constituição.
O conjunto do conteúdo do trabalho, mostra vários aspectos que envolvem o tema,
centrado numa posição crítica ao excessivo uso das medidas provisórias pelo Presidente,
muitas delas eivadas de inconstitucionalidade. O Legislativo também é destinatário destas
críticas, porque, não fosse a sua inércia, o desinteresse ou o interesse motivado de muitos de
seus membros, talvez não houvesse o elevado número desse instituto no ordenamento jurídico
brasileiro.
Do fato de o Legislativo ser uma instituição basicamente política decorre, em regra
geral, que as leis que emanam desse Poder resultam de conflitos ideológicos entre
parlamentares que defendem diferentes posições e interesses. Deve-se acreditar, sob pena de
não lhe ser dada nenhuma credibilidade, que os interesses nacionais devem consistir na
preocupação fundamental dos legisladores, com algumas divergências ideológicas, que devem
ser discutidas, reconhecendo-se a vontade da maioria.
Quanto ao parâmetro jurídico-constitucional, destaque-se a posição atual da
jurisprudência, que revela o entendimento majoritário do Supremo Tribunal Federal no
sentido de que as medidas provisórias, sem os pressupostos da urgência e da relevância estão
eivadas de inconstitucionalidade. Ao STF, por força das disposições contidas no artigo 102,
da CF/88, compete a guarda da Constituição, por isso, é de sua competência o julgamento de
ações de inconstitucionais de leis ou atos normativos, aí inserida a medida provisória.
Igualmente interessante vem a ser o tema da responsabilidade do Estado – em caso de
atos legislativos - por prejuízos causados pelas medidas provisórias. Os cidadãos e a
sociedade civil organizada dispõem assim deste instrumento que exercitado amiúde poderia
inibir o demasiado uso das medidas provisórias.
Como foi dito, o estudo não se limita a uma posição simplesmente crítica ao uso de
medidas provisórias, pois indica também como alternativa para o seu acentuado uso – e aí
reside a questão fulcral desta tese – a adoção, pelo Presidente da República, dos §§ 1º e 2º do
artigo 64, da Constituição Federal, que asseguram ao Executivo solicitar urgência para a
apreciação de projetos de sua iniciativa.
Como instrumental constitucional mais eficiente do que a medida provisória, o
disposto nos §§ 1º e 2º do artigo 64, da Constituição Federal, impõe ao Congresso Nacional
manifestação acerca do projeto de lei de iniciativa do Executivo Federal, dentro de quarenta e
cinco dias, sob pena de não sendo analisada a proposição, a inclusão desta na ordem do dia e
sobrestando-se as deliberações quanto aos demais assuntos, para que ultime a sua votação. O
instrumental sugerido, sem índole arbitrária, seria capaz de atender plenamente suas
iniciativas de lei, com prevê o artigo 64, §§ 1º e 2º:
§ 1º O Presidente da República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa. § 2º Se, no caso do parágrafo anterior, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem, cada qual, sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobre a proposição, será incluída na ordem do dia, sobrestando-se a deliberação quanto aos demais assuntos, para que se ultime a votação.
Posto à disposição do Executivo, o dispositivo sugerido, sem limitação de tema e de
quantitativo, pode substituir o uso de medidas provisórias, cuja maioria, além de
desnecessárias, vem ao nosso sistema jurídico maculada de inconstitucionalidade porque sem
o timbre da urgência e da relevância.
Para restringir e disciplinar o uso acentuado das medidas provisórias, que além de ser
fator de gravíssima insegurança jurídica, foram promulgadas as Emendas Constitucionais nºs.
06/1995, 07/1995 e 32/2001, sem alcançar o objetivo porque são editadas sem o devido rigor
constitucional e sem os requisitos da urgência e da relevância, tudo dentro da prática do
conhecido brocardo “quem pode mais, pode menos”.
Para essa falta de rigor constitucional e para o excessivo uso de medidas provisórias,
reiteramos o simples caminho apontado para o fim desse instituto: a adoção, pelo Chefe do
Executivo, dos §§ 1º e 2º, do art. 64, da Constituição.
Reafirme-se, iniciativas desse jaez emanadas do Chefe do Executivo Federal, como as
medidas provisórias, muitas vezes, são jogadas sobre as Casas Legislativas e refletem:
a) a descrença nas instituições e, em especial, no Congresso Nacional;
b) a falta de percepção de que o Brasil, tanto quanto o mundo, mudou para exigir um
processo mais aberto e responsável de elaboração das leis.
Os argumentos sobre a governabilidade não inibem a nossa posição contrária às
medidas provisórias, abusivamente editadas pelo Presidente da República, sem considerar que
o Estado Social consente perigosa existência de um Executivo muito atuante com pretensão
de alargar seus poderes para a realização de novas diretrizes políticas. Neste caso, nem as leis
delegadas seriam suficientes para a agilidade desejada pelo governo, rompendo com a
harmonia entre os poderes e abrindo margem ao abuso, o que já acontece.
Outro mecanismo constitucional à disposição do Chefe do Poder Executivo Federal,
durante o recesso parlamentar, é poder apresentar projetos de leis de sua iniciativa através de
convocação extraordinária, conforme dispõe o artigo 57 § 6º, inciso II, da CF/88, ocasião em
que o Congresso Nacional delibera sobre matérias específicas objetos da convocação.
Para os casos de calamidade pública e de instabilidade institucional, existem os
dispositivos constitucionais previstos nos artigos 136 a 141, da CF/88, no capítulo “Do Estado
de Defesa e do Estado de Sítio”.
Como síntese do ponto defendido na dissertação, temos a desnecessidade do uso e até
mesmo a retirada desse instituto de nosso sistema constitucional, pela adoção dos §§ 1º e 2º,
do artigo 64, porque tanto aquele dispositivo como o artigo 62, tratam de medidas provisórias,
matérias que podem ser reguladas por leis ordinárias.
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