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ESTUDO ESTRATÉGICO PARA A GESTÃO DAS PESCAS CONTINENTAIS PAMAF MEDIDA 4 – IED, ACÇÃO 4.4: ESTUDOS ESTRATÉGICOS
CAPÍTULO 9 – INSTRUMENTOS DE GESTÃO DAS PESCAS ATRAVÉS DA
MANIPULAÇÃO DA COMPOSIÇÃO E ESTRUTURA DAS COMUNIDADES
PISCÍCOLAS ♣
1. REPOVOAMENTOS, TRANSFERÊNCIAS E INTRODUÇÃO DE ESPÉCIES:
CONCEITOS GERAIS
O repovoamento, transferência e introdução de peixes são correntemente usados
como técnicas de gestão de pescas. O objectivo é o de geralmente manter o melhorar os
recursos pesqueiros. Todavia, o seu âmbito excede largamente este aspecto e a sua
aplicação estende-se a todos os casos de restauração do meio fluvial, especialmente quando
os factores de perturbação foram minimizados, ou quando se pretendem criar novos
recursos pesqueiros, especialmente após a criação de novos meios aquáticos (exemplo
albufeiras).
De acordo com Hickley (1994), podemos discriminar quatro tipos de manipulação da
composição piscícola, a adoptar em função de ter sucedido num passado recente sobre-
pesca, alteração do habitat natural ou poluição. Estas técnicas incluem-se nas categorias
seguintes:
a) Repovoamento com espécies residentes. Neste caso pretende-se proteger, manter ou
melhorar os recursos piscícolas recorrendo a quantitativos adicionais de peixes de
espécies que já existam nesses troços.
b) Introdução de espécies que se extinguiram. Este desaparecimento pode assentar em
razões históricas, por razões nem sempre
c) Transferência de espécies nativas. Procura-se assim compatibilizar a libertação
destes indivíduos com as comunidades existentes, aumentando a densidade e/ou
diversidade local.
d) Introdução de exóticas. Este procedimento, que muitas vezes foge ao controle das
entidades oficiais, é o que acarreta riscos superiores.
No que se refere ás introduções de espécies Welcomme (1998) refere que 36% se
destinaram a aquacultura, 12 % á pesca desportiva e 11% para melhorar stocks selvagens, ♣ Rui Manuel Victor Cortes, Departamento Florestal da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
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mas cerca de 28% seriam acidentais. No caso de novas massas de água, como albufeiras,
apenas poucas espécies indígenas subsistem e, são geralmente oportunistas e de escasso
valor ecológico e económico, acabando por se tornarem dominantes, especialmente devido
á sua estratégia reprodutiva que tira partido das zonas marginais inundadas (Granado-
Lorencio, 1996). Sendo assim, a introdução de novas espécies predadoras, como o achigã
(Micropterus salmoides) ou o lúcio (Esox lucius), ou fitófagas, como a carpa (Cyprinius
carpio) ou o pimpão (Carassius auratus), visam optimizar o aproveitamento das condições
existentes, dado que as espécies indígenas se passam a restringir á zona de transição
lótica/lêntica dos afluentes.
Contudo, a presença de numerosas exóticas nas nossas águas interiores resultam
geralmente de introduções descontroladas, ou da expansão de populações préviamente
libertadas no país vizinho. Aliás, quanto maior o nº de espécies duma comunidade menor
será o nº de nichos disponíveis e, tendo em conta que os rios ibéricos apresentam cadeias
tróficas curtas, com poucas espécies de níveis superiores, é de esperar que os rios e
albufeiras sejam aquilo que Granado-Lorencio (1996) designa como um bom “caldo de
cultura” para a introdução de exóticas.
Em Portugal a introdução da truta arco-íris (Onchorrynchus mykiss) foi certamente
uma das primeiras introduções de espécies alígenas, com um sucesso relativo, mas em
termos de salmonídeos assistiu-se ainda há algumas décadas á introdução localizada do
salmão das nascentes (Salvelinus fontinalis) que, todavia, se revelou um fracasso. Um caso
distinto foi o da introdução planeada da gambúsia (Gambusia holdbrocki), localizada
em algumas massas de água do centro do país durante os anos vinte para combater os
insectos vectores da malária, mas que acabou por se expandir a todo o país.
Dentro das técnicas citadas, o repovoamento é, sem dúvida, o processo vulgarmente
mais utilizado em termos de gestão de pescas, dado que os outros apenas assumem um
carácter pontual, no tempo ou no espaço. Os motivos para repovoar assentam nas seguintes
razões (Welcomme, 1984):
• Compensação, destinada a ultrapassar os efeitos relativos a um factor de
perturbação (destruição duma zona de desova, obstáculos artificiais...). Um caso
especial é o de manter espécies exóticas, como a truta arco-íris, que não se
reproduzem nos novos habitats para onde foram lançadas.
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• Manutenção, que visa evitar a extinção derivada da sobre-pesca e que afecta
particularmente o recrutamento de reprodutores.
• Melhoria, onde o repovoamento procura manter a biomassa de espécies
comercialmente interessantes existentes num corpo de água no mais alto nível
possível.
• Conservação, visando manter stocks de espécies ameaçadas de extinção.
A longa experiência havida neste domínio em Portugal, não se tem traduzido na
correspondente informação sobre as consequências destas operações, especialmente no
caso dos repovoamentos e, mais especificamente em termos de eficácia e sustentabilidade
das populações, embora uma análise crítica destes procedimentos possa ser encontrada em
Cortes et al. (1996 e 1998).
Mas as consequências nas populações autóctones também não podem ser ignoradas e
torna-se fundamental avaliar as como estas populações podem ser potencialmente
depauperadas como resultado da competição inter- e intra-específica, alteração do pool
genético, transferência de doenças etc. Não é só a monitorização para apurar os resultados
do repovoamento ou introdução da espécie seleccionada que é relevante. A monitorização
deve igualmente incidir sobre os restantes componentes da comunidade, sendo estritamente
necessária uma prévia avaliação da sua necessidade, dos riscos inerentes e a definição e
caracterização dos biótopos onde estas operações podem ser desencadeadas.
Quantas vezes entre nós o repovoamento foi precedido dum estudo que
fundamentasse ou balizasse o repovoamento, designadamente os locais e quantitativos a
libertar? Quantas vezes houve uma avaliação dos resultados obtidos? Além do mais, se a
rarefação duma população é o resultado dum factor antropogénico, o aumento da sua
densidade por técnicas artificiais estará sempre condenado ao fracasso enquanto esse
constrangimento não fôr eliminado. No que se refere ao repovoamento, os salmonídeos
tem merecido um maior interesse por parte das nossas entidades oficiais responsáveis e daí
o maior desenvolvimento que se dá no presente capítulo a essas espécies. Já as
experiências a nível de transferências ou transplantações têm sido muito reduzidas e sem
carácter extensivo, embora uma análise comparativa de repovoamento versus
transferências possa ser encontrada em Cortes (1996).
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2. CONSEQUÊNCIAS DOS REPOVOAMENTOS E TRANSFERÊNCIAS
2.1. Eficácia: sobrevivência e distribuição espacial
Resultados obtidos no Norte de Espanha em 16 locais habitualmente repovoados
permitiram estabelecer que a proporção de indivíduos provenientes de truticulturas
relativamente aos autóctones foi cerca de 9.1% (Blanco et al., 1998). Estes autores
concluem pela reduzida contribuição das acções de repovoamento para aumentar o stock
global, alertando que raros indivíduos libertados atingem a maturidade. A que se deve tão
baixa sobrevivência, comprovada, aliás, pela generalidade dos estudos que monitorizam
este procedimento?
No que se refere a espécies territoriais, como a truta (Salmo trutta) , a densidade
pode prevalecer sobre as condições ambientais pelo que nestas situações a abundância de
indivíduos não pode ultrapassar um determinado patamar (Elliot, 1994). Este autor
considera que as populações desta espécie são reguladas pela densidade, a qual imprime
taxas de mortalidade e emigração dependentes dessa variável. Acontece que a técnica mais
comum da sua libertação no meio natural é através de introduções maciças em
determinados pontos (“spot-planting”), o que aumenta sobremaneira a competição intra-
específica.
Jorgensen & Berg (1991) salientam este facto e confirmam as asserções de Elliot,
concluindo que o mecanismo envolvido na mortalidade pós-repovoamnto é inteiramente
dependente da densidade nos dois meses que se seguem a esta operação. Além do mais, a
reduzida mobilidade das trutas de cativeiro tende a fazer perdurar no tempo esta
competição. Por exemplo, Naslud (1998) apresenta resultados perfeitamente
decepcionantes para quem pensa que o repovoamento localizado exerce um efeito
generalizado em todo o curso de água: Apesar de elevados quantitativos libertados (0+, 1+
e 2+) e duma intensa monitorização, apenas um escassíssimo número de peixes foi
encontrado vários meses depois a mais de 200 m do local de introdução.
Quando o objectivo não é a sustentabilidade das populações, ou seja, quando se
procura favorecer os quantitativos pescados a partir de libertações realizadas pouco tempo
antes (“put and take”), o critério subjacente á análise dos resultantes tem de ser distinto.
Neste caso, pretende-se que a biomassa capturada seja próxima da biomassa lançada.
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Naturalmente este processo não é ecologicamente razoável, mas não deixa de se uma
prática comum no Norte e centro da Europa, como resposta á procura turística. Nestas
condições tem-se verificado que, quanto maior for o tamanho médio dos indivíduos
libertados tanto maior é a proporção de indivíduos capturados relativamente aos
introduzidos (Vehanen, 1997). Tal poderá acontecer em parte pela menor tendência de
migração.
Apesar de tudo, repovoamentos com salmão “landlocked” têm-se revelado
infrutíferos, dado que estes indivíduos tendem a migrar para jusante algumas dezenas de
kms no espaço de poucas semanas até outras zonas lênticas, não produzindo qualquer
resultado nos meios onde são lançados (Pursiainen et al., 1998, Hyvarinen, 2000). Esta é
uma situação completamente diversa da truta de rio, com características particularmente
sedentárias, mas é análoga ao que se verifica nas nossas massas de água com a truta arco-
íris, que tende a migrar para sectores inferiores, desaparecendo dos locais onde é lançada.
2.2. Alterações genéticas
2.2.1. Variabilidade genética nos salmonídeos
A truta apresenta um amplo espectro ecológico, bem vincado pelo facto das formas
anádromas e holobióticas coexistirem na mesma espécie e, até, no mesmo local. As
primeiras retornam ao rio onde nasceram para se reproduzir, sendo designado este instinto
peculiar por “homing”. Associada a esta extraordinária dispersão espacial existe uma
comparável heterogeneidade genética, muito superior a outras populações piscícolas,
mesmo em populações do mesmo ecossistema ou da mesma área geográfica, pelo que a
conservação e ordenamento desta espécie deve ser focalizada nas populações locais de
modo a preservar a intensa bio-diversidade intra-específica (uma importante compilação
sobre esta matéria aparece em Laikre, 2000).
A variação fenotípica constatada dum modo geral para todas as populações de
salmonídeos (morfologia, comportamento migratório, etc.) decorre dessas características
genéticas e exprime a adaptabilidade ao habitat local ( Taylor & McPhail, 1985). Mais
concretamente, no que se refere á truta é possível distinguir entre 5 linhagens evolutivas
(Bernatchez, 1995): Adriática, Atlântica, Danúbio, Marmoratus e Mediterrânica. O risco de
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desaparecimento desta diferenciação genética é elevado, derivado da introgressão a partir
essencialmente de stocks do grupo Atlântico, mais usados em piscicultura intensiva.
Deriva deste, aliás, a linhagem existente na Península Ibérica, mas diferenças significativas
existem a nível do DNA nucleico e mitocondrial entre estas populações relativamente ás
do Atlântico Norte. Antunes et al. (1999) referem que as populações portuguesas e do
Norte de Espanha são aparentadas, e são incluídas num sub-grupo do sudoeste-Atlântico.
Além do mais, tem sido observado para a truta a co-existência de populações
geneticamente distintas e, portanto, isoladas em termos reprodutivos, que ocorrem na
mesma zona geográfica restrita (populações simpátricas). Tal variabilidade genética nas
populações de salmonídeos é relativamente estável em termos temporais (Ryman, 1997).
A electroforese de proteínas (mais correctamente de alozimas, ou seja das variantes
alélicas de material proteico que caracterizam os loci, isto é os locais onde os genes se
localizam na cadeia de DNA) permite detectar com eficácia a variação genética na truta.
O recente desenvolvimento de novos marcadores genéticos, com base no DNA
mitocondrial, o qual é correspondente apenas ao progenitor feminino, permite conhecer
para toda uma população a sua ascendência pelo lado materno.
2.2.2. Efeitos negativos do repovoamento
A libertação de indivíduos produzidos em cativeiro pode assemelhar-se em muitos
casos aos efeitos que resultam da fragmentação do habitat, o que leva populações isoladas
a um elevado grau de consanguinidade, com os aspectos negativos que daí advêm,
especialmente a ocorrência de doenças e alterações morfológicas, bem documentadas nos
salmonídeos (Gjerde et al., 1983). Com efeito, vários estudos moleculares, como os
anteriormente referidos, têm revelado um alto grau de diferenciação genética entre trutas
habitando a mesma área geográfica, entre bacias hidrográficas e mesmo entre habitats
duma mesma bacia. Isto indica uma troca limitada de material genético (“gene flow”) de
modo a manter-se um isolamento reprodutivo entre indivíduos geneticamente aparentados,
o que se perde completamente quando aumenta o potencial de hibridização e quando os
indivíduos libertados apresentam uma baixa variabilidade genética, a qual, por sua vez,
raramente é a mais indicada para as condições locais, com reflexos no acréscimo de
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mortalidade. A Fig. 9.1 ilustra a multiplicidade de efeitos, directos e indirectos, como
resultado de repovoamentos ou transferência de indivíduos.
FIG. 9.1. Efeitos genéticos negativos com origem na manipulação das populações de peixes.
Ora, a presença de variação genética no interior da espécie é essencial para a sua
sobrevivência, já que tal diversidade lhe permite adaptar-se ás alterações ambientais (Soulé
& Wilcox, 1980). Por outro lado, a selecção natural favorece alélos que são superiores
num ambiente particular, mesmo quando se verifica a alteração artificial de habitats. Por
sua vez, manipulações tais como os repovoamentos levam, pelo contrário, á deriva
genética e á extinção dos “pools” genéticos indígenas, substituídos por outros genes
conduzindo á “domesticação” dos indivíduos selvagens e á perda da sua resistência no
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meio natural. Paralelamente, as trutas estabuladas apresentam-se fracamente diferenciadas
derivado da troca de material entre viveiros.
Mas aqui existe certamente uma contradição. Por um lado, a hibridização a um
nível intra-específico, designadamente a que tem origem no repovoamento, representa uma
ameaça á integridade genética, dado que os peixes libertados cruzam-se com os peixes
autóctones. Por outro, se não existe uma misceginação entre ambas as populações o
repovoamento tem um sucesso muito mais limitado, extinguindo-se a população
introduzida a curto prazo. É o que acontece frequentemente em Portugal e Espanha, onde a
maior parte dos repovoamentos se revelam ineficientes, dado que a contribuição genética
das trutas estabuladas é, em alguns casos, extremamente limitada, restringindo-se a águas
pouco turbulentas ou a áreas protegidas onde a pesca é fortemente condicionada (Moran et
al., 1991; Garcia-Marin et al, 1999).
Realmente, os alevins introduzidos denotam elevadas mortalidades e são muitos
escassos os que atingem a maturação sexual. Nesta situação, todavia, é constatável
existirem cruzamentos entre ambas as populações, acarretando o perigo citado de
degenerescência motivado pelas diferenças genéticas acentuadas. Na verdade, e analisando
o caso de Espanha, as trutas domésticas exibem elevada homogeneidade (86% da variação
genética total é partilhada por todos os stocks neste país), o que contrasta com as
populações selvagens, onde a forte individualidade persiste em cada bacia, traduzida por
um elevada frequência local de alélos raros e baixa heteregozicidade. Com efeito, nas
populações naturais apenas 36% da variação genética é comum entre as várias regiões
(Garcia-Marin et al., 1999).
Acresce que os stocks de produção intensiva usados em Espanha são geneticamente
diferentes das populações residentes e têm origem frequentemente em populações do Norte
da Europa, donde forma importados ovos embrionados ou alevins.
Os efeitos dos repovoamentos a nível das introgressões genéticas são, no entanto,
amplamente variáveis. Guyomard (1989) refere valores até 80% para rios franceses, indo
até aos 100% em rios da Catalunha (Garcia-Marin et al.,1991), com a completa eliminação
das populações naturais. Todavia, podem ser muito variáveis dentro da mesma área
geográfica: Taggart & Ferguson (1986) referem valores de introgressão entre 19-91% para
a mesma zona (Irlanda do Norte) e Blanco et al, (1994) de 0-35% (Norte de Espanha).
Nestes casos em que a hibridização entre populações domesticadas e selvagens está
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comprovada pode haver mesmo uma variação ao longo do tempo: Poteux et al. (1999)
detectaram uma sucessiva diminuição da contribuição genética das trutas libertadas,
configurando uma selecção negativa dos seus descendentes. García-Marin et al. (1999)
determinaram uma redução ao ano de 5% nas diferenças genéticas das trutas selvagens
relativamente ás introduzidas, após o repovoamento, o que, sem dúvida, é suficientemente
grave porque conduz a médio prazo á perda da identidade genética. Estudos realizados em
Portugal na Bacia do Lima (Antunes et al., 1999) mostraram, pelo contrário, que a
introgressão é mínima, apesar da frequência elevada com que os repovoamentos têm sido
aí realizados.
Em função dos problemas decorrentes do repovoamento, surgiu mais recentemente
o conceito de “suplementação”. Este é entendido como o uso de propagação artificial para
manter ou aumentar a produção natural de modo a não alterar a adaptabilidade da
população, minimizando os impactos genéticos e ecológicos a níveis mínimos (McMichael
et al., 1999).
2.3. Propagação de doenças
O transporte inadvertido de parasitas e agentes patogéneos é um elevado risco
resultante da libertação de indivíduos em cativeiro, os quais, pela cultura intensiva a que
estão submetidos, frequentemente são afectados por doenças. Um período de quarentena
deveria ser definido antes de cada introdução, com vista a evitar a propagação de agentes
transmissíveis. Tais períodos de quarentena encontram-se geralmente estipulados no que se
refere á introdução de novas espécies, mas tais mecanismos de controle são mais difíceis
de efectivar para operações regulares, como o repovoamento (Coates, 1998). Como
exemplo de doenças resultantes de repovoamentos Granado-Lorencio (1996) refere uma
mortalidade elevada sobre os reprodutores autóctones de truta no Norte de Espanha (Leon),
com origem em truticulturas, que dizimou as populações das melhores zonas pesqueiras,
com reflexos que perduraram por vários anos.
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2.4. Crescimento
No caso das trutas e segundo o já citado trabalho de Elliot (1994), a população é
regulada pela densidade através das variações de mortalidade e emigração, o que significa
que as taxas de crescimento dos sobreviventes residentes não estão correlacionadas com a
densidade. Nestas circunstâncias, o crescimento permanece invariável qualquer que seja o
nº de indivíduos e é apenas regulado pelos factores ambientais. Todavia, outros estudos
(Bohlin et al., 1994, Jenkins, Jr. et al., 1999), sem contudo contradizerem esta teoria,
encontraram numerosas excepções, isto é, o crescimento individual da truta poderia ser
afectado pela densidade. A justificar esta hipótese aqueles autores encontraram uma
diminuição do factor de condição em função da abundância, pelo que o crescimento
poderia de igual modo constituír um factor de regulação da população.
Este efeito de deplecção no crescimento seria ainda mais nítido para os juvenis. Tal
não é de estranhar para espécies territoriais, dado que a introdução de novos indivíduos
leva a uma redução na apreensão de alimento e/ou a uma actividade acrescida de defesa do
território, em ambos os casos com custos energéticos óbvios. Por outro lado, a regulação
através duma variação de crescimento dependente da densidade tem também reflexos na
sobrevivência através de dois mecanismos identificados por Jenkins Jr. et al. (1999): a) nos
juvenis após o 1º Inverno, dado que perdem biomassa, a qual pode ser susceptível de
limitar a sua resistência durante este período ; b) em termos de fecundidade, dado que o nº
de ovos está relacionado com o tamanho da fêmea, pelo que a limitação do crescimento
desta para densidades superiores tem reflexos no nº de descendentes.
A alteração do teritório em virtude alteração artificial do stock existente implica
pois maior agressividade e gastos energéticos e, potencialmente, alterações fisiológicas,
associadas com a produção de cortisol pelo rim, o qual é um importante indicador de
stress. Este facto é constatável na produção de indivíduos em cativeiro, embora muito
superior nos salmonídeos relativamente aos ciprinídeos, do que resultam diminuições
acentuadas nos crescimento quando tal stress é crónico, muito embora, quando a qualidade
da água é mantida, as consequências inerentes ao stress crónico sejam desvanecidas
(Kebus et al., 1992).
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2.5. Dieta alimentar e alteração na composição da comunidade
Existe o conceito genérico de que os indivíduos adaptados a um regime de cativeiro
e cuja dieta consista em ração granulada dificilmente se adaptariam á alimentação natural.
Jenkins Jr. et al. (1999) concluíram, no entanto, para as trutas que, uma elevada
abundância indivíduos com origem em repovoamentos consomiriam uma parte
significativa dos recursos. Isto foi comprovado pelo aumento do espectro de items
consumidos á medida que aumentou a densidade, passando a incluir fracções crescentes de
organismos menos interessantes (ex., quironomídeos). Algumas espécies, como o góbio ou
verdemã, podem mesmo desaparecer por acção de maciças libertações desta espécie
(Penzack, 1999), dado que alguns meses após a sua libertação peixes nativos podem
constituir até 40% da dieta da truta (Zalewski et al., 1985).
Naturalmente que a adaptação dos indivíduos provenientes de cativeiro depende
em grande medida da capacidade em aproveitar o alimento disponível. Tal adaptação é,
segundo Kahilanen & Lehtonen (2001) relativamente rápida. Estes autores, que
monitorizaram repovoamentos com trutas em lagos na Finlândia, baseiam a sua análise no
facto de que, exceptuando indivíduos da classe 0+, para as restantes classes de idade se
verificou uma elevada sobreposição de habitats e de presas (essencialmente peixes, embora
numa 1ª fase dominassem invertebrados), fossem trutas autóctones ou introduzidas.
Todavia, mesmo nesta situação, os crescimentos reduziram-se substancialmente
durante o 1º ano de permanência no meio natural. É de reconhecer, apesar de tudo, que
muitos outros estudos realizados em rios referem que os peixes estabulados denotam
superiores dificuldades em alimentarem-se no seu novo ambiente (e.g. Bachman, 1984).
2.6. Comportamento
Os peixes provenientes de cultura intensiva podem inter-agir com os peixes
selvagens através de vários mecanismos, donde se destaca a competição, predação e
anomalias de comportamento, para além das já mencionadas interacções patogénicas.
As alterações comportamentais das espécies em função da manipulação da
densidade são muito explícitas no que se refere á espécies territoriais. Nestas, o tamanho
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do terriório tende a decrescer com a densidade de outras espécies predadoras ou da própria
espécie (Grant, 1997).
Por outro lado, verifica-se para tais espécies que, se os indivíduos libertados
(previamente estabulados) apresentarem dimensões superiores aos libertados passam a
evidenciar uma superioridade nas interacções sociais, levando frequentemente ao
deslocamento forçado das populações selvagens de zonas de abrigo e locais de alimentação
(Abbot et al., 1985; McMichael et al., 1999). Estes autores consideram que, para os
salmonídeos, existe uma nítida correlação entre o tamanho do peixe e a dominância social,
bastando uma diferença em 5% em peso para o peixe assegurar um status dominante. É
preciso ter em conta que o tamanho médio dos peixes, para a mesma espécie e classe de
idade tende a decrescer para montante (Anderson, 1985), enquanto que Hughes (1998)
estabelece mesmo modelos de selecção do habitat em função do tamanho.
Também tem sido verificado que peixes criados em regime intensivo apresentam
uma elevada agressividade após a sua transplantação, o que lhes confere um potencial de
dominância (Ruzzante, 1994).
Por outro lado, no que se refere á competição inter-específica, esta é potenciada
pelo facto, dum modo geral, os membros duma comunidade aquática exibirem uma
elevada sobreposição na utilização de recursos, com destaque para uma falta de
diferenciação no que se refere ao uso do micro-habitat (Brown et al., 1995, Grossman et
al., 1998). Todavia, o grau relativo de imprtância das relações inter-ou intra-específicas
pode ser largamente medeado pelas alterações ambientais.
Por exemplo, Grossman et al. (1998) apuraram que as alterações hidrológicas
tinham um efeito mais marcado na estrutura da comunidade e utilização de recursos do que
a competição inter-específica. É pois de esperar que, em meios mais estáveis, onde se
verifica manipulação de espécies ou densidades, o fenómeno competitivo assuma um
maior significado.
Estudos conduzidos com a truta arco-íris (formas anádromas e potamódromas de
Oncorrynchus mykiss), evidenciaram precisamente a capacidade dos indivíduos
domesticados deslocarem os peixes selvagens dos respectivos micro-habitats, capacidade
correlacionada com o tamanho, muito embora não ficasse provado que a sua migração
prematura em grande escala para outras áreas estivesse associada com estas interacções
(McMichael et al., 1999).
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3. ALTERAÇÕES NA CADEIA ALIMENTAR E BIO-MANIPULAÇÃO
O meio ambiente é também um factor indissociável das consequências resultantes
das operações de introdução de peixes. Li & Moyle (1981) salientam que os meios pobres
em nutrientes são os mais susceptíveis a qualquer tipo de introdução de espécies ou á
manipulação das existentes. É assim que, a introdução de peixes em lagos onde os mesmos
naturalmente estavam ausentes, levou a alterações radicais na flora aquática (Naiman &
Drake, 2000; Schindler et al., 2001). Estes estudos, realizados em lagos oligotróficos dos
EUA onde peixes predadores foram introduzidos há 80 anos, e utilizando indicadores
paleolimnológicos (diatomáceas, invertebrados e características dos sedimentos),
evidenciaram alterações radicais no ciclo de P (mais rápida re-circulação) e na cadeia
alimentar, com destaque para o incremento da produção primária.
É assim que, investigações conduzidas por Sondergaard et al. (1990) ou Parker et
al. (2001), mostraram que a remoção de peixes planctívoros de alguns tipos de massas de
água de baixa profundidade levava a uma melhoria da qualidade da mesma, com destaque
para o aumento de transparência, menor biomassa de fitoplancton, menor NH4 e superiores
teores em O2. Nestes casos, a remoção dessas espécies foi fundamental, de modo a que os
crustáceos de maiores dimensões, como a Daphnia spp, pudessem reaparecer, crustáceos
estes que desempenham um papel relevante no controlo da biomassa de algas. A
introdução de espécies seleccionadas ou a aplicação de diversas formas de bio-
manipulação podem assumir pois, contornos positivos, especialmente em meios fortemente
eutróficos.
O impacto da introdução de novas espécies de peixes pode também atingir outras
comunidades para além da ictiofauna. É assim que, Pilliod & Peterson (2001) referem que
os anfíbios existentes em lagos com escassa ou nula população de peixes sofreram
consequências devastadoras após a introdução de salmonídeos.
Todavia, a introdução de espécies de peixes apropriadas pode ser utilizada como
bio-remediação, isto é, no sentido de controlar a cadeia alimentar e o ciclo de nutrientes, de
modo a diminuir a produtividade primária e a taxa de circulação dos nutrientes principais.
Neste sentido, procura-se que os peixes contribuam para (Fig. 9.2):
• aumentar a população de zooplanctôn consumidor das algas planctónicas,
• converter a elevada produção primária em proteína animal,
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ESTUDO ESTRATÉGICO PARA A GESTÃO DAS PESCAS CONTINENTAIS PAMAF MEDIDA 4 – IED, ACÇÃO 4.4: ESTUDOS ESTRATÉGICOS
• aumentar a produção de espécies de peixe com maior interesse,
• diminuir o teor em nutrientes (principalmente P) através da remoção do
peixe para consumo, ou através da sua imobilização,
• diminuir o teor em seston orgânico, com a paralela melhoria da
transparência da água.
Fig. 9.2. Efeito “top-down” resultante da introdução de espécies de peixes numa massa de água,
com a possibilidade de se obterem resultados opostos de acordo com as características das espécies
seleccionadas (baseado em Klapper, 1991).
297
ESTUDO ESTRATÉGICO PARA A GESTÃO DAS PESCAS CONTINENTAIS PAMAF MEDIDA 4 – IED, ACÇÃO 4.4: ESTUDOS ESTRATÉGICOS
Vários casos de sucesso têm sido referidos, designadamente aqueles que envolvem
a utilização de espécies de carpa asiática, como a Hypophthalmichthys molithrix e
Aristchthys nobilis, em termos de conversão de blooms algais de cianofíceas em proteína
para consumo humano (Klapper, 1991). Assumindo um conteúdo de P de 0.5% por peixe,
a completa remoção destes leva a uma saída de 0.5g/m2/ano. Paralelamente, a carpa
prateada (H. Molithrix) pode promover uma forte exportação de nutrientes, para uma
densidade de 1000 carpas/ha, devido a que a taxa de sedimentação de fezes excede a taxa
de libertação de nutrientes. Dado que os nutrientes permanecem no estrato inferior da
albufeira (hipolímnio) durante a fase de estratificação estival ocorre, não acedendo
portanto á camada superior (epilímnio) onde têm lugar a fotossíntese, ocorre,
concomitantemente, uma redução da massa planctónica.
A selecção das espécies tem de ser criteriosa, porque pode atingirem-se os fins
inversos aos preconizados, ou seja, deslocar-se o sistema no sentido da eutrofização.
Klapper (1991) considera que espécies benéficas são geralmente a carpa prateada, lúcio,
lucioperca e todos os salmonídeos, dado que a sua alimentação na fase adulta incide sobre
algas de maiores dimensões e sobre espécies de peixes que se alimentam de zooplanctôn.
Pelo contrário, seria de evitar a expansão de espécies como o escalo, enguia e bramão
(Abramis brama) que se alimentam de invertebrados de zooplancton, invertebrados ou de
outros predadores juvenis.
O controle biológico através de espécies piscícolas é também susceptível de ser
aplicado na redução de espécies aquáticas invasoras, e a análise da sua viabilidade já tem
mesmo em Portugal numerosos casos experimentais (revisão em Moreira et al., 1998),
designadamente para combater principalmente a erva-pinheira, jacinto de água e macro-
algas. As espécies usadas têm sido a carpa comum (Cyprinios carpio L. f. specularis Lac.)
e a carpa-herbívora (Ctenopharyngodon idella Val.). O seu maior interesse, que seria em
grande medida o controle das invasoras nos canais de rega, tem sido, todavia, algo
modesto, já que apenas indivíduos de idade superior a 2+ mostram maior apetência por
aquelas infestantes espécies (Moreira et al., 1999).
298
ESTUDO ESTRATÉGICO PARA A GESTÃO DAS PESCAS CONTINENTAIS PAMAF MEDIDA 4 – IED, ACÇÃO 4.4: ESTUDOS ESTRATÉGICOS
4. NOVOS PROCESSOS DE CONSERVAÇÃO DAS POPULAÇÕES DE
SALMONÍDEOS ATRAVÉS DE REPOVOAMENTOS E TRANSFERÊNCIAS
4.1. Avaliação da eficiência e análise de riscos com o repovoamento
O processo mais comum de repovoamento realizado entre nós, no sentido de
responder á putativos decréscimos nos stocks de salmonídeos, está geralmente decorrente
duma política de satisfação imediata dos interesses locais e não resolve os problemas reais,
especialmente numa perspectiva de médio ou longo prazo. Com efeito, é necessário
identificar as causas desse potencial declíneo e assegurar que as fontes de perturbação
foram removidas ou minoradas. Frequentemente o problema reside “apenas” na alteração
do habitat, poluição e perda da conectividade do sistema, derivado de alterações
hidrológicas ou de obstáculos intransponíveis. A persistência de tais constrangimentos leva
de, modo inevitável, ao insucesso de sucessivas libertações de alevins. A monitorização é
também imprescindível para se corrigirem eventuais falhas e avaliar os resultados. A fig.
9.3 (baseada em Cowx, 1994) apresenta o procedimento crítico para identificar a
necessidade de recurso ao repovoamento.
Formulações deste tipo são úteis, pese a sua simplificação. Por exemplo, é preciso
ter em conta a variabilidade da mortalidade em função da densidade de indivíduos
libertados e a existência de alimento no sector considerado (invertebrados, zooplanctôn...).
É também muito útil proceder-se a uma inventariação prévia da biomassa e estrutura duma
população não perturbada em condições de habitat idênticas. Seja como for, o que não
pode acontecer é proceder-se á libertação sistemática de indivíduos, de modo aleatório,
sem conhecer a capacidade de porte do sistema e os potenciais impactos incidentes nas
populações existentes.
Ham & Pearsons (2001) definem 6 tarefas sequenciais no sentido de diminuir tais
impactos, das quais as 3 primeiras devem ser executadas previamente á operação, de forma
a reunir o conhecimento disponível sobre as espécies em causa:
1. Avaliação de riscos.
2. Determinação da possibilidade de existirem impactos importantes (ex:
conhecimento das interacções entre espécies).
299
ESTUDO ESTRATÉGICO PARA A GESTÃO DAS PESCAS CONTINENTAIS PAMAF MEDIDA 4 – IED, ACÇÃO 4.4: ESTUDOS ESTRATÉGICOS
3. Análise da viabilidade de implementarem-se medidas práticas para diminuir riscos
(ex: vedar uma área experimental para evitar expansão da espécie).
4. Monitorização apropriada para acompanhar a sequência temporal de impactos
existentes.
5. Actuação concreta no sentido de limitar tais impactos (ex: ter em conta a altura
em que é realizada a operação, o nº e tamanho médio dos peixes libertados e
definir os locais apropriados).
6. Reavaliação de riscos e análise da incerteza com o objectivo de preparar o
próximo ciclo de actividades, corrigindo limitações anteriores.
Relativamente á 1ª tarefa (avaliação de riscos), Pearson & Hopley (1999) definem
também detalhadamente o processo sequencial mais conveniente (ver Quadro 9.1).
Quadro 9.1. Tarefas necessárias para proceder a uma análise de riscos com vistas a implementar um programa de repovoamento (adaptado de Pearsons, Hopley, 1999).
I - Determinar os níveis de protecção das espécies piscícolas existentes A Seleccionar espécies autóctones de superior importância B Determinar o respectivo estatuto de protecção e a sua situação actual no meio C Determinar o nível de impacto aceitável (ex: 10% de impacto na abundância e distribuição) II - Determinar ou predizer a sobreposição de recursos em termos espaço-temporais das espécies autóctones relativamente aos vários estádios das espécies a introduzir A Determinar a sobreposição dos indivíduos libertados sobre os autóctones (interacção TIPO 1) B Determinar a sobreposição dos descendentes dos indivíduos libertados sobre os autóctones (interacção TIPO 2) III - Determinar ou predizer interacções ecológicas importantes A Determinar as formas de interacção do TIPO 1 ou 2 que podem ocorrer B Identificar os tipos de interacção que podem ter consequências ecológicas importantes (as quais podem ser positivas ou negativas) IV - Determinar o risco ecológico A Avaliar o risco ecológico para cada espécie autóctone (ponderando as acções positivas e negativas que podem ocorrer) V - Determinar o grau de incerteza A Avaliação da incerteza para cada espécie nativa, em termos de desvio padrão da avaliação de risco
300
ESTUDO ESTRATÉGICO PARA A GESTÃO DAS PESCAS CONTINENTAIS PAMAF MEDIDA 4 – IED, ACÇÃO 4.4: ESTUDOS ESTRATÉGICOS
FIG 9.3. Análise de risco para tomada de decisão relativamente á necessidade de se realizarem operações de repovoamento (baseado em Cowx, 1994).
302
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4. 2. Novas técnicas de estabulação libertação e controle
Alterações genéticas ocorrem rapidamente durante a produção de larvas e alevins
em estabulação pelo que é importante adoptar práticas que minimizem estes efeitos nos
primeiros estádios de desenvolvimento (Carvalho & Cross, 1998). Estes efeitos de
domesticação podem ser de algum modo reduzidos através de recrutamento de indivíduos
selvagens em cada geração, embora, em meios sujeitos a repovoamentos, alguns
individuos selvagens possam já apresentar uma proporção acentuada de genes
“domesticados”.
Na maior parte dos casos demasiados indivíduos são libertados, do que resulta a
diminuição da viabilidade dos indivíduos introduzidos e, mesmo, de efeitos adversos na
população existente. Quantos indivíduos se devem introduzir em cada troço? Torna-se
aconselhável a aplicação de indices que traduzam a capacidade de porte dos habitats locais
e sua produtividade potencial. Por exemplo, Welcomme (1976) divulgou um índice que
pretende determinar o nº de alevins (S) a libertar para uma dada massa de água:
eWqpS ⎟
⎠⎞
⎜⎝⎛= -Z (tc-t
0)
onde, p representa a produção anual potencial desse meio, q a proporção dessa
produtividade derivada da espécie em questão , W o peso médio capturado, tc a idade de
captura, t0 a idade de repovoamento e Z a taxa de mortalidade.
Parte-se pois do princípio que, quanto menor for a biomassa ou densidade dos
peixes existentes maior será a necessidade de repovoamento. Dum modo geral, podemos
concordar com esta asserção dentro de determinados limites relacionados com a
capacidade biogénica (por sua vez, ligada á composição química da água), o que implica,
como salientámos, uma caracterização prévia do meio. Mas, no caso da rarefacção ser
muito forte, levando a que os stocks de indivíduos selvagens se aproximem do limiar
crítico, a introdução de novos indivíduos (especialmente espécies piscívoras) pode levar a
302
ESTUDO ESTRATÉGICO PARA A GESTÃO DAS PESCAS CONTINENTAIS PAMAF MEDIDA 4 – IED, ACÇÃO 4.4: ESTUDOS ESTRATÉGICOS
que, como salientam McMichael et al. (2000), se crie um aumento de stress per capita
pondo mesmo em causa a sobrevivência da população selvagem residual. Estes autores
consideram que as interacções ecológicas em espécies territoriais se podem reduzir
adoptando os seguintes procedimentos:
1. Libertar indivíduos de dimensões inferiores aos valores médios dos peixes existentes,
2. introduzir o nº mínimo de peixes necessários para cumprir os objectivos de
ordenamento delineados,
3. realizar os lançamentos quando a temperatura da água é relativamente baixa,
4. seleccionar os locais em função da maior complexidade do habitat,
5. procurar locais onde as espécies territoriais nativas estejam virtualmente ausentes.
Um dos aspectos que penaliza fortemente os repovoamentos está relacionado com a
captura de indivíduos pouco tempo após esta operação, facilitada pela sua extrema
vulnerabilidade. Um período de proibição de alguns meses pode ser extremamente
positivo, pelo menos no que diz respeito ao aumento da dimensão dos exemplares
capturados (Hyvarinen et al., 2000).
4.3. Selecção de progenitores
Cowx (1998) considera que os reprodutores usados para propagação artificial
devem ter as seguintes características:
1. terem tido origem na mesma massa de água;
2. resultarem dum stock com as mesmas características biológicas da população
que se pretende aumentar;
3. terem sido obtidos num meio com as mesmas características ambientais
Ora para se obter este tipo de reprodutores é preciso capturar indivíduos selvagens,
processo este também designado por “supportive breeding”. Neste caso, alguns indivíduos
em plena maturação sexual são transportados para uma truticultura para fertilização
artificial, sendo os descendentes libertados ao fim de algum tempo no mesmo habitat
natural donde provieram os primeiros, onde se mesclam com a população existente. Uma
303
ESTUDO ESTRATÉGICO PARA A GESTÃO DAS PESCAS CONTINENTAIS PAMAF MEDIDA 4 – IED, ACÇÃO 4.4: ESTUDOS ESTRATÉGICOS
melhor taxa de sobrevivência pode ser conseguida deste modo e, se tivermos em conta o
que foi expresso relativamente á importância da conservação do património genético, esta
técnica não induz teoricamente á diminuição da diversidade genética local.
Se bem que este procedimento seja nitidamente mais correcto deve igualmente ser
encarado com precaução. Vários investigadores europeus, em trabalho compilado por
Laikre (2001), manifestam ainda reservas, devido a um crescimento da consanguinidade: o
nº de descendentes obtidos a partir dos reprodutores capturados é muito superior ao
verificado no meio natural.
Deste modo, existe também uma alteração no designado tamanho da população
efectiva, ou Ne, que diz respeito duma população “ideal” que apresenta a mesma taxa de
deriva genética que a população em causa. O valor de Ne é tipicamente inferior ao
tamanho real da população (N) e depende de factores como proporção entre sexos,
variabilidade no nº de descendentes por indivíduo, etc.
Tamanhos efectivos entre 50 e 5000 indivíduos por geração são necessários para
evitar perdas significativas de genes ao longo do tempo (Lynch & Lande, 1998). A
proporção entre sexos é essencial _como referem Carvalho & Cross (1998): um conjunto
de 4 machos e 100 fêmeas perdem tanta variabilidade devido a deriva como uma
população de 8 machos e 8 fêmeas. Sendo assim, a técnica descrita acaba ser por conduzir
á necessidade de se atingirem superiores valores de Ne de modo a manter-se a viabilidade
duma população e a sua diversidade genética.
Além do mais, este valor de Ne é frequentemente sobre-estimado derivado das altas
taxas de mortalidade verificadas durante a colonização de novos habitats. Linlokken et al.
(1999) consideram que, para a truta, os reprodutores obtidos no meio natural para a 1ª
geração estabulada (geração P) devem ter um mínimo de 25 machos e 25 fêmeas. Os
mesmos autores evidenciaram que se uma 2ª geração (F2) tem origem na 1ª existe uma
perda de alélos raros, diminuindo a heterezigocidade, embora o nº de reprodutores seja
potencialmente elevado dado que Ne tende também a ser sucessivamente inferior a N.
Harada et al. (1998) propuseram e avaliaram uma técnica no sentido de evitar os
problemas mencionados: Uso selectivo de peixes provenientes do meio natural como
reprodutores. Isto significa identificar os indivíduos capturados no meio selvagem de modo
a rejeitar aqueles cuja origem seja doméstica, partindo quer de indivíduos maturos (Fig. 9.4
em cima), quer de juvenis, sendo estes estabulados até á reprodução (Fig. 9.4 em baixo).
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ESTUDO ESTRATÉGICO PARA A GESTÃO DAS PESCAS CONTINENTAIS PAMAF MEDIDA 4 – IED, ACÇÃO 4.4: ESTUDOS ESTRATÉGICOS
FIG 9.4. Ilustração de processos sucessivos de repovoamento a partir de captura selectiva de
adultos em maturidade sexual (em cima) ou da captura selectiva de juvenis para posterior
estabulação e produção de reprodutores (em baixo). Em ambas as situações, os indivíduos a utilizar
em cada ciclo como reprodutores devem ser nativos (cor laranja), isto é, não terem sido
previamente estabulados.
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ESTUDO ESTRATÉGICO PARA A GESTÃO DAS PESCAS CONTINENTAIS PAMAF MEDIDA 4 – IED, ACÇÃO 4.4: ESTUDOS ESTRATÉGICOS
Esta técnica reduz a perda da variabilidade e a acumulação de mutações inerentes á
domesticação. Uma dificuldade ressalta imediatamente á vista: como descartar indivíduos
procedentes de repovoamentos prévios? Aparentemente seria necessário recorrer á
marcação de todos os indivíduos libertados utilizando técnicas como o “elastomer”, onde
marcas persistem durante toda a vida do peixe. Todavia, tal não é estritamente necessário
dado que, no caso dos salmonídeos, é conhecido que os peixes provenientes de produção
intensiva apresentam uma coloração mais escura e barbatanas ventrais reduzidas devido ao
atrito nos tanques de betão, pelo que, um bom observador poderia realizar a selecção com
alguma fiabilidade no momento da captura.
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