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Comentário a Rm 4,1-25
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COMENTÁRIO A RM 4,1–25
A fé de Abraão, tipo de homem justo.
Na lei antiga, Abraão foi justificado pela fé: 4,1–25 (s. Jenonimo).
Tema geral: O valor soteoriológico da ressurreição de Cristo.
O tema da ressurreição de Cristo possui capital relevância na teologia
paulina, sobremodo na epístola aos Romanos. Para Paulo, é ela a fonte da
justificação <> (Rm 4,25). É assaz característico em
Paulo, a relação da morte e ressurreição de Jesus com a salvação dos homens
(4,25)1. Ressalta-se, com efeito, o valor soteriológico desse evento singular para a
redenção objetiva do homem. O versículo 25 não é uma espécie de parallelismus
membrorum, ao contrário, exprime o duplo efeito da salvação para os homens2. A
saber: a expiação de suas transgressões, e, a instituição de um estado de justiça
para eles (Fitzmyer, p.).
O exímio exegeta jesuíta, Ferdinand Prat, chega a afirma que,
“a ressurreição de Cristo não é uma ostentação sobrenatural oferecida
para admiração dos eleitos, nem uma simples recompensa pelos méritos
de Cristo, nem sequer o fundamento de nossa fé e garantia de nossa
esperança; é um complemento essencial e uma parte integrante da mesma
redenção”3.
Paulo demonstra que a justificação de Abraão, graças a fé na onipotência de
um Deus fiel a suas promessas, era a figura de nossa justificação, e enfatiza-a de tal
modo que, para nós que acreditamos naquele que ressuscitou dos mortos Jesus,
nosso Senhor, o qual foi entregue pelas nossas faltas e ressuscitado para a nossa
justificação” (4,15).
No capítulo 4, Paulo leva à exaustão sua explicação sobre a salvação. Este
capítulo ocupa uma posição-chave, pois nele se dá a prova escriturística da
justificação pela fé (Rm 3,21-31). Ele interroga sobre a veracidade dessa hipótese,
1 Cf. respectivamente as seguintes referências: 1Ts 4,14; Fl 2,9-10; 1Cor 15,12.17.20-21; 2Cor 5,14-15; 13,5; Rm 8,34; 10,9-10.2 Muitos são os estudiosos que se dedicaram a esse assunto: Alfredo Vitti, publicou um artigo na Civilità Cattolica (CivCatt 2 (1930), p. 97-109; 298-314. 3 F. PRAT. La théologie de saint Paul, II. Paris: Beauchesne, 1 (6 ed), p. 250-256 [grifos nossos].
ressalta que seu sentido diz respeito unicamente se a fé de Abraão antecede de
algum modo a fé cristã e, em última instância, se identifica com ela.
O exemplo de Abraão (4,1-24) visa provar a tese apresentada nos capítulos
precedentes; quer mostrar que sua fé estava estabelecida antes da lei, de modo que
Abraão se torna pai dos circuncisos e dos incircuncisos. O patriarca de Israel é um
modelo eficaz que dar inteligibilidade ao argumento paulino.
Paulo recorre a exemplos irrefutáveis e prova que Abraão foi justificado pela
fé e, não por meio das obras (4,1–8); ele demonstra quando e por que Abraão foi
justificado (4,9-17). Em seguida, Paulo descreve e recomenda a fé do patriarca
(4,17-22); Feito isso, o apóstolo atualiza o que acabara de mencionar [exemplo de
Abraão] para o presente. (suprassume o que acabara de mencionar, conservando-o
para o presente).
Alguns estudiosos vêem nesse capítulo o núcleo da teologia paulina. Ele
não recua diante de nenhuma conseqüência, por mais radical que possa ser. Com
fortes antíteses, Paulo dá provas da liberdade real do cristão, em nome da qual
exclama para a sua comunidade: “tudo pertence a vós!” (1Cor 3,21). Isso, com
efeito, é válido ao patriarca, à tradição a seu respeito, e ao modo de entender o
Antigo Testamento, sobre o qual o judaísmo reivindica um direito exclusivo.
Mister se faz [Convém] salientar que as igrejas domésticas de Roma eram
muito diversificadas quanto à origem étnica, condição social e cultura. Paulo era
ciente disso, apesar de não ter sido o fundador dessas comunidades e,
provavelmente, nunca ter estado em Roma antes de escrever a epístola. Para ele,
porém, há um elo de ligação entre todos, que se denomina “a fé em Jesus Cristo”.
Paulo foi fariseu irrepreensível (Fl 3,6), mas depois de fazer a experiência de Cristo,
sua vida e sua visão da religião (religio) mudaram fundamentalmente. Como fariseu,
acreditava que a prática da Lei tornava justas as pessoas. Como cristão, a
justificação vem por meio da fé, que é adesão à pessoa e à prática de Jesus.
Ao refletir sobre o tema Paulo rememora aos romanos, a pessoa de Abraão,
figura típica de quem tem fé em Deus.
Considerado na evidência primeira e irrecusável de um fenômeno
determinante da configuração de fé do hebreu, exprimindo-se numa forma original
de experiência religiosa, a experiência de Abraão oferece a ele uma primeira via de
acesso à elucidação de sua fé, mediante uma descrição fenomenológica que deve
indicar o caminho na compreensão de seu existir propriamente dito.
Numa atitude eidética <> Paulo pensa acerca do que é ter fé. Sua
resposta mostra que é simplesmente entregar-se e entregar a própria vida a Deus.
Foi, porquanto, o que aconteceu com Abraão. Seu chamado por parte de Deus vinha
acompanhado de uma promessa: ter terra, descendência e dar início ao povo de
Deus, povo com vocação universal, sem fronteiras de raça ou nação. Abraão
apostou tudo fundamentando-se no chamado e na promessa, sem buscar garantias.
Mais ainda: acreditou conhecendo em si mesmo, no corpo
<[]>, a impossibilidade de ter descendência, pois já
estava com idade avançada e sua esposa estéril. Esperando contra toda esperança,
Abraão acreditou e tornou-se pai de muitas nações, conforme foi dito a ele:
“Assim será sua descendência. Ele, contra toda esperança, acreditou na
esperança de tornar-se pai de muitos povos, conforme lhe fora dito. Ele
sem vacilar na fé que viu seu corpo já amortecido - ele tinha cerca de cem
anos - e o ventre de Sara sem vida”4.
Deus coroa de êxito e torna justo Abraão por sua adesão incondicional, sem
exigir garantias, sem ter certezas. Foi assim – garante Paulo – que Abraão se tornou
não somente pai de Israel, mas pai de todos os que acreditam em Deus e em Jesus.
Implicitamente é o mesmo o que acontece conosco, afirma a carta (4,23-24). Nós
somos justificados quando acreditamos que Deus ressuscitou a Jesus dentre os
mortos para nos livrar dos pecados e para nossa justificação.
A fé justificante de Abraão é o tipo de nossa fé, afirma Orígenes5. Sua fé
continha por antecipação a forma e a imagem do grande mistério da ressurreição.
Segundo este insigne erudito, há uma causalidade intrínseca entre a ressurreição de
Cristo e a justificação do cristão.
Os cristãos, portanto, são chamados a fazer como Abraão: dar a própria
adesão a Deus e a Jesus, sem exigir provas, sem buscar certezas ou garantias.
(cf. p. G. B., 184, comentário sobre a polêmica do judaísmo e a interpretação
exegética).
4 Rm 4,18-19, Biblia de Jerusalém [grifos nossos].5 ORÍGENES. PL 14,984
[Ademais, segundo o contexto paulino que compara a fé do cristão à fé de
Abraão, a afirmação essencial que consiste na alusão à morte de Cristo no paralelo
hemistíquio que mutatis mutandis, pode se afirmar: “[...] para nós que cremos n
´Aquele que ressuscitou Jesus, nosso Senhor, do reino dos mortos [...] que foi
entregue à morte pelos nossos pecados e foi ressuscitado para a nossa justificação”
(4,24-25).
Em suma, o quarto capítulo da epístola aos Romanos está organicamente
articulado da seguinte maneira:
1) Os versículos 1–8 consagra-se à antítese “fé-obras”, cujos pólos
correspondem à lógica da gratuidade e à lógica do que é devido <-
>; 2) O tema basilar dos versículos 9–12 é o da justificação fora da
circuncisão; 3) Os versículos 13–17a, destacam a promessa de Deus a Abraão e
aos seus descendentes; 4), 17b–25, versam sobre a qualidade da adesão de fé.
Essas perícopes tratam das qualidades exemplares de Abraão, evidenciadas
pelo apóstolo. Ei-las, com efeito: a) , por força da fé e por pura graça, daí, não
tem porque se orgulhar perante Deus; b) como incircunciso “foi-lhe levada em conta
de justiça a fé”, por isso, sua paternidade não depende do sinal da circuncisão,
porém da fé; c) beneficiário da promessa divina “em virtude da justiça da fé, tem os
fiéis por herdeiros; d) fiel numa situação desesperadora, prefigura os cristãos que se
entregam “Àquele que ressuscitou Jesus, nosso Senhor, do reino dos mortos”.
Vê-se, por conseguinte, que Paulo encontra em Abraão os temas teológicos
caracterizadores de sua teologia: a justificação se realiza independentemente das
“obras da lei” e da circuncisão, isto é, mediante unicamente a fé e gratuitamente, e
mais, sem nenhuma discriminação entre circuncisos e incircuncisos.
A fé de Abraão, tipo de homem justo (4,1-8).
A justificação pela fé é uma realidade já tipicamente de Abraão (Rm 4,1-8).Que diz, com efeito, a Escritura? Acreditou Abraão em Deus, e
isto lhe foi levado em conta de justiça (Rm 4,3).
Paulo retoma a discussão com seu “interlocutor” judeu e refuta a justiça
baseada nas obras em proveito da justiça da fé. Sua tese se fundamenta no
argumento de Abraão (cf. Gl 3,6), porque o patriarca foi justificado em razão de sua
fé, gratuitamente (Gn 15,6), como Deus perdoa um pecador (Sl 32,1-2). É premente
para Paulo mostrar a continuidade orgânica de sua teologia com a Sagrada Escritura
e a história da salvação que começa com o patriarca. Por conseguinte, demonstra
que sua tese – a doutrina da justificação mediante unicamente a fé – está em
conformidade com o AT, e por isso, recorre com eficácia a Abraão como uma figura
paradigmática.
Trata-se, pois de uma demonstração escriturística, na qual Paulo discute o
sentido dos testemunhos bíblicos, justificando assim, a reivindicação da paternidade
abraâmica para os fiéis. O antigo patriarca, com efeito, figura como um testemunho
bíblico irrefutável, pois em virtude de sua fé na palavra divina, foi justificado, e não o
contrário. Fica, pois excluída qualquer pretensão: mérito, ou razão de auto-
suficiência perante Deus. Diante disso, as pretensões judaicas são sem sentido
(unsilos). A única validade é a lógica da gratuidade <“”>.
[O Salmo 32,1-2 [LXX] confirma o argumento paulino: “Bem-aventurados
aqueles cujas iniqüidades foram perdoadas [...] Bem-aventurado o homem a quem o
Senhor não leva em conta seu pecado”].
Existe na construção do versículo 2 uma relação embrionária com o que se
presume no versículo seguinte. Seu sentido é muito bem apreendido por santo
Agostinho:
“O Apóstolo diz: de certo, nos é conhecido e manifesto porque Abraão tem
glória junto de Deus; e se pelas obras foi justificado, Abraão tem glória,
mas não junto de Deus; ora, tem glória junto de Deus, logo não justificado
pelas obras”6.
Também se considerarmos a questão na lógica da negatividade, vemos que:
“se, portanto, não é pelas obras que Abraão é justificado, donde é
justificado? Fala e declara donde: Que diz, com efeito, a Escritura? Isto é,
donde diz a Escritura que Abraão é justificado? Ora, Abraão creu em Deus
e lhe foi atribuído para justiça. Logo, é pela fé que Abrão foi justificado”7.
6 “Ait apostolus: Certe notum est nobis manifestum quia Abraham ad Deum habet gloriam; et si ex operibus iustificatus est Abraham, habet gloriam, sed non ad Deum: ad Deum autem habet gloriam; non ergo ex operibus iustificatus est”, In psalm. 31; PL XXXVI, 259.7 “Si ergo non ex operibus iustificatus est Abraham, unde iustificatus est? Loquitur, et dicit unde: Quid enim Scriptura dicit? id est, unde dicit Scriptura iustificatum Abraham? Credidit autem Abraham Deo, et reputatum est Illia ad iustitiam. Ergo ex fide iustificatus est Abraham. AGOSTINHO, In psalm. XXXI. PL XXXVI, 259.
O texto bíblico ao qual Paulo se refere em Rm 4,3 é Gn 15,6. Trata-se de um
texto que constitui uma reflexão teológica do eloísta acerca da atitude de Abraão
frente à promessa divina de uma descendência assaz numerosa (Gn 15,5); ele
acreditara na palavra do Senhor e este, com um ato declaratório, avaliou sua fé
como realidade constitutiva do justo relacionamento a ser mantido com ele. Paulo,
no entanto reporta ao texto para salientar a gratuidade com que Deus justifica o
homem que crê.
Objetivamente, a fé oposta às obras, é a renúncia à confiança subjetiva das
obras piedosas, para se fiar unicamente em Deus e em sua iniciativa salvífica. Ora,
mas a fé representa só um pré-requisito necessário para se alcançar a justificação
ou ela é formalmente a justificação?
O ato de fé como tal não é somente uma disposição prévia e anterior à
justificação, mas constitui a própria justificação. A fé do crente já é, de certo modo,
sua justificação. Com efeito, a expressão “justiça da fé” <“ ”>,
utilizada por Paulo em Rm 4.11.13, indica que a justiça consiste na fé. A justificação
de Abraão se manifesta na medida em que ele acredita e se abre a Deus. A
expressão destaca, pois, que a justiça é intrínseca à fé. Isso porque no ato de fé,
que tem Deus como objeto, o sujeito já é transformado naquilo em que acredita, sem
necessitar de uma ulterior ação divina a propósito. O homem pecador, de fato, ao
aceitar a palavra de Deus, que almeja a redenção de todos, se irrompe para essa
palavra criadora que age nele, purificando-o.
A justificação, portanto, é o resultado do ato de fé e se identifica com esse
ato.
Mais ainda, verifica-se que o ato de fé do patriarca pode ser entendido de
três maneiras: “crer que Deus existe” (credere Deum), “crer naquilo que ele faz”
(credere Deo), e “crer em Deus” (credere in Deum). Isso porque, Abraão ao acreditar
em Deus, cumpre aquele destes três atos que consiste “no crer em Deus” (credere
in Deum), como um ato próprio da fé. Por conseguinte, crer em Deus (credere in
Deum) manifesta a ordem da fé no que respeita à fé – a qual se obtém pela caridade
–, posto que “crer em Deus”, significa que o homem se unirá a ele; e, isto é operado
pela caridade. Com efeito, esse ato acompanha a fé enquanto virtude especial. Já
credere autem Deum, manifesta, segundo são Tomás, o objeto material da fé, o que
a constitui como virtude teológica, tendo Deus por seu objeto.
[4.3.1] A fé de Abraão e a circuncisão (Rm 4,9-12).
[Morte e ressurreição: único mistério de salvação.
O versículo 9 soa como a conclusão dos versículos precedentes. Posto sob
forma de interrogação, pressupõe responder ao salmista quando fala do homem
sem distinção, e também que a doutrina da justificação diz respeito a todos, sem
distinção entre judeus e não-circuncidados.
[Trata-se, pois, de um resultado, que apóia sobre toda a situação (posição,
postura) antecedente: recebeu a circuncisão como selo (sinete) da justiça, ele
poderia ser o pai dos incircuncisos. Segundo santo Tomás: “id est, ex praedictis
consequitur”8].
De fato, o problema enfrentado por Paulo, nessa seção (v. 9-12), refere-se à
exclusão do sinal da circuncisão (4,11) do processo justificatório e à afirmação do
universalismo de seus beneficiários. Para resolvê-lo, o apóstolo interpreta o Sl 32,1-
2, à luz de Gn 15,6, tal qual fizera anteriormente, quando explicara o texto de
Gênesis cotejando-o com o salmista.
A circuncisão (v. 11) significa um sinal da aliança <, Gn
17,11> entre Yhwh e a descendência de Abraão (cf. At 7,8). Paulo, no entanto, ao
falar da aliança, toma-a no sentido de que o “sinal da aliança” se converta no
“signum da justiça”. Portanto, segundo ele, a verdadeira aliança de Deus se
estabelece com o homem de fé. Confirma este argumento, o fato de Abraão fiar-se
inteiramente em Deus e ser justificado, antes mesmo de receber a circuncisão
(4,11).
É estabelecida, portanto, a paternidade abrâmica a todos os gentios que
crerem, posto que “os verdadeiros filhos de Abraão são os homens de fé”9.
Fica, portanto, claro que a paternidade de Abraão ultrapassa o âmbito da
circuncisão e não se prende a ela. Os judeus são convidados a seguirem os passos
de seu antecessor, imitando sua fé. A verdadeira posteridade do antigo patriarca
constitui-se, pois – de pessoas crentes –, como uma fase fundamental nos planos
salvíficos de Deus para com os homens.
8 “Isto é, decorre do que foi dito”,9 Gl 3,7 [grifos nossos].
[4.3.2.] A promessa, a justiça da fé e a lei (Rm 4,13-17a).
[Manifesta assim, o escopo da terceira parte, a qual é determinada pelo
tema de Abraão como “herdeiro do mundo”, Ernst K., p 102]
Abraão antes mesmo de ser circuncidado é reconhecido justo por uma
justiça proveniente da fé. Isso é tácito, porque Paulo nesse terceiro momento da
prova escriturística se volta para promessa feita por Deus a Abraão e sua
descendência. Ele já tratara esse assunto na epístola aos Gálatas (3,15-18), agora,
seu interesse não diz respeito ao conteúdo da promessa propriamente. Na dinâmica
da tradição judaica, o apóstolo acena para ela suprassumindo-na a um paradigma
universal, mas sem deixar de elucidar seu caráter interno de iniciativa unilateral,
incondicionada, gratuita. Vale dizer, assim como existe incondicionabilidade entre fé
e as “obras da lei”, onde domina a lógica da confiança nas próprias obras religiosas
e morais, a fé fica privada de qualquer função justificante.
Em 4,11, Paulo estabelecera essa verdade opondo-a as pretensões
judaicas, novamente a faz, mas frente à Lei judaica. O argumento de 4,13, confirma
isso – “mediante a justiça da fé” –, pois toca a fundo (Grund) a questão. O que se
segue mostra que significa a condição de cumprir a Lei, e, por
conseguinte, assinala igualmente que a justiça da fé é fundamental e
indispensável.
Segundo Gn 15,6, um dos textos com o qual esta perícope é cotejado, a
promessa é anterior e posterior à fé. Não significa, então, que a fé seja o
merecimento da primeira promessa – feita a Abraão –, tampouco a justiça da fé, que
se poderia, a rigor, ser vista como absoluta, mesmo em relação à própria fé.
A tese paulina dos versículos 14-15, leva seu adversário a cair num
argumento de retorsão, pois mostra aos que se fiam na lei que nela existe um
mecanismo que leva à condenação, justamente porque é ocasião de transgressão.
De fato, o homem sob a força do pecado (Rm 3,9) é levado à rebelião contra os
mandamentos, pois estes aparecem como odiosos e ilógicos, uma vez que ele
almeja sobremodo, afirmar egoisticamente e unicamente a “soi-même”.
A lei nesse caso, não poderá ser fonte de salvação, mas sim, fonte e causa
de perdição. Ademais, além de não convergir para o perdão e justificação do
homem, ela possibilitar a atuação do pecador mediante gestos concretos e
pecaminosos (4,15; 5,20a).
Em suma, o argumento do apóstolo é assaz cáustico para o judaísmo, que
via na lei um antídoto contra o instinto do mal, em germe e atuante no homem. A
crítica paulina, no entanto, visa à função desempenhada pela lei na historicidade da
humanidade – escrava de seu egoísmo de onipotência – e, não à Lei como uma
normatividade objetiva (cf. Rm 3,31).
Do exposto, fica claro que os herdeiros da promessa divina são os que
crêem, porque somente a fé mantém o caráter gratuito dos bens prometidos e a
destinação universal da promessa. A promessa ipso facto, não está apenas ligada à
lei, uma vez que é válida para todos; o testemunho de Gn 17,5, a confirma,
mostrando que ele é, verdadeiramente, o pai de todos os que crêem.
A controvérsia entre Paulo e o judaísmo se dá essencialmente na matriz
interpretativa da figura de Abraão, que é exemplar para ambos. No entanto, para o
apóstolo Abraão é o crente e paradigma para os que crêem, mas para os judeus, ele
é o observante de lei.
[4.3.3.] A fé de Abraão, primeiro esboço da fé cristã (Rm 4,17b-25).
A quarta e última perícope do capítulo 4 de Romanos, inicia-se no meio de
uma frase (4,17b), justamente porque nela Paulo reflete sobre outra idéia. A saber:
sobre Abraão enquanto dos justificados, dos beneficiários da promessa e
também de todos os fiéis, no sentido que sua fé mostra a natureza profunda da ação
dos homens, necessária no processo de justificação.
Em síntese, Rm 4,1–25 responde a seguinte questão: “quem é Abraão”?
Paulo, como vimos, respondeu que o patriarca creu em Deus, isso lhe foi creditado
como justiça (4,3b), que essa é a justiça da fé (4,9), justiça independente das obras,
da circuncisão e da lei (4,13.16).
Desta sorte, o exemplo do antigo patriarca adquire novo significado e se
insere perfeitamente na nova economia salvífica.
Abraão acreditou na palavra divina, a despeito de toda esperança, aceita
sua palavra e fiduciamente aceita que o poder criador de Deus realizará algo que lhe
parece impossível (4,18-19).
O feito de Abraão pode ser entendido numa identidade objetiva da promessa
como sendo o evangelho em antecipação histórico-salvífica e historicamente velada,
enquanto o evangelho é a promessa que passou para a notoriedade escatológica. O
evangelho entra em lugar da lei, não da promessa, e desta conserva o caráter, e nos
torna com o dom do Espírito, herdeiros da redenção definitiva. Desta sorte, o
evangelho desvela a promessa, proclama-a em todo o mundo e revela também a
profundidade da história10.
Essas considerações nos permitem inferir que a fé de Abraão apresentada
em 4,17b, numa identidade objetiva entre a promessa e o evangelho, seja similar à
confiança no poder de Deus que ressuscita.
Abraão frente ao paradoxo no qual se encontra – esperar algo
humanamente impossível (4,17) –, não se refugia na ilusão em nome de uma
piedade edificante; vê-se ao contrário, no mundo, confrontado com a morte e com o
nada, em si mesmo e no mundo que o cerca. Nesse sentido, se caracteriza não pelo
credo “quia absurdum”, mas pelo “credo absurdum”. Pois contra toda realidade
terrena, Abraão ousa confiar na promessa divina e abandonar-se totalmente àquele
que “dá vida aos mortos e chama as coisas inexistentes para que existam
<>” (Rm 4,17b).
Isso mostra, com efeito, a qualidade teológica e a profundidade da fé
abrâmica. E isso tem uma importância capital para Paulo, pois ele considera
justificadora a fé do homem que participa da mesma qualidade de fé do patriarca.
Ora, se conteudisticamente a fé de Abraão não pode ser denominada de fé
cristã, passa a sê-lo quanto ao seu efetivo dinamismo de confiança ilimitada, de
esperança em quem é capaz de realizar o impossível.
Nos versículos 17b-21 está implícito que Paulo esteja a responder a um
duplo questionamento: 1) em que Abraão acreditou (4,17b), e; 2) em quais situações
viveu sua fé (4,18-21).
O escopo das respostas paulinas, uma vez que é comparado com alguns
textos conhecidos da literatura bíblica judaica11, é caracterizar a fé de Abraão, pois
ele se abriu ao prodígio divino na certeza da vitória da vida sobre a morte, e, da
“creatio “ex nihilo”. Desse modo, a fé de Abraão em Deus, que faz os mortos
viverem (4,17), prefigura a fé cristã nesse mesmo Deus, que ressuscitou Jesus de
entre os mortos.
10 Veja a esse respeito, Herbert ULONSKA. Paulus und das Alte Testaments. Brackwede: Selbstverlag, 1964, p. 207s. Dissertação apresentada à Universidade de Münster.11 Variegados textos tratam do assunto. A segunda das 18 bênçãos Br 21,4; Ez 37; Sb 11,17; 2Mc 7,28; Filón de Alexandria; Flávio Josefo. Ver também U. WILCKENS. La carta a los Romanos (BEB 62). Salamanca: Sigueme, 1992.
No entanto, se destaca primeiramente, que a profunda expressão da fé
abrâmica (4,18) estar voltada para o futuro, daí ser caracterizada como esperança
<>; em segundo lugar, se mostrou ser uma atitude de confiante abertura a
possibilidade radical e última. De fato, Abraão rejeita a incredulidade para a qual o
conduzia sua impotência humana, e deu crédito a promessa divina: “não se abalou
pela desconfiança”, mas se “fortaleceu com fé” (Rm 4,20).
Com efeito, a expressão do versículo 20 <“”>, em que
se destaca que a fé enche de potência, frisa, de certa forma, que a justificação se
realiza no próprio ato de fé: Abraão “não se deixou abalar pela desconfiança, mas se
fortaleceu com fé, dando glória a Deus”.
Assim, em Rm 4,20 a fé tem como resultado conjunto “dar glória a Deus”,
como indica no texto grego a frase principal ligada ao verbo principal
(“”). A possibilidade de glorificar a Deus no ato de fé confirma que,
por obra da ação divina, há uma transformação pessoal no homem que acredita. O
dom da fé coincide, portanto, com o da justificação.
Para Paulo, a fé justificadora dos cristãos qualitativamente não é diferente.
Estes, crêem efetivamente “n´Aquele que ressuscitou Jesus [...] de entre os mortos”
(4,24), para que sejamos justificados.
Rm 4,25, é provável que seja uma alusão a Is 53,4-5.11-12, sugerindo o
caráter vicário da paixão e morte de Cristo como servo de Yhwh para o perdão dos
pecados de todos os homens. Uma formulação paralela dos efeitos da morte de
Jesus e de sua ressurreição pode ter sido encontrada em Is 53,11, onde se acentua
o contraste entre pecado e justificação.
Fé e obras depois da justificação.
Vimos a primazia da fé para se alcançar a justificação, justamente porque se
exclui qualquer tipo de obra por parte do homem. No entanto, na vida cristã, toda
espécie de boa obra perde seu valor? Desta sorte, como relacionar esta afirmação
com a exortação a se comportar bem, porque Deus, no dia do julgamento, vai julgar
cada ser conforme suas obras (cf. Rm 2,6)?
É sabido que a perspectiva paulina não se exclui as obras que se fazem
depois da justificação, que em si mesmas são a manifestação necessária da
justificação já alcançada. Ao contrário, exorta a colocá-las em prática. Tais obras,
com efeito, animadas pela fé e pelo Espírito Santo, que rege o ser humano no
momento da justificação, não levam à autoglorificação, tirando de Deus o título de
único salvador, mas representam as conseqüências do “ser cristão”, a fim de que a
realeza de Deus se torne visível nele.
O texto de Ef 2,8-10 esclarece a contento isso. Paulo distingue a obras que
o homem pecador pode fazer antes da justificação das que ele realiza depois.
Vejamo-lo:
“Pela graça fostes salvos, por meio da fé, e isso não vem de vós, é o dom
do Deus: não vem das obras, para que ninguém se encha de orgulho. Pois
somos criaturas dele, criados em Cristo Jesus para as boas obras que
Deus já antes tinha preparado para que nelas andássemos” (Ef 2,8-10)12.
Ambas as preposições utilizadas no grego são significativas: a justificação
não vem pelas obras (), i.é., pela atuação subjetiva do homem, mas, depois
de ter acontecido, estimula o batismo a construir sua vida sobre boas obras
(). Paulo nega assim, que as obras humanas possam em si
mesmas justificar o homem. Destaca, por conseguinte, a necessidade de fazer boas
obras depois de ter alcançado a justificação.
Segue-se outra questão proveniente daí, a saber: a doutrina paulina sobre a
justificação pela fé e não pelas obras está ou não em contradição com o texto de Tg
2,14–23? Nesse, enfatiza-se: “Se alguém disser que tem fé, mas não tem obras, que
lhe aproveitará isso? [...] Tu tens fé e eu tenho obras. Mostra-me a tua fé sem as
obras e eu te mostrarei a fé pelas minhas obras”. E ademais (acrescenta), “Não foi
pelas obras que nosso pai Abraão foi justificado, ao oferecer o seu filho Isaac sobre
o altar? Já vês que a fé concorreu para as suas obras e que pelas obras é que a fé
se realizou plenamente. E assim se cumpriu a Escritura, que diz: ‘Abraão creu em
Deus, e isto lhe foi imputado como justiça’, e ele foi chamado amigo de Deus” (Tg
2,23; cf. Rm 4, 3).
Não será temerário afirmar não haver contradição nenhuma entre a
perspectiva paulina e as expressões de Tiago. Este se refere às obras que seguem
à justificação; com uma linguagem um pouco provocatória, quer despertar os
12 Cf. Rm 1,16; 3,27; 1Cor 1,29; 2Cor 5,17.
membros de sua comunidade, exortando-os a mostrar, com uma verdadeira atuação
cristã, a vida nova que receberam no batismo. Talvez queira “corrigir” uma
compreensão apressada da teologia paulina, que ressalta a importância da fé de
maneira abstrata, não relacionada à realização de verdadeiros frutos de justiça.
Com efeito, Tiago (2,21) ao afirma que Abraão foi justificado ao oferecer o
filho sobe o altar, não quer dizer que sua justificação depende da obra realizada por
ele. No v. 22, o autor manifesta seu verdadeiro pensamento, destacando que a fé do
patriarca se tornou plena só por meio das obras realizadas. Assim, a atenção do
hagiógrafo é dirigida à atuação do patriarca depois da justificação.
À luz dessa explicação, mister se faz esclarecer em que sentido as obras
cumpridas depois da justificação podem ser chamadas de “mérito”. Este termo é
utilizado para se referir aos frutos da vida cristã cotidianamente. Não obstante, essa
palavra não pode se referir ao início do processo de justificação nem à graça da
perseverança final. Indica tout court a particular dignidade das ações cumpridas pelo
fiel que vive em Cristo e opera pela força do Espírito Santo. Os méritos são, pois,
dons de Deus que brotam da renovação operada gratuitamente por ele nos fiéis.
Esquematicamente,
a) antes de alcançar a justificação:
somente a fé, que se manifesta a gratuidade do dom de Deus e tira todo o orgulho e
a vanglória;
b) depois que se alcançou a justificação:
Obras animadas pela fé e pelo Espírito, que manifestam o novo ser do cristão, feitas
com simplicidade, dando graças.
[Rm 4,25.
A justiça é, com efeito, uma primeira participação à vida do Cristo ressuscitado (6,4;
8,10 etc.); Paulo nunca separa a morte de Jesus da sua ressurreição. No AT, Deus
justifica julgando (Sl 9,9). No NT, ele será “juiz” no último dia (2,6); ele “justifica” por
Cristo (3,24), isto é, confere o dom da justiça só em consideração da fé (Rm 1,17s),
e não das obras da Lei (3,27; 7,7).]
[...] Por isso se deve dizer que esse ato de amor, assim expresso [exprimido,
manifestado], é o conjunto da morte e a ressurreição. De fato, trata-se de dois
aspectos de um único mistério, um pouco como a remissão dos pecados e a infusão
da vida divina, como a sugere são Paulo precisamente em Rm 4,25 (p. 174).
[..]
Abraão é o pai de todos os que crêem, ou seja, de todos os que não depositam sua
confiança nas próprias obras meritórias, mas em Deus. Para provar isso, Paulo
invoca o testemunho bíblico. O texto no qual ele se apóia é o de Gn 15,6, que diz:
“Abraão creu em Yhwh, e [isso lhe foi tido em conta de justiça”13. Não resta dúvida,
não foi em virtude de boas obras, mas da fé na palavra divina que Abraão foi
justificado. Por conseguinte, exclui-se qualquer justificativa meritória, como também
refutada (eliminar) está qualquer razão de orgulho e de auto-suficiência perante
Deus. Paulo encontra no Sl 31,1-2 a confirmação de sua demonstração escriturística
(heurística): “Bem-aventurado aquele cuja ofensa é absolvida, cujo pecado é
coberto. Bem-aventurado o homem a quem Yhwh não atribui iniqüidade [...]”.
Ademais, se se observa a sucessão dos fatos da história de Abraão, ver-se-á que
ele foi justificado antes de ser circuncidado. É explícito que a circuncisão não é
determinante no processo justificatório. Conseqüentemente, somente a fé é
preponderante. As barreiras do particularismo judaico são refutadas e lançadas por
terra, visto que Abraão é o pai de todos, judeus e pagãos, desde que creiam.
Confirma-o o testemunho de Gn 17,5, lido em sentido universalista: “Eu o constituí
pai de uma multidão de povos”.
A controversa com o judaísmo, a interpretação exegética aparecem a serviço de
uma profunda teologia da história da salvação. Segundo Paulo, a ação salvífica
divina, manifestada plenamente em Cristo morto e ressuscitado e antecipada no
Antigo Testamento, como o atesta o caso de Abraão, é coerente consigo mesma. É
sempre mediante a fé, que ela se realiza. Seja agora, seja no passado, Deus torna
“justos” os homens que, pela fé, confiam nele. O patriarca é figura tipicamente
13 A fé de Abraão é a confiança numa promessa humanamente irrealizável; Deus lhe reconhece o mérito desse ato (cf. Dt 24,13; Sl 106,31), coloca-o na conta de justiça, sendo justo o homem cuja retidão e submissão o tornam agradável a Deus. Paulo utiliza o texto para provar que a justificação depende da fé e não as das obras da Lei, pois a fé de Abraão guia a sua conduta, é princípio de ação (cf. Bíblia de Jerusalém).
exemplar do crente, e acolhido graciosamente pelo Senhor. Do mesmo modo que
ocorreu com ele, também será conosco.
O que a Escritura Sagrada afirmou a seu respeito: “a fé [que] lhe foi levada em conta
de justiça”, é dirigida igualmente aos cristãos que crêem “n’Aquele que ressuscitou
Jesus, nosso Senhor, do reino dos mortos” (4,24b). Mesmo dizendo respeito a uma
particularidade, é uma história prefigurativa do que ocorre no momento,
caracterizado pela pregação evangélica. É, pois, início e fim de uma correlação.
Estabelece-se uma relação dialética: a história abraâmica tem sentido e
inteligibilidade à luz de Cristo, e, o significado de Cristo encontra compreensão na
história daquele.
[...]
A paternidade abrâmica, segundo Paulo, não pode ser ipso facto entendida na
esteira da circuncisão, mas sobre a fé. A circuncisão não é fator determinante para a
filiação do patriarca. Se o fosse os pagãos seriam excluídos da filiação, pelo fato de
não serem circuncidados, e os judeus são admitidos não exclusivamente por causa
da circuncisão. Desta sorte, Paulo admite a distingue duas categorias de filhos
espirituais de Abraão, contudo, ambas são constituídas por homens que crêem. A
saber: cristãos provenientes do paganismo e judeus-cristãos. Segundo o apóstolo,
os primeiros repetem ipis litteris o caso de Abraão, justamente por serem justificados
como incircuncisos; os últimos se tornaram justos porque não se contentaram com a
pertença ao horizonte da circuncisão, mas se apropriaram do caminho da fé do
patriarca. Nesse caso, não se anula a circuncisão, mas seu télos é redimensionado:
não é fonte de justiça, porém somente sua confirmação (p. 188).
O que determi
O EXEMPLO DE ABRAÃO
Relação entre fé e justificação (p. 223-24).
A justificação pela fé é uma realidade já tipicamente de Abraão (Rm 4,1-8).
“Acreditou Abraão, e isto lhe foi levado em conta de justificação” (Rm 4,3). A
fé representa só um pré-requisito necessário para se alcançar a justificação ou ela é
formalmente a justificação?
O ato de fé como tal não é somente uma disposição prévia e anterior à
justificação, mas constitui a própria justificação. A fé do homem já é sua justificação.
Com efeito, a expressão “justiça da fé” (“ ”), utilizada por Paulo em
Rm 4.11.13, indica que a justiça consiste na fé. A justificação de Abraão se
manifesta na medida em que ele acredita e se abre a Deus. A expressão destaca,
pois, que a justiça é intrínseca à fé. Isso porque no ato de fé, que tem Deus como
objeto, o sujeito já é transformado naquilo em que acredita, sem necessitar de uma
ulterior ação divina a propósito. O homem pecador, de fato, ao aceitar a palavra de
Deus, que almeja a redenção de todos, se abre para essa palavra criadora que age
nele, purificando-o.
A justificação, portanto, é o resultado do ato de fé e se identifica com esse
ato.
[A dinamicidade da fé (p. 226-27)].
O caráter da fé é inteiramente duplo: dinâmico e progressivo.
“A fé agindo pela caridade” (Gl 5,5-6). A expressão destaca que, para ser
verdadeira, a fé deve ser atuante e manifestar-se no amor e no serviço do próximo.
A dinamicidade da fé se manifesta também em Rm 10,9 em que a fé se torna
confissão exterior. À adesão interior deve corresponder a manifestação externa da
fé, envolvendo o ser humano em todas as suas dimensões.
O horizonte abrangente da fé (p. 227).
Paulo entende a fé não somente como sendo dinâmica, ela constitui também
o horizonte envolvente no qual se desenvolve a vida cristã. Essa dimensão é assaz
representada em Rm 1,17, onde o apóstolo afirma: “a justiça de Deus se revela da fé
para a fé”.
A expressão foi compreendida sob vários sentidos, não obstante ambos
parecem de insuficiência significação. Muitos procuram explicar a frase
considerando que os semitas, para indicar uma totalidade, usam dois termos
extremos da realidade que pretendem apresentar. São exemplos, o binômio “céu e
terra” (cf. Gn 14.19.22; 24,3; Sl 135,4), “oriente e ocidente” (Ml 1,11), ou a oposição
“sentar-se, levantar-se” (Sl 139,2; Dt 6,7). Tais sentidos almejam significar,
respectivamente, a totalidade da vida e da existência humana. No entanto, a fórmula
paulina, não parece possuir equivalência com tais frases, pois nela se repete duas
vezes o termo “fé”: “da fé para a fé”. Os extremos se correspondem. O detalhe não
suprime o valor da afirmação feita, porque em 2Cor 2,16 as expressões semelhantes
“da morte para a morte”, “da vida para a vida” indicam uma totalidade.
Em Rm 1,17, o apóstolo talvez considere a fé como o âmbito globalizante no
qual Deus justifica o homem e no qual se desenvolve a existência cristã. A fé, assim
como o oxigênio, é a condição básica da vida do batizado, a atmosfera em que se
movimenta.
Em Gl 2,20, a fé é apresentada como uma realidade que sela toda a
personalidade de Paulo: “A vida que vivo na carne a vivo na fé”. Isso elucida que,
para Paulo, nada tem verdadeiro valor fora do alcance pascal, pois, segundo ele, a
fé representa a totalidade objetiva dos valores da vida humana.
BORTOLINI, José. Como ler a carta aos romanos. O evangelho é a força de Deus
que salva. São Paulo: Paulinas, 19972.
Abraão, pai de quem crê (Rm 4,1–17) (p. 43-45).
Paulo era judeu e, como tal, sabia muito bem que Abraão era o tronco do
qual brotou o povo judeu e sua religião, fortemente ligada a uma raça. Isso constituía
outro “privilégio” dos judeus: ter Abraão por pai. Paulo vai tocar um tema que mexe
profundamente com a tradição e a cultura de Israel. Por quê? Basicamente porque
pretende mostrar Abraão intimamente ligado ao que veio desenvolvendo na carta
até esse momento. Ou seja, vai mostrar que Abraão se tornou justo por sua fé (4,1–
8), antes de ser circuncidado (4,9–12) e sem a Lei (4,13–17).
Paulo fala da vida de Abraão, e o apresenta como modelo de fé: “Abraão
teve fé em Deus, e isso lhe creditado como justiça” (4,3 cf. Gn 15,6). Deus
considerou Abraão justo não por causa de suas obras, mas por ter acreditado sem
impor condições. A visão farisaica do mundo e da religião aparece no texto através
da comparação do assalariado (4,4-5). Quem contratou um trabalhador tem o dever
de pagá-lo. Era assim que os fariseus entendiam a religião. Mas o mesmo não
aconteceu com Abraão. Ele não trabalhou, ou seja, não recebeu a Lei como
condição para que Deus lhe concedesse a graça. Pelo contrário, simplesmente
acreditou em Deus, e isso lhe foi o suficiente.
Para reforçar o argumento Paulo cita outro texto da Escritura, o Sl 32,1-2,
atribuído a Davi. Esse salmo proclama a felicidade de quem foi perdoado não por
próprio merecimento, mas pelo dom do Deus que é fiel. Como essas duas citações
Paulo evocam dois expoentes da fé em Israel: Abraão, “o pai da nossa raça”, e Davi,
considerado o rei justo. Certamente Paulo pensa que Davi seja realmente o autor
desse salmo e que o tenha composto após ter sido perdoado de uma falta grave.
Fica dessa forma comprovada a tese da carta: Abraão, ímpio, foi justificado pela fé;
Davi, pecador, foi perdoado não por praticar a Lei, mas por pura gratuidade de Deus.
Por isso são felizes.
Examinando a visão de Abraão, Paulo descobre que a circuncisão
aconteceu depois que ele foi considerado justo por causa da fé. Que valor teria,
portanto, a circuncisão? “Ele recebeu o sinal da circuncisão como selo da justiça que
vem da fé, que ele já tinha obtido, quando ainda não era circuncidado” (4,11a). Na
visão farisaica, a circuncisão era a porta de entrada para a prática da Lei. Entrando
por essa porta todo judeu poderia chegar à justificação. Com Abraão aconteceu o
contrário. Ele foi considerado justo antes de se circuncidar, de modo que a
circuncisão tem outro sentido. Ela, de alguma forma, representa a resposta da fé
que Abraão depositou em Deus. Não é, portanto, porta de entrada, mas de saída.
Mais do que sinal de compromisso, é sinal de reconhecimento e de gratidão para
com o Deus fiel e verdadeiro.
Visto sob esse prisma, Abraão se torna “pai de todos os não circuncidados
que acreditam”. É pai também dos judeus circuncidados, mas isso não é suficiente,
pois, como já foi dito, “aquilo que faz o judeu não é o que se vê, nem a marca visível
na carne [...] mas o que está escondido, a circuncisão do coração” (1,18[28?]-19a).
Por conseguinte, Abraão é o pai de toda a humanidade que crê.
Quem são, portanto, os herdeiros de Abraão? Pois a ele e a seus
descendentes foi prometido o mundo em herança. Visto que ele é “o pai de todos
nós” (4,16), e dado que se tornou justo mediante a fé, o mesmo acontece com seus
herdeiros. Estes não se reduzem a uma raça (como queria a religião farisaica); pelo
contrário, herdeiros das promessas feitas a Abraão são todos os que, como ele,
põem a fé acima de tudo, pois é com ela que nos tornamos seus filhos.
O que é ter fé (4,18 –25), p. 45- 46).
BIBLIA DE JERUSALÉM
Rm 4,1–25.
(Rm 4,25) A justiça é, com efeito, uma primeira participação à vida do Cristo ressuscitado (6,4; 8,10); Paulo nunca separa a morte de Jesus da sua ressurreição. No AT, Deus justifica julgando (Sl 9,9). No NT, ele será “juiz” no último dia (2,6); ele “justifica” por Cristo (3,24), isto é, confere o dom da justiça só em consideração da fé (1,17), e não das obras da Lei (3,27; 7,7 [cf. Bíblia de Jerusalém, comentário a Rm 4,1–25].
CAPÍTULO IV
[p. 95, § 2, l. 16][...] Apoc. Baruch, XXI,4: qui vocasti ab initio mundi quod nondum erat et obediunt tibi. (“que chamaste desde o início do mundo o que ainda não existia e te obedeceu”).
[§ 3, l. 29]
D´autres (Corn., Lips. etc) rattachent à , comme l´objet de la foi: credidit se futurum esse patrem (“Teve fé que ele seria pai”); mais cette construction de avec et l´infinitif serait singulière.
[§ 4, l. 35]Dans la Vg. in spem (“em, para a fé” = no acusativo) est à lire in spe (“na fé” =no dativo); effacer ei avec WW.
[p. 96, § 3, l. 21]
Le vrai texte de la Vg. (WW.) supprime est (é) avant fide, nec (“pela fé, nem”) avant consideravit (“considerou”) et iam (“já”); il est donc semblabe au grec authentique.
[§ 4, l. 35]
Dans Vg. au lieu de in repromissione etiam (“em repromessa também”), lire ad promissionem autem (“para a promessa, porém”).
[l. 40]Au lieu de l´emphatique quaecumque, (“toda a que”) lire quae (“a que”).
[p. 97, § 1, l. 4]Dans cet endroit, comme le dit Cornely: neque enim fide qualicumque, sed ex sola qua confortatus gloriam dedit Deo, Abraham iustificatus est (“pois, nem por uma fé
qualquer, mas em virtude da fé pela qual reconfortado deu glória a Deus, Abraão foi justificado”).
[§4, l. 35s]
Porém essa passagem mesma (própria; além disso, até) prova que há (aí) na justificação um elemento (meio) interno de vida do qual a ressurreição é a causa:
“resurrectionem autem eius, qua rediit ad novam vitam gloriae, dicit esse causam iustificationis nostrae, per quam redimus ad novitatem iustitiae”, como disse Tomás de Aquino, em perfeita harmonia com IV,4.
(“a ressurreição daquele que volta à nova vida da glória, é que ele diz ser a causa da nossa justificação, pela qual voltamos à novidade da vida”), comme dit saint Thomas, en parfaite harmonie avec IV,4.
Mais ce passage même prouve qu´il y a dans la justification un élément intérieur de vie dont la réssurrection est la cause: resurrectionem autem eius, qua rediit ad novam vitam gloriae, dicit esse causam iustificationis nostrae, per quam redimus ad novitatem iustitiae (“a ressurreição daquele que volta à nova vida da glória,é que ele diz ser a causa da nossa justificação, pela qual voltamos à novidade da vida”), comme dit saint Thomas, en parfaite harmonie avec IV,4.
PRAT, Ferdinand. La théologie de saint Paul, tome I. Paris: Beauchesne, 194938; tome II. Paris: Beauchesne, 198916.------. La théologie de saint Paul. Paris: Beauchesne et ses fils, 1961.
Jean Chrysostome. Panégyriques de Saint Paul; ed. scientifique. Auguste Piédagnel. Paris: Cerf, 1982 (Sources chrétiennes, 300).
Porém, ele interroga sobre pela veracidade dessa hipótese, e ressalta que seu sentido diz respeito unicamente se a fé de Abraão antecede de algum modo a fé cristã e se, em última instância, se identifica com ela. Até que ponto a fé cristã antes de Cristo é constatável por Paulo, como ele resolve uma aparente contradição implícita nesta questão (p. 93).
Exegese de Rm 4,25:
Entre os exegetas latinos, um bom número conserva a mesma idéia da redenção, como santo Hilário que, ao comentar o Sl 136:“Redemit nos cum se pro peccatis nostris dedit: redemit nos per sanguinem suum, per passionem suam, per resurrectionem suam. Haec magna vitae nostrae pretia sunt”14.Ele pretende demonstrar como Cristo se sacrificou por nossos pecados. Sem dúvida alguma, ao designar o sangue e a paixão, acrescenta a ressurreição; inclusive a põe no mesmo plano e chama o conjunto “magna vitae nostrae pretia”. Igualmente pode-
14 HILÁRIO [de Poitiers]. PL 9,776 A.
se encontrar em santo Agostinho numerosos textos que atribuem à ressurreição à virtude de comunicar a nova vida, ao distinguir entre causalidade da morte e da ressurreição.
Thomas de Vio Cajetan.
Em seu comentário ao texto paulino, Cajetan, sem referir-se explicitamente à distinção entre redenção objetiva e subjetiva, fundamenta claramente sua explicação sobre ela. A ressurreição entra como essencial na redenção subjetiva, mas não pode ter nenhum papel na objetiva.No comentário de 1531, Cajetan, se mostra mui claro e conciso: “Et resurrexit propter iustitifationem nostram”. Nisi Christus resurrexisset, non fuissemus nos iustificati a peccatis nostris, quamvis mortuus fuisset et solvisset pretium pro nobis ; quoniam non credidissemus. Sed ex eo quod resurrexit, credimus, et per hoc pervenit ad nos iustificatio. Et proptera dicitur: et rexurrexot propter iustificationem nostram, hoc est, propter hoc ut perveniret ad nos iustificatio”15.
São Tomás de Aquino.
O comentário de Tomás de Aquino sobre esse assunto trata-se de um exemplo característico do modo de proceder do doutor Angélico num problema teológico de importância capital, frente a uma afirmação da Sagrada Escritura.Mister se faz ter em mente a passagem, pois, nem F. Prat, nem Alfredo Vitti, que se remetem a ele, o compreenderam em objetivamente.
“‘Et resurrexit propter nostram iustificationem’, id est, ut nos resurgendo iustificaret”. Esse é o sentido lógico da expressão paulina. O gerúndio “resurgendo” parece assinalar o mesmo ato da ressurreição, a ressurreição “in fieri”, e não somente “in facto esse”. Contudo, uma dificuldade se apresenta a santo Tomás, proveniente das categorias teológicas nas quais se costuma expor o mistério da redenção, especificamente, a categoria de causa meritória que se aplica à morte de Cristo, mas não a sua ressurreição. Eis, pois o texto:
“Et quod propter delicta nostra sit traditus in mortem manifestum videtur ex hoc quod sua morte meruit deletionem peccatorum, sed resurgendo non meruit, quia in statu resurrectionis non fuit viator sed comprehensor”.
Frente a essa dificuldade, tanto Thomas de Vio Cajetan e Francisco Toledo adotaram semelhante postura, e renunciam apesar do sentido óbvio do texto, atribuir à ressurreição uma verdadeira causalidade, desde o momento que a causalidade meritória se limita à paixão e à morte. Na verdade, o que ambos faz é adotar a afirmação da Sagrada Escritura a um sistema teológico, ou mais propriamente, filosófico, pré-estabelecido.
Santo Tomás, pelo contrário, adapta o sistema à afirmação da Escritura. Sem negar, contudo, que a morte de Cristo seja causa meritória da justificação, procura outra categoria que lhe permite por morte e ressurreição sob a mesma causalidade. Ao tratar da morte de Cristo, assim diz santo Tomás:
15 Thomas de Vio CAJETAN. Epistolae Pauli et aliorum apostolorum iuxta sensum llitteralem enarratae. Paris: Nicolas Buffet, 1542.
“‘Et ideo dicendum est quod mors Christi fuit nobis salutaris non solum per modum meriti, sed per modum cuiusdam efficientiae’”. E invoca o famoso axioma de são João Damasceno: “Cum enim humanitas Christi esset quodammodo instrumentum divinitatis eius, ut Damasenus dicit, omnes passiones et actiones humanitatis Christi fuerunt nobis salutiferae, utpote ex virtute divinitatis provenients”16.
Portanto, no que diz respeito à causalidade eficiente, a ressurreição está intimamente unida à paixão. A despeito da compreensão de Ferdinand Prat e Alfredo Vitti, que crêem que o doutor Angélico reduz a causalidade eficiente a uma causalidade exemplar – Santo Tomás afirma duas coisas: 1) a morte e a ressurreição produz como causas eficientes da remissão dos pecados e da vida nova ou justificação, que para ele, como para a teologia católica, são dois aspectos de uma única realidade; 2) para dar razão da distinção introduzida por Paulo entre esses dois efeitos não dissociáveis, remissão dos pecados e justificação, o Aquinate invoca a causalidade exemplar da morte de da ressurreição. Vejamos, pois:“Sed quia effectus habet aliqualiter similitudinem causae, mortem Christi qua extincta est in eo mortalis vita, dicit esse causam extinctionis peccatorrum nostrorum; resurrectionem autem eius, qua redit ad novam vitam gloriae, dicit esse causam iustificationis nostrae, per quam redimus ad novitatem iustitiae”.
Além disso, na Summa theologiae, ao tratar o mesmo problema, embora com mui próximos, pergunta santo Tomás se a ressurreição de Cristo é a causa da ressurreição das almas, ou, em outras palavras, da justificação, e objeta que a ressurreição das almas se realiza graças ao perdão dos pecados, fruto da paixão de Cristo. Segue-se, pois, que se deve atribuir que as almas ressuscitem devido a paixão de Cristo, que simplesmente ao fato de ele ter ressuscitado.
A resposta distingue explicitamente as duas causalidades, eficiente e exemplar:
“Dicendum quod in iustificatione animarum duo concurrunt, scilicet remissio culpae et novitaas vitae per gratiam. Quantum ergo ad efficientiam quae est per vitutem divinam, tam passio Christi quam resurrectio est causa iustificationis quoad utrumque. Sed quantum ad exemplaritem, proprie passio et mors Christi est causa remissionis culpae per quam morimur peccato; resurrectio autem est causa novitatis vitae, quae est per gratiam sive iustitiam. Et ideo Apostolus dicit quod traditus est, scilicet in mortem propter delicta nostra, scilicet tollenda, et resurrexit propter iustificationem nostram”17.O doutor angélico não distingue entre a ressurreição de Cristo, que seria causa meritória e a ressurreição que seria unicamente causa exemplar, como presumiu Ferdinand Prat. Para santo Tomás, a ressurreição, causa exemplar da vida nova, não se opõe à morte quanto causa meritória, senão enquanto causa exemplar da morte do pecado; as duas, morte e ressurreição, se unem no mesmo plano como causas eficientes. Reduzir a causalidade da ressurreição à exemplaridade seria, pois, contrário ao pensamento de Paulo e ao do Aquinate.
16 Thomas d´Aquin. “Commentaire de l´épître de saint Paul aux Romains”, caput IV, lec 3. In. les oeuvres complètes en français de sain Thomas d´Aquin. Paris: Cerf, 1999.17 S. th. III, q. 56, a. 2 ad 4.
No que respeita a essa controvertida exegese, no entanto, mister se faz reter o método adotado pelo doutor Angélico, para fazer plena justiça a uma afirmação de são Paulo que, à primeira vista, parece não concordar (concordar mal) com uma concepção da obra redentora de Cristo fundada na consideração da causalidade meritória, não hesita em sair da categoria do mérito; ao contrário, usa outra, a da causalidade eficiente, que não nega a primeira senão que, lha acrescenta, e assim em vez de se encontrar dissociadas necessariamente a morte e ressurreição, podem estar intimamente unidas, como estão de fato na Escritura. A esse respeito, são Tomás se mostra fiel discípulo de seu mestre, santo Alberto, que escreveu a propósito deste mesmo problema da causalidade da ressurreição de Cristo:
“In hac quaestione [...] sanctis divinam inspirationem habentibus omnimo consentiendum esse videtur. Et quia ipsi dicunt quod Christi resurrectio sit causa efficiens et sacramentalis nostrae resurrectionis, ideo etiam hoc dico, nihil mutando de dictis eorum”18 (In IV Sent. dist. 43,5; citado por P. de La Taile. Mysterium fidei, 149).
[Rm 5,10] A morte de Cristo tem um valor redentor, não porque constitui um processo de ordem biológica, mas porque é a expressão suprema de amor e de obediência. [...]
TEMA GERAL: O VALOR SOTERIOLÓGICO DA RESSURREIÇÃO DE JESUS
CRISTO.
[O tema da ressurreição de Cristo possui capital relevância na teologia
paulina, sobremodo na epístola aos Romanos. Para Paulo, é ela a fonte da
justificação <> (Rm 4,25). É assaz característico em
Paulo, a relação da morte e ressurreição de Jesus com a salvação dos homens
(4,25)19. Ressalta-se, com efeito, o valor soteriológico desse evento singular para a
redenção objetiva do homem. O versículo 25 não é uma espécie de parallelismus
membrorum, ao contrário, exprime o duplo efeito da salvação para os homens20. A
saber: a expiação de suas transgressões, e, a instituição de um estado de justiça
para eles (Fitzmyer, p.).
O exímio estudioso jesuíta, Ferdinand Prat, chega a afirma que,
“a ressurreição de Cristo não é uma ostentação sobrenatural oferecida
para admiração dos eleitos, nem uma simples recompensa pelos méritos
18 In IV Sent. dist. 43,5. In. Maurice de LA TAILLE. Mysterium fidei, 149. Paris: Beauchesne, 19 Cf. respectivamente as seguintes referências: 1Ts 4,14; Fl 2,9-10; 1Cor 15,12.17.20-21; 2Cor 5,14-15; 13,5; Rm 8,34; 10,9-10.20 Muitos são os estudiosos que se dedicaram a esse assunto: Alfredo Vitti, publicou um artigo na Civilità Cattolica (CivCatt 2 (1930), p. 97-109; 298-314.
de Cristo, nem sequer o fundamento de nossa fé e garantia de nossa
esperança; é um complemento essencial e uma parte integrante da mesma
redenção”21.
Paulo demonstra que a justificação de Abraão, graças a fé na onipotência de
um Deus fiel a suas promessas, era a figura de nossa justificação, e enfatiza-a de tal
modo que, para nós que acreditamos naquele que ressuscitou dos mortos Jesus,
nosso Senhor, o qual foi entregue pelas nossas faltas e ressuscitado para a nossa
justificação” (4,15)].
[Assim, é justificadora a fé que participa mutatis mutandis da qualidade de fé de Abraão (p. 190)].
21 F. PRAT. La théologie de saint Paul, II. Paris: Beauchesne, 1 (6 ed), p. 250-256 [grifos nossos].
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