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CONCURSO PARA O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:
UM TESTEMUNHO1
Bruno Costa Magalhães2
Campinas, 07 de abril de 2011.
Gente, boa tarde! Então vamos começar?
Hoje teremos a última palestra do nosso ciclo de
palestras para os estagiários e servidores – última e décima sétima palestra do
nosso ciclo, que foi muito bem-sucedido. Ele começou de propósito com um
tema sobre o Ministério Público. E termina também de propósito com um tema
sobre o Ministério Público, mas agora sob o enfoque do concurso. Por quê?
Porque é claro que o estágio de vocês aqui – e de um modo geral qualquer
estágio – é um convite ao estagiário. Você faz estágio em um escritório, você
faz estágio em uma empresa, e ali há uma espécie de namoro. A empresa se
mostra para o estagiário, e o estagiário se mostra para a empresa, para uma
futura relação. Há ali uma espécie de conhecimento mútuo, e há uma proposta,
claro, do órgão, da empresa, para que o estagiário, se cativado pela instituição
em que ele fez estágio, ingresse naquele sistema agora como uma peça
fundamental, como uma peça realmente mais perene.
No nosso caso aqui não há a contratação. Por melhor
que vocês sejam aqui, não vai adiantar nada! Vocês não poderão entrar no
órgão porque foram bons aqui. Vocês terão de prestar um concurso público,
difícil – um dos mais difíceis do país, na verdade –, para, aí sim, ingressar no
MPF como membros mesmo. Então há de haver um salto maior. Mas não deixa
de ser verdade que aqui vocês estão conhecendo o MPF e mais ou menos
tentando ver se é o seu caminho, se não é o caminho de vocês e, enfim, não
sendo esse o caminho, qual será o caminho de vocês no Direito de um modo
geral.
É claro que existe um caminho possível entre vocês hoje
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e o MPF daqui para a frente, daqui a alguns anos. Esse caminho existe. Basta
que vocês consigam visualizá-lo, ver quais são os possíveis percalços no
caminho – que há pedras, é claro que há. Se a sua aprovação está, digamos,
em uma montanha, é claro que vai haver tempestades, vai haver noites
sombrias, vai haver situações muito difíceis pelas quais você terá de passar,
até chegar nessa meta final que é o concurso do MPF. É um concurso muito
difícil. E você às vezes se verá de fato como Dante Alighieri se viu no meio da
vida, na selva tenebrosa, e perdeu a estrada. E aí? Para onde é que eu vou? Isso aí é muito real!
Nesse caminho que você trilha, em relação a qualquer
coisa na vida – e o concurso do MPF para mim foi muito isso –, nesse caminho
que eu trilhei, eu me via perdido em selvas tenebrosas e não sabia muito bem
para onde ir. Mas eu logo me achei e vocês vão entender como é que isso
aconteceu na minha vida.
O que eu posso fazer por vocês é isso. Eu não posso
fazer como Virgílio fez com Dante: conduzi-los pelas mãos até o final do
concurso. Mas eu posso mostrar o que eu fiz, mostrar como eu fui conduzido,
por quem, e como eu cheguei até aqui. Talvez vocês, ouvindo isso aqui,
consigam adaptar para o caso de vocês e consigam iluminar o caminho de
vocês nesse sentido.
Eu vou dizer hoje muita coisa que já se passou há oito,
dez anos na minha vida. Enfim, também é um modo de prestar contas com o
meu passado. Eu nunca falei sobre isso assim nesses termos; eu sempre
comento uma coisa ou outra, mas eu nunca sentei para rever como foram
esses três ou quatro anos da minha vida, entre 1999 e 2003. Já se passaram de
oito a doze anos – a gente até assusta, porque já se passaram muitos anos, não
é? Mas é uma forma também de voltar atrás e, enfim, colocar um ponto final.
Eu não pretendo dar aulas de auto-ajuda, não pretendo dar aulas em cursinhos
preparatórios. Pretendo realmente só mostrar como é que eu fiz isso aqui – e
talvez isso ajude vocês.
O tema foi sugerido, se não me engano, pelo estagiário
Rogério, não é? O Rogério sugeriu esse tema: Como passar no concurso de procurador da República. Então a ideia também é a de suprir essa carência que
vocês, claro, sentem. Como é que foi isso? Eu sentia isso também! Quando eu
estava prestando concurso, eu queria saber como é que aquele cara passou. E
eu quase nunca tive acesso direto, para perguntar: Vem cá, como é que você passou? O que você fez? Eu quase nunca tive essa chance de perguntar para as
pessoas que tinham passado.
Então eu vou contar um pouco como foi a minha vida
nesse aspecto, no que importa a essa minha aprovação nos concursos públicos.
Eu sou o filho mais velho dos meus pais. Meu pai se
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formou em Direito, um pouco mais tarde que o normal, e é advogado; minha
mãe trabalhou durante muito tempo no Tribunal de Justiça de Minas Gerais; e
eu mais ou menos cresci nesse ambiente de Direito. Eu não me lembro de
nenhuma fase, nenhuma época em que realmente tive que decidir fazer Direito.
Eu não tive nenhum tipo de dúvida existencial. Eu de fato não sei dizer quando
foi que eu decidi fazer Direito. Eu sei que chegou o terceiro ano, às vésperas do
vestibular, e era isso mesmo, entendeu? Eu de fato não consigo perceber
quando foi que eu decidi fazer Direito.
Ontem mesmo eu vi, com a minha esposa, o filme Hobin Hood, com o Russell Crowe, e teve uma cena que me lembrou isso. No filme ele
acaba encontrando uma espada, e nela está escrito Rise and rise again, until lambs became lions, ou seja Lute, lute e levante-se, até que os cordeiros se transformem em leões. É claro que é uma frase de inspiração bíblica – embora
não seja bíblica. Na Bíblia, Cristo é o Cordeiro e ele virá no fim dos tempos
como o Leão de Judá. Mas o que importa é que, no filme, o Russell Crowe vê
essa frase e ele não sabe ainda por quê, mas ele se sente inspirado a lutar – eu
não vou contar o filme inteiro –, a entrar na luta ali, de início contra o rei, e
depois a favor do rei. E ele passou o filme inspirado por aquela frase, e
tentando entender o porquê. Ele não consegue entender muito bem. E lá pelas
tantas, mais para o final do filme – eu posso contar porque não é o segredo do
filme, esse filme não tem o segredo, mas por quem não viu eu sinto muito, eu
vou contar porque faz parte da palestra! –, quando ele está já às beiras da luta,
ele descobre, por um rapaz que conheceu o pai dele, que na sua própria
infância ele vira essa frase pela primeira vez com o próprio pai. Então aquilo
ficou ali no fundo, no inconsciente dele, e quando ele reviu aquela frase, ele
não lembrava de onde era, mas serviu para que ele se inspirasse, serviu para
dar forças a ele, não é? Talvez haja alguma coisa assim na minha vida, alguma
relação com o meu pai de que eu ainda não consegui juntar o elo. Mas eu de
fato não sei o que foi que me fez dizer: Eu vou fazer Direito, eu vou fazer isso aí. Eu sei que foi acontecendo, e eu cheguei ao vestibular e marquei Direito, não teve outra situação.
No colégio, eu nunca fui um aluno muito excepcional.
Também não era muito medíocre. Sempre fui mediano. Eu me lembro que na 8ª
série do ensino fundamental eu caí um pouco de nível. Eu tinha notas muito
boas em Inglês, Geografia, História, Matemática, e eu caí um pouco de nível. Eu
não sei o que aconteceu, eu não me lembro muito bem o que aconteceu, eu
peguei recuperação em algumas matérias, mas consegui passar. Eu me lembro
que eu fiquei mais mediano ainda. Passava despercebido mesmo, não era
nenhum daqueles primeiros da sala, de jeito nenhum.
E isso foi importante para mim. Por quê? Porque eu
nunca foi exaltado pelos colegas de sala. Tem sempre aqueles melhores da
3
turma, não é? – Esse aí vai passar em Medicina na UFMG, Esse aí vai passar em Direito, Aquele outro é o foda, Esse aí estuda demais, Aquele lá sabe tudo de Física – eu nunca fui desses. Eu sempre estava ali – sei lá – como a média.
E eu me lembro que no vestibular – lá em Belo
Horizonte, na época, havia quatro faculdades de Direito (hoje devem ter mais
de dez), que eram a UFMG, a Milton Campos, a PUC e a Fumec – eu não tentei a
Milton Campos; eu tentei a Federal, a PUC e a Fumec. Eu não sei por que, mas
eu coloquei na cabeça que eu faria a PUC. Eu falei: Olha, eu quero passar na PUC, que era uma das particulares, e eu achava que era mais viável passar na
PUC; eu achava que não era capaz de ir para a Federal. Eu não tinha essa
ambição. E na minha turma também já estava certo quem ia passar e onde, o
pessoal já tinha feito um mapa do território – lotearam as vagas das faculdades
públicas!
E eu me lembro que eu prestei o vestibular da Federal,
passei na primeira etapa, fiz um cursinho para a prova subjetiva – cursinho que
foi muito importante para mim3. E eu fui para Guarapari, a praia dos mineiros no Espírito Santo, em janeiro. Eu fiz a prova e fui para lá com o meu pai, meus
irmãos, e com algumas amigas de sala. O resultado saiu em janeiro. Eu me
lembro que eu passei a noite em claro, em alguma festa – não me lembro bem –
e amanheci no dia seguinte para comprar o jornal Estado de Minas com a lista
de quem havia passado na Federal. E estava lá o meu nome na lista de
aprovados. Passei na Federal! Falei: Caramba! Fiquei maravilhado. Meu pai não
entendeu nada, minhas colegas de turma ficaram muito assustadas com aquilo
e eu fiquei muito feliz, lógico! Passei na Federal, não esperava! Era uma
faculdade pública, a melhor de Minas e tal. E isso me serviu muito porque me
ensinou a primeira lição: Descobri o meu próprio valor. Não aceitei o consenso geral a esse respeito – que abre essa listinha aí que eu distribuí antes de
começar a palestra. Eu descobri na verdade que há duas realidades: há o
consenso geral das pessoas a seu respeito e a há a sua realidade mesmo,
aquilo que você é de verdade.
Eu acho que eu tenho uma resistência para isso; não sou
tão influenciável assim pelo meio – na verdade, sou um pouco, ninguém está
livre disso, não é? Tem gente que é isenta, passa de liso, nada influencia aquela
pessoa para o mal – e às vezes nem para o bem.
Mas eu me lembro disso. Eu vi o meu nome na lista e
olhava para aquelas pessoas que já haviam loteado as vagas na Federal e me
perguntava: Cade vocês? O que aconteceu com vocês? E concluí que aquilo
tudo que eu ouvia e sentia era pura ilusão! Não adianta você se exaltar antes
do tempo. Isso aí é pura ilusão mesmo! A hora do vamos ver é a hora da
realidade.
Isso foi muito importante para mim. De fato, eu estudei
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no Colégio Batista Mineiro, e das turmas daquele ano apenas três pessoas
passaram em Direito na Federal. Alguns outros passaram na PUC, na Fumec e
na Milton Campos.
Aquilo foi um choque positivo para mim. E eu assustei,
falei: Caramba, eu sou capaz de fazer alguma coisa, não é? Eu não tinha baixa
auto-estima – não se trata disso. Mas no consenso ali eu não estava no top ten.
Eu estava lá no meio. Então foi importante descobrir essa capacidade de vencer
os desafios. É claro que eu fiz a prova para passar. Eu não fui ali cumprir tabela.
Mas eu não tinha muita esperança de passar. O meu negócio era a PUC-Minas
mesmo, eu já estava com isso na cabeça. Mas acabou dando certo.
Uma coisa também interessante. Eu sou o primeiro filho,
o primeiro neto, o primeiro bisneto e o primeiro sobrinho da família – quando
acontece isso o pessoal cria muita expectativa em cima da gente4. Eu não sei
se algum de vocês é primeiro filho, primeiro neto, mas isso aí é muito
complicado: todo mundo quer que você seja o cara da família, não é? Isso foi
muito ruim para mim, eu me lembro que eu sentia muita pressão na infância. E
isso, com o tempo, sumiu, desapareceu. Eu fui ficando jovem, adolescente, e
tudo aquilo sumiu. Enfim, ninguém esperava nada de mim, eu era uma pessoa
normal, e a vida corre para a frente, não é? E esse mecanismo criou um certo
desajuste saudável entre o que eu esperava de mim e o que os outros
esperavam de mim. E isso foi muito importante: eu não media os meus desafios
pelo que os outros esperavam de mim – e sim eu fui colocando as minhas
próprias metas. Mas a Federal foi mesmo um susto, não foi uma meta que eu
me coloquei conscientemente e venci. Foi de fato meio que um atropelo.Sobre essa situação, eu disse que eu tenho uma certa
resistência ao meio. Há pessoas que não têm essa resistência. É importante
que vocês saibam disso. Vocês têm que ter uma capacidade de resistir ao meio.
A quem não tem muita noção de como é que isso funciona – eu também não
tinha muita noção, eu tive consciência disso há pouco tempo atrás, quando eu
fui fazendo a análise e percebendo a situação –, há um artigo interessante do
sociólogo francês Claude-Lévi Strauss chamado O feiticeiro e sua magia, que
está em um dos livros dele – Antropologia Estrutural5. Ele fez um estudo com
sociedades selvagens e analisou como uma maldição, pelo chefe da tribo, pode
chegar inclusive a matar uma pessoa. Uma pessoa que é amaldiçoada pela
tribo, pelo grupo – não é algo assim sobrenatural, não é magia no sentido
misterioso da coisa; ele vai contando como é que a coisa funciona –, vai
perdendo os laços sociais dela de tal forma que ela degenera completamente, a
psique dela se degenera e ela vira um pária naquele local ali, naquela
sociedade – é claro que é um ambiente fechado –, e ela acaba morrendo
mesmo, ela se afasta da tribo para morrer. Tudo isso por efeito da sociedade, do
grupo mesmo. A morte daquela pessoa não veio do Céu, foi efeito do grupo
5
dela. O pajé do grupo, digamos assim, lançou a maldição, espalhou aquilo e
aquilo vai virando verdade mesmo, as pessoas vão agindo de acordo com
aquilo.
Então você conseguir se dissociar da opinião do meio,
em alguma medida, é muito importante. Primeiro porque você pode estar sendo
rebaixado de modo indevido. As pessoas podem não ver a sua própria luz, e
você tende a não vê-la também. Você está com ela mas não consegue percebê-
la, não tem acesso a ela. E o contrário também é verdade: você pode estar
sendo exaltado de modo indevido. O colocam no trono, e na hora do vamos ver você cai, já era. Então é importante essa dissociação, em alguma medida, da
opinião geral.
Você tem sempre que escutar, é claro, pois pode ter ali
uma dica importante para você. Você pode se achar o cara, e às vezes você não
é o cara. É bom você ouvir a opinião das pessoas; você tem que ouvir os outros
para saber disso, mas não vá apenas na linha do que dizem para você; tente
também ver o que você tem de potencial, não é? Eu não tenho um método para
isso, mas vocês têm que olhar para dentro, se colocar nos desafios mesmo, e ir para a briga, vencer, perder e ver onde é que está a verdade. Se você ficar
apenas nesses consensos sociais, você irá se ferrar. Eles são poeira mesmo, são
pó, é apenas ilusão. Eles podem ter alguma pista da realidade, mas enquanto
opiniões são apenas pó, não são a realidade.
Eu passei na Federal, e comecei a fazer o curso de
Direito. Entrei no segundo semestre. E eu comecei o curso com o pé esquerdo.
Por quê? Na Federal – eu não sei se hoje ainda é assim –, havia o Ciclo Básico. O
que é isso? No primeiro semestre juntavam-se as turmas de ciências humanas –
enfim, em uma mesma turma havia alunos de Direito, de Sociologia, de
Ciências Políticas, de tudo que é tipo de ciências humanas –, para fazer o
mesmo curso, o mesmo semestre. Tínhamos aulas de Filosofia, de Política, de
Economia. É um ótimo ambiente! É bem legal mesmo! Tem gente de tudo o que
é espécie lá na Fafich. E tínhamos aulas de Direito também.
E eu me lembro que cheguei na primeira aula de Direito,
na aula de ICD – Introdução à Ciência do Direito, e eu já cheguei na segunda
aula, e atrasado. Eu não me lembro bem como foi, mas acho que me trocaram
de turma, da A para a B, e a turma B já havia tido uma aula anterior a que eu
não tinha ido. E eu cheguei no meio da segunda aula e eu vi os meus colegas
de sala falando grego. Eles falavam de propedêutica filosófica, de epistemologia jurídica. Eu entrei naquela sala e fiquei meio deslocado. Eu não estava
entendendo nada! Eu saí daquele semestre sem entender quase nada de
Direito! Eu me lembro de dois ensinamentos básicos que eu guardei da época:
a Norma Fundamental, do Hans Kelsen; e me lembro de uma frase, sobre a
norma jurídica, também do Kelsen, que a professora6 repetia sempre, que dizia
6
que eficácia é condição de validade. Eu só sei disso – aliás, hoje eu sei um
pouco mais, mas eu só sabia isso na época. E foi um susto para mim. Eu era um
peixe fora d´água, eu não estava entendendo nada, eram termos que não
tinham muita ligação com o meu dia-a-dia, e eu fiquei um pouco perdido.
No segundo semestre, para piorar as coisas, houve uma
greve na Federal, de uns três ou quatro meses. E eu ficava em casa, sem fazer
muita coisa. Eu ainda não estava engajado no curso, não estava no DCE – eu
nunca fui disso. Fiquei em casa, sem ter o que fazer. E eu volvei a um hábito
antigo meu – dos 15 aos 20 anos eu tive bandas de música –, eu voltei a tocar
com as minhas bandas.
Eu tive uma banda de cover dos Beatles7, e outra de pop rock nacional – e eu voltei a tocar com eles. Só que essas bandas não tinham
muito show na época. Era difícil arrumar show para tocar Beatles. Difícil
demais! Em especial porque Beagá tem as duas melhores bandas de cover dos
Beatles do Brasil, que são a Sgt. Pepper´s e a Hocus Pocus – são bandas ótimas.
Inclusive eu ia muito aos shows deles8. Então com as minhas bandas não tinha
muita apresentação, era praticamente só diversão mesmo. E durante a greve
eu queria alguma coisa mais aninada. Então – eu vou ter que confessar aqui –
eu entrei em uma banda de pagode! É triste! Eu resisti muito! Um amigo meu
me convidou – se é que isso é convite que se faça a um amigo – e eu resisti
muito a princípio; falei: Cara, eu sou um cara honesto, eu não vou entrar nisso aí! Mas a banda tinha shows todo final de semana, eu estava em greve na
faculdade, a banda ali, todo mundo tocando, aquela coisa toda, aquela festa,
muita gente bonita e tal. Eu falei: Eu vou entrar, não custa nada! Eu comecei a
tocar pagode – isso é triste mas eu comecei a tocar! Mas eu conto isso por quê?
Porque isso fez parte do meu aprendizado da humildade.
Nessa época eu comecei a prestar concurso de nível
médio. Meu pai foi um cara muito sofrido, muito pobre. De fato ele passou um
perrengue desgraçado. E nunca me deu muita facilidade na vida. Ele conseguiu
ser um bom advogado e me deu boas condições – por exemplo, naquela época
eu já tinha ido duas vezes para fora do país, para os Estados Unidos –, mas era
um cara que tinha muita consciência de dinheiro, e começou a apertar o
orçamento, e eu comecei a ver que era hora de eu ganhar o meu dinheiro.
Então eu comecei a prestar concurso público.
O primeiro concurso que eu fiz foi um da BHTrans, que é
o órgão de trânsito de Beagá – é como se fosse a Emdec aqui de Campinas, um
órgão municipal. E eu me recordo que para esse concurso – eu nunca tinha feito
concurso na vida – eu fiz matrícula em um cursinho de Beagá chamado Orvile
Carneiro, para aprender gramática e algumas noções de Direito, que caíam
nesse concurso. E eu sei que alguns caras da banda de pagode também fizeram
esse concurso. E, na época, a coisa já inverteu: se no vestibular eu estava
7
muito humilde, aí eu já estava arrogante. Por quê? Porque eu estava na Federal,
não é? É como se fosse a USP aqui em São Paulo, entenderam? Era a melhor
faculdade de Minas Gerais. E eu cheguei para fazer o concurso, que era um
concurso de nível médio, ou seja, pessoas que nem faziam Direito estavam
prestando o concurso também – os pagodeiros estavam lá fazendo o concurso!
Eu prestei o concurso e achei que tinha ido muito bem.
Aí eu conferi o gabarito e vi que eu tinha ido muito mal. Eu fui muito mal
mesmo! Eu não me lembro quantas questões tinha. Mas, digamos, em vinte
questões de gramática eu acertei três. Eu olhei aquilo e falei: Não pode ser! Tem algum equívoco aqui, não é? Não pode ser! É claro que eu fiz mais de três! É lógico! Eu sou o cara!
Mas eu conferi o gabarito oficial e de fato era isso
mesmo! Quando eu conferi a lista de aprovados, eu vi que tinha alguns caras,
não da banda, mas que estavam ali, que eram amigos da banda, que tinham
passado, que sequer faziam o curso de Direito, e que passaram no concurso –
sei lá, talvez porque tinham mais tempo de estudo e tal. E aquilo foi um choque
negativo, vocês percebem, não é? Eu fui humilhado ali. Eu falei: Caramba, eu não sei nada de gramática! Eu não sei nada, nada, nada! Um absurdo isso! Que fracasso completo! Aí eu assimilei a segunda lição: Com humildade, aceitei as minhas deficiências e trabalhei sobre elas. Eu vi que eu não sabia nada de
português, de gramática, tinha uma noção muito precária mesmo. E eu resolvi
estudar gramática. Mas não foi fácil. Eu prestei outros concursos ainda, de nível
médio. Eu prestei para o TRE-MG e para o TCE-MG, no mesmo esquema: caía
gramática e noções de Direito. Para esses dois concursos eu também fiz
cursinho e, no TRE-MG, tomei ferro, e, no TCE-MG, tomei ferro de novo. Não
consegui aprender gramática.
E aí saiu um outro concurso, que era para Oficial do
Ministério Público de Minas Gerais, um cargo de segundo grau também. Nessa
época eu já fazia estágio – depois eu voltarei a falar sobre os estágios – e
prestei esse concurso, que tinha dezoito vagas. Eu me lembro que o sócio do
meu pai – nessa época eu saía da faculdade ao final da manhã e ia ao escritório
do meu pai, almoçar com ele; ele não morava em casa e eu estava próximo
dele na hora do almoço. Foi muito bom nessa época, eu estava mais próximo
dele e a gente conversava muito –, o sócio dele, como eu ia dizendo, muito
cético, muito sarcástico, olhou aquilo e falou: Concurso, dezoito vagas, Ministério Público? Rapaz, desiste! Uma vaga é para a filha do procurador de justiça, a outra vaga é para a amante dele, a outra para a outra filha, a outra para a mulher... Você não tem chance nisso aí! Pode esquecer! Concurso público é difícil, você não vai conseguir passar nisso aí! Dezoito vagas é muito pouco! Eu olhava para aquele cara e dizia para mim mesmo: Caramba! O mundo só nos joga para baixo! O cara só quer me desanimar!
8
Naquela época eu descobri que eu não ia aprender nada
em cursinhos. Eu fiz três cursinhos para aprender gramática e não aprendi
quase nada. Mas também eu era muito desatento, não é? Eu falei: Eu vou ter que aprender sozinho. Vou ter que pegar as provas antigas e vou ter que aprender. O que eu fiz? Eu comprei três gramáticas, que eu vi que eram as mais
legais: a do Domingos Paschoal Cegalla, uma azul do Hildebrando A. de André e
uma do Pasquale com o Ulisses Infante. Eu comprei as três e as li mesmo. Ali eu
estava empenhado; ali eu comecei a me empenhar de verdade nos estudos –
porque eu queria passar no concurso. Eu tinha uma certa pressão em casa, eu
estava gastando o dinheiro do meu pai, e ele falando: Espera aí, não é assim! Eu falei: Eu vou ter que ganhar dinheiro.
E eu comecei a ler e li muita gramática, li muito mesmo,
fiz centenas de exercícios de gramática. E eu de fato estava pronto para o
concurso, que tinha – não me lembro bem – quarenta ou cinquenta questões de
gramática, e eu errei apenas quatro; quase fechei a prova mesmo. Mas eu não
passei entre as dezoito vagas. Passei na 21ª vaga. Me chamaram poucas
semanas depois. Eu fui chamado e entrei nesse cargo no qual eu fiquei por dois
anos e meio. Foi um cargo que me foi muito importante durante o curso –
quando entrei nele eu estava no 5º período da faculdade. Mas eu já volto a esse
cargo, que foi o meu primeiro emprego, para contar como foi.
Eu fiz quatro estágios. O meu primeiro estágio eu fiz na
6ª Vara Cível de Contagem – um município próximo de Beagá –, com o juiz de
direito Estevão Lucchesi de Carvalho, que foi colega de faculdade do meu pai.
Era um estágio voluntário, a princípio, mas ele quis me pagar do bolso dele um
salário mínimo, que estava em R$120,00 – dava para comprar alguns livros e
pagar a passagem até Contagem. Eu pegava o 1116 na Avenida Olegário
Maciel, no centro de Beagá, gastava quase uma hora até Contagem e voltava à
tarde. Era uma função muito interessante! Eu digitava as atas de audiência
para o juiz e fazia relatórios de sentença. E – aliás, engraçado – eu já ficava à
direita do juiz – o juiz aqui, as partes ali na frente. Eu fiquei ali uns seis meses e
isso foi muito bom para mim, porque foi ali que eu decidi de fato o que eu
queria ser na vida: eu olhava para o juiz e achava um cara normal, eu olhava
para o advogado e achava um cara normal, mas quando eu olhava para o
promotor de justiça, que estava à esquerda, eu falava: É esse cara que eu vou ser! Eu não sei o que era! Era uma vara cível e de família, onde o promotor
quase não faz nada, só dá parecer. Mas eu olhava para ele e falava: É essa cara aí que eu vou ser! Eu olhava e ficava extasiado com o negócio. Vocação é isso:
você vê o negócio e fala: É isso! – tem uma ressonância mesmo. Eu fiquei ali
seis meses. E esse promotor de justiça, chamado Wagner Lúcio Teixeira Leão,
nem sabe que foi ele quem me inspirou. Ele nem sabe disso, mas foi ele que
me inspirou, quando eu o via naquela função – ele na verdade foi usado para
9
isso, ele foi usado por Deus como instrumento dessa minha inspiração, não é?
Daquele ponto em diante eu falei: Eu vou ser isso aí. Eu não tinha nenhuma
dúvida de que eu queria ser esse cara aí, de que eu me sentaria ali naquela
cadeira mais cedo ou mais tarde.
O segundo estágio que eu fiz – eu já havia saído do
primeiro – foi na Biblioteca da PGJ-MG, também voluntário (esse foi voluntário
mesmo). Foi um colega de sala9 – que já estagiava lá – quem me arrumou esse
estágio; lá eu fazia contrarrazões em recursos criminais perante o Tribunal de
Justiça. Foi um estágio muito interessante. Foi lá que eu descobri o concurso de
Oficial do Ministério Público; foi de lá que eu fiz o concurso e passei.
Os dois estágios seguintes eu já os fiz trabalhando no
Ministério Público. Eu trabalhei um bom tempo lá de 7h às 13h – eu tinha uma
carga horária diária de seis horas. E à tarde eu fiz estágio – foram poucos
meses, pois era muito cansativo – por três meses na DAJ (Divisão de Assistência
Judiciária) da UFMG, onde eu assistia aos carentes, entrava com ações para
eles. Foi uma época curta, mas eu de fato advoguei, fazia audiências com os
monitores, em casos de família, causas de imóveis, brigas de vizinhos,
consumidor. Foi um estágio muito bom esse da DAJ, também voluntário.
Por fim, fiz um estágio no MPF, um estágio também
curto. Fiz a prova para estagiário, passei, e fiquei ali uns quatro meses – pois
estava muito cansativo, não estava rendendo muito. Então eu preferi manter o
meu trabalho de seis horas, que também era muito interessante, era voltado
para a área jurídica, a fazer o estágio ali. Estava muito pouco produtivo, na
verdade; não era como o estágio de vocês aqui hoje, pois aqui tem muito
trabalho, e lá tinha muito pouco trabalho – pelo menos para mim na condição
de estagiário. E eu saí. Então eu fiz esses quatro estágios.
Voltando ao meu emprego no MP: nele eu fiquei dois
anos e meio, e ele foi muito importante para mim. Por quê? Porque lá eu de fato
comecei a ver mais de perto os profissionais – e isso já é o tema da terceira
lição: Convivi com pessoas que chegaram ao objetivo que eu buscava. Eu
comecei a ver promotores de justiça que estavam atuando mesmo. E lá tinha
um grande negócio, que era o seguinte: eu estava na Promotoria da Infância e
da Juventude de Belo Horizonte, para onde iam muitos dos promotores de
justiça recém-aprovados no concurso. Eles faziam um pequeno estágio de
alguns meses lá, antes de assumirem as próprias comarcas, em algum fim-do-mundo de Minas Gerais10. Eles passavam um tempo ali. Então eu via esse
pessoal recém-aprovado. Era muito interessante isso aí. O pessoal tinha
acabado de passar, e eu sentia que eles tinha saído do forno mesmo. Eu via no
rosto deles aquela surpresa, aquele maravilhamento, aquela coisa gostosa de
acabei de passar e estou aqui fazendo o que eu quero. Era muito gostoso ver
isso neles... Eu também tinha muito contato com os promotores mais
10
experientes11, eu os via fazendo a coisa na prática, eu via que eles tinham
família, que eram pessoas normais. Eu tive muito essa noção de como é ser promotor de justiça ali mesmo.
Na Promotoria da Infância eu fazia todos os ofícios e
reduzia a termo as declarações das pessoas que eram atendidas, quando era o
caso. Por uma época eu inclusive cheguei a atender aos menores infratores. Se
o adolescente é flagrado em algum ato infracional ele é levado à delegacia; se é
no mesmo dia de manhã, ótimo; se não, ele dorme na delegacia e é levado no
dia seguinte ao MP. Para quê? Para que o promotor converse com ele. Há essa
conversa antes, esse diálogo, essa oitiva do adolescente infrator, para que se
decida se se vai representá-lo (no caso, a denúncia se chama representação), ou se vai haver a remissão, que é um perdão – há também essa possibilidade,
de se perdoar o menor infrator. E eu fui escalado para acompanhar o promotor
nessa época12; eu fiquei alguns meses fazendo isso. E foi ali que eu vi que a
coisa era séria, porque eu tinha que ter postura de promotor – eu não era
promotor ainda , mas eu tinha que ter postura –, tinha que ter cara séria, tinha
que dar um sermãozinho ali no cara, não é?
Era muito triste o que eu via ali todos os dias. Eu via
jovens de 14, 15 anos, já no tráfico de drogas, roubando, pichando, às vezes já
até matando, todos eles ali na minha frente. O promotor ao meu lado,
conversando com alguns deles, e eu falando com alguns outros. É muita miséria
humana! Ali de fato eu vi o que significa esse cargo, ou pelo menos o que
significava naquele contexto da infância e da juventude: é uma luz que aquele
adolescente ainda tem – se é que ainda há alguma salvação pelas mãos
humanas ali – para ouvir alguma coisa e tentar mudar de caminho. E eu me
lembro que eu ficava bastante emocionado com a situação praticamente
irreversível de alguns jovens e ficava muito chocado com aquela miséria
humana. Não que eu vivesse isolado do mundo; eu não fui aquele cara que
viveu isolado do mundo13, mas eu não tinha muita proximidade com aquela
miséria ali – e isso foi muito importante para mim também.
Por isso é que eu falo: é bom conviver com quem passou
no concurso, com quem é aquilo que você quer ser. Isso é muito interessante
porque tem coisas que não tem como você explicar por palavras.
Vocês vejam que Platão disse que havia uma parte de
sua filosofia – a parte mais importante – que ele nunca iria escrever, porque ele
não iria conseguir explicar por meio de um texto escrito – e nem a fala mesma,
por si só, era suficiente. Só a presença dele, perante os alunos dele, é que era
capaz de passar esse conhecimento. Por exemplo, imaginem como é aprender
marcenaria ou culinária pelos livros; e aprender marcenaria e culinária vendo
alguém fazendo – vendo o marceneiro cortando a tábua, batendo os pregos, e
vendo a cozinheira cozinhando o alimento. É só olhando para a coisa que você
11
vai aprender o que é aquela atividade, como é que se faz aquilo, o que há por trás daquele ser humano fazendo aquilo. Se você fizer apenas pelos livros, você
pode até aprender, mas você provavelmente não terá acesso àquela substância humana em atividade.
E foi naquele trabalho, no qual eu fiquei por dois anos e
meio, que eu consegui captar isso – a essência do que é ser promotor de
justiça. Eu decidir antes – mas foi ali que eu me animei muito a ser esse cara.
Foi ali que eu vi que era possível ser – eu via pessoas normais, seres humanos
normais que se empenharam e passaram no concurso. Eu vi os desafios que
tinham ali para ser desenvolvidos e isso foi muito bom. Foi ali que eu consegui
realmente imaginar o que é isso. Muitas vezes falta isso na gente: nós
queremos uma coisa mas não temos a noção do que é aquela coisa. Você tem
apenas o símbolo. O que é o promotor? É o cara que denuncia. Mas você não
tem noção do que é um ser humano ser promotor de justiça, você não tem essa
noção clara. É importante você perceber isso nas pessoas que já estão lá.
Eu me lembro também nessa época em que eu já estava
estudando para concurso, eu tive acesso a um texto, escrito pelo Damásio de
Jesus, que eu encontrei pela internet, chamado Para ser juiz de direito, que me
foi muito importante. É um texto curto, de umas quatro ou cinco folhas, no qual
ele conta o período de faculdade dele, em Bauru; e como foram os estudos
dele. E ele conta que enquanto os amigos dele, ou outras pessoas, estavam se
divertindo à noite e tal, ele ficava trancado no quarto à noite lendo os tratados
de Basileu Garcia, o grande penalista, enfurnado nos livros, se deliciando com
as teorias e com aquela coisa toda. E ele queria ser juiz de direito. E ele colocou
no porta do armário do quarto dele – não sei se com estilete –, ele escreveu lá:
Serei juiz. Caramba! Eu olhei aquele negócio e falei: Que força tem esse cara! Serei juiz! Ele não falou assim: Se tudo der certo, de repente, no futuro... Ele
falou: Serei juiz. Se fechou ali e estudou até ser juiz mesmo – aliás, eu não me
lembro se ele chegou a ser juiz ou se foi apenas do MP, mas, enfim, ele é super
bem-sucedido. E eu li aquele texto umas três ou quatro vezes e falei: Caramba! Que força incrível esse cara tem! Serei juiz e dane-se o mundo! Serei juiz e
acabou! O mundo pode cair – eu serei juiz! Isso foi muito importante para mim.
Eu vi ali uma força muito grande que eu tinha em mim – e eu só não tinha
achado ainda. Mas ela estava dentro de mim. Eu ia ser promotor de justiça
mesmo, eu ia ser esse cara.
Essa terceira sugestão da lista que vocês tem nas mãos
foi o que eu fiz nesse meu emprego, com essa convivência, com a observação
mesmo dos profissionais. Você não vai vencer se você não compreender o que
é aquilo, se você não conseguir assimilar aquelas qualidades em você. Você já
tem que ter aquilo de algum modo em você. Tem que ter coragem,
perseverança, força de vontade. E vai ter que ir incorporando aos poucos, e não
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há forma melhor de fazer isso do que assimilar isso dos outros, não é? Isso é
uma grande dádiva de Deus, os outros estão aí para nos ensinar mesmo. É uma
troca muito importante com aqueles que venceram. E eu tive isso, graças a
Deus, nesse meu primeiro emprego.
Eu me lembro inclusive que eu era tão a fim de passar
em concurso que eu até escrevia cartas para as pessoas. Eu me lembro, por
exemplo, que eu fiquei sabendo que alguém passou para juiz de direito e foi
para tal cidade. E eu conhecia a pessoa por ouvir dizer, porque era amigo de
um amigo, e eu mandava carta para essa pessoa e falava: Vem cá, como é que você passou? Como é que você fez? Me explica aí... Ninguém nunca respondeu,
não é? Mas eu precisava saber como é que era aquilo, como é que se fazia
aquele negócio. Havia alguns segredos que eu ainda não sabia e precisava
saber. E foi tendo essas pessoas por perto – eu nunca perguntei: Vem cá, me ensina? – que eu comecei a observar mesmo.
Eu me lembro que eu olhava muito os livros dos
promotores de justiça lá da Promotoria da Infância e da Juventude – com a
permissão deles –, e via os grifos, os comentários e via: Poxa, esse cara estudou mesmo, esse cara pegou no pesado, ele fez por onde. E eu fui
assimilando essas qualidades em mim. Eu já tinha um pouco disso e fui
assimilando mais e mais.
E porque é importante você ir imaginando essas coisas?
Eu me lembro inclusive que, às vezes, eu pegava algumas manifestações que
eu fazia para os meus chefes – isso até hoje era segredo, mas eu vou contar
para vocês aqui –, pegava algum rascunho e eu imprimia lá, e em vez de
colocar o nome deles eu punha o meu nome: Bruno Costa Magalhães, promotor de justiça – e eu assinava! Eu era um mero oficial do Ministério Público mas eu
assinava como promotor de justiça; e eu ficava olhando aquela folha nas
minhas mãos assim e falava: Caramba, bonito pra caramba esse negócio! E eu
olhava aquilo e sentia uma ressonância com o que estava dentro de mim – É isso mesmo! Bateu! A minha assinatura que vocês conhecem hoje, um pouco
esquisita, veio daquela época. Eu falei: Eu tenho que assinar como um promotor... E inventei uma assinatura igual a de promotor mesmo, toda cheia
de confusão e tal.
Enfim, você tem que imaginar você no cargo. Se você
não consegue imaginar, meu amigo, você não vai entrar no negócio. Se é uma
coisa distante, ela vai continuar distante para você. Será sempre um sonho e
você não vai conseguir chegar até ele. Você tem que imaginar a situação. E é
curioso, ninguém sabia desse fato até hoje, vocês são os primeiros a saber.
E por que isso? Porque nossa vontade é muito variável.
Vocês sabem que vontade não é como desejo, não é? Há diferença entre desejo
e vontade. Desejo é um mero querer. O desejo é muito fraco. Por quê? Porque o
13
desejo está voltado apenas para o aspecto bom da coisa – Eu desejo um bolo de chocolate, Eu desejo ganhar dinheiro –, você só deseja a parte boa das
coisas. Só que na vida as coisas vêm com todas as facetas, com os aspectos
bons e com os aspectos ruins. O desejo é fraco por isso: porque ele só deseja o
que é bom, o que é agradável. E aqui, nesta Terra aqui, em tudo há um misto
de coisas boas e de coisas ruins, na mesma situação – não tem jeito. A vontade
só é forte quando você abrange também o sacrifício, abrange também o lado
ruim das coisas. Porque tudo tem um lado ruim, tudo tem um sacrifício, não
tem jeito.
A vontade é forte por isso: ela deseja também o
caminho, ela deseja caminhar, tropeçar; a vontade aspira a tudo isso; ela aspira
ao lado ruim também da carreira – porque existe o lado ruim da carreira, a
gente sofre muito também, há sofrimento, há desafios, tem dia em que você
fica muito frustrado. A vontade abrange isso também, e por isso ela é forte: ela
abrange tudo. Ela já compreendeu o objeto, ela entendeu o que você quer e vai
fundo. Com a vontade firme você se trabalha por completo: aquele aspecto seu
que quer a coisa boa e aquele que a princípio não queria a coisa ruim – queria
fugir dela – estão no mesmo diapasão, estão na mesma toada, você está
completo na direção do objeto.
Por isso é interessante você ter uma vontade firme,
conhecer o lado ruim e querer também ele – claro, querer que ele seja o menos
ruim possível, mas também querer o lado ruim da carreira, querer o desafio,
querer perder noites de sono, querer se ferrar mesmo. É estudar demais – isso
faz parte também.
Há um poema interessante do Carlos Drummond de
Andrade, chamado A máquina do mundo, no qual ele fala um pouco disso aí.
Ele fala de um ser humano que sempre desejou as coisas, mas quando chega a
hora ele não consegue dar o passo seguinte, ele não consegue abraçar a coisa.
É um poema que começa com ele caminhando em uma
estrada de Minas, no fim da tarde. Segundo o poema deixa transparecer, ele
sempre foi desejoso de conhecimento, ele sempre quis saber os mistérios do
mundo, ele sempre quis saber como é que funcionam as coisas, sempre quis ter
acesso a esse mistério do mundo. E ele está lá, caminhando na estrada de
Minas, e aparece a máquina do mundo – que é o símbolo disso tudo para ele;
ela simboliza e mostra para ele naquele momento, num relance, tudo o que ele
sempre quis, e o chama: Vem cá!. Ele fala no poema: me chamou para seu reino augusto. E nessa hora a vontade dele vacila. Ele quis tanto aquilo, mas
naquela hora ele meio que vacila, não é? Nós temos isso em nós. Nós temos
dentro da gente uma força que briga contra a gente. Freud dizia que nós temos
o Eros e o Thanatos, o princípio do prazer e o princípio da morte. É uma luta
interna. Você acha que quer uma coisa, mas há algo em você que luta contra
14
você.
E o Drummond, nesse momento em que a máquina do
mundo apareceu para ele, ele vacila mesmo, e fala – eu gosto muito desse
poema e eu sei ele de cor –: e como se outro ser, não mais aquele / habitante de mim há tantos anos, / passasse a comandar minha vontade. Ou seja, ele
queria tanto, mas na hora H, age nele um outro agente – é claro que era ele,
não é?, mas simbolicamente é outro ser, porque ele não estava reconhecendo
aquilo. Passasse a comandar minha vontade – não é ele mais que age –
vontade / que, já de si volúvel, se cerrava / semelhante a essas flores reticentes / em si mesmas abertas e fechadas. Ou seja, nem para lá nem para cá – ele
quer mas não quer. Como se um dom tardio já não fora apetecível. Ou seja, ele
queria naquela hora lá atrás, depois ele já não estava querendo muito, não é?
(…) já não fora apetecível / antes despiciendo – quer dizer, agora já não é tão
importante assim.
Aí ele fala: baixei os olhos, incurioso, lasso / desdenhando colher a coisa oferta / que se abria gratuita a meu engenho. Ou
seja, estava lá de graça e ele já não queria mais.
Isso é para mostrar que nossa vontade nem sempre é
firme – ela quer mas não quer: a gente quer mas não quer. A gente às vezes
fala que quer, mas quando abre o edital do concurso, a gente fala: Ah, não sei, não é a minha hora.
Eu já me cansei de ver isso. Muitos amigos meus querem
passar no concurso, mas quando abre o edital eu digo: Cara, está aberto o concurso, vai lá, pô, eu te ajudo, eu te passo a indicação dos livros e tal. E
respondem: Ah, não sei, de repente... A vontade não está firme, entendeu? Se
oferecessem para a pessoa o cargo, talvez ela aceitasse, mas o concurso ela
não quer fazer.
Então a vontade tem que ser forte, firme, e a imaginação
conta muito para isso. A imaginação o ajuda a colocar suas forças na direção da
coisa. Você está inteiro naquela direção. Não há nenhuma parte de você que
está contra você, você quer tudo, quer estudar, fazer, passar, quer sofrer o
negócio mesmo, e quer chegar lá e vencer. Você não quer só ganhar o dinheiro,
você não quer só estar ali, com a pompa e as honras do cargo; você quer todo o
trajeto, você quer tudo – isso é a vontade! O desejo é muito fraco. Então é bom
ver se vocês apenas desejam o concurso ou se vocês querem – têm vontade –
realmente. É isso o que está na quarta lição: Fortaleci minha vontade: certifiquei-me da minha vocação e trabalhei sobre a minha imaginação.
Muitas pessoas, com muita legitimidade, já tem família –
então, por exemplo, o cara quer ser juiz de direito, mas ele já está casado e
tem três filhos jovens. É difícil, não é? Imaginem que ele está lá em Minas
Gerais, que é um estado muito grande. No concurso ele pode ir lá para Manga,
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que é um município no extremo Norte do estado. Ele vai pensar, vai olhar para
a mulher dele, que já tem emprego na cidade em que eles moram, vai olhar
para os filhos que já estão estudando. Tudo aquilo vai enfraquecer um pouco a
vontade dele, não é? Claro! Ele tem que levar em conta aquilo. Ele não está
errado em levar em conta isso, pois são fatores que são ele agora, fazem parte
da vida dele. Ele não pode largar tudo. Mas, às vezes, pessoas jovens, que têm
apenas uma mochila nas costas, que não têm nem um passarinho para cuidar,
ficam vacilantes: Eu não sei, estou com medo, de repente, eu posso fracassar, vão saber que eu não passei... Tudo isso conta contra a gente!
Então é importante que vocês consigam algum modo de
fortalecer a vontade de vocês, para ter essa vontade firme em direção a essa
meta – seja qual for ela. Os desafios virão e você será forte o suficiente para
sequer perceber as barreiras. Você passará pelos desafios fácil, fácil, porque a
vontade está firme ali. Os vetores da sua alma estão todos em uma só direção.
Às vezes você não sabe se você quer ser juiz, promotor
de justiça ou AGU. Tudo bem, mas você terá que ter alguma coisa que te force a
estudar. Você não pode ficar muito vacilante entre as situações. Ah, eu não sei se eu quero ser médico, engenheiro ou juiz de direito. Pô, você vai se ferrar, porque não tem como unir as três coisas em uma só. É difícil! Você tem que ter
algumas metas que o integrem em uma só unidade. E foi isso o que eu
consegui fazer: eu só queria o Ministério Público.
Decidido a passar no concurso, eu comecei a ver como
eu iria estudar. Eu pegava as provas antigas, os editais, os programas e vi que
era muita matéria, era muita coisa! É matéria que não acaba mais! E eu
comecei a comparar os programas com os manuais clássicos, que estavam na
moda da época. Eu comecei a ver que havia muita afinidade entre os
programas e os grandes manuais. E eu vi que nas grandes matérias, nas
matérias básicas, eu iria ter que pegar os manuais e iria ter que ler tudo, de
cabo a rabo mesmo.
Esse processo foi muito solitário. Eu tinha amigos na
época, mas esse como-fazer, esse como-estudar, de fato fui eu quem foi
descobrindo. É isso o que eu registrei na quinta lição que vocês tem nas mãos:
Encontrei o meu próprio método e montei minha própria bibliografia.
Eu fui lendo, ouvindo pessoas, mas foi muito pouco o
que eu absorvi dos outros. Eu fui montando o meu próprio método. Eu peguei o
programa do concurso do MPMG – que era o que eu queria mesmo na época –,
fui lendo os manuais e comparando com os programas.
O meu método foi um pouco exótico e deu muito
trabalho – mas foi por isso que eu passei, não é? Não teve jeito. As matérias
básicas: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito
Processual Civil, Direito Processual Penal, Direito Civil e Direito Penal, eu fui
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pegando os grandes manuais e fui fazendo o seguinte: por exemplo, em
Constitucional, eu peguei o livro do José Afonso da Silva, que já era grande à
época, em 2001-2002, e eu li ele todo. E eu grifava – mas não as palavras ou
expressões mais importantes, mas sim as frases mais importantes – de modo a
fazer um resumo que combinasse uma frase com a outra. Eu fiz isso aí por quê?
Porque eu já imaginava que eu teria que complementar isso depois. Olha, deu
muito trabalho, viu! Foram três anos.
Eu pegava esse livro, já com as frases grifadas, ditava
aquilo em voz alta e gravava aquele resumo inteiro em algumas fitas cassete. E
aí vocês percebem que a matéria inteira já passou duas vezes pela cabeça:
uma para fazer o resumo e a outra para ler para a fita. Depois, o que eu fazia?
Eu ouvia a fita e ia digitando o resumo no computador. E eu tinha ali no final um
resumo de cerca de cem páginas, ou um pouco menos, do livro inteiro. Mas era
um resumo muito harmônico, porque não eram apenas tópicos, eram frases
que tinham uma fluência.
Na segunda etapa de uma mesma matéria, eu pegava
um outro livro – no caso foi o do Alexandre de Moraes –, eu peguei o livro do
Moraes, com o resumo do lado, já impresso, e eu lia o livro inteiro e
complementava as opiniões do José Afonso com as opiniões do Moraes. E eu ia
meio que cotejando ali, na margem da folha, o que não tinha no José Afonso da
Silva.
Depois – deu muito trabalho, foi exaustivo, mas valeu a
pena –, eu digitava esse complemento no resumo inicial, e na terceira fase, se
fosse uma matéria importante – por exemplo, com Direito Civil eu não fiz essa
terceira fase porque eram seis ou sete disciplinas (Parte Geral, Obrigações,
Contratos, Direitos Reais, Família e Sucessões) –, como Direito Constitucional ou
Direito Penal, por exemplo, eu fazia mais uma etapa: eu pegava temas
específicos que não tinham naqueles manuais, porque eram coisas mais
recentes ou específicas mesmo, e colocava ainda naquele resumo, e o
complementava ainda mais. No fim eu não chegava a ler o resumo de novo; e
nem era necessário, não é? Eu já tinha feito tudo aquilo.
Naquele processo de estudo eu depurei a matéria cerca
de quatro ou cinco vezes. Aquilo ficou na cabeça e estava aqui na ponta da
língua mesmo. Isso foi importante não só para saber a matéria, mas para ter a
segurança de que eu sabia. Eu sabia o seguinte: Olha, a banca pode vir com 'gracinha' para cima de mim, mas eu não tenho culpa, porque eu li tudo. A
banca pode inventar o que for – tem gente aí que inventa umas coisas que
ninguém nunca viu; eu vou falar mais à frente das provas abertas.
Há surpresas, sim, nas provas, tem coisa de que você
nunca ouviu falar. Você leu tudo mas você não sabe o que é aquilo. Mas eu
sabia o seguinte: eu li mais do que quase tudo mundo, eu li muito mesmo. Não
17
vai ter muita surpresa para mim na prova. Enfim, eu já ia para a prova seguro
daquilo, eu via a matéria quatro ou cinco vezes. Por exemplo: de Direito Penal
eu li uns quatro ou cinco livros; de Processo Penal eu li os quatro volumes do
Tourinho Filho duas vezes, eu li o Capez, li o Pacelli duas vezes, li o Paulo Rangel
– lendo e anotando, lendo e resumindo. E esse processo exaustivo chegava
nesses resumos que eu fazia – que tinham, cada um, cerca de duzentas
páginas. Ao todo foram milhares de páginas escritas.
Com matérias específicas eu fazia algo parecido, mas
não tão complexo assim. Eu também lia e fazia uma espécie de resumo de
tópicos: em Direito Ambiental, em Direito do Consumidor, eu não lia todo o
livro, mas eu pegava os tópicos importantes e, principalmente, olhava as
provas antigas. Um dos itens aqui fala sobre isso; é a sexta lição: Fiz o reconhecimento do território (concursos públicos em geral) e sondei o exército adversário (as provas e a banca examinadora).
Você tem que saber o que é que já caiu nas provas, qual
é a tradição do concurso. Embora a prova possa mudar de feição, embora a
banca possa mudar radicalmente, você tem que ter noção do que se enfrenta
em um concurso, para você não ter surpresas.
Eu desconfio que grande parte dos brancos que se têm
nas provas – o tão temível branco – vêm dessas surpresas que nós não
esperávamos. A gente chega lá na hora da prova e tem alguma coisa assim
inesperada que bate e caramba! e não-sei-o-quê e você se esquece. Quanto
melhor e mais bem preparado você for para a prova, com mais conhecimento
incorporado e com mais bagagem14, tanto melhor, porque menos surpresas
você terá.
E por que ler as provas antigas? Porque se você estudar
sem ver as provas antigas você estará lendo para qualquer fim, menos para o
concurso. Você tem que ler para aquele fim, para preencher a prova objetiva,
para escrever na prova subjetiva, para fazer aquela prova. Você pode ser um
erudito no Direito e não saber fazer a prova; pode saber tudo, fazer discursos
jurídicos e não-sei-o-quê, e não hora da prova você não sabe fazê-la, porque
você nunca viu uma prova. Você chega lá e precisará de alguns macetes que
você nunca viu.
Você tem que ler as provas antigas daquele concurso e
ver qual é a tradição, o que costumam fazer ali, o que costumam cobrar, o que
pedem, qual é a nuance da matéria que você tem que saber mais, qual enfoque
você tem que dar naquela matéria. E às vezes as provas antigas mostram
muito isso – e isso é muito importante.
Eu me lembro que eu li nessa época um livro de um tal
de Sun Tzu, chamado A arte da guerra, que hoje está muito famoso, mas na
época não era tão famoso assim. Alguns colegas meus riam da minha cara e
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falavam: Mas que bobeira esse livro, um livro bobão, escrito por um guerreiro da antiguidade na China. O livro é um manual de guerra chinês, e há uma frase
no livro em que ele fala: Se você quer ir para a guerra, você tem que conhecer o território e o inimigo. Não tem outro jeito. Você entrará no território, o território pode lhe ferrar, você não sabe por onde passar, e o seu inimigo pode ser mais forte que você, você não sabe qual é a fraqueza dele.
Há uma passagem nos Evangelhos15 que fala sobre isso;
é uma parábola em que Cristo fala sobre isso aí, para você olhar como é que
está o seu exército. Se você estiver mal, manda alguém lá para fazer um acordo
com o inimigo, senão você vai se ferrar. Você não está pronto para a briga
ainda, não é? É claro que ele está falando de outra coisa, sob o aspecto
espiritual, mas você pode ver também por esse aspecto prático. Esse livro me
mostrou isso: eu tinha que saber qual era o território em que eu ia entrar, saber
o que é um concurso público, saber quais são as fases, como é que se
comporta em uma sala de prova, o que eu vou encontrar lá, como é aquele
ambiente, como são as provas.
Eu nunca simulei fazer as provas em casa – sentar e
fazer a prova em quatro horas –, mas eu sempre li muitas provas e sempre
estava muito ambientado a elas. E mais: eu via gente que havia passado no
concurso e eu sabia em qual ele havia passado e sabia que aquele cara havia
feito aquela prova ali. Eu conseguia – não sei como é isso – ver uma realidade
muito forte naquela situação e falava: Olha, alguém passou por isso aqui e eu vou passar também! Não é impossível!
Eu me lembro que também nessa época caiu nas minhas
mãos o livro do William Douglas chamado Como passar em provas e concursos,
que hoje está famoso também. Eu não o li por inteiro, mas li boa parte dele, e
tem coisas muito legais ali, muito interessantes. Ele fala: Olha, faça a análise de sua família, onde você mora. A sua família pode jogar contra você, a seu favor, ou pode ser neutra. Você tem que ver onde você mora, se a sua família é, nesse ponto, sua parceira ou não. Eu me lembro que em casa, quando eu
estava prestando concursos de nível médio, eu às vezes me trancava no
banheiro de empregada para estudar! Era difícil! Eu tinha quatro irmãos em
casa, menores do que eu – dos quais dois eram crianças na época –, brincando
em casa, gritando e tal. E eu às vezes não tinha ambiente em casa para
estudar, e eu me trancava no banheiro de empregada! Vejam que tragédia! Mas
era necessário, não tinha jeito. Às vezes você tem que estar em silêncio para
estudar. Eu não consigo concentrar com barulho. Então você tem que fazer a
análise do seu ambiente, como é que você o trabalhará.
Se você tem uma namorada ou um namorado que cobra
muito a presença de vocês, que não entendem o seu estudo, é difícil também.
Eu não tive esse problema, graças a Deus! Os meus amigos e a minha
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namorada me compreendiam e estavam comigo na época no mesmo barco.
Mas é difícil! Eu sei de casos em que a pessoa não consegue compreender – Pô, você vai estudar sábado à noite? Como é que é isso? Que absurdo! Então você acha mais importante o estudo que eu? Poxa, às vezes o pior é que é mesmo –
às vezes é mais importante o estudo do que aquela amizade ou do que aquela
namorada. Às vezes é isso mesmo. Você terá que abrir mão de algumas coisas,
não tem jeito. Se for de fato amor, a pessoa terá que entendê-lo, não é? Agora,
se for possessão, não tem jeito, você terá que largar. É isso mesmo!
O livro do William Douglas foi importante para mim,
porque me deu dicas pontuais, de método de estudo, de horário de estudo, ver
o ambiente em que você mora, onde você trabalha – e isso é muito importante.
Eu até conheci o William Douglas depois. Eu fiz algumas
audiências com ele em Niterói, RJ. Ele é juiz federal lá. Eu trabalhava em Volta
Redonda, RJ, fui fazer uma audiência em Niterói e falei com ele: Olha, cara, eu li o seu livro, hein! Ele disse: É mesmo? Que legal! Então conta isso aí para as pessoas... Me ajude a divulgar! Eu falei que não ele precisava, porque o livro
estava vendendo muito. Ele disse: Claro que preciso! Se até a Coca-cola faz propaganda, como é que eu não vou fazer!? Divulga aí para a gente, ajude a vender! A propósito, ele é um cara muito cristão. Em toda audiência, depois dos
trabalhos, ele pergunta aos réus e às testemunhas se são religiosos e, então,
ele dá uma Bíblia à pessoa, e acaba conversando um pouco com alguns deles,
fazendo um saudável apostolado. Todo mundo que vai lá ganha uma Bíblia dele
– desde que aceite, é claro.
Então, quer dizer: eu criei o meu método, mas é claro
que eu peguei dicas de outras pessoas, não é? O William Douglas é um cara
que tinha dicas muito boas para dar e foi importante para mim.
Quanto à bibliografia, o pessoal pergunta muito: O que eu devo ler? Olha, eu nunca perguntei isso a ninguém! Eu fui achando o meu
caminho. É claro que eu pegava as dicas – eu sentia o que estava no ar. O que você está lendo? Como é esse livro aí? Eu nunca fiz cursinhos preparatórios – e
essa é a nona lição, que eu explicarei melhor mais à frente –, mas eu sabia o
que estavam dizendo ali. Eu tinha amigos que faziam cursinho e com eles eu
conversava, pegava dicas. Então eu fui montando a minha lista de livros, eu fui
comprando os livros, fui folheando, vendo se determinado livro era ou não era
completo, pegava o programa, comparava, e eu mesmo montava a minha lista
de livros e os comprava com base nisso aí.
Eu não tenho como dizer hoje para vocês o que eu li
porque já se passaram oito ou nove anos, e a coisa mudou muito. As minhas
dicas hoje talvez não sirvam para vocês. Mas eu aconselho: vocês têm que
estar antenados no que está acontecendo no mercado editorial e ver se o livro
é bom para você. Às vezes é um livro fantástico, mas você não consegue digeri-
20
lo – ele é ruim para você. Você lê e não consegue entender. Às vezes o seu
gênio não bate com o do autor, não é?
Uma outra coisa: eu tive muitos amigos nessa época da
faculdade – não muitos, mas dois ou três16 – , que respiravam esse mesmo
ambiente que eu – e essa é a sétima lição: Tive amigos com os quais trocava ideias. A minha impressão – eu não sei se estou certo nisso – é que as mulheres
têm mais dificuldade nisso aí, de ter amizade nesse ponto. Para os homens é
mais fácil, o homem senta junto e quer discutir mesmo, ele quer brigar pelo
Direito, você está errado e tal. Eu tive isso e foi muito bom para mim. Eu tive
bons amigos nessa época com os quais eu me sentava, discutia Direito, falava
dos concursos. É importante você ter o feed back do outro, do cara que está
próximo de você. Não é bom você se isolar por completo do mundo. Você terá
que perder algumas coisas, mas se isolar é ruim também. E a amizade é aquilo
que falava Santo Agostinho: é você querer as mesmas coisas e odiar as
mesmas coisas17. Ou seja, você está olhando na mesma direção da pessoa. A
amizade, como disse Platão, leva para o alto mesmo, ela te levanta, desde que
tenha essa comunhão de propósitos.
Então é bom você saber que você terá que se isolar um
pouco do mundo, mas também é importante saber que é preciso ter vínculos
com pessoas que tenham comunhão de interesses com você. Se é um amigo
que o joga para baixo, largue-o porque isso não serve para nada. Se a pessoa
fica criticando você o tempo todo, fica disputando maldosamente com você,
tem inveja, se a pessoa quer outra coisa, isso não vai adiantar: ela vai tirar suas
energias e vai lhe fazer mal. Então ter amizades boas, condizentes com o seu
estado, é muito importante.
Uma outra coisa, que já é a oitava lição: Preenchi o meu tempo com coisas úteis e saudáveis. Não temi a solidão. Em resumo: não
percam tempo! Se vocês querem esse concurso, ou um concurso difícil que
seja, qualquer um que seja difícil, vocês não podem perder tempo. Perder
tempo, por exemplo, com um churrasco no sábado à tarte inteira. Isso aí é
impossível, não tem jeito! Eu me lembro que nesses três anos – é claro que
houve altos e baixos –, houve um período crítico que eu efetivamente não tinha
muita diversão pública – eu ia no máximo ao um cinema no final-de-semana, lia
algum livro não-jurídico, mas em regra era só Direito mesmo. Eu trabalhava de
manhã, de 7h às 13h, quando fiz estágio era geralmente de 14h às 18h, e ia
para a faculdade à noite, de 19h às 22h. E estudava nos buracos entre uma
atividade e outra, no ônibus, em casa à noite, no estágio.
Eu me lembro que fiz estágio no MPF e, nos quatro
meses, eu li os dois livros inteiros de Direito Penal – Parte Especial do Mirabete,
no estágio. Tinha pouco trabalho – eu não enrolava no estágio, não era isso,
mas tinha pouco trabalho mesmo. A minha dupla no estágio, o Marcus Vinícius –
21
o Marquito é hoje baterista e está na AGU – lia Guerra e paz, do Tolstói. Ele
ficava lá e eu acho que ele fez bem – é um bom livro também. Mas, enfim, a
gente tinha esse tempo livre no estágio. E no trabalho também, eu fazia o meu
trabalho e no tempo livre eu estudava. Não tinha jeito, era o tempo que
sobrava. O estágio estava muito cansativo e eu acabei saindo dele. Então eu
tinha a tarde livre para estudar.
Foram três anos de muito estudo. A todo momento eu
estudava mesmo. Não tinha hora livre. Às vezes até no domingo. Eu tinha
namorada, claro, estava com ela muitas vezes, mas diversões, baladas, isso aí
ficou muito para depois. Se o convite fosse para ir a um bar para falar sobre
Direito eu até iria, mas se fosse para conversar sobre outros assuntos eu não
estava disponível – eu estava ali direcionado mesmo para o concurso.
Eu estava tão aclimatado com os estudos pro concurso
que, algumas vezes, quando eu já estava na cama para dormir – naquela hora
em que você ainda não dormiu mas também já não está totalmente acordado –,
eu ficava pensando em algum assunto que eu tinha visto naquele dia. E me
dava um certo desespero de não saber qual era a posição de tal ou qual
doutrinador a respeito! É claro que nessas horas em tinha de levantar da cama
e ir procurar nos livros algum alívio para aquela situação. Só depois de ler sobre
o tema é que eu conseguia cair no sono... Eu não ia conseguir esperar o dia
seguinte!
E aí aconteceu o seguinte: eu me formei na Federal, mas
antes de me formar abriu concurso para a AGU, que foi o concurso de 2001-
2002, e eu fiz esse concurso antes de formar. E – caramba! – eu passei nesse
concurso antes de me formar mesmo. E eu fiquei na seguinte situação: a posse
estava marcada para o mês de agosto de 2002. E houve uma segunda greve
durante o meu curso, na Federal. Então, a minha turma se formaria em outubro
de 2002 e a posse na AGU seria em julho ou agosto – não estava muito certa a
data ainda. E eu estava sem o diploma, eu estava em pleno 10º período, e
fiquei desesperado. Caramba! Se não fosse a greve estaria tudo certo. O que eu
fiz? Eu tinha oito disciplinas naquele período e eu teria que cumpri-las em
tempo record. Eu falei com todos os professores, muitos deles foram muito
solícitos comigo18. Eu fiz muitos trabalhos adiantados, fiz algumas provas
adiantadas e consegui me formar a tempo. Um dos professores, muito
sistemático, me segurou até os últimos dias. Ele falou que poderia, sim, me
passar alguns trabalhos adiantados. Mas chegou nos últimos dias, nas vésperas
da posse, do dia D, ele falou: Olha, Bruno, tem um problema aí: você tem a pontuação, não é? Mas você não tem a frequência mínima ainda, você tem que ter a frequência de 75%. E você só a terá em setembro. Eu pensei: E aí? Como é que vai ser isso aí? Aí em conversei muito com ele, pedi muito. E aí ele
conseguiu achar uma espécie de alínea f do parágrafo único do artigo 36,
22
digamos assim, de uma norma da universidade, que permitia fazer um trabalho
para suprir a frequência. Aí eu fiz mais trabalhos ainda e consegui colar grau no
dia 30 de julho de 2002 e tomei posse na AGU na segunda-feira seguinte, dia 02
de agosto. Foi muito complicada essa época para mim!
Eu também tive uma briga com a OAB – não vale a pena
contá-la inteira aqui –, para me dar a carteira da ordem. Eles queriam me
processar porque eu estava exercendo a AGU sem a inscrição na OAB. Mas eu
já havia passado no exame de ordem, o meu caso não era julgado na OAB de
modo algum, o pessoal ficava discutindo firulas jurídicas19. Eles quase
mandaram o meu caso para o Ministério Público, por um suposto exercício ilegal
da profissão, porque eu estava na AGU sem carteira da OAB. Foi uma época
muito tumultuada mesmo – e tudo isso aconteceu enquanto eu estava
estudando para concurso.
Eu fiquei na AGU por um ano e meio20 – nesse tempo eu
prestei um concurso para o MPMG e não passei. Isso foi muito traumático para
mim! Eu já estava afiadíssimo, mas eu não passei na prova subjetiva – e aquilo
para mim foi o meu mundo caiu. Eu fiquei realmente muito frustrado. Eu me
lembro que eu pegava o livro para estudar em casa, olhava para ele e não
entendia nada, as letras estavam todas embaralhadas. E ficava assim: Como é que eu vou recomeçar? Ó mundo, ó céus! Foi muito difícil. Mas depois de duas
semanas eu consegui voltar ao ritmo normal.
Esse concurso de Minas é muito famoso porque tem
algumas surpresas muito chatas. Em um deles, que ficou muito famoso, foram
aprovados apenas cinco candidatos – dos milhares que fizeram apenas cinco
passaram no final. Havia dezenas de vagas e apenas cinco caras passaram. É
claro que houve algum exagero nessa seleção. E algumas provas cobram coisas
que a gente nunca viu na vida. Nessa prova que eu não passei, por exemplo –
não foi por isso que eu não passei; eu não passei porque não estava pronto
mesmo –, na prova de Direito Civil, o membro da banca narrou um caso de
conflito de vizinhança e perguntou, na maior cara de pau, o que é supressio ou
Verwirkung – algo como: Diga como se aplica a teoria da supressio ou Verwirkung nesse caso21. Supressio! Ninguém nunca tinha ouvido falar dela na
vida! Que diabo é isso? É de comer? É claro que você vai chutar alguma coisa
ali, terá que embromar, mas com alguma razoabilidade. Você não pode chutar
completamente, não é? Mas por essas e por outras eu fiquei muito frustrado
com a prova, não passei, mas bola para a frente. Logo abriu outro concurso e
foi nesse que eu passei.
Foram dois concursos quase simultâneos: o do MPMG e o
do MPF. A prova oral dos dois foi na mesma semana. Eu fui a Brasília, dois
colegas meus também estavam fazendo os dois concursos e os três passamos
nos dois. Fiz esses dois concursos e estava muito preparado, estava sabendo
23
muito mesmo. Mas há sempre o imprevisível, você sempre terá de contar com
alguma coisa que você não saberá, com alguma surpresa, com algum membro
de alguma banca que pode ser um cara esquisito, um cara que quer mostrar
conhecimento, que quer mostrar como ele é diferente, que perguntará coisas
que não estão propriamente ali no programa.
Mas o que é importante contar do concurso? As provas
objetivas são muito simples, não é necessário explicar como é, não há muita
surpresa. Na prova aberta do MPMG acontecem muitas surpresas, essas
perguntas que ninguém sabe do que se trata. Por exemplo, perguntaram em
uma época lá – não foi no meu concurso – na prova de Processo Penal: o que é o princípio da suficiência da ação penal? Suficiência da ação penal? Ninguém
nunca tinha visto aquilo. Depois eu vim a saber que aquilo estava em um livro
de perguntas e respostas de Processo Penal de algum autor não sei de onde.
Quer dizer: para quê isso, não é? Eu soube depois que tinha alguma coisa a ver
com os efeitos da sentença condenatória penal na área cível. Como é que o
candidato iria descobrir isso? Quer dizer: tem coisas que podem vir de surpresa,
mas não é uma surpresa só para você, mas para todo mundo. É muito
agradável na hora da prova você ver que tem lá uma surpresa dessas, olhar
para o lado e ver que todo mundo está ferrado junto, todo mundo está no
mesmo barco, ninguém sabe aquilo, ninguém nunca viu aquilo, só o cara da
banca mesmo.
Por exemplo, esse caso da supressio, depois eu vim a
saber, estava citado em um único, singular e miserável acórdão do Superior
Tribunal de Justiça – STJ. E aí o ministro do STJ citou um autor português. Poxa,
como é que é isso? Não tinha como saber isso aí! É aquela questão para ferrar mesmo. Se uma questão assim cai na prova objetiva, menos mal. Porque ali é
um número maior de questões, você pode errar aquela e você pode suprir por
outras questões. Agora, na prova subjetiva é mais difícil, pois são três ou quatro
questões, e se você zerou uma dessas, é difícil, não é?
Na prova aberta do MPF eu tive também uma surpresa,
mas essa surpresa foi muito boa, muito agradável. Isso de fato foi um presente
de Deus para mim – alguns chamam de sorte, outros chamam de Deus. Na
prova de Direito Penal e Processo Penal, caiu uma questão sobre um assunto
que não era muito falado na época. Era um tema que estava começando a ser
discutido na época. Hoje já há emenda constitucional sobre isso – que é o tema
da federalização dos crimes contra os direitos humanos. Estava lá na minha
prova aberta do MPF e eu tinha estudado esse tema – eu não me lembro se ele
estava explicitamente no programa –, por sorte ou por Deus, semanas atrás,
em um relatório daquela organização internacional Human Right´s Watch, um
relatório dela sobre o Brasil – eu não sei como é que eu descobri esse texto aí,
mas eu acabei achando ele pela internet, não sei como é que isso me caiu às
24
mãos. Mas eu o li e ele falava do situação policial e jurídica do Brasil à época. É
uma ONG internacional que vem aqui fazer uma análise, e estava lá o relatório
dizendo sobre as prisões do Brasil, aquela coisa horrorosa e tal. E uma das
sugestões desse relatório era federalizar os crimes contra os direitos humanos,
ou seja, em algumas situações excepcionais passar os processos relativos a
esses crimes para a área federal. Por quê? Porque há uma suposição de que
porque se trata de uma justiça menos capilarizada, ela está mais distante do
fato, é mais imparcial e menos sujeita a pressões locais. Então tinha esse item
lá no relatório – que falava também de uma Proposta de Emenda Constitucional
– PEC que estava no Congresso Nacional sobre esse assunto. E na hora da prova
eu fui agraciado com essa benção, de cair essa questão, que valia 40 pontos
em 100. E a minha nota nessa questão foi essencial para eu passar. Eu tirei 50
na prova, em cima da risca – o mínimo necessário na prova subjetiva era 50
pontos. Eu tirei 35 nessa questão – foi uma das notas mais altas nessa questão
– e eu tirei zero em duas outras. Havia essa questão maior que valia 40 pontos,
que era a mais extensa, e havia três outras de 20 pontos. Eu zerei duas outras
e tirei 15 na terceira – ou zerei uma delas e tirei 5 e 10 nas outras, não me
lembro bem, mas eu zerei uma delas. Então se não fosse essa questão eu não
tinha passado, não tinha jeito, era ferro mesmo.
Então tem sempre o imprevisível, não tem jeito, você
tem que contar com isso aí. Tem que ter algum jogo de cintura, você tem que
estar antenado nos temas que estão surgindo mais ou menos por aí. Não dá
para ficar só nos manuais, mas também não dá para ficar só nesses temas,
porque se você não tem a base você não vai dissertar sobre a coisa. Você tem
que efetivamente saber os fundamentos. O conhecimento é como uma
pirâmide: se você só tem o topo ela não tem fundamento, ela cairá fatalmente.
Então é essencial ficar nessas duas situações, na base (com os manuais) e nas
situações especiais, nos temas novos e tal.
Eu tenho algumas coisas interessantes para contar das
duas provas orais. Eu sempre quis saber como era uma prova oral, e ninguém
nunca me contou isso. Eu às vezes assistia a algumas provas orais do MPMG,
mas era muito de longe, porque os candidatos ficavam fechados em uma
espécie de curralzinho em uma grande sala no último andar, e a plateia era
muito distante. Eu conseguia ver mais ou menos como era uma prova oral, mas
eu nunca soube dos detalhes, como era o ambiente mais próximo, como era o
nervosismo dos candidatos. Foi só fazendo mesmo que eu vi. Aliás eu fiz uma
prova oral antes, mas foi para o concurso de estagiário da DAJ, mas é como se
fosse um ensaio, não era o jogo mesmo. Ali eu iria entrar no jogo mesmo.
A prova oral não é algo para assustar. Eu tinha receio de
ficar nervoso, porque eu sou um pouco gago. Eu tinha medo de ficar muito
nervoso na hora da prova oral. Porque o cara da banca fica geralmente mais
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alto que você, a cadeira dele já é uma cadeira de autoridade. E você está ali,
miserável e pedindo clemência. E eu tinha algum receio disso aí.
Em Minas há também a prova de tribuna. É uma prova
em que você vai a uma tribuna, fica de pé, todo mundo te vendo e te examinando, e você fala sobre um tema sorteado no mesmo dia. Há uma lista
prévia de temas – por exemplo, Direito Penal tem quatro ou cinco temas. Mas
sorteiam no dia o tema sobre o qual você falará. Então sorteiam algum tema,
por exemplo, sorteiam um tema de Direito Constitucional ou de Direito do
Consumidor, e você tem algumas horas para elaborar o seu texto e ir para a
tribuna falar durante cinco minutos. Você dissertará oralmente sobre o tema e
mostrará sua habilidade verbal. É um concurso onde os aprovados farão júris,
discursos em palanque na praça principal da cidade. Então é importante você
ter algum tipo de traquejo verbal.
A prova oral do MPMG foi muito divertida, muito legal
mesmo. Os candidatos acabam tendo muita afinidade, acabam criando laços de
amizade na hora da prova oral. Eu me lembro que às portas da prova oral o
pessoal que saía da prova comentava, por exemplo, o que tinham perguntado
em algumas das provas. Quem chegou a esse ponto do concurso não tem muita
rivalidade, ali é todo mundo junto. A gente sabe que se alguém não passar não
foi porque o outro passou, mas porque eles quiseram reprovar a pessoa. Ali no
caso não tinha um número limitante de vagas – havia menos candidatos que
vagas. Então não tinha uma rivalidade. Por isso lá fora da sala estava um clima
muito ameno.
Eu me lembro que a prova de Direito Civil era com o
representante da OAB. Em Processo Penal, por exemplo, o que corria ali nos
bastidores era que o membro da banca tinha uma listinha de umas quinze
perguntas e ele não saía muito disso. Então o pessoal já sabia que ele ia
perguntar mais ou menos aquilo ali. Por exemplo: Quais são os cinco princípios da ação penal, segundo Mirabete? Então o pessoal ficava mais ou menos
preparado, sabendo qual era a resposta. A gente ia mais ou menos pronto. É
claro que havia algumas surpresas na hora. Por exemplo, para vocês terem
ideia, ele tinha vários manuais sobre a mesa dele (Mirabete, Pacelli, enfim, os
mais famosos, uns dez manuais), ele pedia para você escolher um dos manuais
que ele tinha na mesa, e abrir em uma página, onde você quisesse. Eu escolhi o
livro do Eugênio Pacelli e caiu lá em uma página que fazia referência à Lei nº
6.368/76 – (antiga) Lei de Entorpecentes. E então ele me contou um caso:
imagine que você passou no concurso, foi para a sua comarca, e chegou às suas mãos um inquérito policial por tráfico de drogas – isso é ele me contando o caso, para depois me perguntar –, você denunciou o sujeito, o processo correu tranquilamente, sem nenhuma nulidade, o juiz, na sentença, condenou o sujeito, a pena foi justa, mas você quer recorrer da sentença. Me diga aí qual é
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o motivo que você tem para recorrer da sentença. O que você poderia alegar? A
questão não foi muito bem colocada – vocês percebem. Ele foi narrando um
caso e me perguntou o que eu poderia alegar. Me veio uma luz na hora – não
havia nenhum indício ali, nada. Na época havia uma discussão que não era
muito forte ainda, sobre o regime de cumprimento de pena dos condenados por
tráfico de drogas. Mas na hora da arguição, o examinador não havia falado
nada sobre regime de cumprimento da pena, nada disso. Mas na hora eu pensei
que a resposta estava clara. Por quê? O Supremo Tribunal Federal – STF estava
dizendo na época que se na sentença condenatória constasse expressamente
regime inicialmente fechado, o réu poderia progredir; se na sentença constasse
regime integralmente fechado, não poderia progredir. E o MPMG, claro, é MP,
com sangue no olho, quer ver o réu preso até o final. Eu falei: É claro, doutor, eu iria recorrer – aí eu expliquei para ele o que eu havia imaginado, e de fato
era isso o que ele queria ouvir – eu iria recorrer para que na sentença constasse regime integralmente fechado, porque segundo o STF... Quer dizer,
essa questão foi uma surpresa, eu não sabia que ele iria perguntar isso, é
lógico, mas eu já tinha lido muito sobre o assunto, eu estava antenado nas
discussões, e eu pude responder o que ele estava esperando. Houve também
outras questões mais ou menos complexas que essa. Em geral cada banca te segura por um tempo que varia entre dez e quinze minutos.
Em outra banca, a de Processo Civil, foi muito
interessante. A cara também me contou um caso: imagine que você foi aprovado no concurso, chegou na comarca e você entrou com uma ação civil pública ambiental, mas o Ministério Público não tem dinheiro para pagar a perícia. A perícia, no caso, é cara. Você está alegando, então tem que provar. Aí
ele perguntou como eu iria resolver a questão, como eu iria pagar a perícia.
Como eu iria dar conta disso aí. Resolva isso aí para mim. Ele perguntou: Que solução você dará? Eu falei tudo o que eu pude imaginar, mas eu não acertei.
Eu falei: tem o fundo de direitos difusos, previsto na legislação, que tem dinheiro disponível. Ele falou: Pode esquecer! Não está disponível. No meu exemplo o fundo está sem dinheiro. Eu falei: Olha, o Estado pode pagar e, depois, o réu, se perder a ação, deverá ressarcir. É uma opção, eu brigaria por isso aí. Ele disse que não era por aí também não. Enfim, eu inventei mais
algumas saídas lá e não consegui achar a solução. Aí ele viu que eu não ia
resolver a questão e passou para a próxima. É claro que eu não fui reprovado
por isso, mas a minha pontuação não foi excelente. Aí vejam que curioso: anos
depois, eu estava com a minha esposa no carro – ainda não era minha esposa
na época – eu estava em Volta Redonda, e eu me lembro que na época havia
uma discussão sobre a inversão do ônus da prova, como ocorre no Direito do
Consumidor, para essa situação. Ou seja, inverter o ônus da prova, mas aqui no
aspecto processual e financeiro. Pelos princípios ambientais você fará com que
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aquele infrator – ainda que o seja de modo presumido – adiante o valor da
perícia – você inverterá o ônus. É você quem alega mas é ele quem vai pagar –
inverter o ônus da prova financeiramente para que ele pague. O cara queria
que eu dissesse isso; ele queria ouvir isso de mim. Mas eu, no carro com a
minha esposa, pensando em outra coisa, não sei o que deu na hora: Caramba, é isso o que ele queria ouvir! Isso aconteceu anos depois, eu não estava
falando com ela sobre Direito, aquele assunto estava ali no fundo da consciência, e foi ali que eu, lembrando da prova oral, anos depois, cinco ou
seis anos depois, falei: Ah tá, era isso o que você queria ouvir, não é? Agora eu já sei! É interessante: nem sempre você tem a resposta; às vezes ela chegará
anos depois. Você tem que juntar os dados. Eu não juntei A com B – na época,
no fundo eu não sabia dessa teoria, eu não sabia mesmo. Eu não imaginava
que fosse isso aí. Eu soube depois da teoria, e depois ainda eu juntei A com B.
Então nem sempre você vai saber tudo, nem sempre você vai conseguir ter
controle de tudo, não tem jeito.
Uma outra coisa interessante nessa prova oral do MPMG
foi o seguinte. Tinha lá um sujeito da banca examinadora com um livro de
doutrina, era um resumo, desses resumões que estão famosos hoje, e a gente
achava aquilo muito engraçado. Por quê? É um membro da banca, poxa. É o
cara que sabe, é o cara, não é? É o cara que sabe o negócio. E está lá com um
resumão do lado dele, exibindo orgulhosamente aquele resumo. Enquanto
outros estão lá com tratados, compêndios, ele estava lá com um resumão!
Esquisito isso aí, não é? E a gente não sabia como reagir a isso aí. Porque você
pensa: será que ele está querendo enganar a gente? Ele quer falar que sabe
pouco – é um senhor mais antigo na carreira –, para enganar a gente, para a
gente relaxar e para ele então enfiar a faca? Ou será que ele de fato é modesto
e humilde e vai se sentir ferido por uma resposta mais bem dada? Também tem
isso, não é? O cara que é muito humilde, domina apenas o feijão com arroz, se
você quiser falar bonito com ele, ele vai te cortar! Ele é quem manda ali! Então
isso foi um mistério para a gente. A gente não sabia que reação ter perante ele.
Valia mais a pena ficar no feijão com arroz ali e não pisar muito fora.
Em uma outra banca a pessoa tinha um caderno
brochura, com perguntas escritas à caneta, e ela perguntava, como se fosse um
ditado mesmo: O que você tem a dizer sobre isso? E olhava assim para você,
por cima do caderno, e você tinha que responder. Fale sobre a classificação de não-sei-quem. E aí ela olhava assim e você falava: Segundo não-sei-quem... Era
muito engraçado! Era muito singelo aquilo, não tinha nenhuma maldade
naquele negócio.
Em uma outra banca eu já fiquei um pouco intimidado.
Cada banca era composta por duas pessoas. Nessa banca, um deles tinha a
cara de mais bravo, de inquisidor, e o outro era mais amigável. Houve
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perguntas sobre Direito Econômico, Direito do Consumidor – era uma banca de
legislação especial. Eu sei que eu fui respondendo e a prova acabou durando
um pouco mais que as outras. Eu fui ficando à vontade com eles, fui relaxando
e fui baixando na cadeira. Quando eu menos percebi eu já estava bem à
vontade. Aí o mais amigável olhou para mim – eu não percebi que eu estava à
vontade – e disse: Por favor, o senhor queira se recompor na cadeira. Eu logo
percebi, voltei à postura formal, e pedi desculpas. Eu fiquei muito sem graça
por perceber aquele estado meu. Eu estava muito à vontade ali, eu estava
sabendo as questões, e eu relaxei mesmo, eu estava relaxado ali, como quem
está em casa conversando com amigos. E aquilo me grilou tanto, eu fiquei a
semana inteira, até o resultado final, me perguntando: Será que aquele cara vai
me ferrar? Será que ele vai me tirar do concurso por isso? Porque, de fato, é
uma postura meio esquisita, não é? Você está ali na banca, de terno, naquele
ambiente formal, e, poxa, relaxado como quem está achando tudo muito bom.
Eu realmente fiquei com muito medo disso, de não passar por isso. Mas no final
das contas eles me aprovaram e não tive nenhum problema com isso.
No Ministério Público Federal a prova oral é mais ou
menos assim também. É uma sala, onde cada banca ocupa uma mesa, e você
fica circulando de mesa em mesa e vai passando por todos os carrascos e
tomando tapas, não é? Eu não posso dizer que é mais tranquila e nem que é
mais difícil. É uma prova tranquila também. Não tem muitas surpresas. E lá, em
especial, é mais previsível. Por quê? O nosso edital do MPF vem por tópicos.
Então cada disciplina tem 20 ou 25 tópicos e cada tópico tem três itens. Na
hora da prova oral eles sorteiam um dos itens – eu não me lembro se é um dos
números, com três itens, ou se é uma das alíneas – sorteiam um tema e você
terá ou que dissertar oralmente sobre aquele tema ou terá que responder a
perguntas sobre ele.
Eu me lembro que o subprocurador membro da banca de
Direito Civil e Processo Civil sorteou um tema de registro civil e um outro de
ações possessórias e ele me mandou falar sobre isso: Ah, então fale sobre o que você sabe sobre isso aí. Sobre o tema das ações possessórias eu sabia – eu
tinha lido muito sobre isso. Eu li em Direito Civil e em Processo Civil. Eu sabia
tudo, não é? Sabia das três ações, dos graus de ataque à posse, tudo na
cabeça. Mas na hora não saíam os nomes das ações! Eu me esqueci deles na
hora da prova! Eu expliquei para ele: Olha, eu sei quais são as ações... –
expliquei com muita calma – … sei que elas variam de acordo com o ataque à posse: em uma delas o ataque não aconteceu ainda, em outra o ataque já aconteceu, mas não se completou, e na outra a posse já está perdida, mas eu me esqueci os nomes, mas são essas aí que o senhor bem sabe... Apesar disso
eu passei bem nessa matéria, mas o branco às vezes vem mesmo.
É uma hora muito solene. Vocês sabem que o prédio da
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PGR parece um disco voador, é muito bonito, não é? E eu estava lá dentro
daquele negócio ali, é um negócio muito bonito. E eu estava li naquele lugar
maravilhoso, eu estava na prova oral do MPF, no primeiro concurso que eu fiz
para a PGR. É uma situação que geralmente deixa as pessoas um pouco mais
nervosas, mais tensas, não é? Então a última coisa de que eu me lembraria ali
seria o nome das ações possessórias. Eu não me lembrei mesmo!
O outro cara da banca – era a banca de Direito
Financeiro e Tributário – fez uma pergunta sem pé nem cabeça: Vem cá, como é a importação de peças de aeronave? Que tributos incidem sobre a importação desse produto? Eu não tinha a menor noção de como era isso aí. Eu respondi
como eu achei que tinha que responder, mas eu não tinha nem noção se eu
tinha acertado ou não. E ele fez também outras perguntas que eu soube
responder. Mas tem sempre o folclore das provas orais, e não tem como
escapar dele.
Em geral é isso: você tem que manter a calma, tem que
dominar um pouco os temas. No MPF você tem que saber que pode cair para
você um tema que será pura surpresa. Há vários itens ali e na sua prova oral
pode ser aquele, entendeu? Você tem que dominar mais ou menos a coisa. No
meu concurso foi interessante porque os candidatos que foram para a prova
oral conseguimos nos reunir por e-mail, e nós dividimos o programa inteiro do
concurso entre os candidatos – éramos um pouco mais de noventa pessoas –, e
cada um ficou com três tópicos para resumir e mandar para o grupo. Então nós
conseguimos fazer várias apostilas com um resumo de todos os tópicos. Porque
era mesmo uma surpresa. Poderia cair para você ali um item que você nunca
viu na vida. Vocês podem ver o programa do 25º Concurso, que está disponível
aí, e verão coisas ali que, meu amigo, é difícil! Você nunca mais os verá na
vida! Só nesse concurso mesmo. Então isso foi importante para a gente saber
bem sobre temas sobre os quais nós não tínhamos muita ideia, para você ir
com alguma coisa para falar, alguma nuance, alguma classificação, algum
indício de conhecimento sobre aquele tema.
Mas diante de tudo isso aí, eu ainda olho para trás –
como eu falei, já se passaram oito, nove anos, de tudo isso aí, em alguns casos
mais de dez anos – e fica sempre alguma coisa que faltou entender. Eu ainda
não entendo muito bem o que é que de fato me tirou daquela situação, um
menino normal ali, pô, e num concurso com vinte mil candidatos, passam
noventa e eu estou ali entre eles! É claro que eu estudei muito, ralei demais, foi
muito difícil, mas ainda falta alguma coisa que eu não sei explicar, sabe? Faltam
alguns elos. É engraçado pensar sobre isso! Parece que foi algo que Deus me
deu de graça! Ele me mostrou o caminho, e eu o fui seguindo, mas chegou uma
hora em que eu não sabia o que fazer – talvez nem soubesse que tinha algo a
fazer –, uma hora em que eu não dominava a situação, uma hora em que eu
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não sabia o que estava acontecendo mesmo, e foi ele quem me levou.
Porque, olha, essa mania de controle que nós temos –
alguns têm mais, outros têm menos –, mania de controlar, mania de saber tudo
– claro, o concurseiro tem que ter essa mania de controle, ele tem que saber
tudo mesmo, e um pouco mais –, isso é só uma meta, é só um anseio, você
nunca chegará a esse conhecimento absoluto. Não tem jeito. E mais: algumas
coisas nesse trajeto são imprevisíveis, não é? Há situações que podem te surpreender no meio do caminho: você pode se apaixonar, você pode se casar!
E aí, como é que fica o seu programa que estava em andamento? Você pode ter
que mudar de cidade, em razão do emprego. Você pode desistir e querer outro
concurso, e aí terá que pegar o programa e adaptá-lo. Tudo isso pode acontecer.
E nesse meu trajeto houve algumas mudanças, e eu de fato fico me
perguntando de onde veio essa força. Coisas imprevisíveis que eu não estava
preparado para superar, que eu não sabia como superar, mas que eu nem
percebi e passei por aquilo tranquilamente – hoje, olhando para trás, eu vejo
que passei por muitas dificuldades da vida sem sequer percebê-las, certamente
porque Deus estava do meu lado, me levando pelas mãos. E essa é décima
lição: Diante do imprevisível, contei com Deus.
Eu fico pensando às vezes: é como aquela criança que
passa o dia brincando, fazendo o dever de casa, e dorme na sala, com os pais,
vendo televisão. Ela, inocente, não foi para a cama. Quem carrega ela para a
cama é o pai, não é? A mãe prepara a cama dela e o pai pega ela no colo e a
leva para a cama – e ela nem percebe, ela nem sabe, ela nem viu isso aí, não
é? O pai dela dá conta de tudo, tranca a porta da casa, confere o gás, coloca o
despertador; a mãe passa a roupa dela, prepara o café da manhã – e esses
cuidados nem passaram pela cabeça dessa criança! Ela nem sabe que a vida, a
saúde, a segurança e o conforto dela dependem desse pai e dessa mãe – tudo o
que ela fez foi brincar, fazer o para casa e dormir na sala. Aí ela acorda no dia
seguinte, restabelecida, descansada e pronta para o novo dia, para novos
desafios, brincadeiras e aprendizado.
E quando eu penso nisso tudo eu vejo que é como se eu
fosse essa criança que cumpriu o seu papel, fez o seu dever de casa, brincou
um pouco, se divertiu – isso foi divertido mesmo, eu olho para trás e acho muita
graça –, mas chegou o momento em que eu dormi na sala mesmo, eu não tinha
noção do que estava acontecendo nesse fundo muitas vezes incontrolável das
nossas vidas, eu não tinha controle da situação – eu não estou dizendo que
houve desespero, não é isso! Mas tem coisas que você não vai controlar, não é?
Não é você que vai resolver aquilo. Você é incapaz mesmo, você não está
pronto para aquilo e muitas vezes você sequer sabe que tem um problema ali
para você resolver.
É como se eu fosse essa pessoa, essa criança que
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dormiu ali na sala e de fato tinha uma cama pronta para ela dormir, e é Deus
quem pega você nos braços e te leva para a cama, foi Ele quem me deu a
segurança. Na época eu não era religioso (eu me converti à Igreja Católica há
pouco tempo; eu fui batizado quando criança mas fiquei longe da Igreja por
muito tempo), mas eu sempre rezei em casa. E eu olho para trás e sinto isso:
que foi Ele quem me pegou pelas mãos, me pôs na cama, para descansar
mesmo, e cuidou de tudo o que era necessário enquanto eu estava ali meio
adormecido, enfim, foi Ele quem coroou mesmo essa vitória, me colocou ali,
onde eu descansei – e eu já acordei adulto, no susto, descansado, e pronto para
a batalha, para esse desafio que é o Ministério Público.
A mensagem que eu tenho a dar para vocês a esse
respeito é essa: façam o que vocês têm de fazer mesmo, mas não adianta:
haverá alguma coisa ali que você não conseguirá suprir – e às vezes você nem
saberá o que é! Às vezes é isso, um artigo que cai nas suas mãos na hora certa,
na véspera da prova! Poxa, não foi você que foi atrás, o artigo chegou às suas
mãos! Você tem que reconhecer isso aí! Você não é gênio a ponto de descobrir
o que vai cair na prova. Caiu nas suas mãos, foi um presente. Está lá na sua
mão um artigo da Human Rigth´s Watch, e aí? Como é que é isso aí?
No concurso do MPMG eu não me lembro de nenhum
fato surpreendente – é claro que houve ação divina, lógico, mas não tem
nenhum fato surpreendente. No MPF houve. Realmente se não fosse esse artigo
eu não tinha passado, não tinha passado mesmo.
Então é isso. É preciso contar com essa válvula de
escape para o transcendente, que é Deus, que é o Infinito, o Insuperável. Você
vai ter que ter isso aí com você. Você não vai conseguir passar sozinho, tem
que ter os amigos, tem que ter família, se possível a seu favor – às vezes não é
possível, não é? Se não for possível, você se mantenha um pouquinho ali, e às
vezes fuja da família para estudar. Isso também funciona. Mas é importante
saber qual é a sua parte e qual é a parte de Deus – porque Ele tem a parte dele
também.
Então, pessoal, essa é a minha história.
Com essa exposição a gente encerra o nosso Ciclo de
Palestras e eu fico à disposição para perguntas, outras questões que vocês
tenham, algum comentário, alguma dúvida sobre essa minha trajetória. Eu
queria agradecer muito à Lúcia, por estar todos os dias aqui com a gente, e
fazer parte desse Ciclo de Palestras – e também à Lígia, minha estagiária, que
está fazendo e digitando os resumos das palestras. Eu espero que esse ciclo se
repita no próximo semestre. Eu não estarei aqui no próximo semestre, pois eu
farei uma permuta com um colega de Minas Gerais, mas eu espero que esse
espaço aqui se multiplique, pois ele foi muito importante. Esse espaço aberto,
esse diálogo com os estagiários e com os servidores é muito importante. A
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gente estava precisando disso aqui. Porque, enfim, a gente aprende muito um
com o outro.
Então é isso!
Comentário da plateia: Eu só quero complementar a fala do Dr. Bruno, eu há vários anos trabalhei com estágio. E eu sempre tive relação com o estágio. E já comentei isso com o doutor, que eu sempre achei que esse tipo de evento não é apenas importante, mas sim essencial para o desenvolvimento do estagiário. Porque ele chega sem praticamente conhecer o órgão, vem muito imaturo, mesmo porque nem o curso ele encerrou ainda. E eu sempre tive isso muito claro dentro de mim, que isso faz parte realmente do processo de aprendizagem do estágio. E eu falei com o Dr. Bruno, quando ele comentou comigo a respeito dessa iniciativa, que eu a achava muito louvável, porque era uma expectativa que eu tinha dentro de mim, em relação a qualquer estágio, e principalmente aqui dentro eu acho que tinha que ser feito isso. E eu deixo o meu depoimento de que eu o parabenizo pela iniciativa. E sempre falei com eles, quando eu dou posse para eles, quando eles chegam no primeiro dia, que aproveitem mesmo, é ou não é? Porque tem a parte da faculdade, tem a parte da instituição, mas principalmente tem a parte de vocês estagiários. Então é isso.
Pergunta da plateia: O doutor não sente uma pontinha de saudade da atividade de dia-a-dia do Ministério Público estadual?
Exatamente, esse era um ponto que eu gostaria de ter
abordado, mas acabei me perdendo. Eu sinto muita falta mesmo! Eu tenho
muita saudade da época em que eu era promotor de justiça! Muita saudade!
Era muito gostoso aquilo! E foi muito bom também estar no MPF em outras
cidades. Aqui em Campinas a atividade é muito específica, não é? A gente só
trabalha com o criminal – eu estou na parte criminal aqui. Mas mesmo no MPF,
eu já trabalhei em lugares onde eu, de fato, atuava na parte de tutela coletiva,
e era muito dinâmico. Aqui eu tive esse azar, os crimes são muito técnicos e
você quase não vê os atores do processo, e isso por um lado é muito ruim. Tem
gente que gosta disso, tem gente que adora esse trabalho. Mas eu sinto falta
daquele trabalho do MPE. Esse é um dos motivos pelos quais eu estou voltando
para Minas. Eu vou para uma PRM de dois procuradores e eu espero que eu
fique mais satisfeito. Lá eu pegarei os casos da vida real, não é? Eu verei as
pessoas, eu atuarei em campo mesmo. Mas em especial o MPMG para mim foi
muito importante. Eu aprendi demais lá. Eu fiquei um ano lá e aprendi muito
mesmo. Eu tenho muitas saudades daquele tempo.
Eu não sei se estaria satisfeito se ainda estivesse lá. Eu
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tenho colegas que passaram comigo no MPMG, que passaram antes de mim,
que passaram depois de mim, e que estão no MPF hoje. Mas eu não sei, essa é
uma dúvida que eu levarei para o túmulo. Se seria melhor ter ficado, se seria
melhor ter vindo. Mas eu tenho muita saudade mesmo. Foi muito gratificante o
trabalho lá, eu aprendi muito. Eu sempre morei na capital, em Belo Horizonte,
sempre morei em apartamento – como se diz, menino criado em apartamento –
e fui para uma cidade de quinze mil habitantes onde eu era promotor de justiça
e tinha muito poder nas mãos, não é? Eu aprendi muito, bati muito a cabeça.
Em me desiludi muito também: a gente chega lá achando que vai mudar a
cidade, não é? Esta cidade está agora sob as minhas mãos! Existem as leis e existem os fora-da-lei! Mas eu fui vendo – eu até já lhes falei sobre isso – que o buraco é mais embaixo. Você quer mudar tudo mas nem tudo pode ser mudado
por você naquele momento. Inicialmente eu me frustrei muito com isso aí, mas
eu fui aprendendo, eu fui vendo qual era realmente o lugar do promotor de
justiça. É de fato uma atuação que tem que ser em conjunto com a sociedade,
você tem que ir mais ou menos entendendo como é que funciona o fluxo social,
como é que os anseios e as expectativas funcionam ali dentro, para você ir
entrando e conseguir apertar o botão certo. Porque nem sempre você vai
chegar com um murro e vai resolver. Eu aprendi isso lá. Porque, é claro, você
passa no concurso, está com o poder nas mãos, com as leis todas, e acha que é
só aplicá-las. Mas não é assim! Eu tenho muita saudade dessa época, que foi de
muito aprendizado. E foi uma época de muito contato humano também. Eu tive
a felicidade de ter um juiz comigo, um gaúcho, o José Henrique Mallmann, que
era socialmente muito ativo. A gente, por exemplo, chegou a organizar uma
ONG ambiental lá em Águas Formosas, MG, a gente plantava junto com a
população nas margens dos rios, fazendo a recomposição das matas ciliares,
preservação de nascentes, fazíamos passeatas ecológicas com os alunos das
escolas – juntávamos os órgãos ambientais, IEF, Feam, Ibama e foi bem
interessante. A coisa durou um tempo depois que eu saí de lá, mas hoje não
existe mais.
Mas aconteceu o seguinte: eu passei nos dois concursos
ao mesmo tempo. Os resultados saíram no mesmo dia, em 05 de dezembro de
2003, que foi o dia mais feliz da minha vida até então. E eu tive que escolher.
No MPE eu já podia entrar direto, porque eles pediam um ano de formatura ou
de experiência. Eu já tinha feito estágio, já tinha sido oficial do Ministério
Público. Somando tudo eu já tinha tempo suficiente para entrar. Então eu tomei
posse e entrei direto. O MPF pedia dois anos de formatura – não eram dois anos
de experiência. Então eu teria que esperar de um modo ou de outro. Então eu
entrei no MPMG, fiquei lá um ano e pouco e fiquei de decidir se ia ou se não ia.
Era muito difícil decidir por não ir, não é? Um concurso difícil como esse.. eu
estava gostando demais da cidade. Mas um concurso como esse é uma vez na
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vida e outra na morte! Então a chance estava aberta e eu resolvi entrar. Eu não
me arrependo não, mas eu tenho muita saudade. Se houvesse a possibilidade
de fazer um intercâmbio eu voltaria por um tempinho lá para fazer alguns júris
– eu tenho muita saudade do Tribunal do Júri, que era bem interessante.
Comentário da plateia: Eu acho que a tutela vai devolver um pouco... (inaudível)
Talvez devolva!
Pergunta da plateia: O senhor, que teve a oportunidade de passar nos dois, tanto no estadual como no federal, o senhor acha que a gente, que está começando agora, que vai ainda delinear qual caminho quer, é importante ou é necessário escolher se vai ser na área federal ou na estadual, porque muda muito as matérias, ou o senhor acha que não, que a gente tem que estudar tudo, qual é a sua impressão sobre isso, já que o senhor conseguiu os dois?
Olha, o meu enfoque foi mesmo no MPMG, que era o que
eu queria. Agora você há de convir que não há muita diferença na essência do
cargo: é um cargo acusador, fiscal da lei. Nesse caso eu não tive muito
problema. Havia algumas matérias específicas do MPF – e eu tive que estudá-
las também. No meu caso eu não passei por esse dilema de ter que escolher.
No meu caso eu acho que valeu a pena mesmo focar no MPMG e estudar para o
MPF o que faltava. Eu não tive um problema muito grande. Agora, estudar para
o concurso de juiz de direito e para o de juiz federal já é muito diferente. Eu não
saberia dizer se vale a pena se direcionar para um ou para outro ou se vale a
pena ficar entre os dois. Eu não sei mesmo dizer.
O que importa saber é que se você abrir um leque muito
grande será difícil. Se você quer ser delegado, AGU, juiz ou promotor – e se
puder também alguma outra coisa –, você não vai conseguir se centrar, entendeu? Agora se você está disposto a ser MP mesmo e quer chegar um dia
no MPF, eu acho que vale a pena investir no MPE, que tende a ser um pouco
mais fácil – é difícil, mas tende a ser mais fácil – e aí quando abrir o MPF você
tenta. Eu não acho que tenha algum risco – o risco é você gostar de ser
promotor de justiça e querer ficar no MPE!
Eu não sei se eu faria o MPF de novo se ainda estivesse
no MPMG. Eu tive colegas que fizeram, já estavam lá exercendo o cargo,
tentaram o MPF e passaram. Mas eu não sei se eu teria feito isso aí. Não sei
mesmo.
E não sei se vale a pena focar em um só. O risco de focar
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em um só é aquele negócio: podem ter pedras no caminho que você não vai
perceber. Então o cara só quer ser juiz federal. Pô, às vezes você não
conseguirá, pois pode haver alguma coisa intransponível que você não está
conseguindo ver, algum obstáculo que você não consegue superar naquele
concurso. Entendeu? Ou então o tempo vai passando, abre um concurso aqui e
você não passa, abre outro e você não passa. E aí? Você tem que se definir, não
é, de algum modo! Então, eu não sei dizer sobre isso aí. Como tudo na vida, até
isso aí é um desafio: focar em um só ou abrir o leque.
Como você percebeu, eu fiz a AGU. Eu fui procurador
federal da AGU durante um ano e meio. Era muito trabalhoso o cargo. Eu estava
no JEF – Juizado Especial Federal em Minas Gerais, onde tinha muito trabalho.
Mas eu consegui não me vincular emocionalmente ao cargo. Eu fazia as coisas
direitinho, mas eu não amava o cargo. Então o meu coração estava nos
estudos. Eu saía de lá quase todos os dias 15h – às vezes tinha que ficar até
mais tarde, tinha muitas audiências, fazer carga de processo, devolver
processo. Eu chegava lá de manhã bem cedo e ficava até às 15h, e passava o
resto do dia e a noite inteira estudando. Então depende do que você quer de
verdade. Pode ser que você precise trabalhar e valha a pena você investir em
outro concurso mais fácil para você se manter durante esse tempo. Isso vale
muito a pena.
Eu me lembro que durante as férias de faculdade e de
trabalho eu rendia muito menos nos estudos. Mas muito menos mesmo. Eu não
sei o que acontece, eu não sei. Eu estudava menos tempo do que quando
estava no trabalho – me dava uma lombeira. Isso é engraçado, viu?
Se você pode ter um trabalho de meio horário, de seis
horas, é melhor. Ou um cargo em que você não precisará bater ponto e vai
conseguir fazer o trabalho bem feito em um tempo razoável. Por exemplo, na
AGU eu fazia o trabalho em mais ou menos cinco horas. Eu estava no JEF e o
trabalho era volumoso mas era muito repetitivo. Então eu consegui me
desvincular emocionalmente dali para estudar em casa. Então depende muito
da situação. Depende muito mesmo. Cada caso é um caso, e você tem que ir
sondando isso aí.
Pergunta da plateia: Agora, uma curiosidade, doutor, em relação ao seu dia de estudo. O senhor pegava duas ou três matérias e estudava simultaneamente. Como é que o senhor dividia?
O que eu fiz foi isso, eu falei desses resumos que eu
fazia. E eu criei um quadro em uma folha A4 onde eu punha as matérias e tinha
as etapas. Eu fazia um resumo com base em um livro, depois eu ditava e
transcrevia no computador e depois eu fazia ainda com o segundo livro, e
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transcrevia. Então eu tinha as etapas. Eu ia marcando de acordo com a
afinidade do dia. Eu não ficava uma semana, por exemplo, só em Direito
Constitucional. Eu não fazia isso. Isso aí cansa um pouco a cabeça. Eu variava
muito. Eu me lembro que eu variava por dia, eu não me lembro de pegar duas
matérias em um mesmo dia. Cada dia eu mudava um pouco. Eu pegava até um
tal ponto em Constitucional, no dia seguinte era Direito Penal, aí eu marcava na
tabela até onde tinha ido, no dia seguinte mudava para outra matéria. Dessa
forma eu tinha o panorama completo ali naquela folha, ou em algumas folhas,
de acordo com o caso.
Sobre o tempo de estudo. Isso variava demais. Acontecia
de eu estudar entre o estágio e o trabalho, eu às vezes matava algumas aulas
na faculdade que não valiam a pena. Por exemplo: Direito do Trabalho – pô,
ninguém aguenta isso, não é? Eu saía da aula mesmo! Eu nunca fui de colar e
nunca colei na vida. Eu tinha horror ao pessoal da cola. Eu acho um
contrassenso o pessoal que gosta de se enganar – eu realmente não conseguia
entender o que estava acontecendo ali naquele grupinho. O que será que era tão interessante naquele negócio ali? Mas, por outro lado, eu quase não assistia
às aulas de Direito do Trabalho, e nas vésperas da prova eu lia um pouco os
resumos e fazia só o suficiente para passar. Não gostava de jeito nenhum dessa
disciplina. Então eu matava algumas aulas, quando não tinha aula eu ia para a
casa, ou para algum lugar, estudar.
O horário variava muito. Às vezes era a tarde inteira, às
vezes era a noite inteira. Mas nunca menos que uma hora e nunca mais que
cinco. Muito pouco tempo você ainda não esquenta para pegar a coisa, e muito
tempo você começa a não entender muito, começa a ficar cansado, o corpo
cansa e você passa a não entender mais.
Outra coisa: eu nunca fiz cursinho, nunca mesmo. Eu não
sei se eu devo aconselhar a fazer ou a não fazer. Mas no meu caso foi muito
legal não ter feito. Eu nunca fiz, mas eu assisti a uma ou a duas aulas em
cursinho. Na época da prova oral do MPMG, os cursinhos de Minas – na época
havia dois mais famosos, que eram o Praetorium e o A. Carvalho – ficavam
caçando os candidatos para fazer aulas gratuitas com eles. Para quê? Para eles
divulgarem o nome do cara: dos vinte aprovados, dezenove são do A. Carvalho – e muitas vezes o cara pisou lá apenas uma vez! Então nessa fase da prova
oral eles convidam os candidatos a assistirem às aulas deles. E nessa fase isso
pode ser importante. Por quê? Porque nessa fase o membro da banca pode
perguntar coisas de que você não suspeita. É bom conhecer o que ele está
lendo, é bom conhecer a linha de trabalho dele. É só no cursinho que eu
consegui ter acesso a isso. Eu não tinha nenhum passarinho verde para me
contar. Os caras dos cursinhos eram colegas de trabalho deles. Eu nunca vi
nenhum tipo de tráfico de influência nesses casos, claro, ninguém contava o
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que iria cair nas provas. Mas eles falavam coisas do tipo: Ah, olha, hoje eu estava lá na PGJ e eu vi Fulano de tal, membro da banca, com o livro de não-sei-quem debaixo do braço. Entenderam? Então a gente sabia que o cara
estava lendo o livro de não-sei-quem. Já era um dado importante para você
sondar a linha dele. Às vezes ele poderia estar querendo enganar, não é? Pode
ser que estivesse dando uma pista falsa. Mas era importante saber disso. Então
eu fui assistir a essas aulas da prova oral. Uma ou duas. Eu não sei se valeu a
pena. Mas eu estava mais seguro, porque eu sabia que estava junto com os
outros, não é? E isso foi de algum modo importante. Nessa fase não dá para
você ir sozinho não. Você tem que ter as informações do que corre ali dentro –
informações lícitas, diga-se de passagem.
Eu não fiz cursinho, mas eu sei que o ambiente do
cursinho, se por um lado parece engraçado – tem piadinhas –, tem excelentes
professores, os caras dominam mesmo a matéria, sabem tudo; você vai no
cursinho e os professores são dinâmicos, usam muitos gráficos, setas e etc –,
mas no longo prazo o negócio começa a ficar depressivo. Há muita gente que
está ali há seis, sete concursos tentando, e não passa, não passa e não passa.
Aí você vê que a pessoa passa a ser especialista em aulas de cursinho: ela sabe
tudo sobre aquilo, sabe em que aula o professor deu aquilo, sabe qual é o
programa do professor, sabe todas as piadas que o professor conta – ela só não
sabe passar no concurso. Ela fica meio assim – eu não sei o que é. Eu vi
pessoas assim: pessoas que ficaram viciadas em cursinho.
E eu ficava pensando assim: eu vou lá para o cursinho,
aí eu tenho que ir de ônibus ou de carro, já é meia hora, até a aula esquentar, mais meia hora. Pô, uma hora de estudo é muita coisa! Aí tem o intervalo, tem
o papo com os amigos, tem a fofoca. Olha, isso é muita perda de tempo! Eu não
quis fazer por isso. Pois eu estava ali em um ritmo muito forte. Mas isso é
importante: eu estava sabendo o que eu estava fazendo, eu estava consciente
do que eu estava fazendo, eu não estava perdido no programa. Eu tinha um
programa certo a cumprir, um programa que tinha um cronograma certo, e
estava seguindo ele à risca, e isso me dava segurança – daí o título que eu dei
para a nona lição: Fugi da falsa segurança dos cursinhos preparatórios. E mais:
eu estava sempre em contato com pessoas que estava fazendo cursinho. Eu
não me isolei, eu não era contra e pronto. Eu estava em contato com eles.
Comentário da plateia: mesmo porque o cursinho tem uma atualização diária, não é, doutor? A coisa quente ali já está no cursinho.
Sim, quem dá aulas em cursinho geralmente sabe muito.
Eu dei aulas em cursinho uma vez, no Pará, na Escola da Magistratura do TJPA,
sobre Direito Eleitoral. Foram seis meses. Eu tive que estudar muito para dar
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esse curso lá. O pessoal sabe muito, os alunos de cursinho sabem muito, não é?
E o professor tem que saber tudo. Há perguntas que surgem do arco-da-velha.
De fato, há alunos que sabem muito. E o professor tem que saber muito
também. Então é assim: tem muita informação, mas eu não sei, na minha
situação eu acho que eu ficaria muito deprimido naquele ambiente, entendeu?
É um ambiente que tem algum tipo de faz-de-conta também. Eles prometem
muito. Prometem muito mesmo. E na verdade não depende só deles. Eles
prometem o que eles não podem fazer. Eles não podem passar o cara no
concurso, e a pessoa vai naquela ilusão, não é? Ela está no melhor cursinho da
cidade, ela está com os melhores professores, então ela acha que aquilo vale a
pena e será suficiente.
Eu me lembro que eu vi uma vez em um cartaz na
faculdade a divulgação de um cursinho preparatório de seis meses para o
exame da OAB. Aí alguém, uma boa alma, escreveu lá de caneta uma
brincadeira bem curiosa: Aprenda em seis meses o que você não aprendeu em cinco anos. Eu falei: É isso que é o cursinho, não é? O cara que durante cinco
anos não aprendeu, ou não aprendeu o suficiente, quer aprender tudo em seis
meses. Isso não vai dar! Ele pode ir no cursinho – é por isso que eu falo, eu não
vou desrecomendar -, mas ele vai ali só respirar aquele ambiente e tem que
sair dali o mais rápido possível! Aquilo ali não é vida, é só uma passagem,
aquilo lá é só um instrumento mesmo para sentir o que é um concurso.
Muitas pessoas não têm outra oportunidade de ter essa
experiência. Eu por exemplo fiz muitos estágios, tive um bom emprego na área
jurídica, onde eu estive perto das pessoas que faziam isso. Então eu mais ou
menos peguei no ar a coisa, eu não sei explicar como eu consegui pegar, mas
eu peguei aquilo no ar. Tem pessoas que não conseguem fazer isso e são
melhores em outra coisa. Então talvez o cursinho seja bom para elas. Para elas
sintonizarem no que é um concurso, sintonizar nas matérias, no que é novo, no
que é mais antigo, e é a base. Talvez seja bom. Mas há sempre o risco de viciar.
E você se revoltará, pois se você gostar muito você acabará ficando lá um, dois
ou três anos e vai ficar se perguntando o que aconteceu: Será que eu não consigo? É porque você está olhando para o lugar errado: você tem que olhar
para você mesmo, para dentro de você. É aqui, dentro de você, que está sua
vitória, não é no cursinho.
Mas eu conheço colegas que fizeram cursinho e que
creditam a sua aprovação ao cursinho. Então eu não tenho como falar: Não façam cursinho! Eu sei que eu não fiz e para mim foi muito bom não ter feito,
porque eu ganhei mais tempo para estudar em casa.
Muito bem gente? Então está bom. Até a próxima, então.
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1 Esta é a transcrição, com adaptações e alguns pequenos acréscimos, da palestra que fechou o Ciclo de Palestras para os estagiários e servidores da Procuradoria da República no Município de Campinas, SP, ocorrido entre fevereiro e abril de 2011. As notas de rodapé – muitas delas com referências pessoais – foram acrescentadas posteriormente ao texto.No início da palestra foi distribuído à plateia um pequeno recorte de papel, com o título Como consegui ser aprovado no concurso do Ministério Público, e com as seguintes lições: 1) Descobri o meu próprio valor. Não aceitei o consenso geral a esse respeito; 2) Com humildade, aceitei as minhas deficiências e trabalhei sobre elas; 3) Convivi com pessoas que chegaram ao objetivo que eu buscava; 4) Fortaleci minha vontade: certifiquei-me da minha vocação e trabalhei sobre a minha imaginação; 5) Encontrei o meu próprio método e montei minha própria bibliografia; 6) Fiz o reconhecimento do território (concursos públicos em geral) e sondei o exército adversário (as provas e a banca examinadora); 7) Tive amigos com os quais trocava ideias; 8) Preenchi o meu tempo com coisas úteis e saudáveis. Não temi a solidão; 9) Fugi da falsa segurança dos cursinhos preparatórios; 10) Diante do imprevisível, contei com Deus.
2 Procurador da República em Campinas, SP. Antes de assumir as funções do Ministério Público Federal, foi oficial do Ministério Público, procurador federal/AGU e promotor de justiça em Minas Gerais – onde atuou na Comarca de Águas Formosas, MG. No Ministério Público Federal atuou também na Procuradoria da República no Pará e na Procuradoria da República no Município de Volta Redonda, RJ.
3 Além do cursinho pré-vestibular Cromos, na Rua da Bahia, que durou duas semanas na virada do ano de 1996, também absorvi muito das aulas do 3º Ano Integrado do Colégio Batista Mineiro, em especial as dos professores Jair Kaeser (física), Ronier (química) e Ambrogina (matemática); e as de um cursinho de História, com duração de um semestre, que acontecia às segundas-feiras à noite no Colégio Padre Machado, ministrado pela excelente professora Maria de Fátima Martins Barbosa.
4 Segundo me recordo, para Jung, os pais têm a expectativa de que os filhos façam aquilo que eles próprios não conseguiram fazer de suas próprias vidas – e sobre a alma dos pequenos imprimem, desde o berço, essas expectativas.
5 O primeiro parágrafo do texto – texto que vale a pena ser lido na íntegra – é muito elucidativo: Desde os trabalhos de Cannon, percebe-se mais claramente sobre quais mecanismos psico-fisiológicos estão fundados os casos atestados em inúmeras regiões do mundo; de morte por conjuro ou enfeitiçamento: um indivíduo, consciente de ser objeto de um malefício, é intimamente persuadido, pelas mais solenes tradições de seu grupo, de que está condenado; parentes e amigos partilham desta certeza. Desde então, a comunidade se retrai: afasta-se do maldito, conduz-se a seu respeito como se fosse, não apenas já morto, mas fonte de perigo para o seu círculo; em cada ocasião e por todas as suas condutas, o corpo social sugere a morte à infeliz vítima, que não pretende mais escapar àquilo que ela considera como seu destino inelutável. Logo, aliás, celebram-se por ela os ritos sagrados que a conduzirão ao reino das sombras. Incontinenti, brutalmente privado de todos os seus. elos familiares e sociais, excluído de todas as funções e atividades pelas quais o indivíduo tomava consciência de si mesmo, depois encontrando essas forças tão imperiosas novamente conjuradas, mas somente para bani-lo do mundo dos vivos, o enfeitiçado cede à ação combinada do intenso terror que experimenta, da retirada súbita e total dos múltiplos sistemas de referência fornecidos pela conivência do grupo, enfim, à sua inversão decisiva que, de vivo, sujeito de direitos e de obrigações, o proclama morto, objeto de temores, de ritos e proibições. A integridade física não resiste à dissolução da personalidade social.
6 À professora de ICD não pode ser atribuída, com exclusividade, a culpa pelo fracasso de meu desempenho acadêmico naquele semestre.
7 Em sua composição mais famosa, a banda Silver Boys era integrada por Bruno Borges (baixos e vocais – por assim dizer), eu mesmo (guitarras solo e vocais – por assim dizer), Felipe Pinheiro (teclados, vocais – por assim dizer – e percussão), Fábio Borges (guitarras e vocais – por assim dizer), Raimundo (bateria).
8 Os shows que aconteciam nos restaurantes Mister Beef e Pau e Pedra, em Belo Horizonte.9 Trata-se do colega de turma Raphael Luiz Corrêa de Melo.10 Não fugiram da memória os seguintes: Nívia Mônica da Silva, Fábio Barbieri Caetano e Thereza Cristina Dias
Corteletti.11 Entre eles: Lucas Rolla, Eduardo Henrique Soares Machado, Tânia Regina Soares Machado, Cláudia Spränger,
Mário César Motta, Marco Antônio Borges e José Ronald Vasconcelos de Albergaria.12 Esse fato deve ser atribuído à confiança que depositava em mim o coordenador administrativo da Promotoria de
Justiça da Infância e da Juventude, Sérgio Bispo.13 Passei toda a minha infância no Conjunto IAPI, em Belo Horizonte, que disputava fronteiras com a Pedreira Prado
Lopes, favela próxima ao bairro da Lagoinha.14 A palavra bagagem está na moda, mas não é adequada para simbolizar o verdadeiro conhecimento. O verdadeiro
conhecimento não pesa nas costas e é verdadeiramente incorporado na pessoa. O conhecimento simbolizado pela bagagem é geralmente pesado, limitado, pode prejudicar a saúde, e sobretudo não faz parte do patrimônio pessoal do indivíduo, pois não está verdadeiramente incorporado a ele.
15 Evangelho Segundo São Lucas 14:31-32.16 Entre eles está o inconfundível Frank Gonçalves Nery.17 Em latim: idem velle idem nolle.18 Lembro-me, especialmente, dos prof. Bruno Wanderley e Florivaldo Dutra de Araújo.
19 Eu havia requerido a inscrição nos quadros da OAB-MG, com base em uma norma regimental que tratava dos procuradores federais já empossados na AGU. Como eu ainda não dispunha do certificado de colação de grau, meu requerimento foi indeferido. Seguiu-se um recurso de ofício para a Câmara de Julgamentos. Nesse meio tempo, fiz o exame de seleção e fui aprovado. O meu processo foi colocado em pauta por duas ou três vezes. Após ausência do relator em uma das sessões e pedidos de vista em outras, acabei comparecendo à última sessão, onde um dos conselheiros queria efetivamente uma investigação geral e irrestrita da situação de todos os procuradores federais da AGU lotados em Minas Gerais, e para tanto solicitou ao relator a expedição de uma grande variedade de ofícios – requerimento cuja implementação efetivamente deixaria o meu processo em aberto até a consumação dos séculos. Com a importantíssima ajuda do conselheiro Moacir Lobato de Campos Filho, com a presença e o apoio moral do advogado Carlos Alberto Santos Azevedo, amigo do meu pai, e após breve e emocionada sustentação oral que eu mesmo fiz, conseguimos efetivamente dissuadir o intrépido conselheiro de sua sanha persecutória, com o que eu consegui finalmente o deferimento de minha inscrição.
20 Lembro-me com muita saudade – e, hoje, com alívio – das dificuldades que passamos na então recém-instalada agência do INSS de apoio ao Juizado Especial Federal de Belo Horizonte. Trago boas lembranças dos colegas Geraldo Magela Ribeiro de Souza (que se dispôs, com o desprendimento natural das boas almas, a aliviar, na época das provas subjetivas e orais, o pesado fardo de processos e audiências que eu então carregava), Jamerson Vieira, Marcelo Caldeira França, Sérgio Vecchio Salomon e Daniela Maria Baêta Scarpelli.
21 Em uma das salas do concurso, o amigo e candidato Raphael Corrêa perguntou, sem rodeios, ao examinador, que na ocasião fazia uma prudente visita de inspeção nas salas: Então, professor, eu tenho uma dúvida sobre uma das questões: o que é essa tal de supressio?
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