View
215
Download
2
Category
Preview:
DESCRIPTION
Contribuição - Do Conceito à Definição
Citation preview
CONTRIBUIÇÕES: do conceito à definição
Igor Danilevicz
(...) será que tanto os gêneros como as espécies, enquanto são gêneros e espécies, têm necessariamente de ter alguma coisa subordinada através da denominação ou se, destruídas as próprias coisas denominadas, então o universal poderia constar da significação da intelecção, como este nome “rosa” quando não há nenhuma das rosas às quais é comum.(...) a solução é esta: que nós, de modo algum, admitimos que haja nomes universais quando, tendo sido destruídas as suas coisas, eles já não são predicáveis de vários, porquanto nem são comuns a quaisquer coisas, como o nome da rosa, quando já não há mais rosas, o qual, entretanto, ainda é então significativo em virtude da intelecção, embora careça de denominação, pois, de outra sorte, não haveria a proposição: nenhuma rosa existe.
Pedro Abelardo, Logica “Ingredientibus” (1079-1142)
Resumo: Este artigo procura abordar o problema da natureza jurídica da contribuição a partir da
vigente Constituição da República. O texto inicia estabelecendo o critério metodológico. Nesse
particular propõe e justifica um enfoque que aborde a questão da análise da linguagem apenas como
um meio para alcançar a essência da exação como um fim. Na investigação da essência das
contribuições é adotada uma linha que valoriza uma teoria finalística do Direito Tributário segundo
uma abordagem na dimensão lógica, particularmente quanto à distinção entre conceito (compreensão e
extensão) e definição. Estabelecendo neste momento o encadeamento lógico entre os termos
exacionais para identificar o gênero mais remoto e a espécie mais específica.
Palavras-chave: Tributo. Contribuições. Natureza. Nominalismo. Essencialismo. Gênero. Espécie.
1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
O presente artigo tem como tema a natureza das contribuições a partir da realidade
posta pela Constituição da República.
Diante das diversas possibilidades de enfoque sobre esta parte da realidade, optamos
por examinar o problema da natureza jurídica das contribuições através do ângulo dos
Professor Adjunto de Direito Tributário – UFRGS e PUCRS. Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Doutor em Direito – UFRGS. Membro instituidor da FESDT. Advogado Tributarista. e-mail: igor.danilevicz@ufrgs.br
conceitos de tributo e de contribuição pressupostos na Constituição vigente, e a relação entre
ambos. O termo contribuição que aqui é objeto de análise exclui as contribuições de melhoria
já tratada como tributo pela Constituição e a contibuição para o custeio do serviço de
iluminação pública, por possuir caracteres próprios que ensejariam outras abordagens.
Através de um processo reflexivo, mas de reduzido espaço, busca-se propor algumas
considerações que permitam identificar a natureza das contribuições para vislumbrarmos a sua
essência, sempre consciente dos limites do conhecimento.
Por tais razões, o problema da natureza jurídica das contribuições, não será enfocado
diretamente em sua dimensão lógica e ontológica, pois isso iria requerer um âmbito
significativamente mais amplo para que novos olhares fossem lançados. Mas será mantida
uma atitude reflexiva com fundamento na tradição do realismo teleológico filosófico grego,
que passou pelos romanos e tem sido enriquecido até os dias atuais e permite indagar da
essência e da finalidade das coisas. O método para o desenvolvimento do tema será a análise
do disposto na Constituição de 1988.
O uso expressivo das contribuições na realidade existente justifica a atualidade e a
relevância do estudo.
É bom lembrar que o tributo (e as contribuições) é objeto material que participa da
realidade. Como tal é objeto de estudo por diversas disciplinas do conhecimento humano, v.g.,
Ciências Econômicas. Contudo, o ângulo particular pelo qual irá se examinar, isto é, o objeto
formal, é aquele que constitui a especificidade do Direito enquanto disciplina científica. Com
isso, será buscada a contextualização do tributo (e das contribuições) segundo a realidade
jurídico-constitucional.
2. QUESTÃO PROPEDÊUTICA OU DE MÉTODO
Antes de iniciar nossas reflexões impõe registrar algumas questões propedêuticas
ligadas ao modo como pretendemos desenvolver este trabalho. O desiderato é à busca da
verdade científica, aqui entendida como veritas est adaequatio rei et intellectus. E, dentre as
diversas formas de racionalidade ou usos da razão seguiremos uma que atue de maneira
discursiva. Todavia, como se pretende cientificidade ao elaborar o estudo, e este se dá no
âmbito jurídico, o pensamento oscilará entre as lógicas dos discursos formalizável e não-
2
formalizável. Essa advertência decorre da preocupação em mantermos o esforço de coerência
metodológica em relação à tradição eleita.1
Normalmente aprendemos com aqueles que já sabem, e melhor ainda quando sabem
bem. Esse é o caso de Ernest Tugendhat.2 Se pretendemos investigar o objeto de acordo com a
proposta metodológica apresentada, nada melhor começar por esse filófoso expoente da
denominada filosofia analítica da linguagem. Por quê? Porque nossas reflexões partem de
palavras postas pela realidade constitucional. Também sabemos que inúmeros juristas
preocupam-se com a linguagem como uma maneira de entender a realidadade tributária. Os
questionamentos dos juristas ainda que ocorram em uma dimensão distinta da atividade
filosófica (estuda toda a realidade) é útil à compreensão de parte da realidade com a qual
convivemos. Portanto, se é próprio da tarefa filosófica “examinar os questionamentos,
métodos e conceitos fundamentais existentes e desenvolver outros novos”, no Direito
enquanto ciência (Jurisprudência) o mesmo se sucederá, ainda que de maneira parcial.3
Por esse motivo, é importante a presença de uma definição nominal de Filosofia
Analítica da Linguagem. Segundo Ernest Tugendhat, esta se define nominalmente como “uma
filosofia que procura resolver os problemas da filosofia através de uma análise da
linguagem”.4
Algumas objeções à filosofia analítica da linguagem são registradas por Ernest
Tugendhat, e são úteis ao presente trabalho porque demonstram que a simples transposição
deste método para o âmbito científico não é adequada. As objeções apresentadas pelos
adversários desta escola são da seguinte ordem: “explicações verbais pertencem à filosofia.
(...) Mas representam apenas um estágio preliminar e servem simplesmente para tirar fora o
que há de obscuro e ambíguo no uso de termos filosóficos. (...) A linguagem é apenas um
1 TUGENDHAT, Ernest. WOLF, Úrsula. Propedêutica Lógico-Semântica. Petrópolis: Vozes, 1997. Esta concepção de verdade, Renato Kirchner apresenta como um das definições da lógica tradicional. Ainda nas anotações da orelha este prossegue: “Um destes conceitos diz respeito à verdade. Deste modo, um dos problemas centrais passa pela mútua unidade e relação de sujeito e objeto, de sujeito e predicado, ou da adequação do objeto ao conhecimento”.2 Ernest Tugendhat, nascido em 1930 na Tchecoslováquia, celebrado como um dos raros filósofos que entraram para a História da Filosofia “com obra de rara grandeza, talvez uma das maiores da segunda metade do século vinte”. Com textos singulares “introduziu ao mesmo tempo no continente europeu o método da filosofia analítica da linguagem, ampliou sua problemática no universo anglo-americano e conseguiu inovar como pensador”. Notas contantes na obra Lições Introdutórias à Filofosia Analítica da Linguagem com introdução do filósofo Ernildo Stein. O festejado filósofo lecionou nas Universidades de Michigan, Tübngen, Heidelberg, Oxford, Berlim, dentre outras, têm viajado pelo mundo, ministrando aulas, palestras e seminários em diversas universidades, podendo-se citar em Porto Alegre nos Programas de Pós-Graduaçào das Faculdades de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.3 TUGENDHAT, Ernest. Lições Introdutórias à Filofosia Analítica da Linguagem. Primeira Parte. Primeira Versão. Ijuí: Unijuí, 1992, p. 11.4 TUGENDHAT, Ernest. Lições Introdutórias à Filofosia Analítica da Linguagem. Primeira Parte. Primeira Versão. Ijuí: Unijuí, 1992, p. 17. Quanto à questão de como deve ser feita a distinção entre a filofosia analítica da linguagem e a lingüística empírica, diz este autor: “Eu não sei de nenhuma resposta satisfatória”, p. 17.
3
médium, e se uma filosofia encara a análise do uso lingüístico não apenas como uma tarefa
preliminar, mas como sua tarefa efetiva, então ela com certeza perdeu contato com as
questões substanciais, com as coisas mesmas”.5
O referido filósofo procura refutar uma a uma das objeções levantadas, tomando por
base que a investigação filosófica tem uma dimensão própria distinta das ciências empíricas.
Por isso lhe parece plausível interpretar a objeção em relação ao conhecimento oriundo das
ciências empíricas, onde “as explicações de palavras são necessárias, mas constituem apenas
um estágio transitório na pesquisa. Aqui as coisas mesmas são os fatos de um âmbito de
experiência científica”.6
Ora, percebendo-se a distinção entre a atividade filosófica e a atividade científica,
conseqüentemente identifica-se o modo de utilização da análise da linguagem que cada uma
faz. Um determinado modo de realizar a atividade filosófica, mais precisamente, a partir de
uma “análise do significado de nossas expressões lingüísticas”, permite Ernest Tugendhat
corresponder à filosofia analítica da linguagem à “concepção tradicional de filosofia como
uma forma a priori de conhecimento e interpreta o a priori como um a priori analítico”.7
Todavia, a determinação do modo de realizar a atividade científica no âmbito parcial da
realidade jurídico-tributária, em geral tem como ponto de partida o texto vertido em
linguagem normativa.
Realizada as devidas determinações constata-se “que a filosofia não se relaciona às
coisas do mesmo modo que as ciências”.8
Ao filósofo suas razões o vinculam ao âmbito da atividade filosófica e lá ele
tematizará as questões da linguagem como elemento próprio de seu campo de investigação.
Agora, ao cientista (do direito, etc.), como ele não é filósofo, ao menos enquanto
investiga no campo próprio das ciências empíricas que oferece um conhecimento parcial da
realidade, sua mente inquiridora terá a dimensão lingüística como um meio “para tirar fora o
que há de obscuro e ambíguo no uso de termos”.9
5 TUGENDHAT, Ernest. Lições Introdutórias à Filofosia Analítica da Linguagem. Primeira Parte. Primeira Versão. Ijuí: Unijuí, 1992, p. 18. Este filósofo após registrar algumas das objeções contra a filosofia analítica da linguagem usa de todo seu brilho para refutá-las.6 TUGENDHAT, Ernest. Lições Introdutórias à Filofosia Analítica da Linguagem. Primeira Parte. Primeira Versão. Ijuí: Unijuí, 1992, p. 18. Ciências empíricas em oposição à Filosofia.7 TUGENDHAT, Ernest. Lições Introdutórias à Filofosia Analítica da Linguagem. Primeira Parte. Primeira Versão. Ijuí: Unijuí, 1992, p. 20.8 TUGENDHAT, Ernest. Lições Introdutórias à Filofosia Analítica da Linguagem. Primeira Parte. Primeira Versão. Ijuí: Unijuí, 1992, p. 22.9 TUGENDHAT, Ernest. Lições Introdutórias à Filofosia Analítica da Linguagem. Primeira Parte. Primeira Versão. Ijuí: Unijuí, 1992, p. 18.
4
Julgamos suficientes as lições de um filósofo cuja atividade filosófica apresenta-se
de um modo específico e não de outro, pois é ele quem legitima suas investigações e o seu
sistema de conhecimento. Sobretudo quando demonstra que a preocupação quanto ao modo
de usar a linguagem é distinta para o filósofo e para o cientista.
A partir destas considerações teóricas iniciais busca-se uma justificação para uma
concepção de que o conhecimento próprio da Ciência do Direito Tributário vai além das
“explicações verbais”. Porque no caminho trilhado em busca da verdade científica, a
identificação e a resolução dos problemas lingüísticos “representam apenas um estágio
preliminar” e tem como uma de suas principais funções “tirar fora o que há de obscuro e
ambíguo no uso de termos”.
Essa delimitação do problema fixa a importância das reflexões lingüísticas em uma
dimensão tal que ela não seja tratada com mais relevância ou perca “contato com as questões
substanciais”.10
3. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA
Ao explicitar os pressupostos de um determinado modelo teórico, inexoravelmente
ele passa a ser compreendido a partir das diferenças de todos os demais sistemas que buscam
investigar e explicar a mesma realidade.
Colocado o problema da análise da linguagem em uma dimensão ancilar,
notadamente como meio para alcançar um fim caminha-se, então, em direção daquilo que se
acredita ser a questão fundamental: a busca da verdade científica.
Todavia, não bastassem as limitações e os obstáculos a serem transpostos para
transformar em realidade o decantado sonho do alcance da verdade científica, em tão curto
espaço a pretensão restringe-se em apontar caminhos à sua realização.
Ultrapassado o ponto em que a importância da “análise do significado de nossas
expressões lingüísticas” foi posto em seu verdadeiro lugar, o de “médium”, prossegue-se o
fluxo do pensamento em direção a essência das “coisas mesmas”. Dito de outra forma,
conduzir-se de maneira racional à apresentação de um modelo teórico que ultrapasse as
questões de linguagem e alcance a essência do objeto em si.11
10 TUGENDHAT, Ernest. Lições Introdutórias à Filofosia Analítica da Linguagem. Primeira Parte. Primeira Versão. Ijuí: Unijuí, 1992, p. 18. Este filósofo após registrar algumas das objeções contra a filosofia analítica da linguagem usa de todo seu brilho para refutá-las.11 TUGENDHAT, Ernest e WOLF, Ursula. Propedêutica Lógico-Filosófica. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 102: “Objeto é tudo o que é algo (fala-se também de ‘entidades’). Objetos concretos são aqueles que podem ser identificados, no espaço e no tempo, como objetos materiais ou acontecimentos. Objetos abstratos (ou também
5
Embora a linha de reflexão proposta neste trabalho tenha raízes na antiguidade, de lá
para cá perpassou toda a história chegando ao presente de maneira atualíssima.12 Um tema que
se projetou no tempo atual e que encontrou no passado momentos de grandes disputas foi a
célebre questão da querela dos universais. Porém, como é de se imaginar, este artigo não é o
campo adequado para aprofundar este assunto ainda que esteja subjacente à metodologia
implementada.13
Devido a amplitude impõe-se um corte metodológico que tematize a partir de um
enfoque da essência das contribuições em uma dimensão específica. Sob esse ângulo, a
expressão contribuições é substituída pelo termo contribuição, como um gênero mais geral
oriundo daquelas figuras previstas nos artigos 149, 195, 212, §5°, 239 e 240, CR.
A contribuição como algo de mais universal comporta análise em várias dimensões.
Pela limitação de espaço opta-se pelo estudo do tema sob o enfoque da essência. Em outras
palavras, não buscar a verdade na dimensão lingüística, pois ali, entendemos que ela não será
encontrada, ainda que se utilize deste modo de análise como meio. Com isso, a partir do plano
da realidade sensível da existência de uma Constituição concreta, pela abstração alcança-se o
plano inteligível dos conceitos mais gerais.
Mas qual o modelo a ser utilizado? A adoção do modelo aristotélico com os
contributos históricos apresenta-se ao nosso entendimento como aquele que na ordem
ontológica busca uma justificação racional vinculada à realidade, permitindo a investigação
chamados ‘ideais’) são aqueles que não são identificáveis deste modo”.12 LEITE JÚNIOR, Pedro. O Problema dos Universais: A perspectiva de Boécio, Abelardo e Ockham. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 11: “... Vanni Rovighi afirma que a questão dos universais não se restringe ao período medieval, ‘mas renasce sempre na História da Filosofia, mesmo na Filosofia Analítica contemporânea’.” No mesmo sentido o já citado filósofo Ernest Tugendhat e Ursula Wolf in Propedêutica Lógico-Filosófica. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 101-114: “Existem universais ou não existe nenhum universal? E, se existem, isso significa serem eles entidades próprias? A concepção platônica e aristotélica foram reunidas sob o rótulo de realismo (dos universais). (Os universais exsitem de fato). Na Idade Média houve duas alternativas a essa posição: por um lado, o nominalismo (os univesais não existiriam; existiriam apenas expressões lingüísticas); essa posição se depara com a dificuldade de ter de esclarecer como uma expressão que, enquanto tal, é apenas um objeto concreto, pode ter a função de um termo geral sem, contudo, se referir a um universal; por outro lado, o conceitualismo, segundo o qual os universais não existiriam de fato na realidade, mas sim apenas na mente, no pensamento: eles seriam gerados no pensamento por ‘abstação’.”.13 A passagem transcrita da obra de Pedro Abelardo que abriu o presente trabalho, como diz Pedro Leite Júnior “inspirou Umberto Eco o título de seu conhecido romance O Nome da Rosa, cuja última frase é: ‘(...) stat rosa pristina nomine, nomina nuda tenemus’ [(...) da rosa antiga só permanece o nome, o que temos são nomes nus’.]”, p. 80. LEITE JÚNIOR, Pedro. O problema dos universais: a perspectiva de Boécio, Abelardo e Ockham. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 15: Dá à palavra ontológica “o âmbito do discurso, que trata da estrutura geral da realidade existente ou, mais precisamente, da existência das coisas”. Razão pela qual o “problema dos universais pode ser definido como aquele que investiga sobre a possibilidade da existência ou não-existência dos universais”. E, se porventura os universais existem, tal “existência é real ou meramente mental (pensada)?” (o grifo está no original). NASCIMENTO, Carlos Arthur do. Introdução à Lógica para Principiantes de Pedro Abelardo. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 16. A Lógica “Ingredientibus” é considerado o primeiro texto conhecido que tematiza com profundidade a querela dos universais.
6
da natureza da contribuição com o objetivo de contribuir para uma teoria finalística do Direito
Tributário.14
No contexto normativo constitucional, alguns indagam se “as contribuições não são
tributos e apenas parcialmente submetem-se ao regime jurídico dos tributos”. Nesse caso
poderíamos contrapor outra pergunta: não seriam “as contribuições tributos com regime
jurídico restrito”?
Alguns entendem que as contribuições têm natureza jurídica de tributo porque está
previsto no artigo 149, CR que as mesmas estão sujeitas ao regime jurídico deste, ou por
estarem inseridas no sistema tributário constitucional (critério da localização). Investigar a
essência da contribuição tendo por ponto de partida e chegada o lugar onde elas se encontram,
parece conduzir a um raciocínio circular que sequer é ascendente. Ao contrário, apenas é
afirmado onde elas estão. O critério exclusivo da localização se nos apresenta insuficiente
para revelar a essência das contribuições em geral. Quando muito, é figura ancilar.
Do universo de grandes talentos existentes no Direito Tributário, apenas vamos
registrar as posições contrárias abaixo, como forma de incrementar a problematização.
Para Marco Aurélio Greco as contribuições no sistema atual não teriam natureza
tributária: “hoje não me parece que as contribuições, no nosso sistema tributário, tenham
inequívoca natureza tributária. Elas são uma figura com caráter pecuniário e de feição
compulsória, mas não necessariamente tributária”.15
Por outro lado, Misabel Abreu Machado Derzi é categórica em afirmar a natureza
tributária das contribuições: “As contribuições em geral, sociais, interventivas ou
corporativas”. A autora interpreta que o constituinte foi além de simplesmente introduzir as
contribuições no artigo 149, CR, portanto, no Capítulo do Sistema Tributário Nacional,
determinou de “forma literal e expressa que se apliquem às contribuições os mais importantes
princípios constitucionais tributários”. Não bastasse isso, a Constituição “remete o intérprete
ao art. 195 [...] e lá [...] remete de novo o intérprete ao Sistema Tributário Nacional”.16
14 A soma de cada uma das espécies tributárias, enquanto totalidade precede em natureza as partes analisadas individualmente. E, pela correspondência da ordem lógica com a ordem ontológica, se a contribuição for identificada como tributo na ordem lógica o mesmo ocorrerá na ordem ontológica.15 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições: uma figura “sui generis”. São Paulo: Dialética, 2000, p. 78.16 DERZI, Mizabel Abreu Machado, ao atualizar a obra de BALLEIRO, Direito..., p. 1030-1031 (Os itálicos estão no original).
7
4. CONTRIBUIÇÕES: DO CONCEITO (COMPREENSÃO E EXTENSÃO) À
DEFINIÇÃO.
A partir da análise da realidade, isto é, das coisas existentes, encontramos o direito
positivo como um sistema normativo, integrado por princípios, regras e valores. Do conjunto
das normas, formamos uma imagem de algo que é denominado contribuição.17
No método analítico (não confundir com a filosofia analítica da linguagem)
formulado por Aristóteles, a decomposição do todo em suas partes é a nota distintiva. Sob o
ponto de vista ontológico, devem ser analisados os elementos constitutivos intrínsecos
(essência, princípios e leis por que se regem, ...) e os elementos constitutivos extrínsecos do
ser do tributo e da contribuição (causas ou princípios, ...).
O Direito Tributário positivo tem como ponto central o termo tributo. De uma
maneira geral, quando um estudioso com conhecimento adequado sobre o sistema tributário
fala neste ou naquele imposto, pensa em tributo.
É que o caminho percorrido pelo pensamento inicia com as “palavras escritas” como
sinais das “palavras faladas”, que são sinais dos “conceitos universais” (termos gerais ou
palavras universais). Na via inversa: a partir dos conceitos universais (termos gerais ou
palavras universais), passa-se às palavras faladas que culminam nas “palavras escritas”.18
Na ordem lógica, o conceito universal destes entes tem a característica de
“predicabilidade”: “universal é o que é apto por natureza a ser predicado de vários”.19 Ou, nas
palavras de Aristóteles: “denomino universal isso cuja natureza é a de ser afirmada de vários
sujeitos, e de particular o que não pode tal, por exemplo, homem é um termo universal, e
Calias um termo singular ou particular”.20
Na ordem ontológica, o conceito universal tem a característica de “comunidade”.21
Diz o Estagira: “pero universal es común, pues se llama universal aquello que por su
naturaleza puede darse en vários”.22
17 “Igualmente consta por experiencia que es imposible la intelección de cualquier objeto, aunque sea del orden espiritual, sin la formación de alguna imagen”. (GONZÁLES ÁLVAREZ, Ángel Tratado de metafísica: ontología. 2. ed. Madrid: Editorial Gredos, 1967, p. 38).18 LEITE JÚNIOR, Pedro. O problema dos universais: a perspectiva de Boécio, Abelardo e Ockham. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 22.19 Ibid., p. 20.20 ARISTÓTELES. Organon: II. Periérmeneias. Tradução e Notas de Pinharanda Gomes. Lisboa: Guimarães,
1985, 7, 17b, p. 130. 21 LEITE JÚNIOR, op. cit., p. 20.22 ARISTÓTELES, Metafísica, 1038b, p. 386-387.
8
Analisando-se os termos tributo e contribuição, identifica-se a presença do aspecto
relacional, porque não existe um conceito ou uma definição sem relação com algo ou alguma
coisa.23
Então, o que é conceito? O conceito ou idéia é uma simples apreensão,24 que na
ordem lógica é dotado de compreensão e extensão. A compreensão é composta de certas
características, perfeições ou qualidades,25 e a extensão significa que o conceito é aplicável a
certo número de coisas. Assim entendida, a compreensão de um conceito é representada pela
reunião dos caracteres que irão compor a definição, isto é, a definição do conceito. Por sua
vez, a extensão do conceito representa a classe, o grupo de coisas ou entidades a que se
estende este conceito.
E, o que é definição? Estabelecido o que se entende por conceito, com suas
dimensões compreensivas e extensivas, a definição será a formulação gramatical daquele.
Dessa forma apreendido o conceito do termo através de sua compreensão e aplicando-se
segundo sua extensão, a definição nada mais é do que “uma oração que significa o que é o
sujeito”.26
Essas considerações impõem que sejam indicadas as características ou o conjunto de
caracteres (compreensão) e o grupo de entidades (extensão) a que se estende o conceito de
tributo e de contribuição. Porquanto termos universais, tributo e contribuição são predicados
de vários.
Vamos iniciar pela análise do termo tributo, pois após esta tarefa teremos fixado uma
variável tornando mais segura a investigação do termo contribuição.
O ponto de partida a ser adotado é o artigo 145, CR. Existe um critério para essa
escolha. É que esse dispositivo segundo a opinião dos mais doutos contempla figuras
tributárias. Não bastasse isso, depreende-se com clareza da linguagem utilizada pelo próprio
23 AQUINO, Tomás de. De Potentia, q. 7 a. 9 co. [60282]. Quaestiones Disputatae de Potentia. Quaestio VII. Textum Taurini. 1953. Editum ac autômato translatum a Roberto Busa SJ in taenias magnéticas denuo recognovit Enrique Alarcón atque instruxit. Disponível em: <http://www.corpusthomisticum.org/qdp7.html> Acesso em 16 jul. 2006, q. 7 a. 9 co.: “Es necesario que en las cosas mismas haya ciertas relaciones, según las cuales una se ordena a otra” (“oportet in rebus ipsis relationes quasdam esse, secundum quas unum ad alterum ordinatur”).24 JOLIVET, Curso..., p. 31.25 Diz Jacques Maritain que a “compreensão de um conceito” está representada pela sua “amplitude em relação às notas que o caracterizam”. As notas nada mais são do que os aspectos, caracteres ou elementos cognoscíveis “que o espírito nele discerne e que lhe pertencem necessariamente”. Essas notas são constitutivas da essência do conceito, significando que suas inteligibilidades ensejarão a possibilidade de apreensão da essência ou natureza do conceituado. A extensão de um conceito é “sua amplitude em relação aos indivíduos (ou, mais geralmente, aos objetos de pensamento) aos quais se aplica e agrupa em sua unidade”. A extensão “decorre inevitavelmente da abstração, e que pressupõe a compreensão do conceito”, manifestando sua universalidade. MARITAIN, Elementos II..., p. 46 e p. 48 (o itálico está no original).26 ARISTÓTELES. Organon: V. Tópicos. Tradução e Notas Pinharanda Gomes. Lisboa: Guimarães, 1987, p. 15.
9
Texto que ele se refere ao termo tributo. Entretanto, estará subjacente a este modo de pensar
todo o sistema constitucional, em particular do artigo 145 a 162, CR. Eis a redação:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:I - impostos;II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
Dado pelo sistema de direito positivo, o sobredito artigo contém o termo tributo.
Porém, indaga-se: Que é isto – o tributo?
A formulação acima não pergunta o nome de algo, mas o que este algo é.27 A
tradição distingue entre essência e existência. A essência “denomina aquello que es (quod
est)” e a existência, “aquello por lo que la esencia es (quo est)”.28 Vinculados à linha de
pensamento anunciada, a essência antecede a existência. E o perseguido neste momento é a
essência.
Observa-se que na redação do artigo 145, CR, além do termo tributo outros existem
(impostos, taxas e contribuição de melhoria). Do feixe normativo constante deste dispositivo,
formulam-se algumas problematizações: Qual a essência das exações nele previstas? Seu
conteúdo permite a obtenção do conceito de tributo quanto à compreensão? Em tendo a
essência de tributo, o dispositivo lista as espécies de maneira exaustiva, exemplificativa ou
uma terceira hipótese? Enfim, qual a extensão do conceito da entidade mais geral encontrada
no art. 145, CR?
Conduzido pelo artigo 145, CR, e com os olhos voltados para o sistema de Direito
constitucional positivo, de maneira expressa ou pressuposta, agrupam-se entidades que
posssuem as mesmas características.
27 HEIDEGGER, Martin. Que é isto a filosofia?: conferências e escritos filosóficos. Tradução e notas Ernildo Stein. São Paulo: Nova Cultura, 1996, p. 30.
28 QUILES, La Esencia..., p. 177. No mesmo texto, adverte o autor que a distinção tomista entre essência e existência apesar de apresentada, não possui elementos fortes para caracterizá-la como uma distinção real. Deve-se ter a cautela de que a indagação não imponha a concepção, a priori, de que contribuição é uma coisa (como dotado de substância), o que não será aqui investigado, mas não se pode ignorar que “tudo que é, é ser”. JOLIVET, Régis. Curso de filosofia. Tradução Eduardo Prado de Mendonça. 9. ed. rev. Rio de Janeiro: Agir, 1968, p. 265. Oportuno registrar que, em nosso presente trabalho, as expressões “ente” e “ser” são utilizadas como sinônimos. Cediço a distinção entre diversos pensadores de ambos os termos, com seus próprios fundamentos, e não apenas “ente” como particípio presente do verbo “ser”. É o caso, por exemplo, de Heidegger: “... o ser é o ente. [...] Todo o ente é no ser. [...] ente é aquilo que é.[...] o ente permaneça recolhido no ser, que no fenômeno do ser se manifesta o ente”. , Que É Isto..., p. 32. Para este filósofo, ente serve “para designar o ser que existe, o ser concreto”. Como diz Draiton Gonzaga de Souza, “ente é a presentificação do ser”, in Ética e naturalismo. Aula ministrada em 27 jun. 2005. PPGDir da PUCRS.
10
Quanto à compreensão do conceito da figura (tributo) que emana do artigo 145, CR:
Especificamente, são identificadas as seguintes características ou notas: (1) o Direito é
relacional. No caso, relação jurídica obrigacional, excluídas todas as outras relações sem o
qualificativo de jurídica (relações sociais, afetivas, entre coisas, etc., às quais o Direito não
empresta relevância); (2) entre o Estado e o particular (arts. 145, 153 a 156, CR). É que no
caput do art. 145, CR, consta que pessoas políticas (Estado) poderão “instituir” uma (3)
obrigação com natureza de tributo. Aqui mais uma vez lança-se mão da opinião dos mais
doutos que asseveram ter o tributo a qualidade de ser instituído independentemente da
vontade do obrigado, além da origem da palavra, dando-lhe a feição (4) compulsória.
Também se encontra previsão de que tributo somente pode ser exigido com base em (5) lei
(art. 150, I, CR), novamente afastando o carácter volitivo consensual. Obrigação em (6)
dinheiro (ainda que não expresso na Constituição tem-se como um dado pela realidade
concreta que impõe a moeda como instrumento de troca capaz de medir de alguma forma as
relações jurídicas de conteúdo econômico). E, (7) tendo um fato lícito como suporte (a
distribuição de competências e rendas expostas pela Constituição representam condutas
lícitas: arts. 153 a 156, CR, v.g.: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) III
- renda e proventos de qualquer natureza”. Auferir renda tributável é fato lícito).29
Ora, a compreensão do conceito constitucional da “figura” mais geral extraída do
artigo 145, CR, é exatamente a exação a que denominamos tributo.
Assim, pode-se converter as características compreensivas deste conceito em
definição a partir das notas acima, ou, dentre outras, na seguinte:
1) é toda 2) obrigação 3) do particular para com o Estado e o particular 4)
compulsória 5) instituída em lei 6) cuja prestação é em dinheiro 7) oriunda de uma ato ou fato
lícito 8) com a finalidade imediata de arrecadar ou regular e com a finalidade mediata de
realizar os fins do Estado. A expressão “é toda” mencionada na definição é o quantificador
29 CARVALHO, Teoria..., p. 91, p. 97-98: Este autor não concorda que a definição de tributo restrinja-se a “relação jurídica” (obrigação), mas sim que consiste em uma norma jurídica. Ele chega a esta conclusão, porquê decorreria do fato de que “no tributo se imputa uma conseqüência (relação jurídica) a um antecedente (suposto), ao menos no que tange a sua configuração estática”. Mas não nega a “específica classe de relações jurídicas” a qual o tributo pertence. Já Roque Antonio Carraza in Curso de direito constitucional tributário. 3. ed. rev. amp. e atual. pela Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 352: “Todavia, cuidando de figuras afins (como a desapropriação, a requisição, o serviço militar, a pena privativa da liberdade, o perdimento de bens, o serviço eleitoral, o serviço do Júri, a pena pecuniária etc.), a Constituição acabou, num verdadeiro jogo de contrastes, por nos oferecer uma noção geral de tributo. Temos, pois, que tributo, ao lume de nosso Estatuto Magno, é a relação jurídica que se estabelece entre o Fisco e o contribuinte (pessoa colhida pelo direito positivo), tendo por base a lei, em moeda, igualitária e decorrente de um fato lícito qualquer . [...] 3. [...] é instrumento de arrecadação, necessário à realização das despesas públicas (arts. 163 e ss., especialmente o art. 167, IV) Deve, pois, ter destinação pública e é de prestação obrigatória, até porque sempre decorre de lei (art. 150, I, da CF)”.
11
aristotélico que estabelece uma proposição universal afirmativa (a questão da finalidade
trataremos em ponto específico).
A expressão exação pecuniária, que alguns reforçam com a palavra compulsória, tem
ampla aplicação no Direito Tributário exatamente em razão das qualidades extraídas não só
das figuras constantes no artigo 145, mas sobretudo em todo o sistema constitucional.
Com isso, a palavra exação pode ser entendida como a “cobrança rigorosa de dívida
ou de impostos”. Deve-se apenas observar que compreendida a palavra exação pecuniária
com as características e qualidades de categoria que impõe uma exigência por parte do
Estado, a sua extensão se aplicará a um número maior de figuras que não só o tributo e suas
espécies.30
Neste ponto algumas das perguntas formuladas podem ser respondidas: Qual a
essência das exações nele previstas? A essência é de tributo. Seu conteúdo permite a obtenção
do conceito de tributo quanto à compreensão? Sim, permite. As qualidades ou características
obtidas da análise do sistema constitucional (ainda que explicitado somente o artigo 145, CR,
mas, repita-se, subjacente na condução do pensamento todo o sistema constitucional, v.g.,
arts. 153 a 156, CR) convergem em um feixe normativo próprio do tributo.
Foi obtida a compreensão do conceito da entidade mais geral contida no artigo 145,
CR. Identifica-se em suas notas a figura do tributo. Tendo a essência de tributo emanada deste
dispositivo supremo, indaga-se: o mesmo enuncia as espécies tributárias de maneira exaustiva
ou exemplificativa? Enfim, qual a extensão do conceito constitucional de tributo extraído a
partir do art. 145, CR?
A lista de espécies contidas no artigo 145, CR, não é exaustiva. Então seria
exemplificativa? Sim e não. Sim, se considerada que as demais espécies possíveis deverão
estar na Constituição de maneira expressa. Não, se se levar em conta que o caráter
exemplificativo permitisse a instituição de outras espécies elaboradas pelo legislador
infraconstitucional, a partir de sua criatividade ou de elocubrações doutrinárias, ainda que
deduzidas pela razão derivada da Constituição, mas sem previsão expressa desta. Do
contrário, teria de se admitir a outorga de competência impositiva e discriminação
constitucional de rendas em Estado Federal como o brasileiro, no âmbito infraconstitucional,
o que não é condizente com o sistema vigente.
30 EXAÇÃO. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 737. “Do lat. Exactione”. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 226. “Derivado do latim exactio, de exigere [...], na técnica do Direito Administrativo, aplicado para designar a função ou encargo, cujas atribuições consistem em arrecadar ou receber impostos, taxas, emolumentos ou outra qualquer espécie de renda, tributária ou não, devida ao erário público”.
12
Admitida a natureza exemplificativa nos termos anteriormente mencionados,
prossegue-se na demonstração.
Estabelecido o que é conceito e que ele é dotado de compreensão e extensão, foram
apresentados os diversos caracteres que compõem o conceito constitucional de tributo, para
ser possível a determinação de sua definição.
No que tange à extensão do conceito constitucional de tributo segundo disposição
expressa, convém a impostos, taxas e contribuição de melhoria. Mas o conceito constitucional
de imposto não convém à taxa. O mesmo ocorre, v.g., com o conceito constitucional de
imposto sobre a renda, tout court, que não convém ao conceito constitucional de IOF. Ambos
possuem as notas distintivas do conceito constituticional de imposto, mas outros elementos
estabelecem a diferença específica entre esses entes.
Encontrada a compreensão e a extensão do conceito constitucional de tributo, as
espécies identificadas serão partes integrantes do todo. E, como o todo, por natureza, precede
as partes, tributo será a exação pecuniária de caráter relacional com as demais notas
anteriormente mencionadas.31
Por essa razão, já é possível determinar se tributo é, enquanto conceito
constitucional, predicado de outras formas exacionais, particularmente a contribuição sob a
dimensão da extensão. E, por tal fundamento de possibilidade afirmamos que de fato as
espécies tributárias contidas no artigo 145, CR, não são as únicas. Logo, este Texto não é
exaustivo quanto às espécies tributárias.
Contudo, antes de emitir um juízo (afirmar ou negar) quanto à natureza jurídica
tributária ou não-tributária da contribuição, vamos adotar o mesmo método utilizado para a
busca do conceito de tributo. Com a diferença agora que a investigação da compreensão e da
extensão do conceito constitucional é em relação à contribuição.
Chegada a vez da contribuição, vamos iniciar pela análise do artigo 149, CR. A razão
para essa opção é novamente baseada na opinião dos mais doutos, dentre os quais Hamilton
Dias de Souza. Segundo este autor o disposto no artigo 149, CR, “dá a disciplina fundamental
das contribuições”.32 Mesmo que regime jurídico não se confunda com natureza jurídica,
31 ARISTÓTELES, Política, 1253a., p. 15.32 SOUZA, Hamilton Dias de. Contribuições para a seguridade social. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.) Curso de direito tributário. 4. ed. Belém: Centro de Estudos de Extensão Universitária, 1995, p. 120. Contudo, como esta afirmação consta em trabalho de sua autoria publicado em 1995, entende-se que hoje sua plenitude permanece para com as figuras na época existentes. É que, com a edição da EC n° 39 de 2002 foi outorgada competência aos municípios e ao Distrito Federal para instituir contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública. No mesmo sentido decidiu o STF, no RE 138.284/CE, cujo relator foi o Ministro Carlos Velloso.
13
ainda são os mais doutos que admitem que as figuras nominadas nos artigos 149 e 195, CR,
são contribuições (e não se trata aqui apenas de uma questão nominal, mas essencial).
Como o enfoque que pretendemos implementar alcança as figuras exacionais
mencionadas nos dispositivos acima, vamos nos permitir uma análise conjunta das mesmas. A
redação constitucional de cada uma delas é a seguinte:33
Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.(...)Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;b) a receita ou o faturamento;c) o lucro;II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;III - sobre a receita de concursos de prognósticos.IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.
Sempre tendo o sistema de direito positivo como ponto de partida, indaga-se: Que é
isto – a contribuição?
Não vamos repetir o que foi dito linhas atrás. Apenas lembrar que o
questionamento não é quanto ao nome, mas o que este algo é (a essência).
33 O mesmo pode ser dito das exações contidas nos seguintes dispositivos: “Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. (...) § 5º A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei. (...) Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela LC n◦ 7, de 7/9/1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela LC n° 8, de 3/12/1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo. (...) Art. 240. Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.”
14
Qual a essência das exações contidas nos artigos 149 e 195, CR, a partir da
compreensão conceitual de suas características e qualidades? As mesmas identificam-se com
o conceito constitucional de tributo?
Inúmeros e importantes trabalhos foram desenvolvidos ao longo dos anos
relativamente ao tema da natureza jurídica das contribuições por diversos autores. Não temos
como inventariar tais contribuições. Elegemos um estudo dentre tantos outros igualmente
brilhantes. Ele foi formulado por Marco Aurélio Greco, e sua escolha decorre do tanto do fato
do brilhantismo da exposição quanto da razão deste autor entender que as contribuições não
possuem natureza tributária.
Em outras palavras, ainda que se conclua de maneira diversa, a identificação das
características e qualidades das contribuições realizadas por este autor é bastante clara. São
elas
a) um grupo, que pode ser um grupo profissional, social ou um setor econômico;b) um motivo ou razão, que pode ser uma desigualdade interna ao grupo, uma necessidade de desenvolver o grupo, ou uma necessidade de protegê-lo;c) uma entidade, que será responsável por cuidar daquele setor, que pode ser uma autarquia federal, um órgão público, enfim, uma entidade; ed) a contribuição, que pode assumir a condição de fonte de recursos para aquela entidade desenvolver sua função ou pode servir, ela própria, como instrumento de equalização de preços, neutralização de distorções econômicas, e assim por diante.34
Compõem ainda a qüididade da contribuição, revelada por Marco Aurélio Greco, as
seguintes características: validação finalística; não vinculação à materialidade (mas a uma
finalidade específica); critério de compatibilidade (observado o princípio da
proporcionalidade, do qual derivam os critérios da necessidade, adequação e proibição do
excesso); vinculação a interesse de um grupo; instrumento de atuação do Estado como agente
normativo e regulador em áreas específicas.35
34 GRECO, Contribuições ..., p. 152.35 GRECO, Contribuições ..., p. 118-119, p. 124-131, p. 136-137 e p. 144. Relativamente às notas, benefício (vantagem) e referibilidade, o autor entende que não integram a essência da definição de contribuição. Ele afirma que pode ou não haver benefício. Terá benefício o empregado, em relação ao pagamento de contribuição previdenciária quanto à aposentadoria, por exemplo. Todavia, nos casos da CIDE, normalmente “não há vantagem auferida pelo contribuinte; ao revés, ele paga e ao mesmo tempo sofre os efeitos e eventualmente as restrições impostas pela intervenção”. Observa, ainda, que com ou sem vantagem, há vinculação de pessoas a um grupo. (Ibid., p. 237-238 e p. 243.). Quanto à referibilidade entre “o contribuinte e a atuação estatal”, ele entende que é direta e não, indireta segundo alguns sustentam. É que a “participação num determinado grupo” é que é fundamental, sucedendo que a referibilidade aí será direta. A atuação estatal é direta ao “grupo como um todo e, sendo todos parte desse grupo, a atuação é-lhes diretamente referida”. (GRECO, Contribuições ..., p. 243.) Já, SOUZA, H. D., Contribuições..., p. 109 e p. 117, aponta como caracteres das contribuições a referibilidade indireta e o benefício real ou presumido: “As taxas e as contribuições são tributos que implicam uma atuação estatal referida ao contribuinte. Nas primeiras, há sempre uma referibilidade direta entre a atividade
15
Tendo presente as características das contribuições, as questões formuladas podem
ser respondidas da seguinte maneira: Qual a essência das exações contidas nos artigos 149 e
195, CR, a partir da compreensão conceitual de suas características e qualidades? As
contribuições estudadas possuem notas que reunidas apresentam-se como uma unidade
exacional. Aquilo que se diz contribuição, tomada como um feixe de características
normativas no âmbito constitucional, é predicado de vários. Quer dizer, o termo contribuição
é predicado das várias espécies constitucionais localizadas nos artigos mencionados.
As mesmas identificam-se com o conceito constitucional de tributo? Sim. O termo
contribuição como um conceito universal está relacionado com o conceito universal de
tributo, mas não da mesma maneira um perante o outro. É que comparando o conceito
constitucional de contribuição com o conceito constitucional de tributo, revela-se uma relação
entre espécie e gênero.
Então, a formulação lingüística do conceito representada pela definição, dentre as
várias possibilidades, é a seguinte: Contribuição é o tributo que deve observar a existência de
um grupo, instituída com base em uma razão específica, em que determinada entidade zelará
pelos interesses do setor a que o grupo pertence, cujos recursos dela oriundos serão destinados
ao referido ente como meio para realizar sua função (“todas as coisas são definidas por sua
função e atividade, de tal forma que quando elas já não forem capazes de perfazer sua função
não se poderá dizer que são as mesmas coisas; elas terão apenas o mesmo nome”)36 ou o
próprio valor arrecadado através dela será agente de transformação da realidade sócio-
econômica.
desenvolvida pelo Estado e o sujeito passivo. Nas segundas, tal referibilidade é indireta, pois a atividade é desenvolvida para atender ao interesse geral, mas provoca um especial benefício a uma pessoa ou a um grupo de pessoas. [...] as contribuições têm como seu pressuposto ou causa, um benefício real ou presumido, que o sujeito passivo aufere em razão de uma determinada atividade estatal”. GAMA, Contribuição...,: “princípio da referibilidade [...] é determinar o necessário vínculo que deve existir entre a materialidade, os sujeitos escolhidos para o pólo passivo e a finalidade do tributo. [...] liame entre o critério material da hipótese, os sujeitos passivos e a finalidade do tributo”. Ibid., p. 216: “O sujeito passivo das contribuições interventivas deve ser escolhido entre os integrantes do setor da economia sujeito à intervenção. [...] sujeito passivo possível”, p. 159. SOUZA, Ricardo Conceição. Regime jurídico das contribuições. São Paulo: Dialética, 2002, p. 87 e p. 98: “a hipótese de incidência das contribuições é híbrida (fato composto, estado de fato), ou seja, contém a descrição legislativa não apenas de uma atividade estatal, mas também de um fato da esfera do contribuinte”. “o sujeito passivo de uma contribuição será a pessoa que se beneficia com a atuação do Estado ou a que provoca a ação estatal. (...) O benefício do trabalhador é evidente: basta ver os planos de aposentadoria e seguro de acidentes do trabalho, sem falar do sistema de saúde. Noutra etapa, é evidente que os empregadores provocam a atuação estatal, na medida em que exigem do Estado a adoção de uma política de proteção social, como é o caso típico da aposentadoria, do seguro de acidentes do trabalho e do sistema de saúde”. A referibilidade “não atenta contra a idéia de universalidade no custeio da seguridade social”, Ibid., p. 98.36 ARISTÓTELES, Política, 1253a., p. 15. “[...] o todo deve necessariamente ter precedência sobre as partes,
com efeito, quando todo o corpo é destruído pé e mão já não existem, a não ser de maneira equívoca, como quando se diz que a mão esculpida em pedra é mão, pois a mão nessas circunstâncias para nada servirá e todas as coisas são definidas por sua função e atividade [...]”.
16
Deve ser observado que a expressão “razão específica” constante da definição e
tomada de empréstimo dos ensinamentos de Marco Aurélio Greco, em nossa construção tem o
mesmo sentido que este autor atribuiu. Apenas gostaríamos de explicitar que na formulação
lingüística apresentada acima, esta expressão identifica-se com finalidade. Pois quando se diz
motivo, também se fala de razão e causa. E, finalidade, na tradição seguida, é uma das causas
do ser (dimensão ontológica não diretamente abordada neste trabalho).
Nesse sentido, també é possível identificar na contribuição outra nota compreensiva
de sua essência: a finalidade.
Mas de que finalidade se está falando? Não que é finalidade, mas qual finalidade?
Pois que “todo agente obra por un fin” é o que reza o princípio da finalidade, e o legislador
constituinte é um agente.37
Por isso pode se dizer que, além da contribuição, o tributo também é dotado de
finalidade. Neste pode-se identificar uma finalidade imediata de arrecadar ou regular e uma
finalidade mediata de poder realizar os fins do Estado.
Na contribuição a doutrina aponta a existência de uma finalidade
constitucionalmente específica. É o que observa Marco Aurélio Greco ao afirmar que as
contribuições não são dotadas constitucionalmente de uma vinculação à materialidade, mas a
uma finalidade específica.38
Ao contrário o imposto não pode ter uma vinculação. Ora, não se objete que o inciso
IV do artigo 167, CR, não contempla a expressão finalidade, pois o mesmo se diz do inciso XI
do mesmo artigo, e nem por isso alguém refutará que a receita destina-se a uma finalidade
específica no caso da contribuição. O que ocorre é que a especificidade da finalidade da
contribuição se dá de modo difente das outras espécies de tributo.39 Com isso, sendo o tributo 37 AQUINO, Tomás de. Suma teológica I. Tradução Alexandre Corrêa. Organização de Rovílio Costa e Luis A.
De Boni. Introdução de Martin Grabmann. 2. ed. Porto Alegre, Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Livraria Sulina Editora; Caxias do Sul, Universidade de Caxias do Sul, 1980, q. 44, a. 4: A causa final e a correspondente formulação do princípio da finalidade de caráter necessário e universal, resultam que: “todo agente obra por un fin”. Afirma o mesmo autor, demonstrando uma concepção finalista do mundo que “La naturaleza no obra al acaso, sino en determinadas direcciones, lo que implica la tendencia a un fin determinado”, p. 425. “Porque suponer un agente que no obre por un fin, esto es que no esté determinado a producir tal efecto y no otro, implica contradicción. Pues produce el efecto A, según la hipótesis; pero no está determinado a producir tal efecto, según la misma hipótesis; luego de suyo está indiferente para producir el efecto A o el efecto B; pero al producir el efecto A y no el B, quedó determinado hacia el efecto A; luego a la vez está determinado y no está determinado. Si admitimos simplemente que no está determinado, resulta que es imposible que produzca ningún efecto, puesto que si produjera uno de los dos ya no estaría indiferente”. QUILES, La esencia ..., p.426: “todo ser que obra, obra por algún fin”.
38 GRECO, Contribuições ..., p. 118-119, p. 124-131, p. 136-137 e p. 144.39 “Art. 167. São vedados: (...) IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem
17
predicado de contribuição, a mesma análise se aproveita agora como identificação para outras
classificações dentro de uma lógica inra-sistêmica do gênero tributo: classificação entre as
espécies tributárias que sejam dotadas de uma finalidade espeficamente estabelecida pela
Constituição e àquelas que não têm este perfil.
4.1. Da Escala Predicamental: tributo e contribuição.
Neste momento, com base em tudo o que foi dito até aqui (compreensão e extensão
dos conceitos constitucionais de tributo e de contribuição e a definição como formulação
lingüística do conceito) é conveniente estabelecer a escala predicamental das categorias
exacionais que interessam ao nosso estudo.40
Para mostrar como isso (relação entre a compreensão e a extensão dos termos) se
estabelece, será utilizada a demonstração com exemplos.41
Ao termo exação subordina-se o termo exação pecuniária. Tanto o tributo quanto à
multa estão ordenados sob o gênero exação pecuniária como um universal, pois o gênero é o
“universal sob o qual se ordena a espécie”.42 Mas sob o tributo também estão ordenadas outras
espécies.
A partir de uma classificação nominal dos impostos arrolados na Constituição,43
tributo é um conceito de maior extensão que imposto, porém este é de maior compreensão que
aquele. Já o conceito de imposto possui uma extensão maior que o de imposto sobre a renda e
proventos de qualquer natureza,44 enquanto este terá maior compreensão em relação àquele.
Por sua vez, o conceito constitucional de imposto sobre a renda e proventos de qualquer
natureza terá maior extensão que o conceito constitucional de imposto sobre a renda, porém a
compreensão deste para com aquele é maior. Então teremos exação como o gênero mais geral
e o imposto sobre a renda como a espécie mais especial.45
como o disposto no § 4º deste artigo; (...) XI - a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, a, e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201”.40 PORFÍRIO, Isagoge, p. 34. GOMES, Pinharanda. In Isagoge de Porfírio, p. 60, nota 1. Escala predicamental ou árvore de Porfírio.41 TUGENDHAR, Ernest. Lições Introdutórias ..., p. 13: “Apresenta-se a alguém um determinado fazer, demonstrando-se este fazer com exemplos”. PEREIRA, Oswaldo Porchat. Ciência e Dialética em Aristóteles. São Paulo: UNESP, 2001, p. 304: Porque demonstração “mostra que algo é de algo, ou que não é” e definição “mostra o que é uma coisa”.42 PORFÍRIO, Isagoge, p. 54.43 Arts. 153 a 156, CR.44 Ainda que neste trabalho não apresentamos nem desenvolvemos o conceito de imposto e de imposto sobre a renda.45 O tributo como gênero remoto e o imposto sobre a renda como a espécie mais específica. Aqui não atribuímos o desdobramento renda produto, renda trabalho ou a combinação de ambos, previsto no artigo 43, CTN, porque
18
Isso nos demonstra que tributo é um termo intermédio.46 Tributo é simultaneamente
espécie do gênero exação pecuniária e gênero da espécie imposto.
Como concluímos que na contribuição encontramos as notas distintivas do tributo, a
escala predicamental estabelecida entre tributo e imposto, poderá ser reproduzida entre tributo
e contribuição (v.g.: tributo, contribuição social, contribuição de intervenção no domínio
econômico do artigo 149, CR, e, finalmente a contribuição de intervenção no domínio
econômico do § 4◦ do artigo 177 da CR), resultando exação como gênero mais geral e a CIDE
do § 4◦ do artigo 177 da CR como espécie mais especial.47
4.2. A expressão “os seguintes tributos” não é convertível com a expressão “os tributos
são os seguintes”
Dando continuidade à nossa investigação, analisaremos o problema geral da
contribuição ser ou não tributo a partir da expressão lingüística “os seguintes tributos” contida
no artigo 145, CR. Esse item não decorre de dúvida quanto às conclusões a que chegamos até
aqui, ou seja, de que contribuição é espécie tributária. Ao contrário, busca-se demonstrar que
por outro ponto de vista também é possível chegar à mesma conclusão.
Nosso enfoque parte exatamente da questão de que expressão “os seguintes tributos”
não é convertível com a expressão “os tributos são os seguintes”.
A coleção de espécies submetidas ao gênero tributo é bem maior do que as três
mencionadas no artigo 145, CR. É o que se deduz da análise da redação do caput do referido
dispositivo em relação à expressão “instituir os seguintes tributos”. Decompondo este todo,
restringimo-nos ao âmbito constitucional explícito. Tampouco atribuímos, por exemplo, ao aluguel (renda produto do capital), ao salário (renda produto do trabalho), aposentadorias e loterias (proventos de qualquer natureza) a natureza de espécie porque identificamo-os como indivíduos ou unidades pertencentes a uma mesma epécie (ínfima espécie).46 Termo intermédico: Segundo a lógica tradicional diz-se do termo que é simultaneamente gênero e espécie com relação a termos diferentes.47 “§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I - a alíquota da contribuição poderá ser: a) diferenciada por produto ou uso; b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150,III, b; II - os recursos arrecadados serão destinados: a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo; b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; c) ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.” A CIDE instituída nos termos deste dispositivo constitucional será como que indivíduo (Lei nº 10.336/2001), com relação à espécie. Também serão indivíduos a CIDE-Royalties (Lei nº 10.168/2000), AFRMM (DL nº 2.404/1987), etc., pois não se olvide que o ponto de partida é a Constituição. E, o tributo como gênero remoto e a contribuição de intervenção no domínio econômico do §4° do artigo 177 da CR, como espécie mais específica.
19
especificamente o caput no qual está a cláusula “poderão instituir os seguintes tributos”, ao
menos duas interpretações podem ser extraídas.48
Na Constituição está dito “os seguintes tributos” e não “os tributos são os seguintes”,
que, não sendo a mesma coisa, não são convertíveis entre si.
A diferença entre as redações é gritante. Na primeira, isto é, naquela prevista na
Constituição, “os seguintes tributos” não corresponde a uma proposição universal afirmativa
“todos são”. Ao contrário, mesmo que não utilizada a palavra “alguns”, é razoável deduzir-se
da redação “os seguintes tributos” uma proposição “particular afirmativa”.
Mesmo na ausência dos quantificadores “todos” e “alguns” apresentados por
Aristóteles é possível a análise da proposição. A proposição formada de maneira adequada
contém sujeito e predicado. A proposição “os seguintes tributos” pode ser considerada bem
formada se, ao ser analisada, for considerado o verbo com função de predicado (seguintes) e
tributos como sujeito. Não está explícito o quantificador “alguns”, mas ele se deduz da
proposição, sob pena de torná-la sem sentido. Então o quantificador está oculto.
Enquanto a proposição “os tributos são os seguintes” contém um sujeito (os tributos)
e predicado (a palavra “seguintes” diz respeito a impostos, taxas e contribuição de melhoria).
Nesta também não está explícito o quantificador “todos”, mas ele se deduz da proposição, sob
pena de igualmente torná-la sem sentido. Então o quantificador está oculto.49
Ora, não conduzindo a razão desta maneira, ou seja, desprezando os quantificadores
aristotélicos ainda que ocultos, restaria a pergunta: quantos?
Da análise da proposição “dos seguintes tributos” resultaria a pergunta: quantos
seriam os seguintes tributos? A ela se responde: três.
E, da proposição “os tributos são os seguintes”, seria formulada a seguinte pergunta:
quantos são os tributos? Três.
As respostas são as mesmas, as perguntas são diferentes.
Logo, o pleno sentido da proposição aparece quando da utilização dos
quantificadores aristotélicos, ainda que de forma oculta.
Ou então, a parte constante do artigo 145, CR, “os seguintes tributos” ganharia uma
possível outra interpretação: estes três tributos (impostos, taxas e contribuição de melhoria)
previstos aqui na Constituição podem ser instituídos. Porém os outros tributos não previstos
nesta Constituição, mas que são tributos (sabe-se lá por quê? Porque a doutrina entenda ou a 48 GRECO, Contribuições..., p. 80. Cumpre registrar o entendimento divergente de Marco Aurélio Greco com
relação à expressão “seguintes tributos” e o que vem depois dela, contida no artigo 145 da CR. Segundo este autor, o dispositivo “está dando o gênero (‘seguintes tributos’) e as espécies” (impostos, taxas e contribuição de melhoria).
49 CIRNE-LIMA, C. R. V. Dialética .., p. 50-51.
20
legislação infraconstitucional preveja!), não são permitidas a sua instituição. Contudo, se
possível esta interpretação, ao menos não parece razoável.
Resta, então, considerar o contido no artigo 145, CR, como uma previsão não
exaustiva de espécies tributárias.50
Conjugando esse entendimento com o elenco dos critérios compreensivos do
conceito constitucional de tributo, resultará admitir que a extensão do conceito constitucional
de tributo comporta uma coleção de espécies além dos impostos, taxas e contribuição de
melhoria. Isso, se enfocado o texto do artigo 145, CR. Se interpretado o contexto do qual
foram retirados os critérios da compreensão do conceito constitucional de tributo, o resultado
é o mesmo, mas por caminhos diversos. E, o conjunto do texto em direção ao contexto citados
permitirão concluir que as contribuições também possuem natureza tributária.
Ainda que, já de alguma forma percebida esta afirmação, é preciso demonstrá-la
plenamente. É que os lampejos de percepção decorrem de ter sido estabelecido o gênero.
Como a interpretação sistemática enseja a presença do todo, e uma boa parte foi analisada,
encontradas as espécies, tem-se o gênero. Isso, porém, poderia ensejar a objeção de que
ausente a análise das contribuições, o gênero estaria comprometido. Entende-se não ser isso
razoável porque a análise dos enunciados normativos não compreende somente os impostos,
as taxas e a contribuição de melhoria, mas todo o enunciado normativo. Além do que, para
que algumas espécies sejam isoladas, pressupõe-se que outras foram deixadas de lado no
estudo. Isso implica ter presente que a razão as analisou, ainda que não as tenha explicitado
em sua plenitude. Ademais, não se considera prematura a afirmação, porquanto a analítica
aristotélica tem como pilares realizar a análise de uma proposição e utilizar o sistema
silogístico para argumentar. Várias análises foram realizadas, quanto às contribuições, e
demonstrações foram ensaiadas.51
De outra parte, a conclusão não é diferente partindo da cláusula “os seguintes
tributos”. É que, ao se indagar: “Quais”? (como prefere Marco Aurélio Greco),52 a resposta
seria: impostos, taxas e contribuição de melhoria. Desse modo, resulta extrair a resposta da
própria pergunta. E, senão for isso, está-se tratando da extensão do conceito de tributo e não
de sua compreensão. Aí surge um problema: como posso determinar a extensão de um
50 Com base nas lições de JOLIVET, Curso..., p. 33, pode-se afirmar que do ponto de vista da extensão do conceito constitucional de tributo, o “conjunto de sujeitos a que a idéia convém”, estão representados em uma classificação meramente nominal, pelos impostos (artigos 153 a 156), taxas (artigos 145, inciso II e 236, §2°), contribuições (artigos 145, inciso III, 149, 195, incisos I a IV e §4°, 212, §5°, 239 e 240 e o empréstimo compulsório (artigo 148), previstos na Constituição.51 CIRNE-LIMA, C. R. V., Dialética .., p. 50 e p. 229.52 GRECO, Contribuições ..., p. 80.
21
conceito antes de determinar os caracteres da compreensão de um conceito? Parece que o
mais adequado é encontrar as características da compreensão do conceito para, somente então
perquirir sobre sua extensão.
Representa ser mais adequado indagar: “O que é”? Aí a investigação e a análise são
da qüididade, da essência, da compreensão do conceito ou idéia, não de sua extensão.
5. CONCLUSÕES
Examinando a Constituição vigente identificamos os principais dispositivos que
podem fornecer os elementos necessários à investigação. Partindo do artigo 145, CR, em um
movimento mental do texto para o contexto, encontramos as principais qualidades integrantes
da estrutura do tributo. O mesmo foi feito em relação à contribuição, ou seja, do artigo 149,
CR em direção ao contexto constitucional.
Estabelecido os devidos conceitos sob o ponto de vista da compreensão e da extensão,
tributo e contribuição tiveram as respectivas formulações lingüísticas traduzidas em um
definição.
Com isso, concluímos que contribuição é tributo em que aquele se relaciona com este,
como acontece entre espécie e gênero.
E, a contribuição é espécie do gênero tributo exatamente pelas diferenças que lhe são
próprias. Bem como a contribuição é um termo geral que é diferente das demais espécies
tributárias por uma característica própria na dimensão finalística que a Constituição lhe
outorgou.
Assim, entendemos que a explicitação dos pressupostos do modo como a investigação
foi implementada contruibui de alguma forma para que o sujeito cognoscente possa melhor
interagir com o objeto, pois se lhes apresenta nas dimensões lógica e ontológica, e não
meramente lingüística.
REFEFÊNCIAS
ABELARDO, Pedro. Lógica “Ingredientibus”. Lógica para Principiantes. Petrópolis: Vozes, 1994.
AQUINO, Tomás de. De Potentia <http://www.corpusthomisticum.org/qdp7.html> Acesso em 16 jul. 2006.
______. Suma teológica I. Tradução Alexandre Corrêa. Organização de Rovílio Costa e Luis A. De Boni. Introdução de Martin Grabmann. 2. ed. Porto Alegre, Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Livraria Sulina Editora; Caxias do Sul, Universidade de Caxias do Sul, 1980.
22
ARISTÓTELES. Metafísica. 2. ed. rev. Madrid: Editorial Gredos, 1990. Edición Trilingüe por Valentin García Yebra.
______. Organon: II. Periérmeneias. Tradução e Notas de Pinharanda Gomes. Lisboa: Guimarães, 1985.
______. Organon: V. Tópicos. Tradução e Notas Pinharanda Gomes. Lisboa: Guimarães, 1987.
______. Política. 3. ed. Tradução, introdução e notas Mário da Gama Kury. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997.
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11 ed. Atualizadora: Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 19. ed. rev. ampl. e atual. até a EC 42/2003. São Paulo: Malheiros, 2004.
CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. São Paulo: Max Limonad, 1998.
CIRNE LIMA, Carlos Roberto V. Dialética para principiantes. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
GONZÁLES ÁLVAREZ, Ángel Tratado de metafísica: ontología. 2. ed. Madrid: Editorial Gredos, 1967.
GRECO, Marco Aurélio. Contribuições: uma figura “sui generis”. São Paulo: Dialética, 2000.
HEIDEGGER, Martin. Que é isto a filosofia?: conferências e escritos filosóficos. Tradução e notas Ernildo Stein. São Paulo: Nova Cultura, 1996.
JOLIVET, Régis. Curso de filosofia. Tradução Eduardo Prado de Mendonça. 9. ed. rev. Rio de Janeiro: Agir, 1968.
LEITE JÚNIOR, Pedro. O Problema dos Universais: A perspectiva de Boécio, Abelardo e Ockham. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
MARITAIN, Jacques. Elementos de filosofia I: introdução geral à filosofia. Tradução Ilza das Neves e Heloisa de Oliveira Penteado. Rev. por Irineu da Cruz Guimarães. 16 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1989.
______. Elementos de filosofia II: a ordem lógica dos conceitos. lógica menor (lógica formal). Tradução Ilza das Neves. Revista por Adriano Kury. 10. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1983.
NASCIMENTO, Carlos Arthur do. Introdução à Lógica para Principiantes de Pedro Abelardo. Petrópolis: Vozes, 1994.
23
PEREIRA, Oswaldo Porchat. Ciência e Dialética em Aristóteles. São Paulo: UNESP, 2001.
PORFÍRIO. Isagoge: introdução às categorias de Aristóteles. Tradução, Prefácio e Notas Pinharanda Gomes. Lisboa: Guimarães, 1994.
QUILES, Ismael. La esencia de la filosofia tomista. Buenos Aires: Editorial Verbum, 1947.ROSADO, Rodríguez J.J. Accidente. In: GRAN Enciclopédia Riapald (GER). v. 1, p. 96-100. Disponível em: http://www.arvo.net/documento.asp?doc=201404d. Acesso em: 04 maio 2006.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982.
SOUZA, Draiton Gonzaga de. Ética e naturalismo. Aula ministrada em 27 jun. 2005. PPGDir da PUCRS.
SOUZA, Hamilton Dias de. Contribuições para a seguridade social. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.) Curso de direito tributário. 4. ed. Belém: Centro de Estudos de Extensão Universitária, 1995.SOUZA, Ricardo Conceição. Regime jurídico das contribuições. São Paulo: Dialética, 2002.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DO BRASIL. RE 138.284/CE. Relator Ministro Carlos Velloso.
TUGENDHAT, Ernest. Lições Introdutórias À Filofosia Analítica Da Linguagem. Primeira Parte. Primeira Versão. Ijuí: Unijuí, 1992.
TUGENDHAT, Ernest. WOLF, Úrsula. Propedêutica Lógico-Semântica. Petrópolis: Vozes, 1997.
24
Recommended