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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM ETNOEDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM ETNOEDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Realização Financiamento
Parcerias
Equipe Docente
Adriana Russi Tavares de Mello
Daniel Arruda Nascimento
Edilberto José de Macedo Fonseca
Emílio Nolasco de Carvalho
Hildeberto Martins
Johnny Menezes Alvarez
Mariana Paladino
Mônica Maria Raphael da Roza
Rejane de Mattos Moreira
Sonia de Almeida Pimenta
Sonia Maria Lopes Maciel
Ainoa Nuñez Caetano
Ana Flavia Souza Carvalho
Bruna de Brito Elia
Camila Martins da Costa Ribeiro
Carolina Barboza Catalani
Daniel Henrique Brunasso
Estela Cardoso Pereira
Estevão de Figueiredo Ribeiro
Jessica Maria Fonseca Calegário
Joshua Badu Sales
Lucas Cravo de Oliveira
Lucas de Mello Carpes
Maria Damaris Cavazza Vianna
Marina Ferreira de Souza
Rodrigues
Matheus Henrique B. M. Cruz
Murilo Silva Lanes
Pedro Henrique de Macedo
Pilar Saldanha de Miguel
Raisa de Barros França Motta
Renata Cabral Pereira dos Santos
Yohane Cardoso da Costa
Equipe Discente
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM ETNOEDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................. ................ 5
ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DO CURSO ................................................................................................ 8
ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO ................................................................................................................... 9
A crítica aos determinismos biológicos e a importância da Diversidade Cultural em Lévi-Strauss .... 10
O conceito de Identidade Cultural em Stuart Hall ................................................................................. 11
Glossário do primeiro encontro ............................................................................................................. 13
Educação Guarani, formação da pessoa e embates com a educação escolar ......................................... 14
“Um copo de Cultura” – A apropriação da escola como espaço de transmissão de conhecimentos
tradicionais: O caso dos Kaxinawá .......................................................................................................
17
Quilombolas crianças de São Raimundo de Taperu: infância diferenciada à luz dos direitos humanos 19
Crianças de camadas populares no Rio de Janeiro e a educação nos terreiros ....................................... 20
As crianças indígenas como mediadoras de diversos grupos sociais .................................................... 21
Referências Bibliográficas .................................................................................................................... 22
MÉTODOS DE PESQUISA ....................................................................................................... ......................... 23
Prévia à Pesquisa ........................................................................................................... ........................ 24
Primeiro Encontro: O que é método de pesquisa? ................................................................................. 25
Segundo Encontro: Planejando uma pesquisa ................................................................................... .... 26
Terceiro Encontro: Definindo como executar a pesquisa ..................................................................... 28
Quarto Encontro: A Etnografia e o Trabalho de Campo ....................................................................... 32
Quinto Encontro: A Etnografia local – O caso Katxuyana ................................................................... 33
Sexto Encontro: Conhecendo outras etnografias ............................................................................... .... 33
Referências Bibliográficas .................................................................................................................... 34
TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TICs) ................................................................ 36
Comunicação como encontro ................................................................................................................ 36
Conceitos e Proposições: O que é Comunicação? ................................................................................. 36
Como acontece a Comunicação? ........................................................................................................... 37
O que é mediação? ........................................................................................................... ...................... 38
O que é mensagem? ........................................................................................................... .................... 40
O que é Esteriótipo? ............................................................................................................................... 41
Construção de Narrativas e Expressões ....................................................................................... .......... 42
Referências Bibliográficas .................................................................................................................... 44
ANOTAÇÕES ..................................................................................................................................................... 45
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM ETNOEDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
APRESENTAÇÃO “A educação superior deve reforçar suas funções de serviço à sociedade, especialmente
as atividades voltadas para a eliminação da pobreza, da intolerância, da violência, da
fome, do analfabetismo, da degradação do meio ambiente e das doenças, principalmente
por uma abordagem interdisciplinar e transdisciplinar para a análise dos problemas e
desafios.”
(Conferência Mundial sobre Ensino Superior, promovida pela Unesco, Paris, outubro/1998)
A citação em epígrafe se alinha com a
perspectiva de expansão da Universidade Federal
Fluminense (UFF), a qual contempla a
interiorização como forma de cumprir a sua
inserção social estimulando atividades de ensino,
pesquisa e extensão – as quais constituem a base do
fazer das universidades – e também produzindo
conhecimento sobre questões regionais. É com esta
vocação que a UFF vem promovendo a
interiorização em todo estado do Rio de Janeiro e
também no Pará, por meio da Unidade Avançada
José Veríssimo (UAVJ), localizada no município de
Oriximiná e cujo principal objetivo é o de dar
continuidade ao trabalho basilar do fazer
universitário1.
As céleres mudanças que ocorrem no
mundo da produção no Brasil em geral e mais
especificamente na região amazônica nos levam a
refletir sobre os processos formativos que
almejamos para a região. É nesta perspectiva que o
Departamento de Artes e Estudos Culturais (RAE:
Rio das Ostras) propõe este Curso de Especialização
em Etnoeducação, em conjunto com os
Departamentos: Fundamentos Pedagógicos – (SFP-
FE: Niterói); Departamento de Direito de Macaé
(MDI: Macaé); Departamento de Psicologia (RPS:
Rio das Ostras) e, Departamento de Psicologia
(GSI: Niterói), visto que estes agregam docentes do
Programa Educação Patrimonial em Oriximiná,
além de professores externos da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro e (UFRRJ) e
Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
O Programa Educação Patrimonial em
Oriximiná/PA é uma ação de extensão da
Universidade Federal Fluminense vinculada ao
1 Sobre a UAVJ, consulte o site http://www.proex.uff.br/oriximina/, acesso em 05/06/2015.
Departamento de Artes e Estudos Culturais (RAE)
do Instituto de Humanidades e Saúde do Campus de
Rio das Ostras e ao Departamento de Psicologia de
(GSI/Niterói). Este Programa, desde o início, é
multidisciplinar quer seja na constituição de sua
equipe, quer seja na forma como concebe o processo
ensino/aprendizagem. Fazem parte da equipe do
Programa docentes e discentes da UFF bem como
membros das instituições parceiras.
Os objetivos do Programa podem assim ser
resumidos:
✓ Formação continuada de professores-
pesquisadores;
✓ Pesquisa sobre Etnoeducação e Patrimônio
Cultural;
✓ Formação complementar de discentes de
graduação.
As relações estabelecidas entre docentes da
universidade, alunos de graduação da UFF e de
outras universidades brasileiras e estrangeiras, e
com professores e alunos da rede pública de
Oriximiná se constituem em “espaços abertos e
heterogêneos” para falar, aprender, ouvir, pesquisar,
questionar, agir, criticar, ensinar. Desde sua
concepção em 2008, o programa realizou 7 oficinas
de formação continuada com professores da rede
municipal de ensino de Oriximiná sob a temática
Educação & Patrimônio Cultural e Etnoeducação,
com o intuito de refletir e propor ações de forma
sistemática e coletiva sobre as intervenções
realizadas nas escolas de Oriximiná.
A partir de 2012 iniciamos um processo de
experimentação da abordagem em etnoeducação.
Assim, naquele ano foram realizados projetos piloto
em 6 diferentes escolas. Desde então, um conjunto
de escolas, professores, coordenadores
pedagógicos, diretores, líderes comunitários,
5
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM ETNOEDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
barqueiros, merendeiras e estudantes – a cada ano –
se envolvem em projetos de etnoeducação. Este
novo fazer da etnoeducação procura articular a
etnografia sobre os saberes locais como elemento
deflagrador de processos educativos. Para tanto, são
escolhidos temas relevantes para cada comunidade
e, a partir da inspiração da prática etnográfica, são
realizadas pesquisas, entrevistas, fotos e vídeos etc
sobre saberes os fazeres tradicionais. Estes temas
são desenvolvidos em forma de projeto ao longo do
ano quando inúmeras e diferentes ações são
realizadas.
Atualmente, estas ações conjuntas dos
professores da rede pública municipal de Oriximiná
com o Programa Educação Patrimonial têm
motivado ambos os segmentos a construir juntos
processos de formação permanente para dar
respostas acadêmicas às realidades marcadas pela
diversidade cultural, tal como se constitui a proposta
metodológica da Etnoeducação.
A problemática que envolve a região
amazônica não é apenas a devastação do meio
ambiente e suas consequências. Estão ali presentes
questões que se relacionam com essa temática,
porém a extrapolam. A educação é uma delas. As
mesmas características da região que formam um
bioma extremamente vasto e culturalmente diverso,
também dificultam a execução de projetos e
programas educacionais, demandando ações
específicas. Estas ações específicas, no entanto, só
podem ser delineadas para o êxito se forem
construídas com a participação dos grupos culturais
a que se destinam. Entendemos que a atividade de
extensão universitária, mais especificamente o
Programa Educação Patrimonial, tem como
propósito evidenciar e dialogar com esta
diversidade, no sentido de construir conhecimento e
intervenções com todos os segmentos envolvidos.
Nesta perspectiva, a proposição de uma pós-
graduação lato sensu que se origina de um campo de
práticas extensionistas, deve assumir propostas
metodológicas de ensino e pesquisa coerentes com
as ações desenvolvidas neste campo.
As atividades desenvolvidas no campo do
Programa Educação Patrimonial apontam para um
cenário em que aspectos relacionados com a
diversidade cultural, com a instalação de
mineradoras na região, com o crescimento da
população jovem e urbana, bem como com a
exploração dos recursos naturais, reforçam a
necessidade de propostas de intervenção na região
cujo foco seja o etnodesenvolvimento.
O etnodesenvolvimento tem como
característica a relevância do nível local para suas
estratégias, dado que, nos dizeres de Little (2002) é:
(...) justamente nesse nível onde existem
maiores oportunidades para os grupos étnicos
exercerem influência nas decisões que lhes
afetam e, como consequência, promover
mudanças nas suas práticas econômicas e
sociais. É no nível local que começa o processo
de construção da autogestão étnica. (p. 8).
As experiências partilhadas ao longo da
existência do Programa Educação Patrimonial e que
resultaram na edição dos Cadernos de Cultura e
Educação para o Patrimônio (que já se encontra no
quarto volume), constituíram-se em práticas
aglutinadoras de metodologia e teoria,
caracterizando assim uma forma de mediação entre
conhecimento e ação que vem sustentar os
encontros etnográficos vivenciados no campo e que
constitui, para nós, a etnoeducação (Rocha, G;
Russi, A; Alvarez, J: 2013).
Em decorrência desta perspectiva, optar por
este processo como princípio metodológico para um
curso Lato Sensu significa assumir práticas
pedagógicas que valorizem os saberes constituídos
de forma autônoma e coletiva, expressos na
academia ou nas experiências comunitárias. Sendo
assim, a experiência acumulada no Programa de
extensão do qual decorre a proposta do curso em
tela possibilita novos processos formativos quer
seja para os bolsistas do Programa, quer seja para os
professores cursistas da rede pública de ensino.
Refere-se, neste caso, à proposta metodológica do
curso que prevê não só a participação dos bolsistas
do programa de extensão ao longo do curso como
mediadores do conhecimento – auxiliando cursistas
e docentes nos processos de desenvolvimento do
conteúdo programático das disciplinas, nos
encontros presenciais, como também se espera que
estes bolsistas, juntamente com os orientadores,
acompanhem os projetos e execução das
monografias. A construção e execução destes
projetos cujo princípio metodológico é a
etnoeducação – valorizando os saberes e as práticas
docentes locais – possibilitará a coesão que se
pretende entre as estratégias e os conteúdos de
ensino.
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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM ETNOEDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Ressalta-se que a etnoeducação como
princípio metodológico para um curso de
especialização voltado para profissionais da rede
municipal do ensino, bem como a atuação
mediadora de bolsistas do Programa de Extensão,
fazem deste projeto uma experiência ímpar, a qual
poderá enriquecer – além das práticas de extensão e
ensino – a pesquisa, como atividades basilares da
Universidade. Espera-se que este curso proporcione
inovadoras condições de aprendizagens para os
envolvidos nas origens e desdobramentos da
extensão universitária em questão.
Neste sentido, o objetivo deste curso é o de
promover a formação continuada em Etnoeducação
do Professor do Ensino Fundamental do município
de Oriximiná – PA, por meio de disciplinas
articuladas para a promoção de temas relacionados
à realidade local, adotando a reflexão e a
investigação como método e fim, de modo a
contribuir com sua autonomia para a prática
pedagógica, aportando elementos teórico-práticos
que viabilizem uma educação escolar básica com
qualidade social e pertinência cultural. Pretende-se,
assim, ampliar a reflexão de conceitos e práticas
fundamentais ao etnodesenvolvimento, o que
significa enfrentar, coletivamente, os desafios do
cotidiano das escolas públicas.
Notadamente, no contexto que se propõe a
formação, é imprescindível ampliar as estratégias e
modalidades a serem utilizadas. A educação
mediada por Tecnologias da Informação e
Comunicação (TIC) tem sido utilizada não só para
tornar viável a formação, como também para
contribuir com processos pedagógicos os quais se
contemplam exigências sociais contemporâneas.
Por esta razão, o Curso de Especialização em
Etnoeducação procura integrar alguns destes
recursos às ações presenciais, de modo a
democratizar ainda mais o acesso a novos espaços e
ações formativas, fortalecer a autonomia intelectual
no processo formativo e flexibilizar o planejamento
e execução dos estudos.
Esta proposta de formação destina-se à
equipe da escola, prioritariamente aos professores e
gestores, pois se entende que estes últimos, além de
atuar na dimensão administrativa, devem também
compreender as dimensões do trabalho pedagógico.
No primeiro ano de funcionamento da
Especialização são oferecidas 40 vagas. A carga
horária total será de 400h/a, a ser cumprida em, no
máximo, 18 meses, de modo a dar continuidade à
formação do perfil profissional para:
- Compreender a educação em todas suas
dimensões e formas de manifestações humanas,
visando à formação de sujeitos éticos,
participativos, críticos e criativos;
- Aprofundar a compreensão da
etnoeducação como processo de valorização dos
conhecimentos e práticas locais, inclusão e
instrumento de emancipação humana no contexto
de uma sociedade com justiça social;
- Dominar e implementar mecanismos e
estratégias que favoreçam a valorização dos
diferentes grupos étnicos e a participação dos
mesmos em órgãos colegiados, dentre eles o
Conselho Escolar;
- Participar ativamente da elaboração e
implantação do Projeto Político-Pedagógico da
escola, assegurando também a participação efetiva
de toda comunidade escolar, de forma coletiva e
colegiada.
- Atuar na escola visando efetivar o direito
à educação com qualidade social e pertinência
cultural, por meio de práticas pedagógicas coletivas,
da participação da comunidade nas decisões e pela
postura ética, crítica e criativa;
- Desenvolver, incentivar e consolidar,
práticas pedagógicas e relações socioeducativas que
favoreçam o trabalho coletivo, o partilhamento do
poder, o diálogo, o respeito Tecnologias dá à
diversidade e às diferenças, a construção de projetos
educativos e a melhoria dos níveis de aprendizagem
nos processos de ensino;
- Dominar e utilizar as Informação e
Comunicação na organização e nos processos de
trabalho, tomando-as dispositivos para a realização
de uma educação pautada no conhecimento e no
respeito à diversidade.
7
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM ETNOEDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DO CURSO
A Pós-Graduação Lato Sensu em Etnoeducação está organizada em regime para a
integralização curricular em 18 (dezoito) meses, sendo a carga-horária de componentes
curriculares de 400 horas, oferecidos em períodos a serem acordados com a Secretaria Municipal
de Educação de Oriximiná. No primeiro semestre dedica-se ao aprofundamento teórico da
temática. No segundo semestre, serão abordados temas aplicados às práticas pedagógicas,
enfatizando as investigações e a sistematização das experiências. No terceiro semestre, conta-se
com orientações específicas para a realização do Trabalho de Conclusão de Curso. Ressalta-se que
este se refere à escrita de um trabalho cujo tema se insere no campo educacional e de autoria
individual. O trabalho e sua apresentação pública constituem requisitos parciais para a obtenção
do título de Especialista em Etnoeducação. Em cada módulo consecutivo, e este é o diferencial do
curso, bolsistas orientados irão acompanhar a produção dos trabalhos dos cursistas em suas regiões
e localidades bem como em seus ambientes de trabalho.
PR
IME
IRO
MÓ
DU
LO
DISCIPLINAS CARGA
HORÁRIA
ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO 40
MÉTODOS DE PESQUISA 40
TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA EDUCAÇÃO 40
S
EG
UN
DO
MÓ
DU
LO
DISCIPLINAS CARGA
HORÁRIA
ARTE, DIVERSIDADE CULTURAL E EDUCAÇÃO 40
METODOLOGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM 40
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 40
TE
RC
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O
MÓ
DU
LO
DISCIPLINAS CARGA
HORÁRIA
SEMINÁRIOS EM ETNOEDUCAÇÃO
40
SEMINÁRIOS EM PATRIMONIO CULTURAL E EDUCAÇÃO 40
SEMINÁRIOS EM EDUCAÇÃO BÁSICA
40
SEMINARIOS EM DIVERSIDADE CULTURAL
40
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ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO2
Apresentaremos a seguir o planejamento dos três encontros do primeiro módulo
Encontros Conteúdo
1. Identidade, alteridade e a contribuição da antropologia na
problematização da diferença.
2. Perspectivas antropológicas em relação à educação e à aprendizagem
3. Diversas noções de infância e juventude
2 Caderno elaborado pela Profª Drª Mariana Paladino (FE/UFF), juntamente com a colaboração do Prof. Emílio
Nolasco de Carvalho (IPS/UFF) e estudantes vinculados ao Programa de Educação Patrimonial em Oriximiná: Bruna
D´Elia, Estevão Ribeiro, Murilo Lanes, Pedro Henrique Macedo, Pilar Saldanha e Yohane Cardoso.
Objetivos da disciplina:
Dentro de uma perspectiva
antropológica interessa aprofundar as
discussões sobre identidade, diversidade
cultural e diferença e sobre as relações de
aprendizagem e as noções de criança em
contextos de diversidade cultural. A disciplina
está dividida em dois momentos ou módulos,
cada qual com três encontros. O curso será
desenvolvido através de uma dinâmica
participativa que enfatizará a problematização
e a troca de ideias e experiências, estimulando
a reflexão crítica e a construção coletiva dos
conhecimentos. Pretende-se diversificar os
procedimentos metodológicos, combinando
aulas dialogadas com leitura comentada de
textos, vídeo debate e dinâmicas de oficina. A
avaliação será definida conjuntamente no final
de cada módulo.
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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM ETNOEDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
“A identidade é a relação contraditória entre o que herdamos e o que adquirimos em nossas experiências
sociais, culturais, ideológicas e de classe. O primeiro passo para o respeito à identidade cultural dos
educandos é o reconhecimento de nossa identidade. É na prática de experimentarmos as diferenças que
nos descobrimos como “eus’ e “tus”. Pois é sempre o outro enquanto tu que me constitui como eu na
medida em que eu, como tu do outro, o constituo como eu”
Paulo Freire
A crítica aos determinismos biológicos e a importância da Diversidade Cultural em Lévi-
Strauss
O texto “Raça e História” de Claude Lévi-Strauss
foi escrito após a II Guerra Mundial a pedido da
UNESCO, que encomendara o ensaio com o
objetivo de discutir o conceito de raça num contexto
em que ainda tinham força doutrinas que
sustentavam o evolucionismo social e a
desigualdade entre as raças. Lévi-Strauss centraliza
a discussão em torno da diversidade cultural, de
modo de deslocar a questão da busca pela
caracterização de raças em termos biológicos, para
argumentar sobre a importância de considerar as
características psicológicas, sociológicas e
históricas para a compreensão da humanidade.
Assim, a diversidade cultural e a originalidade das
contribuições culturais de populações da América e
Europa, bem como de qualquer cultura, se dão pelas
especificidades geográficas, históricas e
sociológicas, e não pela constituição anatômica ou
fisiológica de negros, amarelos ou brancos. Nessas
circunstâncias, não há evidências de que a
diversidade humana, intelectual, sociológica e
estética, se dê por relações de causa e efeito no
plano biológico.
A diversidade das culturas humanas é realizada em
sociedades justapostas no espaço e contemporâneas,
umas próximas outras afastadas, e em cada
sociedade ao interior nos grupos que a compõem.
Lévi-Strauss afirma que “a diversidade das culturas
humanas não nos deve levar a uma observação
fragmentadora ou fragmentada. Ela é menos função
do isolamento dos grupos que das relações que os
unem” (Lévi-Strauss, 1993, p. 333). A diversidade,
neste ponto, surge também como forma de distinção
em relações de proximidade, e não apenas como
fruto do distanciamento.
Ao problematizar o pensamento etnocêntrico, que
repudia formas culturais diferentes que estão
socialmente distantes das formas de identificação
daquela que somos próximos, Lévi-Strauss
argumenta que:
A atitude mais antiga, e que se baseia
indiscutivelmente em fundamentos
psicológicos sólidos (já que tende a
reaparecer em cada um de nós quando nos
situamos numa situação inesperada),
consiste em repudiar pura e simplesmente as
formas culturais: morais, religiosas, sociais,
estéticas, que são as mais afastadas daquelas
com as quais nos identificamos. ”Hábitos de
selvagens”, “na minha terra é diferente”,
“não se deveria permitir isto” etc., tantas
PRIMEIRO ENCONTRO
Neste primeiro encontro trataremos brevemente o que estuda a antropologia e especificamente a
antropologia da educação e abordaremos conceitos muito importantes para a disciplina, tais como
identidade, alteridade, diversidade cultural, etnocentrismo e relativismo cultural.
Tratam-se de conceitos complexos, explicados desde diferentes autores e teorias e que, na atualidade,
também são usados como fundamento de políticas públicas, principalmente nas áreas da educação,
cultura e saúde.
A seguir, apresentamos os fichamentos da obra de alguns autores que têm problematizado esses
conceitos.
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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM ETNOEDUCAÇÃO
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reações grosseiras que traduzem esse
mesmo calafrio, essa mesma repulsa diante
das maneiras de viver, crer ou pensar que
nos são estranhas (p. 333).
O autor mostra como o etnocentrismo, ou o
racismo, relega ao âmbito da natureza algo que
remete à cultura, como forma de negar a diversidade
cultural, tal como quando povos são chamados de
“selvagens” ou “macacos”, são lançados à natureza
em oposição à cultura, como aquilo que não se
conforma à norma sob a qual se vive do ponto de
vista do acusador. O pensamento evolucionista
social, traçado por Lévi-Strauss como falso
evolucionismo, em oposição ao evolucionismo
biológico como teoria científica, é uma tentativa de
suprimir a diversidade cultural quando pretende
estabelecer etapas de um desenvolvimento único,
impõe a convergência da humanidade para um
mesmo ponto, excluindo e submetendo as diferentes
sociedades e culturas que não se enquadram num
determinado padrão cultural.
O conceito de Identidade Cultural em Stuart Hall
O conceito de identidade é apresentado por Stuart
Hall como uma problematização originariamente
ligada aos modos históricos de produção e
representação do sujeito. Neste sentido, o autor
apresenta três formas de conceber a identidade,
atreladas ao sujeito do iluminismo, ao sujeito
sociológico e ao sujeito pós-moderno.
a) Identidade do Sujeito do Iluminismo:
Como parte essencial do mundo moderno ocidental,
a identidade do sujeito do iluminismo é marcada por
uma concepção essencialmente individualizada da
pessoa humana “como um indivíduo totalmente
centrado, unificado, dotado das capacidades de
razão, de consciência e de ação, cujo “centro”
consistia num núcleo interior” (Hall, 2005, p. 10-
11). Nesta concepção, o sujeito continua “idêntico”
a si mesmo desde o seu nascimento e ao longo de
toda a sua existência.
b) Identidade do Sujeito Sociológico:
A concepção sociológica de identidade é
apresentada por Stuart Hall como uma
consequência da crescente complexidade do mundo
moderno e da “consciência de que este núcleo
interior do sujeito não era autônomo e
autossuficiente” (Hall, 2005, p. 11). O autor
apresenta os estudos de G. H. Mead, de C. H.
Cooley e dos interacionistas simbólicos como os
principais representantes dessa concepção. Nesses
estudos pode-se observar uma concepção mais
interativa da identidade como produção social tanto
do que convencionamos ser “interior” à pessoa
quanto do mundo social em que ela é formada. O
sujeito passa a ser visto como formado na interação
com outras pessoas, de tal forma que a identidade já
não pode mais ser reduzida a um núcleo ou essência
interior do sujeito.
A identidade, nessa concepção
sociológica, preenche o espaço entre o
“interior” e o “exterior” — entre o mundo
pessoal e o mundo público. O fato de que
projetamos a “nós próprios” nessas
identidades culturais, ao mesmo tempo
que internalizamos seus significados e
valores, tornando-os “parte de nós”,
contribui para alinhar nossos sentimentos
subjetivos com os lugares objetivos que
ocupamos no mundo social e cultural. A
identidade, então, costura (ou, para usar
uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito
à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos
quanto os mundos culturais que eles
habitam, tornando ambos reciprocamente
mais unificados e previsíveis (Hall, 2005,
p. 11-12).
c) Identidade do Sujeito Pós-Moderno:
A estas duas concepções modernas de identidade,
Stuart Hall contrapõe uma terceira, pautada no
“sujeito pós-moderno”, que surge nas últimas
décadas do século XX, caracterizada não mais por
uma essência interior individualizada nem
tampouco por estruturas culturais fixas ou
permanentes como aquelas próprias às identidades
nacionais ou étnico/raciais. Para o autor, enquanto o
sujeito moderno era “previamente vivido como
tendo uma identidade unificada e estável”, uma
nova concepção fragmentária e móvel de identidade
vem surgindo nas últimas décadas do século XX, a
partir da qual o sujeito passa a ser composto, a cada
momento, não por uma, mas por várias identidades.
O sujeito assume identidades diferentes
em diferentes momentos, identidades que
não são unificadas ao redor de um “eu”
coerente. Dentro de nós há identidades
11
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM ETNOEDUCAÇÃO
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contraditórias, de tal modo que nossas
identificações estão sendo continuamente
deslocadas. Se sentimos que temos uma
identidade unificada desde o nascimento
até a morte é apenas porque construímos
uma cômoda estória sobre nós mesmos ou
uma confortadora “narrativa do eu”. A
identidade plenamente unificada,
completa, segura e coerente é uma
fantasia. Ao invés disso, à medida em que
os sistemas de significação e
representação cultural se multiplicam,
somos confrontados por uma
multiplicidade desconcertante e
cambiante de identidades possíveis, com
cada uma das quais poderíamos nos
identificar — ao menos temporariamente”
(Hall, 2005, p. 13).
* * *
Por fim, vale destacar as análises acerca dos efeitos
da “globalização” nas sociedades marcadas por uma
“modernidade tardia”, territórios historicamente
colonizados pelas e subordinados às grandes
potências. O autor critica, como um falso dilema, as
teorias que preveem uma homogeneização global
das identidades culturais ou ainda as teorias que
supervalorizam o retorno às raízes étnicas e/ou
nacionalistas.
Diferentemente dessas duas previsões, Stuart Hall
ressalta um quadro global marcado pelas migrações
e pela formação de culturas híbridas. Neste quadro
globalizante de formações de identidades as pessoas
operam menos por transição de uma cultura a outra
e mais por tradução.
Essas pessoas retêm fortes vínculos com
seus lugares de origem e suas tradições,
mas sem a ilusão de um retorno ao
passado. Elas são obrigadas a negociar
com as novas culturas e que vivem, sem
simplesmente serem assimiladas por elas
e sem perder completamente suas
identidades. Elas carregam os traços das
culturas, das tradições, das linguagens e
das histórias particulares pelas quais
foram marcadas. A diferença é que elas
não são e nunca serão unificadas no velho
sentido, porque elas são,
irrevogavelmente, o produto de várias
histórias e culturas interconectadas,
pertencem a uma e, ao mesmo tempo, as
várias “casas” (e não a uma “casa”
particular). As pessoas pertencentes a
essas culturas híbridas têm sido obrigadas
a renunciar ao sonho ou à ambição de
redescobrir qualquer tipo de pureza
cultural “perdida” ou de absolutismo
étnico. Elas estão irrevogavelmente
traduzidas (Hall, 2005, p. 89).
Assim, para Stuart Hall, a formação de culturas
híbridas e das novas identidades aí criadas é uma
das consequências das migrações pós-coloniais
(urbano-rurais, interioranas-metropolitanas,
interterritoriais, internacionais etc.) e do que o autor
denomina novas diásporas da modernidade tardia.
12
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Glossário do primeiro encontro
Cultura: Fenômeno unicamente humano, a cultura refere-se à capacidade que os seres humanos têm de dar
significado às suas ações e ao mundo que os rodeia. A cultura é compartilhada pelos indivíduos de um
determinado grupo, não se relacionando a um fenômeno individual. Por outro lado, cada grupo de seres
humanos, em diferentes épocas e lugares, atribui significados diferentes a coisas e a passagens da vida
aparentemente semelhantes.
Alteridade: Os dicionários registram apenas “qualidade de ser outro”, mas o termo é um conceito
importante na antropologia, por fazer referência ao efeito de reconhecimento ou mesmo de produção
cognitiva das diferenças. Uma relação de alteridade é uma relação com um outro no qual não nos vemos
refletidos. É oposto de identidade.
Diversidade: o conceito remete a diferença, dessemelhança. Deve-se considerar que as diferenças são
construídas culturalmente ao longo do processo histórico, nas relações sociais e nas relações de poder.
Muitas vezes, os grupos humanos tornam o outro diferente para fazê-lo inimigo, para dominá-lo. Por isso,
falar sobre a diversidade cultural não diz respeito apenas ao reconhecimento do outro. Significa pensar a
relação entre o eu e o outro.
Etnocentrismo: Termo forjado pela antropologia para descrever o sentimento genérico das pessoas que
preferem o modo de vida do seu próprio grupo social ou cultural ao de outros. O termo, em princípio, não
descreve necessariamente atitudes negativas em relação aos outros, mas uma visão de mundo na qual o
centro de todos os valores é o próprio grupo a que o indivíduo pertence. Porém, como a partir desta
perspectiva todos os outros grupos ou as atitudes individuais são avaliados tendo em vista os valores do seu
próprio grupo, isto pode gerar posições ou ações de intolerância.
Relativismo cultural: Trata-se de um princípio ético e metodológico próprio da antropologia que supõe
observar e entender sistemas culturais sem uma visão etnocêntrica em relação à sociedade do pesquisado.
Ou seja, as culturas são estudadas a partir dos simbolismos, valores e lógica delas e não das do pesquisador.
Importa nesta concepção captar o “ponto de vista do outro”.
Estereótipo: Consiste na generalização e na atribuição de valor (na maioria das vezes, negativo) a algumas
características de um grupo, reduzindo-o a elas e definindo os “lugares de poder” a serem ocupados. É uma
generalização de julgamentos subjetivos feitos em relação a um determinado grupo, impondo-lhes o lugar
de inferior e o lugar de incapaz, no caso dos estereótipos negativos.
Preconceito: Qualquer atitude negativa em relação a uma pessoa ou a um grupo social que derive de uma
ideia preconcebida sobre tal pessoa ou grupo. É possível então dizer que a atitude preconceituosa está
baseada não em uma opinião adquirida com a experiência, mas em generalizações que advêm de
estereótipos.
Racismo: É uma doutrina que afirma não só a existência das raças, mas também a superioridade natural e,
portanto, hereditária, de umas sobre as outras. A atitude racista, por sua vez, é aquela que atribui qualidades
aos indivíduos ou aos grupos conforme o seu suposto pertencimento biológico a uma dessas diferentes
raças, portanto, de acordo com as suas supostas qualidades ou defeitos inatos e hereditários.
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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM ETNOEDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.
Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados
são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros
engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo.
Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem
para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já
nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado
Rubem Alves.
Educação guarani, formação da pessoa e embates com a educação escolar3
Para compreender as concepções de
educação e aprendizagem do povo guarani, etnia
que ocupa os estados de Espírito Santo, São Paulo,
3 Trata-se de um texto elaborado a partir da leitura da monografia de Sandra Benites (2015), professora guarani,
formada pela Licenciatura Intercultural da Universidade Federal de Santa Catarina, e da dissertação de mestrado em
antropologia de Clarissa Melo (2008), também formada por essa universidade.
Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul, é importante entender como é concebido o
SEGUNDO ENCONTRO
Neste segundo encontro abordaremos algumas perspectivas antropológicas em relação à educação e a
aprendizagem.
A antropologia problematizou a forma em que esses conceitos costumam ser abordados pela pedagogia e
pela psicologia, destacando a necessidade de entendê-los no seu contexto social e histórico. Assim, um primeiro
ponto de partida é compreender que cada grupo social, comunidade e/ou etnia elaborou uma forma de educação
própria, que não se rege necessariamente pela lógica, valores e rotinas da educação escolar. Somos tão marcados
pela experiência escolar que temos dificuldade de desnaturalizar essa vivência e de concebê-la apenas como
UMA das inúmeras formas de ensinar e aprender. A clássica noção de educação postulada por Durkheim
(1978:41): “a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas
para a vida social”, ou seja, a ideia que é inconcebível pensar em “educação” fora de uma relação hierárquica
entre aqueles que sabem e aqueles que não sabem (os adultos e as crianças), é amplamente questionada pela
antropologia, ao mostrar outras modalidades e contextos de aprendizagem em que crianças e jovens aprendem
entre si e também “ensinam coisas relevantes” aos adultos. Cabe esclarecer que não se trata de a antropologia
ser contra a instituição escolar, nem contra os conhecimentos que se podem aprender através da escola. Mas
contra uma homogeneização da educação escolar como forma exclusiva de aprendizagem e dos conhecimentos
escolares como fontes únicas de sabedoria (Tassinari, 2009).
Existem inúmeras pesquisas antropológicas que dão conta dos impasses e conflitos entre essas duas
modalidades de educação, mas também das ressignificações e apropriações positivas que as comunidades
tradicionais fazem da escola.
Aqui escolhemos comentar brevemente duas, uma que mostra os processos próprios de aprendizagem do
povo guarani, que habita o sul e sudeste do Brasil, e os conflitos suscitados com os modelos educativos que a
escola pretende impor nesse contexto; e a outra, aborda o caso do povo kaxinawá, que habita o estado de Acre,
dando conta de como a escola cumpre um papel fundamental no contexto contemporâneo no fortalecimento e
valorização da cultura “tradicional”.
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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM ETNOEDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
corpo, a noção de criança e as diversas etapas da
vida no ciclo guarani.
Clarissa Melo, quem desenvolveu sua
etnografia nas aldeias Morro dos Cavalos e
Mbiguaçu, localizadas no sul e norte do estado de
Santa Catarina, respectivamente, destaca a
“importância da construção do corpo entre os
Guarani, pensando no processo de fabricação deste
corpo, como uma produção social da pessoa e dos
processos de ensino-aprendizagem que lhes são
próprios”. Tal colocação se refere não só ao aspecto
físico da formação corpórea, mas também ao
desenvolvimento do ser, que sucede a seu
nascimento. O processo de formação desse ser será
largo e cuidadoso, iniciando-se na gestação e
prosseguindo até a passagem para a fase adulta – e
depois. Como demonstra Sandra Benites, a
aprendizagem guarani depende e começa com o
nhe’ẽ, que é o fundamento da pessoa guarani (e ela
corrige a tradução usual de “palavra-alma” para
“espírito-nome”). Isso quer dizer que a
aprendizagem para eles começa muito antes da
idade escolarizada. Como a autora demonstra, a
formação da pessoa guarani começa já desde o
sonho que precede e anuncia a gravidez. Também o
ensino já é iniciado por esse processo pois a grávida
terá que aprender, assim como o futuro pai, os
cuidados referentes à formação desse ser.
Nesse sentido, os guaranis compreendem a boa
formação do corpo como resultado de um período
gestacional (e pós) bastante zeloso, atendendo às
restrições e costumes tradicionais como, por
exemplo, não manusear objetos cortantes – o que
fora apontado à Clarissa Melo, no período em que
conviveu com o povo guarani, como causa de uma
das crianças nascer com lábio leporino.
Além disso, a autora relata os estudos realizados
por Viertler (1979: 20-29) junto à comunidade
Bororo, mencionando a importância da cerimônia
de nomeação, em que fica marcado o início da vida
da criança, de modo que o recebimento de seu nome
se dá a partir dos traços de personalidade que essa
criança apresenta, o que passa a constituir sua
personalidade social. Processo bastante semelhante
se dá com os guarani, como pode observar Clarissa:
A criança só está completa quando
domina a comunicação humana e começa
a se expressar. Assim, demonstrando suas
características, poderá receber seu nome,
que será dado pelo opyguá (xamã), pois
um novo ser humano só existe porque os
deuses falaram do espírito que vem a essa
terra (Melo, 2005).
Ainda, a respeito das cerimônias de nomeação
guarani, Melo argumenta que os nomes recebidos
por cada pessoa são traduções de características
originárias dos planos celestes. A autora nos conduz
à compreensão de que existem particularidades em
torno do corpo e da formação do ser nas diferentes
sociedades e que, em razão disso, as relações dar-
se-ão de maneira distinta em cada uma delas. Em
seus termos: “É neste sentido que os corpos guarani
falam e demonstram características próprias que nos
remetem a processos de fabricação corporal, a
maneiras particulares de produzir e transmitir
conhecimentos pelo corpo expresso através de sua
relação com o tempo”.
O processo de aprendizagem se dá já no começo
da infância. São importantes algumas condutas por
parte dos pais (falar baixo, com paciência, etc.)
porque é nesse momento que as crianças aprendem
a gostar do lar/da vida. Também é crucial o contato
com as demais crianças, porque também aprendem
a partir das brincadeiras, que também são uma
forma de aprendizagem.
O aprendizado guarani é construído
continuamente, na medida em que a criança vai
ficando mais velha, assumindo novas
responsabilidades. Quando chegam ao que os não
indígenas chamam de puberdade, aumentam
algumas de suas responsabilidades. É nessa idade
que os meninos vão aprender na roca plantando, nos
mutirões, cortando lenha. Sempre trabalhando e
aprendendo com os mais velhos em um processo
que não é distinto, é uma constante aprendizagem
de saberes, não só saber fazer as coisas (a roca,
cortar a lenha) mas é nesse espaço que ouvem os
mais velhos, as histórias e conselhos sobre família,
filhos, e os demais aspectos da vida guarani, além
de ouvirem os mitos sagrados e as histórias de
origem guarani.
Ao contrário dos meninos, que aprendem se
movimentando, as meninas aprendem num local
específico. As meninas estão, nesse momento,
frágeis e precisam cuidar mais do corpo. Isso
envolve tanto se resguardar de atividades pesadas,
do espaço externo quando estiver muito sol ou
friagem, quanto está ligado com a alimentação. Ou
seja, a aprendizagem se dá das mais diversas formas
e sobre diversos aspectos para além do espaço
15
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM ETNOEDUCAÇÃO
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escolar. Além disso, para ambos os meninos e
meninas, a pintura corporal tem a importância de ser
uma proteção do jepota - contra as transformações.
Em suma, o educar guarani ocorre, como diz
Benites “enfatizando a nossa concepção de ser,
nossos costumes, nossa forma coletiva de educar”
(pág. 22).
Outro aspecto crucial na aprendizagem guarani
é, segundo a autora: “(...) com relação ao tekoa e a
importância de ter na nossa terra os elementos
importantes – nossas referências – para a nossa
educação, para a transmissão dos mbya arandu”
(dos saberes tradicionais). Então, a primeira
observação de Sandra foi como o local interfere
nessa aprendizagem. O modo de ensinar guarani é o
de aprender brincando e praticando, assim são
transmitidos os saberes. Então é fundamental a
relação com o espaço de moradia e vivencia e
atividades guaranis, os rios, onde se pesca, as matas,
onde se caca. Mas nem todas as aldeias guarani
contam na atualidade, devido aos processos de
desmatamento, com esses recursos.
A aprendizagem também se dá observando como
os adultos se comportam nos diferentes espaços. Se
a importância é de diferentes atividades e do ensinar
coletivo de diversos adultos, como pensar a escola
onde é só um mesmo espaço e poucos adultos
ensinando?
Tanto Melo como Benites problematizam o
modo como a escola parece desconhecer o
desconsiderar estes processos. Por exemplo, durante
o ritual de passagem que as moças indígenas guarani
realizam quando de suas primeiras menstruações,
por demandar reclusão e uma série de restrições, as
meninas permanecem impedidas de comparecer à
escola (durante o período correspondente a seus três
primeiros ciclos menstruais). Similarmente, os
rapazes, ao passar pela fase de mudança de voz, têm
de focar-se nos trabalhos de roça, caça, pesca etc.,
trabalhos que exigem tempo e vigor físico
incompatíveis com a dedicação à escola.
É importante perceber, contudo, que essa
dedicação às atividades e rituais de passagem
consistem no processo educacional e de formação
da pessoa fundamental para a vida do sujeito e de
sua comunidade. Reconhecendo a centralidade
desse aprendizado, que se dá fora do ambiente
escolar, e a necessidade de um bom diálogo entre
ambos os processos de aprendizagem (dentro e fora
da escola), as autoras defendem a adoção de uma
postura, por parte da instituição escolar, que
compreenda e respeite estas características.
Melo argumenta: “O disciplinamento
característico do modelo escolar ocidental esbarra
no sujeito guarani, demonstrando que educação é
também dança, canto, brincadeira; aprende-se junto
com os irmãos menores, as mães transitando pelo
espaço escolar e na sala de aula”. Desta forma, a
autora defende que, para os guarani, a escola “não
possui o papel incisivo de disciplinamento do corpo,
mas também de afirmação de identidades, de trocas
de saberes e conhecimentos”. A escola seria, nas
palavras de Tassinari (2001), “um espaço de
encontro entre dois mundos, duas formas de saber,
ou, ainda, múltiplas formas de conceber e pensar o
mundo”.
Para ilustrar a particularidade do processo de
educação e conhecimento nas aldeias guarani, Melo
relata o caso de uma professora não-indígena que,
ao recobrar a atenção dos estudantes ao quadro
negro, em vez de atraí-los à aula, acabou por afastá-
los da escola. A esse respeito, a autora argumenta o
papel central da oralidade, associada à gestualidade,
nos processos de transmissão de conhecimento dos
povos guarani – como de outros povos tradicionais.
A audição, por assim dizer, estaria ligada não só à
compreensão como a concebemos, mas ao
sentimento, ao bom entendimento do que é
transmitido. Como argumenta Clarissa, “acredita-se
que o ouvido seja o receptor dos códigos sociais ao
invés da mente ou do cérebro. A visão é um atributo
negativo, atribuída aos feiticeiros, pois ‘são eles
quem tudo veem’”. Também Menezes de Bastos
(1999), em seus estudos de etnomusicologia, aborda
o tema, identificando nos Kamaiurá não uma visão
de mundo, mas uma escuta de mundo.
Benites desenvolve várias críticas à forma como
a escola vem sendo implementada no contexto
guarani, especialmente numa aldeia de Espírito
Santo, na qual ela se desempenhou como
professora. Relata como exemplos das formas de
opressão impostas pelo sistema escolar, o
impedimento de atividades fora da sala de aula, ao
ar livre; o horário de aula inadequado para a
realidade – de manhã as crianças guaranis
geralmente dormem até mais tarde e à noite é
quando trocam conhecimento com os mais velhos
da família; conceito nem sempre trabalhado de
interculturalidade – os currículos não priorizam os
conhecimentos guaranis; a compartimentação de
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disciplinas. Assim, aponta a autora, o sistema
educacional deveria estar disposto a ouvir os
indígenas e não criar uma única forma de transmitir
saber e cultura escolar homogeneizante.
“Um copo de cultura”- A apropriação da escola como espaço de transmissão de
conhecimentos tradicionais. O caso dos Kaxinawá4.
“Explicaram-me que aqueles que vão
receber quem chega são cunhados ou
cunhados potenciais, classificados como
“primo mesmo”. Os primos recebem os
homens e as primas também deveriam descer
para receber as mulheres. Assim era
antigamente, iam buscar o primo, o traziam
para a casa e lhe davam caiçúma e carne até
ele não aguentar mais. Também parte dessa
“brincadeira”, como pude presenciar, é rodar
muito rápido com o primo chegante em torno
do esteio do kupixaw, dar um sopro bem alto
de buzina de rabo de tatu no seu ouvido e
soprar rapé dentro do seu nariz. Logicamente,
essa soprada não é nada leve e cabe ao txai
aguentar ao máximo sem reclamações.
Edmar, que não deve ser muito acostumado
com rapé, quase desmaiou com a soprada que
Martim lhe deu e passou todo o resto da festa
estendido no chão da sala de Manoel. Eu
estava um pouco febril e comentei com
Antônio, genro de Ceará e agente
agroflorestal do Novo Futuro, que não estava
me sentindo muito bem. Ele então
prontamente me ofereceu o copo que estava
segurando, garantindo-me que se eu tomasse
me sentiria melhor. Perguntei-lhe o que era:
“nossa cultura”, respondeu-me ele. “Nossa
cultura” era cipó [ayahuasca] e, bem... achei
que não era o melhor momento para se tomar
um copo de cultura kaxinawá”.
O trecho acima, escrito por Ingrid Weber,
apresenta uma descrição de alguns acontecimentos
referentes à “Brincadeira do txai”, denominação
Kaxinawá para um ritual de chegada, uma sucessão
de práticas que caracterizam uma recepção
promovida pela comunidade e, especificamente
nesse relato, evidencia um retorno de um membro
após um período de ausência. Weber, produzindo
uma análise de suas vivências como pesquisadora
na região, indica a partir deste relato um
4 Texto elaborado a partir da leitura da dissertação de mestrado de Ingrid Weber (2006).
fortalecimento das práticas tradicionais sob uma
ótica Kaxinawá de produção de cultura, nesse
processo, presencia-se na comunidade a
multiplicação dos espaços para as brincadeiras do
mariri (termo regional que significa “festa do
índio”), o aumento em diversos aspectos da noitada
do cipó e, entre outras questões, o grande
crescimento no interesse das mulheres de aprender
a tecer os desenhos Kene com o intuito de produção
de artefatos culturais. Nessa construção, Ingrid
Weber aponta para uma disseminação do conceito
de cultura, sob diversas perspectivas na
comunidade, como um fator que possui influência
nesses processos de intensificação de tais
manifestações e, de maneira um tanto quanto
poética, menciona seu diálogo com Antônio, onde
ele lhe oferece um “copo de cultura” para compor
conotativamente suas percepções.
Sustentando como principal foco de sua
dissertação o aspecto etnográfico da educação,
Weber, ao produzir uma breve contextualização
histórica das escolas na comunidade, depara-se com
um ensino que consolidava para o indígena uma
adequação ao mundo nawá (branco) e produzia um
distanciamento dos membros da comunidade em
relação aos aspectos culturais dos Kaxinawá. Em
contrapartida, a datar pelo período de suas visitas no
início deste século, Ingrid Weber aponta para uma
mudança neste cenário educacional, surge um
movimento de resgate cultural, de valorização da
identidade indígena conduzido por pessoas e
membros da comunidade participantes de
formações externas proporcionadas por
“organizações indígenas”. Tal processo de
intensificação da cultura promove um
fortalecimento de um modo de ser indígena, de
reafirmação de uma identidade e, na visão dos
professores, na medida em que se relaciona com
demandas externas, promove um discurso de união
entre brancos e índios. Como ela mostra, a
organização do movimento indígena no Acre e a
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luta para que o estado reconhecesse suas terras
tradicionais estão intimamente ligadas à
constituição de uma noção própria de "cultura”
“Prof. Manoel: (...) Então nesse caso
eu achei uma coisa triste quando eu cheguei
falando na escola que eu ia dar aula de língua
indígena, de hãtsha kuin [língua
kaxinawá], mas os pais dos alunos falaram
que o filho não queria que estudasse na
língua porque ele já conhecia a realidade da
língua, né, como falar e entendia, o
que precisava mais? Então achava que isso
não é coisa que tinha utilidade para
comunidade. Mas depois de três anos é que
começou a ter conhecimento, com a
ajuda da liderança, mais outros professores e
mais outras pessoas que se preocupam
pela comunidade e participaram em algum
curso das organizações indígenas, como
agente de saúde, junto com professor e o
liderança. Então essas pessoas deram
apoio a gente, né, e com isso várias reuniões
dentro da comunidade, falando que isso
era importante pra gente (...) Certo que nós
temos que conhecer o mundo dos
brancos, mas também nosso mundo é mais
importante para nós, índio. Então, foi
essa conversa que eu dei na cabeça dos pais
dos alunos, que foi decidido por eles. E
hoje, sentimos essa dificuldade. Então nós
temos que dominar os dois. Dominar os
dois para ver se melhora, porque se nós não
dominar a nossa língua, nós pensamos
que nós não somos valorizados como índio,
não temos apoios. É por isso que nós
estávamos perdendo muitos projetos, muitos
projetos da organização, muitas
visitas, muitas assessorias, muitos tipos de
apoio. Então foi com isso que as pessoas
se concentraram mais um pouco...”
“Prof. Ceará: (...) Aí, então, hoje é
uma coisa importante que tem que tá unindo
o branco com o índio, eu acho que a
linguagem tem que aprender os dois, pra
poder trabalhar junto, negociar junto, estudar
junto porque todo mundo vê que hoje, a vida
hoje é iguais, a luta hoje é iguais. E com isso
aí o professor também acha que nós temos
direito de chamar já o pai para reunião, aí nós
começamos a falar, pelo menos eu falo na
nossa linguagem, porque isso é importante
pro futuro daquela criança”.
Ponderando sobre seus relatos e vivências,
Ingrid Weber, a partir de uma visão etnográfica da
educação, sinaliza a escola Kaxinawá como uma
ferramenta de potencialização da cultura, e
caminhando nesse sentido, os professores indígenas
sustentam como fundamental a inserção nas escolas
dos cantos, das danças, da linguagem indígena, dos
ritos, da ayahuasca. A valorização de práticas
tradicionais e a composição entre essas práticas e os
processos de aprendizagem contribuem
vigorosamente para essa construção de identidade
da comunidade. Práticas desenvolvidas em tempos
pré-coloniais, como contar mitos, cantar músicas,
realizar e participar de rituais e tomar ayahuasca são
revalorizadas e "investigadas" pelos professores
kaxinawá e aplicadas na construção de um
programa de educação bilíngue e intercultural.
Weber discute, através de sua etnografia, certos
paradoxos suscitados pela implementação de
“conteúdos culturais” no âmbito escolar. Por
exemplo, os cantos de ayahuasca eram
tradicionalmente aprendidos no contexto das
cerimônias rituais. Atualmente, esses
conhecimentos estão dissociados dos espaços
tradicionais de transmissão e são ensinados na
escola, aproximando-se do “ideal democrático” em
que todos, indistintamente, devem ter acesso ao
mesmo tipo de conhecimento, o que contrasta com
a forma tradicional, segundo a qual os
conhecimentos estão vedados a certas pessoas ou
circulam entre grupos de parentesco ou de afinidade
específicos. No entanto, Weber observa ao mesmo
tempo a permanência de modalidades de
aprendizagem próprias aos Kaxinawá, que não se
orientam pela lógica da escola ocidental
contemporânea. Por exemplo, percebe que a
dinâmica dentro de sala de aula se pauta pelo
princípio do “interesse próprio”. Para esse povo, o
sucesso na aquisição de uma habilidade, qualquer
que seja ela, é considerado, fundamentalmente,
resultado da dedicação e do esforço do aprendiz, e
não da sabedoria ou da experiência do professor.
Desta percepção compartilhada, resulta a prática de
os professores kaxinawá orientar suas aulas para os
alunos mais “expertos” e “interessados”, ao
contrário do que seria pedagogicamente correto no
modelo ocidental (o professor se dedicar com maior
afinco aos alunos com pouco interesse ou
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dificuldades de aprendizagem). Assim, vemos
interessantes continuidades dos processos de
transmissão cultural deste povo operando no espaço
escolar.
Exercícios de ser criança
No aeroporto o menino perguntou:
- E se o avião tropicar num passarinho?
O pai ficou torto e não respondeu.
O menino perguntou de novo:
- E se o avião tropicar num passarinho triste?
...A mãe teve tonturas e pensou:
Será que os absurdos não são as maiores
virtudes da poesia?
Será que os despropósitos não são mais carregados de poesia
do que o bom senso?
Ao sair do sufoco o pai refletiu:
Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças.
E ficou sendo.
Manoel de Barros
Quilombolas crianças de São Raimundo de Taperu: infância diferenciada à luz dos direitos
humanos
O artigo da pesquisadora Carine Costa Alves
(2014) é fruto de uma etnografia realizada em uma
comunidade Quilombola, no município de Porto de
Moz, na comunidade de São Raimundo de Taperu,
Pará. A abordagem da autora é de extrema
relevância nos debates atuais sobre questões
delicadas a respeito do ‘’ser criança’’ e a noção de
infância. Por perceber a importância da vivência na
comunidade quilombola, Carine opta por adotar
uma inversão sugerida por Oliveira (2014): de
criança quilombola para quilombola criança. Esse
movimento permite uma percepção do mundo da
criança enquanto algo contextualizado, localizado
em um espaço-tempo de vivência da cultura, do
corpo e, assim, da infância quilombola.
A autora divide o artigo em quatro
momentos: (1) os aportes metodológicos da
pesquisa, assim como a motivação que a levou se
debruçar sobre o tema; (2) começa a adentrar no
mundo quilombola, a partir da percepção da
reprodução e produção dos seus modos de vida em
comunidade; (3) Se debruça sobre um material
Neste encontro vamos discutir sobre múltiplas concepções e vivências da infância e da juventude, entendendo-
as não como etapas universais no ciclo de vida do homem, mas como categorias que adquirem significado de
acordo com contextos culturais específicos e em tempos históricos determinados. Ou seja, a antropologia
entende que “infância” e “juventude” não podem ser definidas previamente a partir da delimitação de uma faixa
etária, mas são categorias construídas socialmente. Também pretendemos questionar a experiência escolar como
definidora da infância em geral e analisar outras situações e contextos para pensar na condição de infância não
atrelada à condição de aluno.
A chamada “antropologia da criança”, uma área de indagação nova para esta disciplina, chama a atenção para
quatro aspectos que aparecem recorrentemente nas pesquisas etnográficas, especialmente entre povos indígenas,
comunidades tradicionais e camadas de classe popular no contexto urbano: a) O reconhecimento da autonomia
da criança e de sua capacidade de decisão; b) o reconhecimento de suas diferentes habilidades frente aos adultos;
c) o papel da criança como mediadora de diversas entidades cósmicas; d) o papel da criança como mediadora
dos diversos grupos sociais
A seguir algumas etnografias que nos podem ajudar nesta discussão:
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etnográfico das quilombolas crianças, tentando
entender a construção da realidade local no contexto
cultural vivido por elas; e (4) Carine vai trabalhar
em cima do material dos direitos da criança e
perceber como eles atravessam ou não a realidade
das quilombolas crianças.
Carine é enfática ao destacar o termo pensado
por Corsaro, chamado ‘’reprodução interpretativa’’,
pois percebe que o pesquisador precisa devolver a
agência da criança enquanto ser atuante na cultura.
Esse termo alude ao fato de que as crianças, além de
interiorizarem o que os adultos passam a elas,
também criam possibilidades de existência a partir
de negociações com o mundo adulto, nas relações
cotidianas entre elas e com o território. Carine, no
primeiro momento do texto, adentra em
características da comunidade quilombola, já
chamando atenção para uma criança que é ativa nas
atividades cotidianas e que, assim, é sujeito de seus
agenciamentos, do seu processo de aprendizagem e
de uma sociabilidade que produz um modo de vida
diferenciado. Nesse sentido, a autora traz a rotina da
criança atrelada ao cotidiano dos adultos (como o
trabalho na roça, o trabalho doméstico, etc), sem
cair na armadilha de ‘’adultos em miniatura’’, mas
crianças plenas que, por não fazerem dissociação
entre o trabalho e a brincadeira, acabam acionando
uma dinâmica diferenciada que as permite
experimentar o cotidiano de forma diferente dos
adultos; ou, nas palavras de Cohn (2005): ‘’a
diferença entre as crianças e os adultos não é
quantitativa, mas qualitativa; a criança não sabe
menos, sabe outra coisa’’.
Carine faz questão de lembrar-se da relação
interessante que há entre a quilombola criança e a
Natureza, pois é a partir dela que muitas invenções
surgem: as águas do rio, os galhos e paus com
formatos diferentes, caroços de frutas, (etc) acabam
virando, criativamente, sempre outra coisa. É,
então, no movimento do brincar, trabalhar e do
aprender que o processo criativo se revela, sem
haver um limite exato entre um e outro, já que tudo
é parte integrante do processo educativo do ser
quilombola.
Adentrando já na parte final do artigo, Carine
vai contrapor a realidade da comunidade de São
Raimundo de Taperu com a pretensa universalidade
dos direitos da criança acerca, especialmente, da
questão bem polêmica do trabalho infantil. Dito
isso, a autora vai, através da etnografia, verificar
que as leis relativas à proteção e amparo para o
desenvolvimento saudável de toda criança no
território nacional não se aplicam na relação que as
quilombolas crianças constituem com o trabalho, já
que a prática cotidiana é, ao mesmo tempo,
‘’cultural, educacional e econômica’’ (Alves, p.
180).
Para finalizar, a autora traz uma contribuição
interessantíssima para aquilo que Cohn chama de
‘’Antropologia da Criança’’ (2005), pois percebe o
processo de aprendizagem não simplesmente como
algo ‘’formal’’, relacionado ao meio escolar, mas
também aquele dito ‘’informal’’, que é a ‘’constante
interação com as outras crianças, com os adultos e
com o ambiente em que vivem, assumindo, de
acordo com o que necessitam e acreditam, papéis
sociais importantes para suas relações’’ (2014, p.
179).
Crianças de camadas populares no Rio de Janeiro e a educação nos terreiros
O livro da autora Stela Guedes Caputo,
Educação nos Terreiros, trata-se de uma etnografia
realizada em Candomblés, resultado de um trabalho
de campo de cerca de 20 anos, principalmente no
terreiro Ilé Omo Oya Leji, localizado no Rio de
Janeiro. O objetivo do estudo foi compreender a
educação de crianças nos terreiros de candomblé. A
autora identificou no decorrer de sua pesquisa que
as crianças e adolescentes no ambiente dos
candomblés desempenham funções como os
adultos, ao receberem cargos na hierarquia do culto
e aprenderem um vocabulário em yorubá. Muitas
são iniciadas e algumas, depois de um longo
aprendizado, estão preparadas para receber os
Òrìsà. As crianças estão misturadas aos adultos nos
terreiros. Devem, sim, muito respeito aos mais
velhos, mas são igualmente respeitadas por eles. No
terreiro, é o tempo que a pessoa tem de iniciado que
conta. A antiguidade iniciática é superior à idade
civil. Por exemplo, se um adulto chega ao terreiro
para começar a aprender a religião, uma criança já
iniciada pode perfeitamente ser responsável por lhe
20
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
passar os ensinamentos. Contudo, no ambiente
escolar, foram relatados episódios de discriminação
religiosa e tensões com religiões evangélicas, de
modo que crianças escondem suas práticas e
identificação religiosa na escola. Além disso, a
instituição parece desconhecer os conhecimentos e
práticas dessas crianças, infantilizando-as.
A pesquisa de Caputo revela a importância da
ancestralidade e dos valores religiosos na formação
das crianças que crescem nos ambientes do
candomblé e possuem relações de parentesco com
pessoas que exercem cargos de responsabilidade no
terreiro e que geralmente moram próximo ou dentro
desse espaço. A iniciação das crianças na religião é
determinada principalmente pela relação de
parentesco; a familiaridade e convivência são
elementos preponderantes no crescimento das
crianças. A autora revela as tensões que a religião
tem com o ambiente escolar, à medida que as
crianças relataram sofrer perseguições. Luana, neta
da mãe de santo anunciada por Yánsàn como
sucessora de Mãe Palmira de Yánsàn para chefiar o
terreiro. “Eu agora quero ser crente, porque na
escola só gostam dos alunos crentes!” (p. 108, relato
de campo). Dois anos após essa fala, Luana pareceu
estar firme e mudar de opinião, assumindo sua
posição na hierarquia de seu terreiro.
Os terreiros, para a autora, são espaços de
circulação de saberes, conhecimentos e de
aprendizagens, onde no cotidiano se aprende e se
ensina com ervas, comidas, confecção de contas, as
músicas, as oferendas, os rituais, as danças, os
artefatos, a arte, a vida e a morte. Na observação do
ambiente escolar e nas entrevistas às crianças e
adolescentes, Caputo mostra como as crianças de
candomblé sofrem humilhações em diferentes
escolas e que para escapar da discriminação criam
estratégias para se tornarem invisíveis. As relações
também são tensas, afirma a autora, pela forte
influência religiosa cristã sob a esfera pública e na
realização de um ensino religioso cristão, indo
contra a perspectiva de um Estado laico. As
professoras de ensino religioso observadas eram
todas evangélicas e foi relatado o discurso de que
nas escolas não haviam estudantes do candomblé,
ou um número desconsiderável, e que a maioria dos
estudantes eram cristãos. A autora relata como a
seleção dos conteúdos privilegia estudantes
católicos e evangélicos e questiona porque Jesus
pode entrar na escola e Èsú não?, e problematiza a
questão racial, sobre como os orixás negros não são
permitidos de serem expressados nos ambientes
escolares, diferente dos símbolos e figuras cristãs. A
autora define essa realidade como monocultural e
obscurantista de perseguição às religiões afro-
brasileiras e defende uma perspectiva educacional
multiculturalista, em que a diversidade cultural seja
difundida na escola.
As crianças indígenas como mediadora de diversos grupos sociais
Clarice Cohn, uma importante
pesquisadora da antropologia da criança, relata na
sua etnografia entre os Xikrin (2000), subgrupo
kayapó habitante do estado de Pará, como as
crianças têm a liberdade de entrarem em casas e
territórios que não são de seu grupo familiar,
tendo uma visão ampla de tudo o que ocorre na
aldeia.
Essa espécie de “passe-livre social”
conferido para as crianças é extremamente útil
para a sociedade xikrin como um todo, na medida
em que podem tomar conhecimento de quase tudo
que acontece na aldeia e podem rapidamente
informar os adultos, confinados nos espaços
adequados para seu grupo familiar. Desta forma,
através das crianças, informações restritas são
redistribuídas por toda a aldeia, interpretadas e
apropriadas pelos adultos.
Pode-se afirmar, portanto, que é a
qualidade “abelhuda” das crianças que garante a
manutenção de certa moralidade. Elas estão em
toda parte e é através delas que atitudes
moralmente inadequadas podem se tornar
conhecidas por todos.
Nessas situações, uma configuração social
que dá às crianças a “liberdade” de percorrer
espaços interditados aos adultos – ao contrário do
que a sociedade urbana de classe média faz,
restringindo-lhes os espaços de circulação - é
capaz de garantir posições de participação social
bastante concretas e exclusivas às crianças. É
nessa medida que a participação social das
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crianças se efetiva, contradizendo a noção
durkheimiana das “gerações que não se
encontram ainda preparadas para a vida social”
(com referência a um modelo exclusivamente
adulto de sociedade, no qual a participação
infantil só é possível na condição de aprendizes
para ocupar as posições adultas). Esse
reconhecimento das posições das crianças como
mediadoras dos grupos sociais aparece de forma
recorrente nas etnografias mencionadas sobre
infância indígena. Daí decorre não apenas um
lugar de participação plena na vida social, mas
também de produtoras de sociabilidade e de
situações de aprendizagem (Tassinari, 2009).
Referências Bibliográficas
ALVES, Carine. “Quilombolas crianças de São Raimundo de Taperu: infância diferenciada à luz dos
Direitos Humanos”; Revista Ponto-e-vírgula, 2014, p.163-184.
http://revistas.pucsp.br/index.php/pontoevirgula/article/view/25236
BENITES, Sandra. Nhe’ẽ, reko porã rã: nhemboea oexakarẽ. Fundamento da pessoa guarani, nosso bem-
estar futuro (educação tradicional): o olhar distorcido da escola. Trabalho de Conclusão de Curso da
Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), 2015.
CAPUTO, Stela Guedes. Educação nos terreiros e como a escola se relaciona com crianças de candomblé.
Rio de Janeiro: Pallas editora, 2012.
COHN Clarice (2000): “Crescendo como um Xikrin: uma análise da infância e do desenvolvimento infantil
entre os Kayapó-Xikrin do Bacajá”. (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
77012000000200009)
COHN Clarice (2013): “Concepções de infância e infancias. Um estado da arte da antropologia da criança
no Brasil”. (http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/viewFile/15478/10826)
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
LÉVI-STRAUSS, Claude. “Raça e História”, em _____Antropologia Estrutural II. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1993.
MELO, Clarissa. Corpos que falam em silêncio. Escola, Corpo e Tempo entre os Guarani. Programa de
Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa, dissertação de mestrado;
Florianópolis: UFSC, 2008.
TASSINARI, Antonella (2009) “Múltiplas Infâncias: o que a criança indígena pode ensinar para quem já
foi à escola ou A Sociedade contra a Escola”, comunicação apresentada no 33º Encontro da ANPOCS,
2009.
WEBER, Ingrid. 2006. Um copo de cultura: os Huni Kuin (Kaxinawá) do rio Humaitá e a escola. Rio
Branco: Edufac. 255pp.
22
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM ETNOEDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
MÉTODOS DE PESQUISA5
Encontros Conteúdo
Profª
Son
ia P
imen
ta 01
O que é método de pesquisa
Quais pesquisas conhecem? Como foram feitas? Quais as dificuldades?
02 Planejando uma pesquisa: o projeto
O que pesquisar? Por que? Para que pesquisar? Como pesquisar?
03
Executando a pesquisa Quais os tipos de pesquisa?
Profª
Ad
ria
na
Ru
ssi
04
A etnografia
Teoria e Método do trabalho de campo
05 A etnografia local
O caso Katxuyana
06 Conhecendo outras etnografias
Apresentação e discussão de outras etnografias
5 Texto escrito pela Profª Drª Sonia A. Pimenta (UFPB/UFF), juntamente com a colaboração da equipe do
Programa de Educação Patrimonial, conforme indicado nas notas de rodapé.
EMENTA
Elaboração, normas e apresentação
de trabalho acadêmico-científico.
Conhecimento e método científico.
A pesquisa científica: construção,
objetivos, procedimentos e
tipologia. Projetos de pesquisa.
Ferramentas de apoio à pesquisa
OBJETIVOS DA DISCIPLINA:
Esta disciplina, oferecida para discentes de um Curso de
Especialização, parte do pressuposto que estes já possuem referências
básicas sobre o trabalho acadêmico científico, em decorrência de suas
graduações, o que nos leva apenas a apresentar os modos de sua
formalização e apresentação. Sendo assim, nosso propósito é o de
instrumentaliza-los com métodos e processos para as diferentes
etapas de pesquisas em diferentes contextos, sobretudo os que
constituem a própria realidade.
Para a consecução destes objetivos, a disciplina está dividida em dois
momentos, cada qual com três encontros. Apresentaremos a seguir o
planejamento de cada encontro. É preciso considerar que este
planejamento servirá de referência para os discentes e docentes sem,
contudo, corresponder ao processo que se dará inclusive com a
atuação de todos os envolvidos nesta pós-graduação em seus campos
de atuação. No caso desta disciplina especificamente, os temas das
aulas serão postos e o seu desenvolvimento terá como base a
dialogicidade e a participação ativa dos discentes. A avaliação será
definida conjuntamente no final de cada módulo.
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Prévia à pesquisa6
Escrever também é um processo de se empoderar. De se ver (e se mostrar) enquanto ser
pensante, vivente, sentinte. Dá medo. É se lançar no escuro. E quando as pupilas vão, aos
poucos, deixando o ofuscamento, começar a enxergar o quanto
ainda falta para ver.
(Karoline Ferreira Martins, 2015, p. 6).
A epígrafe destacada demonstra um pouco de uma
das facetas do que este texto pretende introduzir: o
trabalho acadêmico. Ainda que este possa ser
realizado de formas variadas, a pesquisa acadêmica
se configura como parte fundamental deste ofício,
causando ansiedade e, até mesmo, pavor naqueles
que se comprometem a realizá-lo. Há quem diga que
o trabalho acadêmico, manifestado a partir das
investigações científicas, precisa ser feito com
dureza, sofrimento, e horas de solidão. Estes são
alguns dos jargões tradicionais que circulam em
torno da universidade, e que, muitas vezes, mais
servem para afastar a criatividade do pesquisador do
que para estimulá-la. Pretendemos desconstruir essa
perspectiva, demonstrando que a insegurança e as
inquietações não precisam ser encaradas como
limitadores da pesquisa, tampouco são sinais de
incompetência ou imaturidade. Pesquisar pode (e
deve!) ser um exercício a se fazer com prazer,
instigado pela curiosidade e desejo de
transformação.
Débora Diniz, antropóloga e professora de
metodologia de pesquisa da Universidade de
Brasília, escreveu um pequeno livro, intitulado
“Carta de uma orientadora: o primeiro projeto de
pesquisa” (2013), no qual ela estabelece um diálogo
prévio à orientação acadêmica com seus estudantes
orientandos. O texto, fruto de um compilado de
questionamentos recebidos ao longo de vários anos
como professora orientadora, tenta responder e
acalmar os ânimos daqueles que estão se
descobrindo como escritores, ao encarar um
importante projeto de pesquisa: o trabalho de
conclusão de curso. Sabemos que não há fórmula
perfeita para percorrer este caminho metodológico.
Assim como não há receita pronta que afague
universalmente os ânimos inquietos dos
pesquisadores iniciantes. Ainda que isto seja
verdade, gostaríamos de, inspirados nos escritos de
Débora Diniz, trabalhar para que façamos deste
momento de descoberta da pesquisa acadêmica algo
singular, colocando-nos na posição de intervir no
mundo, como atores sociais que ensinam e
aprendem, a partir do diálogo com a realidade.
Seguindo as orientações escritas na carta
referida, dizemos que um primeiro e essencial passo
a ser dado neste momento da pesquisa é a busca por
um tema de pesquisa. Este será o embrião de todo o
trabalho que se segue adiante. Em razão disto, é
preciso um tema forte, que nos atice a curiosidade e
nos impulsione a discuti-lo. A partir dele, estaremos
mais próximos de descobrir qual é o nosso problema
de pesquisa, do qual falaremos ao longo dos nossos
encontros. Não há regras para tanto. Uma boa
temática pode surgir de qualquer inquietação que o
mundo nos coloca. Este talvez seja um bom ponto
de partida, conforme indica Paulo Freire (1987):
seguir desde a realidade e os problemas que nos
cercam. É fundamental que acreditemos no
potencial da pesquisa para a transformação social.
Este é o sentido político de um trabalho acadêmico.
Ao nos descobrirmos pesquisadores, marcados por
um determinado local e tempo histórico, esperamos
refletir sobre as palavras de Nilma Lino Gomes, nas
quais somos convidados a pensar que:
Trata-se de questionar a neutralidade da ciência, tornando explícita a dependência da atividade
da pesquisa científica das escolhas sobre os temas, os problemas, os modelos teóricos, as
metodologias, as linguagens e imagens e as formas de argumentação. Ou seja, toda
investigação científica é contextualmente localizada e subjetivamente produzida. (2010, p.
493)
6 Por Lucas Cravo de Oliveira, graduando em Direito – UFF/ Campus Macaé.
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Primeiro Encontro: O que é método de pesquisa?
Neste primeiro encontro gostaríamos de
estabelecer um diálogo acerca do que se conhece
sobre os modos de fazer pesquisa e para que serve.
Ao iniciar esta questão, é fundamental compreender
a pesquisa como um procedimento racional e
sistemático cujo objetivo é proporcionar
respostas aos problemas levantados. É sempre
bom lembrar que problema em pesquisa não tem o
mesmo significado popular de alguma coisa
negativa, mas pode significar uma oportunidade de
se obter conhecimento acerca de um determinado
fenômeno, que pode estar causando danos ou nos
possibilitando novos ganhos. Por exemplo,
podemos tomar como problema de uma pesquisa as
dificuldades de aprendizagem ou a aceitação de um
livro didático. Em todo caso, o ato de pesquisar
necessita de um planejamento contínuo e
sistemático que se inicia com a formulação do
problema e segue até a discussão dos dados. Este
planejamento é constante sobretudo porque em
Ciências Sociais a realidade pode nos surpreender a
cada fase, carecendo então de redefinição de nossos
planos. Entretanto, é este planejamento (sob a forma
de um projeto com definições claras) que dará o
caráter científico de sua pesquisa, na medida em que
é no projeto que se define o problema e os objetivos
de pesquisa, bem como os meios para atingi-los, ou
seja, a metodologia.
A metodologia é o estudo da organização
para realizar a pesquisa ou investigação, ou para
fazer ciência. Ela vai além das escolhas
procedimentais e indica a escolha teórica para o
pesquisador abordar o objeto. Neste sentido, o
conhecimento científico será aquele produzido
pela investigação científica através de seus
métodos. Para que o conhecimento se desenvolva,
é necessário que ele seja difundido, compartilhado,
socializado – garantindo que outros pesquisadores
possam aprofundá-lo ou modificá-lo. Sendo assim,
a metodologia toma para si o modo como este
conhecimento é construído (conteúdo) e a sua
forma, tornando-o passível de ser apresentado e
discutido.
No que diz respeito à forma de apresentação
deste conhecimento, é fundamental que seja
7 Associação Brasileira de Normas Técnicas. Estas Normas são, periodicamente, revisadas.
construído segundo algumas normas. Estas normas
– no caso brasileiro – são difundidas pela ABNT7, a
qual orienta a formatação para a difusão do
conhecimento. Você poderá encontrar todas as
referências para a elaboração dos trabalhos
acadêmicos no arquivo digital:
“1_Manual_Trabalhos_Academicos.pdf”. Embora
saibamos que é extremamente árdua a tarefa de
seguir esta normatização, há de se ressaltar que ela
é necessária na medida em que ela possibilitará a
padronização para a indexação de trabalhos
científicos em bases de bibliotecas nacionais e
internacionais.
Considerando que este processo de
construção de conhecimento se faz a partir da
realidade empírica (da observação de fatos e
fenômenos em seu estado natural) e da apropriação
do conhecimento já sistematizado, ressalta-se a
necessidade de se estabelecer competências
referentes ao trato da informação (compreensão
de textos teóricos – identificando fontes,
registrando-as por meio de resenhas, resumos,
fichamentos); competências cognitivas
(identificando proposições, estabelecendo relações,
inferindo, demonstrando, argumentando,
explorando conceitos, argumentando,
interpretando, formulando hipóteses ou mesmo
autocorrigindo-se); e, ainda, as competências para
elaboração própria (analisando e apreciando
criticamente textos teóricos, apresentando e
discutindo temas fazendo uso de referências).
Para que as referências de
conhecimentos já construídos sejam utilizadas de
forma a somar na construção de novos
conhecimentos, tais competências devem ser
acionadas e utilizados os procedimentos de
fichamento e resenha. São procedimentos que, se
bem elaborados, contribuem enormemente com a
atividade do pesquisador, pois registram o que já foi
dito e como já foi dito sobre um determinado tema.
Um fichamento, para atender ao trabalho
acadêmico-científico deve: conter a identificação da
Obra consultada; registrar o seu conteúdo, bem
como as reflexões proporcionadas pela leitura;
organizar as informações contidas; e, ampliar a
25
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leitura – que significa instigar, reportar a outras
referências sobre o mesmo tema. A resenha, por sua
vez, apresenta de forma sucinta e aprecia
criticamente o conteúdo de uma obra. Para tanto,
deve conter o resumo das ideias principais da obra;
uma apreciação crítica das informações e da forma
como foram apresentadas, ou seja, uma avaliação;
bem como uma justificativa da apreciação realizada.
Importante também é conter a contribuição da obra:
novos conhecimentos, teorias. As abordagens dos
textos (referências) com vistas a construir
conhecimento podem ser vislumbradas no arquivo
digital:
“2_Elaboração_trabalhos_acadêmicos_científicos”
. Também neste arquivo estão dispostos os modos
elaborar citações de diferentes tipos de documentos
ou arquivos.
Obviamente não são somente as
competências do mundo acadêmico que fazem um
bom pesquisador, mas certamente elas contribuem
na elaboração do trabalho e o torna compreensível
para outros pesquisadores. Mas afinal, o que mais
seria importante para uma boa pesquisa? Mirian
Goldemberg, em seu Livro “A arte de pesquisar”
(arquivo digital: 3_Arte_de_Pesquisar), sugere que,
além da metodologia, são necessárias a criatividade
(para se adaptar aos “imponderáveis da vida real”, a
disciplina (para superar as dificuldades), a
organização (para lidar com as informações) e a
modéstia (para reconhecer sempre a parcialidade do
conhecimento). Mais um “ingrediente” poderia aí
ser somado: a paixão (para se encantar sempre com
o que descobre e procurar descobrir mais). Embora
paixão possa ser considerada a antítese da razão e,
portanto, da atividade de pesquisa, ela é
fundamental para que haja o aprofundamento
sistemático do tema escolhido.
No caso das pesquisas em Ciências Sociais,
mais especificamente das pesquisas qualitativas, o
que se pretende é o aprofundamento do que envolve
as ações sociais (valores, crenças, motivações,
sentimentos e significados), a partir do
reconhecimento da subjetividade destas ações.
Também é no livro de Mirian Goldemberg que
encontramos a discussão sobre a cientificidade
destas pesquisas, a qual se constitui não por meios
estatísticos (como a pesquisa quantitativa) mas sim
pela compreensão do significado, pela descrição
densa do fenômeno no contexto – ou seja, pela
intensidade e imersão em que o pesquisador observa
e participa dos fenômenos investigados. Em outras
palavras, não é a quantidade de dados (entrevistas,
depoimentos, casos) que dará confiabilidade à
pesquisa, mas a análise sistemática de diferentes
perspectivas. Também é importante ressaltar que
uma pesquisa não abarca todas as faces de um
fenômeno, escolhas são necessárias e devem ser
delimitadas e descritas para tornar possível observar
diferentes aspectos, com diferentes enfoques e
proporcionar assim a compreensão profunda do
fenômeno.
Segundo Encontro: Planejando uma Pesquisa8
Planejar uma pesquisa, elaborando um
projeto de investigação9, é a forma que temos de
definir escolhas para abordar a realidade. No
entanto, estas escolhas são permeadas por nossa
realidade em dimensões que devemos considerar. A
primeira dela é a dimensão técnica, que trata das
regras conhecidas como científicas para a
construção de um projeto, especificamente a
montagem de instrumentos para a investigação. A
8 Este texto foi redigido a partir de leituras da obra organizada por Maria Cecília Minayo: Pesquisa Social: teoria,
método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994., 9 Vale ressaltar que a etapa da elaboração do projeto de pesquisa é primordial enquanto planejamento, mas não
significa que este planejamento não possa ser mudado. Também destacamos que não há consenso no que diz respeito
ao modo como se aborda a metodologia da pesquisa qualitativa. Se comparados vários autores, encontraremos variadas
abordagens. Este texto em tela procura sintetizar de forma clara e objetiva algumas destas abordagens.
segunda é a dimensão ideológica, na qual se
relacionam as escolhas do pesquisador, escolhas
estas que são orientadas por sua posição social e a
mentalidade de um momento histórico concreto. E
a terceira e última que é a dimensão científica, que
além de articular as duas anteriores no
estabelecimento do método científico, permite que
a realidade social seja reconstruída enquanto um
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objeto do conhecimento, dando caráter de
cientificidade ao processo de investigação.
O projeto de pesquisa:
Dentre as inúmeras funções de um projeto
de pesquisa, duas são incontestáveis: 1- a de que ele
serve para planejar a investigação (admitindo que os
imprevistos acontecem, servindo de guia para o
pesquisador); 2- a de “meio de comunicação” de
seus propósitos, para que seja aceito na comunidade
científica (sendo possível estabelecer uma instância
de reflexão, com comentários de especialistas), bem
como de se obter financiamentos. O que é fato é
que o projeto de pesquisa parte sempre do interesse
sobre o tema. Quando este interesse já foi
contemplado e minimamente definido e planejado,
é designado de anteprojeto. Porém, o projeto deve,
fundamentalmente10, responder às seguintes
perguntas:
- O que pesquisar? (Definição do problema,
hipóteses, bases conceituais)
- Por que pesquisar? (Justificativa da
escolha do problema)
- Para que pesquisar? (Objetivos da
investigação)
- Como pesquisar? (Metodologia)
OS ELEMENTOS
CONSTITUTIVOS DE UM PROJETO DE
PESQUISA:
a) Definição do tema e escolha do problema ou
definição do objeto:
O tema de uma pesquisa indica o assunto
que se quer pesquisar, pois ainda se trata de uma
delimitação ampla. Por exemplo, quando se deseja
estudar a violência, refere-se ao assunto de seu
interesse. No entanto, para a pesquisa se faz
necessário um recorte mais “concreto”, mais preciso
deste assunto. Este recorte é feito quando
formulamos perguntas a este tema, o que chamamos
de problematização. Este procedimento deve ser
entendido como provisório pois ele serve para
delimitar o objeto a ser estudado, de modo a torná-
lo passível de investigação, pois não é possível
pesquisar tudo ao mesmo tempo sobre um
determinado objeto. Por exemplo: caso eu queira
estudar o fenômeno da avaliação da aprendizagem.
10 Dependendo da instância que solicita o projeto (de financiamento ou acadêmica) poderá também ser requisitado:
quando pesquisar? (Cronograma); com que recursos? (Orçamento); pesquisado por quem? (Equipe de trabalho).
É sobre a eficácia da avaliação? Na perspectiva de
quem (estudantes, professores, gestores, família)?
Trata-se do modo como os estudantes se preparam
para as avaliações? Ou é sobre o uso que se faz do
resultado das avaliações (professores ou alunos)?
Estas questões delimitam o problema e nos
permitem a sua enunciação, o que no exemplo
acima poderia ser: “as implicações das avaliações
de alunos no planejamento de professores”.
Notadamente, o problema deve ser redigido de
forma clara e precisa, estabelecendo uma dimensão
variável, no caso o modo como professores
reformulam sua prática a partir dos resultados das
avaliações de seus alunos.
Devemos ressaltar que a escolha de um
problema requer do pesquisador alguns
questionamentos: trata-se de uma abordagem
original para o problema?; o problema é relevante?;
este tema é adequado para mim?; tenho
possibilidades de executar tal estudo?; tenho tempo
suficiente para investigar tal questão? Embora
sejam questões difíceis de serem respondidas
quando detectamos algum problema de nosso
interesse, são necessárias pois nos ajudam a ser
realistas e a reformula-los em função de nosso
tempo ou das condições de pesquisa.
b) Definição da base teórica e conceitual, ou
revisão da literatura ou estado da arte:
Quando iniciamos uma pesquisa ainda com
o projeto, é pré-requisito esclarecer sobre o que se
trata a mesma. Para isto, é necessário a definição
clara de conceitos que estamos considerando, de
modo que seja possível compartilhar nossas ideias e
estabelecer diálogos entre as teorias e o nosso
problema a ser investigado. Não se trata de, no
projeto, reescrever obras de autores que abordaram
nosso tema, mas sim de, sinteticamente, neste
elemento do projeto de pesquisa, apresentar o que já
foi dito para melhor definir o que ainda há para ser
dito. Notadamente, este elemento cumpre a função
de estabelecer e apontar parâmetros sobre o que será
pesquisado a partir do que já foi pesquisado sobre o
tema.
c) Formulação de hipóteses:
Embora a formulação de hipóteses seja
muitas vezes criticada no campo da pesquisa social,
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
estas podem ser formuladas na tentativa de criar
indagações a serem verificadas na investigação.
Podem ser o resultado da observação, de outras
pesquisas, teorias ou mesmo da intuição. Porém,
devem ser claras, específicas, e ser evitadas as que
são baseadas em valores morais.
d) Justificativa:
Este elemento do projeto de pesquisa trata
da relevância da mesma ou do por que ela deve ser
realizada: que contribuições ela trará para a
compreensão, intervenção ou solução do problema?
Quais motivos a justificam?
e) Objetivos:
Os objetivos são as respostas ao que se
pretende com a pesquisa. Devem ser formulados de
modo a serem possíveis de serem atingidos, ou seja,
não posso “analisar o que se passa na mente” de uma
pessoa; posso “conhecer as opiniões” acerca de um
determinado fenômeno. Para a sua elaboração,
sugerimos a utilização de verbos no infinitivo que
produzam conhecimento. Para pesquisas
exploratórias, temos: conhecer, identificar,
examinar, levantar, descobrir; para pesquisas
descritivas, sugere-se caracterizar, descrever,
traçar; e, para as pesquisas explicativas, os verbos
como analisar, avaliar, verificar, explicar. Ademais,
geralmente se formula um objetivo geral, de
dimensões mais amplas, articulando-o com outros
objetivos mais específicos, os quais normalmente
são os que possibilitam o objetivo geral. No
exemplo da pesquisa sobre a avaliação,
anteriormente aqui citada, se o objetivo geral é de
caracterizar as implicações do resultado da
avaliação no trabalho do professor, os objetivos
específicos poderão ser: identificar o modo como o
professor planeja suas aulas; verificar o que ele faz
com o resultado das avaliações etc.
f) Metodologia:
A metodologia, enquanto elemento do
projeto de pesquisa, é elaborada com a definição: do
tipo de pesquisa, do que e do como os dados serão
coletados, organizados e analisados.
Com relação ao que será pesquisado, é no
sentido de estabelecer o que representa o fenômeno
a ser estudado. Embora não se utilize o critério
numérico para garantir a representatividade em
pesquisas qualitativas, nesta fase é necessário
estabelecer “quais os indivíduos sociais (ou o quê,
no caso de pesquisa bibliográfica ou documental)
têm uma vinculação com o problema a ser
investigado? ”, ou seja, o que é representativo,
abrangendo a totalidade do fenômeno em suas
múltiplas dimensões.
Com relação ao tipo de pesquisa, é possível
estabelecer uma tipologia segundo seus objetivos
(exploratória, descritiva ou explicativa – conforme
visto na sessão anterior); ou segundo os seus
procedimentos, ou seja, em relação aos meios
selecionados para executá-la. Em outras palavras,
também é preciso definir como será a pesquisa de
campo. Entende-se como pesquisa de campo como
a busca de informações para elucidação do
fenômeno ou fato que se quer estudar. Assim, de
acordo com o procedimento, a pesquisa poderá ser
baseada na pesquisa bibliográfica, na pesquisa
documental, pesquisa eletrônica, questionário,
formulário, entrevista, observação, diário de
campo etc. Estas, aqui serão minimamente citadas
a seguir, mas poderão ser melhor discutidas a partir
do arquivo digital “4_Metodos_Pesquisa_UFRS”.
Há que se ressaltar que a pesquisa bibliográfica é
considerada a “mãe” de todas as pesquisas pois ela
nos permite saber não só o que já foi escrito sobre o
tema, ou seja, o que ainda temos de avançar no
conhecimento do mesmo, como também nos
proporcionar novos olhares sobre um mesmo tema.
Terceiro Encontro: Definindo como executar a pesquisa
A seguir apresentaremos as formas de
proceder à pesquisa, ou seja, de executá-la quanto
aos seus procedimentos. Vale dizer, no entanto que
estes modos de executar a pesquisa, os quais
caracterizam-se como procedimentos, podem ser
combinados; ou seja; uma pesquisa pode ser
bibliográfica e documental (por se utilizar de
diferentes fontes); pode ser pesquisa de campo e
bibliográfica (ao buscar como determinados
conceitos são aceitos em determinados grupos
sociais). No campo das ciências sociais e com
abordagens qualitativas, podemos citar os tipos de
pesquisa menos utilizados: Pesquisa experimental,
ex-post-facto, de levantamento, etnometodológica,
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survey; e os mais utilizados: bibliográfica,
documental, de campo, estudo de caso, participante,
história oral, pesquisa-ação e etnografia. Neste texto
abordaremos apenas as mais utilizadas, porém todas
podem ser observadas no arquivo digital intitulado
“4_Métodos_pesquisa_UFRS”. No entanto, antes
de iniciar a descrição destes procedimentos já
consagrados na literatura sobre a metodologia de
pesquisa, apresentaremos resumidamente o
processo de sistematização, o qual vem sendo
utilizado como um instrumento que permite olhar
analítica e criticamente para o vivido e
experimentado. Ao nosso ver, a sistematização pode
se constituir como uma técnica de coleta de dados
estratégica inclusive no campo educacional,
disponível no arquivo digital
“8_Aprender_com_a_pratica_
metodologia_sistematização”.
A Sistematização11:
O processo de sistematização é também
produção do conhecimento. Basicamente consiste
numa metodologia de estruturação, ordenamento e
análise das informações. Com isto, o que se
pretende é tornar acessível as experiências que são
exitosas para o desenvolvimento local. Para tanto,
deve ser ajustado e dimensionado de acordo com as
especificidades de cada realidade. Sendo assim,
dificilmente segue uma receita padrão. De forma
geral, sistematizar uma experiência significa mais
do que descrevê-la: devemos incorporar a análise
crítica por meio de opiniões e questionamentos
sobre o que foi realizado e vivenciado. Isto significa
aprender com seu êxito ou fracasso, observando
detalhadamente o que estamos fazendo e refletir de
forma crítica sobre os resultados que estão sendo
alcançados. .
Como isso pode ser feito? Procurando o
porquê de aquela experiência ter se desenvolvido
daquela forma; elaborando a autocrítica e a
interação com outras pessoas, reunindo o maior
número de material sobre aquela experiência
(inclusive opiniões), etc. A análise crítica é
fundamental no processo de sistematização. Ao
11 Texto adaptado por Jéssica Maria Fonseca Calegário, estudante de Direito - UFF, da obra de Jorge Chavez-Tafur,
intitulada “Aprender com a Prática”, impressa pela AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura
Alternativa, em 2006.
final desse processo há o compartilhamento de
informações sobre metas, obstáculos e lições. Ora,
se os resultados de nossas experiências podem ser
escritos e publicados (“documentados”), aumenta-
se a possibilidade de compartilhar as informações,
de modo que outros conheçam nosso trabalho e
aprendam com nossas lições.
Para tanto, a metodologia da sistematização
propõe que se inicie com a definição do objeto de
sistematização: qual projeto ou experiência será
desenvolvida ou vivenciada por um grupo de
pessoas? Esta delimitação é fundamental para que
se siga com a delimitação precisa da experiência a
ser sistematizada; a descrição do que foi vivenciado
e alcançado; a análise crítica (com definição de
indicadores ou parâmetros); e, por fim a redação ou
edição das informações e análises visando o registro
e a apresentação dos resultados, que é a
disseminação dos resultados, podendo ser feita por
meio de vídeos, posters, histórias de vida, programa
radiofônico, ou um artigo ou mesmo livro.
Pesquisa bibliográfica:
A pesquisa bibliográfica nos permite obter
um grande número de informações, além do contato
com dados dispersos em diferentes publicações.
Estas publicações caracterizam-se por serem fontes
secundárias, ou seja, dados de segunda mão ou que
já foram analisados sob a forma de bibliografia:
artigos científicos, livros, teses etc. Para realiza-la,
é preciso inicialmente fazer o levantamento de
soluções (fontes bibliográficas) e das informações
ali contidas. Esta fase inicial é muito importante
para o sucesso da pesquisa, pois os resultados
dependem da quantidade e da qualidade destes
dados levantados. Em seguida deve-se proceder à
análise explicativa das soluções, em que se
procede o exame minucioso do conteúdo das
informações contidas nas fontes. É a fase em que o
pesquisador utiliza sua capacidade crítica ao
explicar ou justificar os dados e/ou informações
contidas nos documentos. Finalmente, é realizada a
síntese integradora, que constitui o produto final
do processo de investigação, resultante da análise e
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reflexão sobre as fontes, relacionadas à apreensão
do problema, em que se apontam soluções e
sínteses. Estas fases podem ser melhor entendidas
a partir da leitura do texto
“6_Pesquisa_bibliográfica”.
Pesquisa documental:
A pesquisa documental tem como
característica recorrer a fontes qualificadas como
documentos que apresentam dados primários, ou
seja: dados originais, aqueles que não foram
analisados, a exemplo de jornais, cartas, relatórios,
pinturas, tapeçarias, tabelas estatísticas, fotografias,
filmes, fotos, programas de TV, etc. O documento
é tudo que é testemunho registrado da humanidade,
sob a forma de unidade, podendo ser escrito ou não
escrito, porém consultado: é qualquer informação
fixada em um suporte. Observe que pesquisa
documental se difere radicalmente da pesquisa
bibliográfica. Observe também que é possível
realizar uma pesquisa bibliográfica e documental,
por exemplo, sobre o modo como os programas
televisivos abordam a discussão de gêneros. Esta
distinção encontra-se disponível no seu arquivo
digital
“5_Pesquisa_Documental_pistas_teóricas_metodol
ógicas”, no qual é discutida a metodologia
específica para este tipo de pesquisa.
Pesquisa de campo:
A pesquisa de campo é aquela que se realiza
através da coleta de dados junto a pessoas, como
recurso de diferentes tipos de pesquisa, com as
técnicas de observação, entrevistas, diário de
campo, etc. Também não dispensa a pesquisa
bibliográfica e/ou documental.
Estudo de caso12:
Os estudos de caso adotam diferentes
metodologias (qualitativas ou quantitativas). São
usados em diversas áreas de conhecimento, tanto
como modalidade de pesquisa, para uma
12 Breve síntese do artigo “USOS E ABUSOS DOS ESTUDOS DE CASO” de Alda Judith Alvez-Mazzotti (arquivo
digital “7_Estudo_Caso”), por Daniel Henrique Brunasso (Graduando de Psicologia do 5º período, UFF/ Campus Rio
das Ostras). 13 Adaptação do texto: “História oral como fonte: problemas e métodos” que corresponde ao arquivo digital
“9_Historia_Oral”, feita por Lucas Carpes (estudante da UFF)
investigação, quanto para fins de ensino e
consultoria, com o objetivo de ilustrar uma
argumentação, categoria ou uma condição; podem
focalizar apenas uma unidade (um indivíduo, um
pequeno grupo, uma instituição, um programa, um
evento) ou múltiplas unidades (vários indivíduos,
várias instituições).
Para Stake (2000) é uma investigação que
focaliza um fenômeno original, tratando-o como um
sistema delimitado cujas partes são integradas. Os
fatores que afetam esse sistema em alguns pode
estar em seu interior em outros em seu exterior – o
que nem sempre é de fácil percepção para o
pesquisador, porém eles não devem ser ignorados.
Num estudo de caso, o pesquisador busca tanto o
que é comum quanto o que é particular em cada
caso, mas o resultado final geralmente retrata algo
de original em decorrência de um ou mais dos
seguintes aspectos: a natureza do caso; o histórico
do caso; o contexto (físico, econômico, político,
legal, estético etc.); outros casos pelos quais é
reconhecido; os informantes pelos quais pode ser
conhecido (Ibidem).
Tal como os experimentos, os estudos de
caso não representam “amostra” cujos resultados
seriam generalizáveis para uma população
(generalização estatística), porém, podem gerar
proposições teóricas que seriam aplicáveis a outros
contextos.
História Oral:13
A história oral é a prática de repassar
conhecimentos pertinentes a determinada sociedade
através da fala. É uma prática antiga ligada aos
contos populares e à comunicação humana. Dessa
forma, comunidades tradicionais vêm mantendo
seus modos de produzir utensílios, de construir
moradias, de entender o próprio território, de saber
sobre perigos, enfim, de repassar tudo o que diz
respeito à vida na comunidade.
Cada indivíduo singulariza a sociedade na
qual está inserido e a percebe de uma forma
específica. Por isso, não existe uma história
verdadeira. Podemos afirmar uma percepção
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verdadeira do real, emitida pelo entrevistado, que
assim compreende e se apropria do mundo ao seu
redor. Ao compartilhar sua percepção está
contribuindo para a compreensão de alguma
situação pela qual a comunidade é atravessada.
Como procedimento metodológico, a
história oral busca registrar acontecimentos,
vivências, fenômenos, lembranças dos indivíduos
que se dispõem a compartilhar suas memórias com
a coletividade ou com pesquisadores. O relato oral
possibilita um registro mais dinâmico, mais vívido,
rico de impressões que, de outra forma, não
conheceríamos.
Existem, ainda, algumas classificações
quanto ao uso da história oral na pesquisa:
- O “estilo documentarista”, que consiste
em recolher testemunhos orais e assim constituir
arquivos. A história oral aqui significa
principalmente criar e organizar documentos
transcritos, procedentes de entrevistas gravadas;
- O “estilo difusor populista” onde história
oral surgiu como alternativa de divulgação da
história daqueles que não foram registrados
objetivamente nas histórias oficiais, nacionais ou
internacionais;
- O “estilo reducionista” que não valoriza a
evidência oral em si mesma por seu caráter
subjetivo. A história oral aqui é usada como
complemento.
No entanto, o “estilo do analista completo”
tem maior proximidade com a Etnoeducação. Nesse
estilo a fonte oral é considerada em si mesma, sem
a necessidade de uma fonte escrita. É feita
interpretação e crítica dos relatos, situando
historicamente todas as evidências orais.
Pesquisa-ação:
A pesquisa-ação se difere dos outros modos
de pesquisa pois ela se coloca a serviço da ação, ou
seja, busca produzir conhecimentos com finalidade
específica, ou seja: o de modificar uma situação
particular. Caracteriza-se pela permanente presença
do pesquisador no campo pesquisado, dado que ele
também se encontra implicado no processo de
conhecimento com vistas às mudanças. Assim,
pesquisador e grupo pesquisado se confundem em
busca de compreender uma dada situação. Este tipo
de pesquisa não dispensa a teoria, a qual possui
relevância considerável no que diz respeito à
problematização, em direção a uma redução entre a
teoria e a prática. Embora a finalidade última seja a
ação ou intervenção, isto não significa que ela não
possa constituir importante contribuição para a
pesquisa, sobretudo porque na dinâmica específica
do método, pode-se desenvolver o conhecimento
dos processos sociais de mudança e de
desenvolvimento.
Pesquisa Participante:
A pesquisa participante tem suas raízes no
fazer antropológico de Bronislaw Malinowski, para
quem o conhecimento sobre um determinado grupo
só poderia derivar de uma pesquisa em que
pesquisador/ sujeitos pesquisados convivessem. No
início do século XX , ele ficou conhecido por
desenvolver a chamada observação participante; ou
seja; o convívio do pesquisador por um tempo
prolongado na vida cotidiana do grupo investigado.
Por isso, nesta abordagem metodológica é
necessário viver entre os pesquisados, inclusive
aprendendo sua língua se for o caso. Esta
participação é fundamental para a apreensão dos
significados das relações sociais ali constituídas. A
pesquisa participante também chamada observação
participante é uma das formas de construção do
saber antropológico contemporâneo e vem sendo
praticada há décadas. Este tipo de pesquisa integra
o que se conhece como o campo da etnografia
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Quarto Encontro: A Etnografia e o Tabalho de Campo14
A etnografia é conhecida como uma
estratégia metodológica associada ao trabalho de
campo do antropólogo. Até a II Guerra Mundial, na
França, os termos “etnografia” e “etnologia” eram
usados indistintamente designando o campo das
ciências humanas voltado aos estudos das chamadas
“sociedades primitivas” ou “selvagens”.
Baldus e Willems (1939) afirmavam que a
etnografia descrevia a cultura material enquanto
caberia à etnologia a descrição da cultura espiritual.
Ambas seriam ciências empíricas15 e indutivas16.
De forma geral, nesta perspectiva caberia ao
etnógrafo recolher os fatos (através das observações
no trabalho de campo) e ao etnólogo elabora-los.
Em meados do século XX, nos Estados Unidos, o
termo “antropologia” ganha destaque.
Segundo Lévi-Strauss (1958) caberia à
etnografia a coleta dos dados, à etnologia à
elaboração destes dados e à antropologia o exercício
teórico-reflexivo de comparar os dados analisados.
Assim, a etnografia seria a primeira etapa do
trabalho antropológico. Por muito tempo, a
etnografia foi tomada como disciplina da etnologia
e considerada como processo de descrição da
observação de fatos num dado momento em
determinado grupo social.
Durante as primeiras décadas do século XX
era preocupação da etnologia comparar diferentes
sistemas culturais para localizar os princípios das
mudanças culturais das diferentes sociedades
humanas. A política colonial lançou mão destes
trabalhos para melhor conhecer o povo e intervir de
forma orientada nas nações colonizadas. Conforme
o africanista Westermann (1937) a justificativa para
viabilizar estes estudos se calçava no argumento que
só conhecendo os povos colonizados seria possível
empreender um governo com justiça. No Brasil, por
décadas o SPI (Serviço de Proteção ao Índio)
ancorou sua ação na proteção aos povos indígenas
crendo que a assimilação dos mesmos ao Estado
Nacional era inevitável. Falava-se de ajustamento à
14 Texto elaborado pela Profa Dra Adriana Russi, docente do Curso de Produção Cultural , UFF/ Campus Rio das
Ostras. 15 Ciência empírica: aquela que se produz a partir de experiência sensorial; enfatiza a evidência. 16 Ciência indutiva: também conhecida como método indutivo, afirma que a ciência como conhecimento é derivada
de dados coletados pela experiência. Para tanto, considera um número significativo de casos particulares para concluir
uma verdade geral. Para os indutivistas, a ciência começa pela observação.
mudança cultural a que estavam sujeitas centenas de
povos indígenas no Brasil. Estávamos diante da
prática de uma ciência aplicada.
A etnografia enquanto método
antropológico se firmou quando começou a se
romper a dicotomia entre a “antropologia de
gabinete” e a “pesquisa de campo”. Até início do
século XX não se fazia a chamada pesquisa
participante. Muitos antropólogos estavam
vinculados a museus, universidades e centros de
pesquisa e tratavam de elaborar suas teorias a partir
do material coletado por viajantes, comerciantes e
missionários.
A ruptura dessa prática vem na virada do
século XIX para o XX com Franz Boas (1858-1942)
entre os Inuit (esquimós) e William Rivers (1864-
1922) entre os Toda (índia) e posteriormente com
Bronislaw Malinowski (1884-1942) entre os
moradores das Ilhas Trobiand e outras comunidades
(Nova Guiné). Com eles, apesar da etnografia estar
associada a uma estratégia metodológica, ela é
muito mais profunda pois incorporou a
complexidade epistemológica que orienta a própria
compreensão que o antropólogo tem do “outro”.
Eles próprios vão a campo coletar os dados e
percebem que o pesquisador deve ele mesmo
efetuar sua pesquisa através da observação direta no
campo. A partir daí essa prática passou a ser
incorporada à investigação antropológica.
A obra Argonautas do Pacífico Ocidental
(1922) de Malinowski é tomada como uma espécie
de “regra do método antropológico” e inaugura um
novo fazer já mencionado, a observação
participante. Era preciso compreender o “outro” a
partir de seu ponto de vista; o chamado “ponto de
vista nativo”.
Os antropólogos concordam em afirmar que
não há receita para se fazer o trabalho de campo.
Contudo, devemos considerar que o Guia prático de
antropologia (1874) e Manual de etnografia (1947)
ambos de autoria de Marcel Mauss e Método da
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etnografia de Marcel Griaule (1957) são
consideradas obras importantes que discutem esta
experiência profunda, marcada por uma
singularidade sócio-histórica.
Para Rocha e outros (2010) o termo
“método etnográfico” supõe a prática de campo e o
uso de diferentes técnicas de coleta de dados como
a observação direta, a entrevista em suas diferentes
formas, a elaboração de genealogias ou estrutura de
parentesco, a coleta documental e a coleta de
informações de primeira mão, de objetos,
gravações, fotografias, filmes, vídeos etc. Assim, o
trabalho etnográfico é, por excelência, o trabalho de
campo e a situação etnográfica é aquela que emerge
da própria experiência do campo.
Ainda para Rocha e outros (2010) a partir
dos anos de 1980 vemos uma onda de mudanças no
campo da antropologia e a etnografia ganhou novos
contornos. Os povos e suas culturas descritas nos
textos etnográficos diferiam enormemente do povo
e da cultura do antropólogo, autor das narrativas.
Acreditava-se que estas narrativas eram isentas de
juízo de valor por parte dos antropólogos. Mas isso
foi questionado por James Clifford (1998) e outros
antropólogos que colocaram em cheque a
neutralidade e isenção do etnógrafo. A etnografia
começa no campo e termina no texto. Clifford
alertava para o fato de que essa narrativa é
produzida pelo etnógrafo e, por isso, não é isenta.
Por fim, a etnografia vai além do próprio
campo e inclui tarefas como organização,
classificação, descrição e elaboração preliminar
para então se chegar ao texto antropológico.
Contudo, é no trabalho de campo que reside o que
Roberto DaMatta (1978) denominou como
“anthropological blues”, o lado humano do trabalho
de campo. Para Rocha (2006, p.99) a etnografia é
um gênero de performance; uma “forma de ação
simbólica densa e profundamente rica em reflexões
epistemológicas”.
Clifford Geertz (1926-2006) afirma que
praticar a etnografia não é apenas uma questão de
método ou técnicas, mas um “esforço intelectual” é
produção de conhecimento.
Quinto Encontro: A Etnografia Local - O caso Katxuyana
Neste encontro utilizaremos basicamente as discussões disponíveis na tese de Doutorado de Adriana
Russi, sobre a Tamiriki, desenvolvida na região de Oriximiná para pensarmos acerca da Etnografia Local.
Sexto Encontro: Conhecendo outras Etnografias
Aqui trabalharemos fundamentalmente com textos autorais e experiências de pesquisa que discutam
etnografias de diferentes grupos que vivem e/ou viveram na região de Oriximiná.
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RUSSI, Adriana. Tamiriki, pata yotonokwama: a reconstrução de uma casa, a valorização de uma cultura e o
protagonismo dos ameríndios Kaxuyana às margens do rio Cachorro (Oriximiná/PA). Tese (Doutorado) –
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014
STAKE. R. E. Case studies. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. (ed.) Handbook of qualitative research.
London: Sage, 2000. p. 435-454
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TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC)17
ENCONTRO I
COMUNICAÇÃO COMO ENCONTRO
Conceitos e Proposições
1. O que é Comunicação?
Podemos inicialmente recorrer ao dicionário para
pensarmos acerca desse conceito. No Dicionário
Aurélio temos algumas acepções, vejamos:
Informação; participação; aviso; Transmissão; Notícia;
Passagem; Ligação; Convivência; Relações;
Comunhão (de bens); comunicação social: Conjunto
dos órgãos de difusão de notícias (imprensa, rádio,
televisão); Prática ou campo de estudo que se debruça
sobre a informação, a sua transmissão, captação e
impacto social.
Todas essas acepções nos reportam a ideia de
que comunicar é partilhar, colocar em comunhão.
No entanto podemos ainda entender a comunicação a partir de dois outros grandes sistemas:
Conceito Pedagógico Conceito Sociológico
A comunicação é uma atividade educativa que envolve troca de experiências entre pessoas de gerações diferentes. Entre os que comunicam, há uma transmissão de ensinamentos, onde se modifica a disposição mental das partes envolvidas.
O papel da Comunicação é de transmissão de significados entre pessoas para a sua integração na organização social. A comunicação deve ser pensada como mediadora na interação social, pois cria laços e vínculos sociais.
Neste sentido, a comunicação é mais do que
um suporte e sim uma atividade que produz
17 Disciplina organizada pelas Professoras Rejane Moreira e Sonia Maciel.
transmissão de conhecimentos e memórias sociais,
educando assim os sujeitos.
EMENTA
Tecnologias, Informação e Sociedade da Informação. Limites e Possibilidades dos recursos audiovisuais como
dispositivos pedagógicos. As “velhas” e “novas” mídias no espaço escolar. Novos desafios da escola frente às
novas ferramentas de áudio, vídeo e tratamento de imagens. O lugar dos jovens como produtores e consumidores
de bens culturais em novas mídias. Educação em rede.
Problematizações Iniciais
Educar com a mídia
Educar para mídia
Educar por meio da mídia
OBJETIVOS
Pensar a comunicação como vetor que estimula a
construção de diálogos democráticos e horizontais;
Entender as diferenças e convergências entre
comunicação, mídia, mensagem, suporte e meios;
Entender a comunicação como vetor que
transforma as configurações espaciais e temporais
das culturas;
Pensar a comunicação para além do conceito de
suporte;
Promover debate sobre os manejos dos meios, a
partir de leituras críticas.
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Existe uma diferença entre comunicar e
informar. O conceito de informação, como usado na
linguagem cotidiana, no sentido do conhecimento
comunicado, tem importância a partir dos anos 50,
durante a Segunda Guerra Mundial. Informar passa
a ser então um processo caracterizado pelas novas
tecnologias de informação, com o aparato dos
computadores. Informar é trocar dados, humanos e
não-humanos.
Sendo assim, dizemos que comunicar é bem
mais amplo que informar. Comunicar envolve
encontro, interpretação, mas também pode gerar
diferença e mudança. Comunicar é vinculação
social.
2. Como acontece a Comunicação?
O processo de comunicação acontece
obedecendo a determinadas estruturas fixadas, que são
denominadas elementos básicos da comunicação. São
elas:
a. Emissor: alguém que emite a mensagem.
Pode ser uma pessoa, um grupo, uma empresa,
uma instituição.
b. Receptor: a quem se destina a mensagem.
Pode ser uma pessoa, um grupo ou mesmo um
animal, como um gato, por exemplo.
c. Código: a maneira pela qual a mensagem se
organiza. O código é formado por um conjunto
de sinais, organizados de acordo com
determinadas regras, em que cada um dos
elementos tem significado em relação com os
demais. Pode ser a língua, oral ou escrita,
gestos, códigos gráficos, sons, etc. O código
deve ser de conhecimento do emissor e do
receptor.
d. Canal ou suporte: meio físico ou virtual, que
assegura a circulação da mensagem, por
exemplo, ondas sonoras, no caso da voz. O
canal deve garantir o contato entre emissor e
receptor.
e. Mensagem: é o objeto da comunicação, é
constituída pelo conteúdo das informações
transmitidas.
A comunicação acontece a partir desses elementos
e também deve ser pensada dentro um contexto. O
contexto ou a situação aos quais a mensagem se refere
pode se constituir na nas circunstâncias de espaço e
tempo em que se encontra o emissor da mensagem.
Em imagem o esquema básico da comunicação:
Quando diferenciamos informação de comunicação, queremos dizer que o fenômeno da
Comunicação envolve uma série de requisitos como os vínculos sociais e as transmissões de
memórias. A informação é um conjunto organizado de dados, que constitui uma mensagem
sobre um determinado fenômeno ou evento. A informação permite resolver problemas e tomar
decisões, tendo em conta que o seu uso racional é a base do conhecimento.
Ao longo da história a forma de armazenamento e o acesso à informação foram variando.
Na Idade Média, o principal património encontrava-se nas bibliotecas dos mosteiros. A partir
da Idade Moderna, graças ao nascimento da imprensa, os livros começaram a ser fabricados
em série e surgiram os jornais.
Já no século XX, apareceram os meios de comunicação de massa (televisão, rádio) bem
como as ferramentas digitais resultantes do desenvolvimento da Internet.
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Nesse esquema a comunicação é tomada como
transmissão de mensagens, mas como dissemos acima,
a comunicação é bem mais do que isso, ela envolve
memória, transmissão de conhecimento e constituição
de vinculo social. A comunicação é uma prática social,
ela se exerce em ambientes, mas ela não é um ambiente,
ela se constitui nas relações, mas não é a relação. A
comunicação é então processo, simultâneo e co-
depentente das formações culturais. A comunicação
constitui encontro. Por isso vamos entender o que é
mediação.
3. O que mediação?
Para entendemos a comunicação como encontro
precisamos então acionar o conceito de mediação.
Você sabe o que é mediação? Esse conceito foi
originalmente concebido pelo autor colombiano José
Martin-BARBERO, importante teórico espanhol,
radicado na Colômbia. Barbero dizia que a mediação
pode ser entendida como “processo social
permanente”, que se revela nos vários meios de
negociação entre sujeitos Estão presentes nos processos
de negociação as materialidades culturais e as
temporalidades históricas. Portanto, a mediação coloca
em ação formas de pensar, perceber e experimentar o
mundo. Nesse processo de “experimentação” os
sentidos emergem num misto de captura e inovação. A
mediação pressupõe, num mesmo movimento, criação
e repetição, repertório e inovação. Perceber é criar, mas
também conceber por determinados esquemas.
Entender a comunicação como mediação é também
concebê-la não apenas como ambiente, mas como
propulsora, criadora e reveladora dos múltiplos
sentidos que são geridos nas relações entre os sujeitos.
Comunicar é colocar em ação essas negociações e
“transversalizar” todos os processos da aprendizagem,
por exemplo.
Ainda assim professor Ismar Soares entende que a comunicação passa a ser vista como relação, como modo
dialógico de interação do agir educomunicativo. "Ser dialógico é vivenciar o diálogo,é não invadir, é não
manipular, é não sloganizar. O diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o
pronunciam, isto é, o transformam e, o humanizam.” (SOARES, 2000, Pg. 20)
As mediações são as negociações de sentido que estão entre a produção e a recepção. Pensar a comunicação
sob a perspectiva das mediações significa entender que os sentidos emergem entre a produção e a recepção e
as negociações desses sentidos constituem a cultura cotidiana. Martín-Barbero sugere três elementos que
interferem e alteram na constituição dessas negociações: a cotidianidade familiar, a temporalidade social e a
competência cultural.
Barbero alerta “Contrariamente aos que vêem nos meios de comunicação e na tecnologia de informação
uma das causas do desastre moral e cultural do país, ou seu oposto, de solução mágica para os
problemas da educação, sou dos que pensam que nada pode prejudicar mais a educação que nela
introduzir modernizações tecnológicas sem antes mudar o modelo de comunicação que está por debaixo
do sistema escolar.” (BARBERO, 2000, p.52)
Para não confundirmos:
A mediação não é intermediação – pois ela não parte de uma visão positivista que separa partes
interdependentes entre si, como por exemplo, meios de comunicação e sociedade.
A mediação não filtro – isso quer dizer que mediação não é filtragem e seleção de conteúdo, pois isso propõe
uma relação condutivista da comunicação.
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Esse conceito de mediação nos permite
entender que a comunicação e a cultura se integram na
processualidade do cotidiano. A cultura, como vocês
vão estudar em Antropologia, é vivida na própria
dinâmica da comunicação. Por isso cultura e
comunicação estão ligadas pelo processo de mediação.
Essa interdependência dinâmica entre cultura e
comunicação quer proporcionar uma visão mais
complexa da comunicação para além da sociologia, da
semiologia e da abordagem informacional, oferecendo
o conceito de mediação como o ponto fundamental de
um sentido processado na comuniacação.
Vamos ver o filme Narradores de Javé? O
longa dirigido por Eliane Caffé em 2004, relaciona
temas como a história oral e diferentes olhares e
intercâmbios de pessoas de uma pequena localidade.
Conta a História de um povoado que está prestes a ser
inundado pela hidrelétrica. Para mudar esse rumo, os
moradores de Javé resolvem escrever sua história e
tentar transformar o local em patrimônio histórico a ser
preservado.
Para continuar...
Tomamos como referência o autor Marshall
McLuhan para nos ajudar a entender o que é Mídia ou
Meio.
Para o autor mídia/meio é tudo aquilo que
prolonga ou estende um sentido ou uma faculdade
humana. Mídia ou meio pode ser definido como
tecnologia. Cada ferramenta ou técnica permite que o
corpo humano estenda suas capacidades. Um martelo
estende o poder da mão, a roda estende a habilidade do
pé, etc. Um meio de comunicação seria mais uma
dessas extensões técnicas.
Cada uma das tecnologias produz sentidos
sobre o mundo da vida, sobre a organização das
sociedades, propondo uma ideologia, uma visão de
mundo específica. Assim, a invenção da escrita teria
permitido a criação dos impérios, como a máquina a
vapor possibilitou a expansão capitalista, como a
eletricidade possibilita a aldeia global. Em suas
teorizações, o autor sustentou que cada meio diferente
é uma extensão dos sentidos, que afeta o indivíduo e a
sociedade de maneiras distintas.
Como as mídias mudam nossas vidas?
Algumas questões
O que podemos identificar como mídia em nossa comunidade?
E a mídia como meios de comunicação?
Com funciona?
O que é?
Para entendermos melhor como funcionam os meios de comunicação vamos produzir uma pauta. Sigamos
alguns passos:
Como produzir uma pauta?
A pauta é um dos itens principais do
jornalismo. Mas ela também pode ser uma boa
estratégia para pensar pesquisas de campo, projetos em
escolas ou mesmo textos que procurem pensar de forma
contextualizada determinados temas.
É a partir dela que o jornalista/repórter/
pesquisador irá a campo buscar informações, apurar e
iniciar a construção de seu projeto. A pauta é uma
orientação, por isso, deve ser muito bem feita.
Sobre McLuhan
Herbert Marshall McLuhan (1911-1980), acadêmico canadense, foi um dos autores
fundadores dos modernos estudos da mídia. McLuhan se tornou uma figura de
destaque na cultura pop nos anos 1960 com a publicação de seu livro Os Meios de
Comunicação como extensões do homem, lançado no Brasil em 1967, com tradução
de Décio Pignatari.
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Uma boa pauta deve ter, no mínimo:
1. Um resumo dos acontecimentos (ideais) que
são objeto da Reportagem/Pesquisa.
2. O que o Repórter/pesquisador terá que
conseguir, ou seja, o que interessa ser
retratado.
Fornecer o maior número possível de
informações sobre o tema.
Lembre-se de uma coisa, a Pauta é o ponto de partida
de uma boa reportagem ou pesquisa e nunca o meio ou
o fim. Tudo o que foi planejado previamente na Pauta
pode ser "derrubado" caso outros acontecimentos mais
importantes sejam encontrados.
As pautas devem conter os seguintes itens:
1) Cabeçalho: Onde devem estar contidos o nome
pesquisador, a data em que foi elaborada a pauta, a
retranca (duas palavras que indiquem o tema da pauta)
e a fonte (de onde foram tiradas as informações para a
pauta).
2) Tema: Sobre o que se trata a pauta.
3) Histórico/Sinopse: Você deverá escrever em poucas
linhas (média de 15 linhas) em linguagem oral um
resumo dos fatos que levaram esse tema a se justificar
como assunto do seu projeto.
4) Enfoque/Encaminhamento: Qual será o
direcionamento a ser dado na matéria, ou seja, com
base no histórico exatamente o que o pauteiro quer que
seja desenvolvido pelo repórter. Indique para o
repórter. Este item é que irá definir as suas sugestões
de perguntas.
4. O que é mensagem?
Ainda a partir das questões de McLuhan vamos pensar o que é mensagem. O autor nos dá algumas dicas
para pensarmos acerca desse elemento. Em princípio, McLuhan aponta que a mensagem não é apenas conteúdo,
mas tudo que provoca, altera, diferencia e constitui determinadas materialidades sociais.
A mensagem do meio não é apenas seu conteúdo, mas a sua natureza ou efeito total. Meio de comunicação
é tudo que modela, rearranja ou reestrutura o trabalho humano, reorganiza os padrões de percepção e proporção
dos sentidos (experiência sensorial e psíquica, de consciência, de associação e comunidade). O meio de
comunicação produz novas configurações na sociedade, provoca uma mudança de escala, ritmo ou padrão de ação
humana.
O meio é a mensagem.
McLuhan diz que o meio é mensagem. Para entender isso é preciso que entendamos que, independente do
conteúdo ou “mensagem” explícita, um meio tem seus efeitos peculiares na percepção das pessoas
constituindo-se em uma “mensagem” em si mesmo. Por exemplo, existe algo de revolucionário na escrita,
algo que transforma radicalmente a relação dos seres humanos com o tempo e com o espaço. Pois com a
escrita muitas outras formas de experimentar o tempo e espaço foram possíveis. Aquilo que a escrita faz
com a comunicação humana – não se encontra no “conteúdo” ou na “mensagem” de nenhum livro, jornal ou
texto particular. Todo meio/tecnologia cria um novo então em ambiente. A escrita afasta as pessoas umas das
outras, inventa-se com a escrita a leitura solitária.
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5. O que é estereótipo?
No entanto, nos comunicamos por estereótipos. Estereótipo são generalizações que as pessoas fazem
sobre comportamentos ou características de outros. Estereótipo significa impressão primeira e pode ser sobre a
aparência, etnia, gênero, comportamento, cultura etc.
Estereótipos são pressupostos que têm como característica serem rapidamente comunicáveis, já que se
constituem a partir de contextos históricos e sociais.
Muitos autores dizem que o estereótipo é confundido com o preconceito, pois muitas vezes eles se
convertem em rótulos pejorativos que causam impacto negativo nas pessoas. O baixinho, a loira burra, o avarento
podem ser tomados estereótipos.
Os estereótipos comunicam. Como?
Nenhum estereótipo é neutro ele está carregado de sentido e constitui quase sempre rótulos.
Na comunicação, bem como em seus veículos, é natural a construção de estereótipos e seus conteúdos estão quase
sempre associados às práticas culturais estabelecidas por determinados grupo. Mas a manutenção de determinados
estereótipos pode gerar violências, ruptura e desencontro.
Alguns tipos de estereótipos
Estereótipos de gênero: São estereótipos direcionados ao gênero masculino e feminino. Alguns deles:
“Homens são mais práticos que as mulheres”; “mulheres são feitas para casara e terem filhos” "mulher
no volante perigo constante",
Estereótipos raciais e étnicos: São estereótipos direcionados a diferentes etnias e raças. Alguns deles:
"os colombianos são traficantes", "os mulçumanos são terroristas", "os índios são violentos", "todos os
alemães são prepotentes", "os portugueses são burros" e outros menos impactantes como "angolanos são
os melhores corredores do mundo", "os negros são melhores no basquete".
Estereótipos sócio-econômicos: São estereótipos relacionados com a questão financeira de indivíduos
e grupo de indivíduos. Alguns deles: "Os mendigos são mendigos por opção", "os sem-terra são
preguiçosos", "patricinhas são mesquinhas", entre outros.
O conceito de estereótipo provém das palavras gregas stereòs (rígido) e túpos (impressão).
Os estereótipos formam parte da cultura de um grupo e, como tais, são adquiridos pelos indivíduos e
utilizados para uma eficaz compreensão da realidade. Ademais, a conscientização dos estereótipos
cumpre para o indivíduo uma função de tipo defensivo ao contribuir com a permanência de uma
cultura e de determinadas formas de organização social. (MAZZARA, 1999,p.14).
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ENCONTRO II
CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS E EXPRESSÕES
Caros cursistas:
Chegamos ao fim desta primeira etapa. Agora é hora de colocar em prática tudo o que foi estudado até aqui. E
qual será o próximo passo?
Pensar sobre que ferramentas podem ser úteis para registrar tudo o que for desenvolvido nos meses de setembro
a novembro.
Registro de pesquisas através de imagens fotográficas – Hoje, os aparelhos
celulares nos dão a possibilidade de registrar todos os momentos importantes do
nosso cotidiano. E com a pesquisa não é diferente. É preciso ficar atento ao que se
deseja comunicar através da imagem capturada. Aqui vão algumas dicas de como
capturar boas fotos com o celular
1. Iluminação - Apesar da capacidade do flash, a
luz natural é quase sempre a melhor escolha.
Se você estiver dentro de um local, ligue
algumas luzes e experimente. Essa
configuração do flash pode ajudar mesmo em
fotos ao ar livre, agindo como um flash de
preenchimento. Tire algumas fotos testes para
ver. Tente evitar fotografar em luzes
brilhantes, pois a pessoa pode parecer uma
silhueta escura.
2. Fotografando com ângulo - A beleza da
fotografia digital é que você pode tirar "fotos
testes" sem pagar. Experimente com ângulos
diferentes - de baixo mirando para cima, ou
olhando para baixo de cima, e assim por diante.
3. Chegue mais perto - Faz sentido enquadrar
suas fotos o mais próximo que você puder, ao
invés de dizer a si mesmo que você vai cortá-
la mais tarde. Quando você corta as fotos, o
resultado é uma resolução mais baixa do que
quando você começou, e pode lhe dar fotos
pixeladas ou de baixa qualidade. Corte quando
você precisar fazer a foto se encaixar bem em
uma moldura ao invés de como um zoom.
4. Reduza a desfocagem - A maioria das fotos
borradas tiradas por câmeras de celular é
causada por dois motivos: pouca luz e
movimento. Quanto menor a luz presente, mais
tempo a lente permanecerá aberta, capturando
qualquer movimento na imagem. É difícil
permanecer parado por tempo suficiente para
eliminar o desfoque. Ou melhore a luz ou
arrume o celular, colocando-o sobre uma
superfície estável ao tirar a foto ao invés de
tentar segurá-lo.
5. Use a resolução - Verifique as configurações
da câmera para se certificar de que você está
tirando fotos na melhor resolução que seu
celular é capaz. A configuração padrão pode
não ser a mais alta. (Você pode escolher não
fazer isso se não tiver muita memória
disponível.
6. Deite o celular - Não se esqueça de que você
pode deixar seu celular de lado para tirar uma
foto de paisagem. Muitas vezes, isso irá
oferecer uma melhor composição de imagem.
7. Armazenamento – É importante ter um cartão
de memória para guardar as fotos e, depois,
salvá-las em um computador. É importante ter
cópia para que não se perca o registro.
8. Identificação das fotos – É importante, ao
selecionar as fotos que serão usadas na
pesquisa, identifica-las com local, dia e o nome
do autor da foto. E não esqueça de pedir
autorização, caso tenham pessoas nas fotos,
para que as mesmas possam ser divulgadas
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Registros escritos – Ter um caderno para anotar o passo a passo de qualquer trabalho é
de suma importância. É o que chamamos “Diário de Campo”. Todas as etapas, sensações
e percepções devem ser anotadas para posterior análise e seleção do que vai ser escolhido
para o registro final. Durante a realização dos trabalhos ou pesquisa, é importante
comunicar a todos os envolvidos sobre o processo. Nesse caso, pode-se lançar mão de
vários formatos de comunicação escrita para socializar as etapas e os resultados de um projeto: Jornal mural,
folhetos, folders, cartazes, textos, desenhos.
Videos – Outra forma de comunicação são os vídeos. Nas entrevistas com pessoas, o vídeo
pode auxiliar, seja para editar e apresentar em forma de documentário ou depoimento, ou para
transcrição de falas que possam compor um texto narrativo. É preciso cuidado com o som e o
tempo do vídeo. Escolher local com boa iluminação e poucos ruídos podem facilitar na hora
da edição. Alguns aparelhos celulares têm limitações de tempo e espaço na memória para
vídeos longos. Para facilitar a edição é preferível fazer pequenos vídeos – facilita na hora de
passar para o computador.
Gravação de depoimentos – Quando vamos entrevistar alguém é importante gravar as falas
para que nada seja esquecido ao transcrever as falas e transformá-las em texto. O celular pode
funcionar como um bom gravador de voz.
Internet – Para aqueles que possuem acesso à internet, as páginas nas redes sociais podem ser úteis para o registro
de atividades que estiverem sendo desenvolvidas. Outra ferramenta que pode ser utilizada é o blog.
Em nosso próximo encontro, trabalharemos com o material coletado nas pesquisas. Até a volta!!!
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Referências Bibliográficas
BENJAMIN, W. Magia e Técnica, arte e política. Rio de Janeiro, Ed. Brasiliense, 1985.
CARDOSO, Heloisa Helena Pacheco. NARRADORES DE JAVÉ – História, imagens e percepções. Universidade
Federal de Uberlândia – UFU – Revista de História e Estudos Culturais. Vol. 5, Ano V, n. 2, ISBN 1807-6971.
Abril-maio-junho 2008. Disponível em:
http://www.revistafenix.pro.br/PDF15/Artigo_04_ABRIL-MAIO
JUNHO_2008_Heloisa_Helena_Pacheco_Cardoso.pdf
MCLUHAN, M. Os meios de comunicação: como extensões do homem. Tradução Décio Pignatari. 8. ed. São
Paulo: Ed. Cultrix, 1996.
MARTIN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia.
___________________ Desafios da Comunicação à Educação in Revista e Educação, São Paulo, 2000.
MAZZARA, Bruno M. Estereotipos y Prejuicios. Acento Editorial, Madrid, 1999
Rio de Janeiro: Página 10 de 16, Editora da UFRJ, 1997.
MORAN, José Manuel. A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá. 2. ed. Campinas, SP:
Papirus, 2007.
PEREIRA, T. A. C. 2005. Os estereótipos e os meios de comunicação. In R. S., org. Discursos simbólicos da
mídia. São Paulo: Loyola, pp. 73-88..
SOARES, Ismar, Desafios da Comunicação à Educação in Revista e Educação, São Paulo, 2000.
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Anotações
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