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ROBERTA MARIA RANGEL
LIMITES NORMATIVOS DA TAXA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
MESTRADO EM DIREITO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO SÃO PAULO (SP) – 2005
ROBERTA MARIA RANGEL
LIMITES NORMATIVOS DA TAXA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Direito do Estado
(subárea Direito Tributário), sob a orientação
do Professor, Doutor Paulo de Barros
Carvalho.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO SÃO PAULO (SP) – 2005
Deus é sempre o eterno homenageado, pois a fé é nosso maior auxílio.
À minha querida e amada mãe, Maria Aparecida. Sem ela, não chegaria onde
cheguei.
Ao meu pai (in memoriam), que ficaria muito orgulhoso
de mais esta etapa vencida.
Aos meus irmãos, Álvaro e Rafael e minha cunhada, Betânia, pelo carinho e
compreensão.
Ao José Antonio. Afinal, o que seria de todos
nós sem um grande amor?
AGRADECIMENTOS
É um grande privilégio chegar até este ponto na vida, onde a concentração
se dirige aos agradecimentos em uma dissertação de Mestrado; onde o grande esforço é
lembrar daqueles que muito nos ajudaram, incentivaram e acreditaram na nossa
capacidade.
Entre essas pessoas, está o Professor Paulo de Barros Carvalho, exemplo de
probidade pessoal e acadêmica, que teve por mérito construir um modelo doutrinário para
o Direito Tributário tão forte e coeso que, uma vez aprendidas suas lições, torna-se
impossível pensar de outra forma.
Agradeço também ao Professor Eurico Marcos Diniz de Santi, que me deu a
oportunidade de coordenar o Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET – em
Brasília, que muito tem contribuído para minha formação profissional e acadêmica e que
me trouxe grandes amigos e colaboradores nesta dissertação, aos quais ora agradeço: a
Professora Mary Elbe Queiroz, o Professor Miguel Hilú Neto, o Professor Clélio Chiesa e
a Professora Renata Rocha Guerra.
Faço um agradecimento especial à minha amiga e colega, Mariana da Rosa
Oiticica Ramalho, que com sua doçura e presteza, muito me ajudou em todos esses anos
em São Paulo.
Ao Dr. Arlécio Alexandre Gazal, que em muito me possibilitou esta
conquista.
Às minhas amigas Graziela Torres Gonçalves, Patrícia Vieira Coelho
Pereira, Maria Aparecida Tomaz de Oliveira e Walkyria de Paula Ribeiro de Oliveira,
pelo incentivo, apoio e ajuda em todas as horas, pois não só de “dissertações” se faz a
vida.
RESUMO
A presente dissertação investigou os limites constitucionais da redação do
artigo 145, II, da Constituição Federal, buscando precisar os critérios ali contidos e que são
fornecidos às pessoas políticas para construção de suas regras-matrizes de incidência
tributária das taxas de polícia e das taxas de serviço.
Traçou um breve histórico da evolução, no direito positivo, jurisprudência e
doutrina brasileiras, das teorias jurídicas da taxa, onde concluiu que a teoria que hoje
prevalece entre nós e que é deduzida do artigo 145, II, da Constituição Federal – a teoria da
vinculabilidade da hipótese de incidência – fornece três critérios para construção das
regras-matrizes das taxas pelos entes tributantes: o critério da vinculabilidade a uma
atividade estatal; o critério da referibilidade ao contribuinte e o critério da referibilidade
direta ao contribuinte. Aqui está a limitação positiva do artigo 145, II, da Constituição
Federal.
Entretanto, percebeu-se que o mesmo artigo tem uma limitação negativa,
quando não indica o conteúdo e a forma de organização das atividades estatais ali
constantes: exercício do poder de polícia e a prestação ou disponibilização de serviços
públicos.
Desta forma, traçando-se um paralelo com as normas de competência
legislativa tributária, a partir da análise da estrutura lógica da norma jurídica, extraiu-se da
Constituição Federal as normas de competência legislativa administrativa, as quais
conferem permissão às pessoas políticas para que organizem a prestação de suas atividades
administrativas – em especial os serviços públicos – de variadas formas, o que afastará ou
atrairá a regra da remuneração por taxa inserida no artigo 145, II, da Constituição Federal.
ABSTRACT
The present dissertation investigated the limits of the text of the article 145,
II, of the Federal Constitution, in order to narrow the criteria contained there, which are
supplied to the political people for the construction of its rule matrices of tributary
incidence of police and services taxes.
After a brief chronology of the evolution of the tax legal theories in the
positive law, Brazilian jurisprudence and doctrine, one concludes that the theory that
prevails between us – and that is deduced of the article 145, II, of the Federal Constitution –
is the one of the binding of the incidence hypothesis. This is the theory that supplies the
three criteria for the construction of the rule matrices of the taxes by contributors: the
criterion of the binding to a state activity; the criterion of the reference to the contributor
and the criterion of the direct reference to the contributor. Here it is the positive limitation
of the article 145, II, of the Federal Constitution.
However, one realized that the same article has a negative limitation, when it
does not indicate the content and the form of organization of the State activities contained
there: the exercise of police power and the supply or provision of public services.
Therefore, tracing a parallel with the norms of tributary legislation
competence, from the analysis of the logical structure of the juridical norm, one extracts of
the Federal Constitution the norms of administrative and legislative competence, which
confer permission to the political people to organize the supply of their administrative
activities – specially the public services – of varied forms, which will withdraw or attract
the rule of the remuneration by tax, inserted in the article 145, II, of the Federal
Constitution.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO, 1
1. A TAXA NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO, 4
1.1. Constituições de 1891, 1934 e 1937, 4
1.2. Decretos-lei 1.804, de 1939 e 2.416, de 1940, 6
1.3. Constituição de 1946, 12
1.4. Lei nº 4.320, de 1964, 17
1.5. Emenda Constitucional nº 18, de 1965, 18
1.6. Código Tributário Nacional, 21
1.7. Constituição de 1967, 22
1.8. Emenda Constitucional nº 1, de 1969, 24
1.9. Constituição de 1988, 24
1.10. Sinpose do capítulo 1, 25
2. TEORIAS JURÍDICAS DA TAXA, 28
2.1. Teoria da destinação do produto arrecadado, 29
2.2. Teoria da prestação da atividade estatal diretamente ao contribuinte, 35
2.2.1. Nossa posição, 37
2.3. Teoria da facultatividade, 38
2.4. Teoria do benefício, 40
2.5. Teoria da contraprestação, 41
2.5.1. Nossa posição, 43
2.6. Teoria do custo do serviço, 44
2.7. Teoria da modalidade da atividade estatal, 45
2.8. Teoria da vinculabilidade da hipótese de incidência, 48
2.8.1. Nossa posição, 52
2.9. Teoria do regime jurídico da atividade estatal, 53
2.9.1. Nossa posição, 57
2.10. A Súmula 545, do STF, 58
2.11. Sinopse do capítulo 2, 65
3. O PERCURSO DA INTERPRETAÇÃO, 70
3.1. A interpretação, 70
3.2. O percurso, 73
3.2.1. O plano da literalidade textual, 74
3.2.2. O plano dos enunciados prescritivos, 76
3.2.3. O plano das normas jurídicas stricto sensu, 78
3.3. Sinopse do capítulo 3, 80
4. A NORMA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA TRIBUTÁRIA, 82
4.1. A estrutura formal das normas gerais e abstratas, 85
4.1.1. Hipótese, 85
4.1.2. Conseqüente, 87
4.1.3. Suporte fático, 88
4.1.4. Operador deôntico, 92
4.2. Norma de competência legislativa tributária, 96
4.2.1. Estrutura lógica da norma de competência legislativa tributária, 100
4.3. Sinopse do capítulo 4, 101
5. OS LIMITES NORMATIVOS DO ARTIGO 145, II, CF, 103
5.1. Norma de competência legislativa administrativa, 103
5.1.1. Norma de competência legislativa “comum” e “privativa”, 112
5.2. Do “poder de polícia”, 114
5.3. Dos “serviços públicos”, 119
5.3.1. Titularidade dos serviços públicos, 121
5.3.2. Formas de prestação dos serviços públicos, 129
5.3.2.1. Concessão e permissão: tarifa, 135
5.3.2.2. Prestação direta: taxa, 145
5.3.2.3. Serviço público posto à disposição, 147
5.3.2.4. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, 150
5.3.2.5. Autorização, 153
5.3.2.6. A questão do regime jurídico dos serviços públicos, 157
5.4. Limites positivos, 160
5.4.1. Critério da vinculabilidade a uma atuação
estatal, 161
5.4.2. Critério da referibilidade ao contribuinte, 161
5.4.3. Critério do grau de referibilidade ao
contribuinte, 162
5.5. Sinopse do capítulo 5, 164
CONCLUSÃO, 169
BIBLIOGRAFIA, 172
/
INTRODUÇÃO
Sempre nos motivou no direito tributário o tema relacionado às taxas, porque
a realidade que nos cerca, no Brasil, é a de atividades estatais - comumente a prestação de
serviços públicos - remuneradas por tarifas, quando a redação do artigo 145, II, da
Constituição Federal, fortalecida por inúmeras e autorizadas vozes doutrinárias, nos remete
a outra idéia, ou seja, de sua remuneração por taxas.
Pensamos, em um primeiro instante, se a problemática não estaria em uma
defeituosa concepção doutrinária da taxa, ou ainda, no conceito de serviço público.
Assim, procedeu-se a uma investigação no tempo sobre a evolução, no
direito positivo, na jurisprudência e na doutrina brasileiras, das teorias jurídicas da taxa e
percebeu-se que, no atual estágio de desenvolvimento científico do direito tributário
nacional, este é um tema bem sedimentado, onde prevalece, com primazia sobre todas as
demais, a teoria da vinculabilidade da hipótese de incidência, ou seja, as taxas são tributos
vinculados a uma atividade estatal, que por sua vez é prestada ou disponibilizada
diretamente ao contribuinte.
E aquelas características atribuídas à taxa, responsáveis por a delimitarem e
a diferenciarem das demais espécies tributárias, estão limitadas positivamente no artigo
145, II, da Constituição Federal.
Surgiu então a idéia de se examinar os limites do artigo 145, II, da
Constituição Federal, se encerra em si a afirmação conclusiva de que as atividades estatais
ali consideradas – exercício do poder de polícia e prestação ou disponibilização de serviços
públicos – só podem ser remuneradas por taxas.
O percurso traçado foi uma análise da estrutura lógica da norma jurídica
para, a seguir, se alcançar a norma de competência legislativa tributária, cujo modelo lógico
foi transportado às normas de competência legislativa administrativa, que sustentamos
existirem no Texto Constitucional.
Essas últimas normas de estrutura, por fim, fundamentariam a edição, pelas
pessoas políticas, de leis administrativas sobre o exercício do poder de polícia e prestação
ou disponibilização de serviços públicos, atividades estas que poderiam ser organizadas e
prestadas aos contribuintes de diversas formas, sempre dentro dos limites constitucionais.
Assim, em linhas gerais, se examinou as formas de organização das
atividades estatais, em especial dos serviços públicos, já que quanto ao exercício do poder
de polícia não há grandes possibilidades de inovação conferidas ao legislador ordinário. E,
a partir dessa análise transversa, se chegou ao propósito primeiro que nos animou, que foi a
remuneração dos serviços públicos.
2
Ainda dentro desse caminho foi perfilhado o conceito de serviço público,
que alhures tem sido apontado como cambaleante e o responsável pelas dificuldades em se
estabelecer um critério seguro para sua remuneração, entendimento que foi agravado ante a
retração do Estado no final do século XX por não mais encontrar motivos para sustentar
muitas de suas atividades e bens dirigidos aos súditos, tudo a partir do fracasso do
socialismo, que era a grande ameaça ao sistema capitalista e uma das grandes justificativas
para se manter um Estado de Bem-Estar Social.
Nos pareceu não estar centrado no conceito de serviço público as
divergências existentes quanto à sua remuneração.
Nosso intuito é o de contribuir com uma questão que aflige muitos
tributaristas e atinge a todos no dia-a-dia, que é a remuneração dos serviços públicos,
fornecendo mais um ponto de vista, a partir de uma análise normativa do artigo 145, II, da
Constituição Federal.
3
Capítulo 1
A TAXA NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO
Este capítulo tem por objetivo traçar um breve histórico das primeiras
legislações que surgiram no ordenamento jurídico brasileiro dispondo sobre taxa e
acompanhá-las em seu percurso evolutivo até a atualidade, acrescentando, quando
pertinente, as autorizadas críticas que sobre elas teceram nossos melhores doutrinadores.
1.1. Constituições de 1891, 1934 e 1937
Em relação ao período no nosso direito positivo anterior à Constituição de
1891, não houve preceitos que merecem registro, pois, como assevera BERNARDO RIBEIRO
DE MORAES, “durante os períodos do Brasil-Colônia (1500-1815), Brasil-Reino Unido
(1815-1822) e Brasil-Império (1822-1889), o nosso País não se preocupou com as espécies
tributárias tradicionais. As modalidades fiscais anteriores ao período republicano eram
instituídas sem sistemática, não tendo o legislador brasileiro se interessado pela distinção
entre impôsto e taxa” (grifado no original).1
Pouco se caminhou nas Constituições de 1891, 1934 e 1937 sobre um
conceito legal de taxa.
1 Moraes, 1968, p. 10.
4
Na Constituição de 1891, foi prevista a competência da União para decretar
as taxas de selo (artigo 7º, 3º) e as taxas dos correios e telégrafos federais (artigo 7º, 4º),
bem como a competência dos Estados para instituir as “taxas de selos quanto aos atos
emanados de seus respectivos Governos e negócios de sua economia” (artigo 9º).
À Constituição de 1934 “coube a tarefa de estabelecer a distinção entre
impostos e taxas” (grifado no original).2 Entretanto, ao que se registra, foi uma distinção
meramente nominativa, pois o artigo 6º dizia ser da competência privativa da União
decretar os impostos enumerados no inciso I e as taxas enumeradas no inciso II, sem
estabelecer qualquer discrímen quanto a uns e outras.
Nos artigos 8º, II e 13, V, com boa vontade, pode-se vislumbrar um indício
de distinção entre as espécies, quando se disse, respectivamente, que competia aos Estados
“cobrar taxas de serviços estaduais” e que pertenciam aos Municípios “as taxas sobre
serviços municipais”. Idêntico critério foi repetido na Constituição de 1937.
2 Moraes, 1968, p. 12.
5
1.2. Decretos-lei 1.804, de 1939 e 2.416, de 1940
Em atenção às resoluções da 1ª Conferência Nacional de Técnicos em
Contabilidade Pública e Assuntos Fazendários, publicou-se o Decreto-lei nº 1.804, de 24 de
novembro de 1939, e, em sua seqüência, o Decreto-lei nº 2.416, de 17 de julho de 1940,
que foi produto da revisão das normas do primeiro diploma pela 2ª Conferência Nacional
de Técnicos em Contabilidade Pública e Assuntos Fazendários.
O Decreto-lei nº 1.804, de 1939, aprovava normas orçamentárias, financeiras
e de contabilidade para os Estados e Municípios. Na Parte Segunda, item XIX, dispunha, in
verbis:
“XIX – a designação de ‘imposto’ fica reservada para os tributos
destinados a atender indistintamente às necessidades de ordem geral da
administração pública; ‘taxa’, para os tributos exigidos como
remuneração de serviços específicos prestados ao contribuinte ou postos
à sua disposição, ou ainda contribuição para custear atividades especiais
provocadas por conveniências de caráter geral ou de determinados
grupos”.
Dessa redação, pouco se distanciou o subseqüente Decreto-lei nº 2.416, de
1940, cujo § 2º, do artigo 1º, do Título I, Capítulo I, Seção 1ª, prescrevia:
“Art. 1º. (...)
6
§ 2º. A designação de imposto fica reservada para os tributos destinados
a atender indistintamente às necessidades de ordem geral da
administração pública, a de taxa, para os exigidos como remuneração de
serviços específicos prestados ao contribuinte, ou postos à sua
disposição, ou ainda para as contribuições destinadas ao custeio de
atividades especiais do Estado ou do Município, provocadas por
conveniência de caráter geral ou de determinados grupos de pessoas”.
Os diplomas citados representaram uma grande evolução jurídico-tributária
para o país, em especial porque positivaram, em termos até então inovadores, um conceito
legal de taxa.
Como observado por BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, antes dessas
codificações, nada havia no ordenamento jurídico nacional que fizesse referência à taxa, e o
quadro em que operavam os aplicadores do direito era caótico em razão dessa deficiência:
“A legislação tributária, em 1939, no tocante às taxas, era a mais
aberrante possível, a ponto de criar uma situação desanimadora. Com a
designação de taxa eram arrecadados inúmeros tributos que de taxa, na
verdade, sòmente tinham a denominação. Várias figuras fiscais
esdrúxulas, desnaturadas e estranhas, eram impostas às pessoas, sem a
menor atenção ao conceito exato do tributo que estamos examinando. Tal
conceito, aliás, ainda não fora registrado na legislação brasileira”
(grifado no original).3
3 Moraes, 1968, p. 12.
7
Também avançaram aqueles Decretos-lei em mais um passo, ao adotarem a
teoria bipartite dos tributos, reconhecendo no ordenamento jurídico brasileiro como
espécies tributárias os impostos e as taxas, reservando às contribuições a categoria de
subespécie das taxas. Em resumo, nas palavras de BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, essa
legislação infraconstitucional:
“a) adotou, para o sistema tributário, uma divisão bipartida dos tributos,
admitindo apenas impostos e taxas. A contribuição de melhoria ou as
contribuições especiais não estavam caracterizadas como figuras
autônomas, ficando, portanto, como subespécies de taxa;
b) apresentou, pela primeira vez, uma definição do imposto e da taxa, as
únicas espécies tributárias então existentes;
c) considerou a taxa como um tributo (exigência pecuniária compulsória
em decorrência do poder fiscal do Estado). Passando a ser exigida
compulsòriamente, a taxa distinguia-se do preço público, simples
remuneração facultativa correspondente à compra de uma utilidade.
Por outro lado, o nôvo conceito fez desaparecer o caráter facultativo
que alguns autores desejavam dar-lhe;
d) definiu as duas razões jurídicas que possibilitavam a cobrança de
taxas:
I – remuneração por serviços específicos prestados ou postos à
disposição do contribuinte;
II – remuneração para custeio de atividades especiais do Estado,
provocadas por conveniências de caráter geral ou por
conveniências de determinados grupos ou pessoas;
8
e) distinguiu a taxa do imposto tendo em vista ‘a característica do destino
certo do produto da arrecadação’: o impôsto atende apenas as
necessidades de ordem geral da administração pública; a taxa atende
serviços específicos oferecidos ao contribuinte, ou custeia atividades
especiais do Estado”.4
Entretanto, quando surgiram no ordenamento nacional aquelas codificações,
levantaram-se vozes contrárias às suas redações, em especial à adotada pelo Decreto-lei nº
2.416, de 1940, que passou a viger em substituição a seu predecessor.
Particularmente, escrevia-se sobre o trecho do Decreto-lei nº 2.416, de 1940,
que dispunha sobre taxa que, ao mesmo tempo que considerava esse tributo como apto a
remunerar a prestação ou disponibilização ao contribuinte de serviços específicos, também
possibilitava se instituísse, como subespécie de taxa (contribuição), exação para o custeio
de atividades especiais dos Estados e Municípios, desenvolvidas em razão de necessidades
de caráter geral ou provocadas por determinados grupos de pessoas.
A atecnia, então, se alojava na parte final do § 2º, do artigo 1º, daquele
diploma e era atribuída ao critério eleito pelo legislador – o critério da destinação do
produto arrecadado –, que não só era insuficiente para conceituar taxa mas, ao dispor que
se cobrassem sob seu título despesas havidas pelo Poder Público quando de caráter geral ou
provocadas por grupos de pessoas, referia-se a destinatários difusos e indistintos, o que lhe
conferia os contornos de imposto, onde são indeterminados os beneficiários por sua
arrecadação.
4 Moraes, 1968, p.15.
9
Nesse mesmo sentido, escreveu RUBENS GOMES DE SOUSA:5
“A razão do defeito da definição dada pelo dec. Lei n. 2.416 é que toma
por base exclusivamente a finalidade a que se destinam as taxas: ora,
esse não é um critério suficiente para distinguir umas das outras as
diferentes espécies de tributos (impostos, taxas e contribuições), porque é
claro que a finalidade última de todos os tributos, de qualquer espécie, é
uma só: proporcionar receita ao Estado” (grifado no original).6
O critério da destinação do produto arrecadado,7 que foi atribuído à taxa
como elemento de sua definição (quando se tratasse da subespécie contribuição), acabou
por equipará-la aos impostos com destinação determinada,8 vez que destinava o produto
para custeio de atividades especiais de abrangência geral ou dirigidas a determinados
grupos de pessoas.
5 Em outra oportunidade, o autor comentou sobre a imperfeição técnica do Decreto nº 2.416, de 17 de julho de 1940, que não conduzia a um consenso doutrinadores e julgadores: “essa proliferação doutrinária e jurisprudencial tinha origem no conceito, parte incompleto, parte imperfeito e parte contraditório, que de taxa davam o Decreto-lei nº 1.804, de 24.11.39, depois o Decreto-lei nº 2.416, de 17.7.40, que codificavam as normas financeiras e orçamentárias para os Estados e os Municípios” (Sousa, 1972, 306-307). 6 Sousa, 1982, p. 165-166. 7 Importante ressaltar que Rubens Gomes de Sousa (1972, p. 303), em outra oportunidade, escreveu que o Decreto-lei nº 2.416, de 1940, na parte final do § 2º, do artigo 1º, filiava-se à teoria do benefício, assim definida pelo autor: “por ela, a taxa define-se pela vantagem que o seu pagamento (‘voluntário’ ou coativo) proporciona ao contribuinte e da qual independe o imposto”. Entretanto, entendemos que o critério que melhor espelha a ratio da redação da parte final do dispositivo é o critério da destinação do produto arrecadado, pois seu produto era para atender atividades especiais e, neste ponto, se pretendeu defini-la. Por outro lado, esse critério era tão presente no direito tributário da época, que o Código Tributário Nacional achou por bem torná-lo irrelevante para determinar a natureza jurídica dos tributos (artigo 4º). 8 Expressão de Rubens Gomes de Sousa (1982, p. 165). Bernardo Ribeiro de Moraes (1968, p. 26-27) registra outras denominações, como “impostos de aplicação especial”; imposta di scopo, dos italianos; impueste con afectatción ou impuesto de finalidad, dos espanhóis.
10
E não passava despercebida aos grandes representantes da doutrina tributária
nacional a identidade entre taxa (na subespécie contribuição) e imposto estabelecida pelas
definições do Decreto-lei nº 2.416, de 1940.
ALIOMAR BALEEIRO também criticou a destinação do produto arrecadado
contida na definição erigida pelo legislador ordinário para definir um dos “tipos” de taxas,
afirmando que tais tributos não passavam de pseudotaxas9 ou impostos com aplicações
especiais:
“Finalmente, um texto legal firmou três tipos de taxas:
a) tributos exigidos como remuneração de serviços específicos prestados
ao contribuinte; ou
b) tributos por serviços postos à disposição do contribuinte; ou
c) contribuições destinadas ao custeio de atividades especiais do Estado
ou do Município, provocadas por conveniências de caráter geral ou
de determinados grupos de pessoas (Dec.-lei nº 2.416, de 17-7-1940,
art. 1º, § 2º; Dec.-lei nº 1.804, de 24-11-1939).
Mas, em contraste, ‘a designação de impôsto fica reservada para os
tributos destinados a atender indistintamente às necessidades de ordem
geral da administração pública’ (idem). Não é taxa, mas imposto com
aplicações especiais, a contribuição da letra c supra.
Em que pese à opinião autorizada do Prof. CARVALHO PINTO, não nos
parece primorosa a conceituação do art. 1º, § 2º, in fine, do Decreto-lei
nº 2.416. Mas esse mesmo escritor paulista adverte que ‘há sempre,
nestas imposições, como observa LUTZ, uma combinação de utilidade
pública e benefício privado, o que lhe confere interessante aceitação
popular’” (grifado no original).10
9 Expressão de Aliomar Baleeiro (2002, p. 64). 10 Baleeiro, 1964, p. 215.
11
Rechaçou-se na doutrina, e com propriedade, os conceitos legais de taxa
erigidos pelos Decretos-leis nºs 1.804, de 1939, e 2.416, de 1940, fulcrando-se a crítica no
critério da destinação do produto arrecadado que fora escolhido para definir uma das
subespécies da exação.
1.3. Constituição de 1946
Sobreveio nova Constituição dos Estados Unidos do Brasil, em 18 de
setembro de 1946, quando Getúlio Vargas, então presidente, no intuito de redemocratizar o
país, atento aos movimentos que se faziam sentir após a decorrada nazi-facista na II Guerra
Mundial, expediu a Lei Constitucional nº 9, de 28 de fevereiro de 1945, a qual prescrevia
que, dentro de noventa dias contados de sua publicação, seriam fixadas as datas para
eleições diretas para o segundo período presidencial, para governadores dos Estados, bem
como para as primeiras eleições para o Parlamento e Assembléias Legislativas.11
Nos “considerandos” daquela Lei Constitucional, contudo, não havia
previsão expressa para eleição de uma assembléia constituinte, a quem incumbiria a
elaboração de uma nova Constituição. Ao contrário, ao Parlamento, que seria eleito,
conferiam-se poderes para reformar a que vigia, a Constituição “Polaca”, de 1937:
11 Em eleição direta, realizada em 2 de dezembro de 1945, tomou posse como Presidente do Brasil o General Eurico Gaspar Dutra, o qual recebeu a faixa presidencial do Presidente do Supremo Tribunal Federal em exercício na Presidência da República, Ministro José Linhares, em virtude da derrubada de Getúlio Vargas pelos militares.
12
“Considerando que a eleição de um Parlamento dotado de poderes
especiais para, no curso de uma Legislatura, votar, se entender
conveniente, a reforma da Constituição, supre com vantagem o plebiscito
de que trata o art. 187 desta última, e que, por outro lado, o voto
plebiscitário implicitamente tolheria ao Parlamento a liberdade de dispor
em matéria constitucional; (...)”.12
Entretanto, o rumo da história nacional e dos acontecimentos da época fez
com que se instaurasse, na verdade, uma Assembléia Constituinte em 2 de fevereiro de
1946, em conseqüência da publicação da Lei Constitucional nº 13, de 12 de novembro de
1945, cujos artigos 1º e 2º prescreviam, in verbis.
“Art. 1º – Os representantes eleitos a 2 de dezembro de 1945 para a
Câmara dos Deputados e o Senado Federal reunir-se-ão no Distrito
Federal, sessenta dias após as eleições, em Assembléia Constituinte, para
votar, com poderes ilimitados, a Constituição do Brasil.
Art. 2º – Promulgada a Constituição, a Câmara e o Senado Federal
passarão a funcionar como Poder Legislativo ordinário”.
A Assembléia Constituinte teve como uma de suas características a
heterogeneidade ideológica de seus representantes. Mas, o espírito progressista e
democrático que a presidia não foi suficiente para fazer com que a Constituição de 1946
deixasse de “nascer de costas para o futuro”, expressão a que faz alusão JOSÉ AFONSO DA
SILVA,13 pois a Carta inspirou-se nas Constituições de 1891 e de 1934, como comenta o
autor:
12 4º “considerandos” da Lei Constitucional nº 9, de 28 de fevereiro de 1945. 13 Silva, 1997, p. 86.
13
“Voltou-se, assim, às fontes formais do passado, que nem sempre
estiveram conformes com a história real, o que constituiu o maior erro
daquela Carta Magna, que nasceu de costas para o futuro, fitando
saudosamente os regimes anteriores, que provaram mal”.14
Não teve também a Constituição de 1946 um “projeto preordenado”,15 que
servisse de ponto de partida, de pauta para os debates e discussões que se sucederiam no
seio da Assembléia e que deveria ser a base para as elucubrações necessárias para se chegar
à desejada convergência de pensamentos, correntes e ideologias.
Talvez seja essa a explicação para a redação defeituosa e contraditória do
artigo 30, da Constituição de 1946, assim disposta:
“Art. 30. Compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios cobrar:
I – contribuição de melhoria, quando se verificar valorização do imóvel,
em conseqüência de obras públicas;
II – taxas;
III – quaisquer outras rendas que possam provir do exercício de suas
atribuições e da utilização de seus bens e serviços”.
O referido artigo, ao mesmo tempo que estabelecia, com certa minúcia, a
hipótese tributária16 da contribuição de melhoria, silenciava quanto à da taxa.
14 Silva, 1997. 15 Idem, 1997, p. 86. 16 Termo de Paulo de Barros Carvalho (2004, p. 241) para designar “a descrição normativa de um evento que, concretizado no nível das realidades materiais, fará irromper o vínculo abstrato que o legislador estipulou na conseqüência”.
14
Mas, a conceituação constitucional da contribuição de melhoria pouco
importava, pois o inciso III a desautorizava ao estabelecer que os entes poderiam cobrar
quaisquer outras rendas em decorrência do exercício de suas atribuições e utilização de
seus bens e serviços. Não havia garantia para, em se realizando uma obra pública, mesmo
que decorresse valorização imobiliária aos imóveis a ela lindeiros, se tributasse por
contribuição de melhoria, pois uma obra necessária poderia ser entendida como “exercício
das atribuições” do Poder Público. Qualquer renda poderia ser cobrada.
O mesmo se aplicava à taxa. Pelo desempenho de atividades públicas,
qualquer renda poderia ser instituída para suas remunerações. A confusão instaurada pelo
dispositivo constitucional, então, extrapolava o campo dos tributos e alcançava o de outras
receitas, não havendo critério diferenciador entre taxas e preços públicos ou tarifas, por
exemplo.
Como argutamente observado por GERALDO ATALIBA, em comentário ao
sistema constitucional de 1946:
15
“Esse sistema não só confundia taxa com preço, autorizando todo
baralhamento conceitual, como dava liberdade ao legislador ordinário
para fixar o regime remuneratório que desejasse, às atividades públicas,
quaisquer que elas fossem. Na verdade, o inciso III do art. 30 da
Constituição de 1946 anulava o I e o II. Era o mesmo que dizer: ‘as cores
permitidas são: I – branco; II – preto; III – qualquer cor’. É evidente que
o inciso III tornava inócuo, inúteis e insignificantes os incisos I e II. Todo
o artigo tem seu sentido reduzido à significação de mera autorização
para outras receitas, além dos impostos”.17
E, mesmo que constitucionalmente se tenha adotado a teoria tripartite dos
tributos – impostos, taxas e contribuições de melhoria –, salvo a exceção desta última, no
Texto de 1946 não se especificaram as hipóteses tributárias das taxas e dos impostos e,
assim, quanto a esses tributos, ainda vigiam os conceitos do Decreto-lei nº 2.416, de 1940,
como esclarece BERNARDO RIBEIRO DE MORAES:
“2ª – a Magna Carta não definiu e nem caracterizou nenhuma das
espécies tributárias. As definições de imposto e taxa oferecidas pelo
Decreto-lei nº 2.416, fundamentadas numa divisão bipartida dos tributos,
deveriam ser aceitas com as devidas reservas, até que outras definições
fossem estabelecidas” (grifado no original).18
17 Ataliba, 2004, p. 163. 18 Moraes, 1968, p. 21.
16
RUBENS GOMES DE SOUSA, no Compêndio de Legislação Tributária, ao
escrever um item sobre as “dificuldades na conceituação das taxas”,19 fazia alusão à
complexidade de se conceituar o tributo à luz do regramento constitucional de 1946 que,
além de quase nada disciplinar sobre taxa, relegava o conceito a regramentos
infraconstitucionais.
Assim, no direito positivo brasileiro, o que se tinha em matéria de tributos
sob a égide da Constituição de 1946 e, especificamente sobre as taxas, era disposição
constitucional que em nada disciplinava sobre o conceito, por restar anulada por outro
prescritivo de mesma índole; e, ainda, a definição criticada do Decreto-lei nº 2.416, de
1940.
1.4. Lei nº 4.320, de 1964
O problema da ausência de conceituação legal adequada para o termo taxa,
que se verificou nas legislações infraconstitucionais de 1939 e 1940 e que foi perpetuado na
Constituição de 1946, não foi minimizado com a publicação da Lei nº 4.320, de 7 de março
de 1964, que instituiu normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos
orçamentos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
No artigo 9º daquela Lei, prescrevia-se, in verbis:
19 Sousa, 1982, p. 165.
17
“Art. 9º. Tributo é a receita derivada, instituída pelas entidades de direito
público, compreendo os impostos, as taxas e contribuições nos termos da
Constituição e das leis vigentes em matéria financeira, destinando-se o
seu produto ao custeio de atividades gerais ou específicas exercidas por
essas entidades.”
Como colocado por BERNARDO RIBEIRO DE MORAES,20 a teoria tripartite
continuou a ser homenageada naquele diploma: impostos, taxas e contribuições, colocando-
se o termo “contribuições” de forma genérica.
Entretanto, como se observa na redação do dispositivo legal supra, a
destinação do produto arrecadado persistiu como critério diferenciador das espécies, sendo
que os impostos serviam para custeio de atividades gerais e as taxas e contribuições
destinavam-se às atividades específicas. Perdeu-se, outra vez, uma boa oportunidade para
se dissipar a confusão sobre a natureza jurídica dos tributos então reinante no direito
positivo pátrio.
1.5. Emenda Constitucional nº 18, de 1965
A Emenda Constitucional nº 18, de 1965, dispôs sobre a reforma tributária e,
logo a seguir, elaborou-se e publicou-se o Código Tributário Nacional no intuito de
regulamentá-la.
20 Cf. Moraes, 1968, p. 24, nota de rodapé nº 26.
18
Em seu artigo 1º, dispunha aquela Emenda que o sistema tributário nacional
era composto de impostos, taxas e contribuições de melhoria – reforçava-se a teoria
tripartite dos tributos.
Entretanto, no artigo 18 trazia a Emenda uma verdadeira novidade.
Conceituou-se taxa não mais com supedâneo no critério da destinação do produto
arrecadado, ao qual, até então, aquela exação (a subespécie contribuição) encontrava-se
conceitualmente atrelada pelas legislações infraconstitucionais já mencionadas. Ao
contrário, foi-lhe conferida uma concepção legal próxima à que hoje vigora para o tributo,
in verbis:
“Art. 18. Compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, cobrar taxas em
função do exercício regular do poder de polícia, ou pela utilização,
efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis,
prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição”.
Trouxe ainda o mesmo artigo outra inovação, disposta no parágrafo único,
que salientava que as taxas não teriam base de cálculo idêntica à dos impostos referidos por
aquela Emenda:
“Art. 18. (...)
Parágrafo único. As taxas não terão base de cálculo idêntica à que
corresponde a imposto referido nesta Emenda”.
19
Concordamos com BERNARDO RIBEIRO DE MORAES quando afirma, no que
tange à Emenda Constitucional nº 18, de 1965, que esta “alterou profundamente os
conceitos estabelecidos pelo Decreto-lei nº 2.416”.21
E o autor enumera as principais alterações no sistema tributário brasileiro
introduzidos pela Emenda: (i) a adoção da teoria tripartite dos tributos (já preconizada pela
Constituição de 1946); (ii) a afirmação da taxa como tributo, não se confundido com preço
público, de caráter facultativo e correspondente à compra de uma utilidade; (iii) duas causas
jurídicas legitimadoras à cobrança de taxa; (iii.a) a utilização de serviço público específico
e divisível, e (iii.b) o exercício regular do poder de polícia; (iv) o serviço legitimador da
cobrança da taxa é o “serviço específico e divisível”, não o “serviço específico prestado”;
(v) na conceituação legal de taxa, não se incluiu a contribuição de melhoria, tributo
autônomo.22
GERALDO ATALIBA registra, a respeito da Emenda de 1965, o seguinte:
21 Moraes, 1968, p. 30. 22 Cf. Moraes, 1968, p.24.
20
“No plano constitucional, eliminou-se toda lassidão; adotou-se postura
hirta e estrita; além dos impostos só taxas de polícia e taxas de serviço.
Tal colocação foi mantida pela Carta Constitucional de 1967 e pela
emenda n. 1/69. Agora, a Constituição de 1988 a reitera, confirma e
reafirma (art. 145). Consolidou-se um círculo fechado de estrito dever
para o legislador e direitos incisivos para os contribuintes; só são
exigíveis impostos, taxas e contribuições e nos estritos casos
explicitamente previstos”.23
Pode-se considerar a Emenda Constitucional nº 18, de 1965, como o marco
do conceito positivo de taxa no país. Verifica-se que a partir dela, não lhe foi imprimida
nenhuma alteração substancial que, em essência, vigora até nossos dias.
1.6. Código Tributário Nacional
Formou-se, com a participação dos juristas RUBENS GOMES DE SOUSA,
GILBERTO DE ULHÔA CANTO, GÉRSON AUGUSTO DA SILVA e LUÍS GONZAGA DO
NASCIMENTO E SILVA, a comissão incumbida de elaborar o projeto da legislação
complementar à reforma tributária promovida pela Emenda Constitucional nº 18, de 1965.
23 Ataliba, 2004, p. 164.
21
Essa ilustre comissão (que funcionou de 1965 a 1966), produziu o Projeto nº
13, que, depois, foi votado como a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, a que o artigo
7º, do Ato Complementar nº 36, de 13 de março de 1967,24 passou a denominar de Código
Tributário Nacional.
No artigo 77, conceituou o novel Código Tributário Nacional a taxa e0,
praticamente, repetiu a redação do Texto Constitucional então vigente, nada alterando
significativamente no arcabouço normativo do conceito de taxa.
Merece registro a definição de poder de polícia (no artigo 78) e de serviços
públicos específicos e divisíveis, assim como a forma de utilização desses serviços - efetiva
ou potencial (artigo 79) -, todas atividades estatais aptas a gerarem a instituição de taxas.
1.7. Constituição de 1967
A Constituição brasileira de 1967, no artigo 19, II, ao conceituar taxa, o fez
de forma um pouco diferenciada da Emenda Constitucional nº 18, de 1965, e do artigo 77,
do Código Tributário Nacional, retirando o qualificativo “efetivo ou potencial” às formas
de “utilização” dos serviços públicos específicos e divisíveis pelo contribuinte:
24 Artigo 7º, do Ato Complementar nº 36, de 13 de março de 1967: “a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, e alterações posteriores, passa a denominar-se ‘Código Tributário Nacional’”.
22
“Art. 19. Compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, arrecadar:
(...)
II – taxas pelo exercício regular do poder de polícia ou pela utilização de
serviços públicos de sua atribuição, específicos e divisíveis, prestados ao
contribuinte ou postos à sua disposição.”
A justificativa – que é bastante plausível e coerente, por sinal –, para tais
supressões, nos dá BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, pois “(...) a idéia que pretendia
expressar já estava contida na frase ‘prestados ao contribuinte ou postos à sua
disposição’”.25
A grande característica dessa Carta Política quanto ao sistema tributário não
se refere ao conceito de taxa ou de qualquer outro tributo, mas, como registra JOSÉ AFONSO
DA SILVA, refere-se à contemplação da técnica da discriminação de rendas, “ampliando a
técnica do federalismo cooperativo, consistente na participação de uma entidade na
receita de outra, com acentuada centralização”.26
25 Moraes, 1968, p. 33. 26 Silva, 1997, p. 88.
23
1.8. Emenda Constitucional nº 1, de 196927
A Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969 que, como assevera
JOSÉ AFONSO DA SILVA, “teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova
Constituição”,28 retornou à anterior redação da Emenda Constitucional nº 18, de 1965, e do
Código Tributário Nacional, estabelecendo no artigo 18, I, a instituição de taxas em razão
do exercício do poder de polícia ou pela utilização efetiva ou potencial de serviços públicos
específicos e divisíveis, prestados ou postos à disposição do contribuinte, mas não alterou o
sistema tributário então instituído, vez que sua grande preocupação era bem outra: a de
servir aos interesses da Junta Militar alçada no poder:
“Além da poderosa influência da Carta Política de 1937, cujas
características básicas assimilou; preocupou-se fundamentalmente com a
segurança nacional’, a Carta de 69 ainda incorporaria a experiência de
atos institucionais e complementares baixados durante a ditadura”.29
1.9. Constituição de 1988
O artigo 145, II, da Constituição Cidadã, como foi denominada a Carta
Política de 1988, pouco modificou a redação do artigo 18, I, da Emenda Constitucional nº
17, de 1969.
27 Marcelo Cerqueira (1997, p. 150-151) registra que o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, reconheceu a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, como a Constituição de 1967 e não a Carta de 1969. 28 Silva, 1997, p. 88. 29 Cerqueira, 1997, p. 150-151.
24
O que merece ser salientado quanto a essa Carta Política é que, por
apresentar conteúdo multifacetado, acabou por encerrar três distintas Constituições, como
registrado pelo Ministro Celso de Mello na ocasião do julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 319-4-Distrito Federal:
“A Carta Federal brasileira encerra conteúdo multidimensional, que se
evidencia pela pluralidade temática que o seu texto normativo encerra.
Há, formalmente englobadas no instrumento constitucional promulgado
em 1988, três (3) distintas Constituições – a Constituição Política, a
Constituição Econômica e a Constituição Social -, numa evidente
demonstração de que o constitucionalismo brasileiro, já a partir de 1934,
tem refletido as modernas tendências do direito constitucional positivo
comparado.”30
1.10. Sinopse do capítulo 1
1.10.1. As primeiras definições legais de taxa no sistema do direito positivo
brasileiro foram as do Decreto-lei nº 1.804, de 21 de novembro de 1939, elaborado em
atenção às resoluções da 1ª Conferência Nacional de Técnicos em Contabilidade Pública e,
ao se realizar a 2ª Conferência, revisaram-se aquelas normas, publicando-se o Decreto-lei
nº 2.416, de 17 de julho de 1940.
30 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 319-4-Distrito Federal. Tribunal Pleno. Requerente a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEM e Requeridos o Congresso Nacional e o Presidente da República. Relator Ministro Moreira Alves. Brasília, 3 mar. 1993. Voto do Ministro Celso de Mello, p. 74.
25
1.10.2. Os Decretos-leis nºs 1.804, de 1939, e 2.416, de 1940, foram
criticados porque, ao conceituarem taxa, estabeleciam como uma de suas subespécies (além
das taxas para remunerar (i) serviços públicos prestados e (ii) serviços públicos
disponibilizados), a taxa ou contribuição para custear atividades especiais dos Estados e
Municípios, quando provocadas por conveniências de caráter geral ou de determinados
grupos de pessoas.
1.10.3. Esses Decretos-lei adotaram (i) o critério da destinação do produto
arrecadado e, assim, equiparam as taxas a impostos com destinação determinada (espécie
identificada à época) e (ii) a teoria bipartite dos tributos (taxas e impostos).
1.10.4. É responsável a Constituição de 1946 (elaborada sem projeto
preordenado): (i) pela adoção da teoria tripartite dos tributos (impostos, taxas e
contribuições de melhoria); (ii) por tornar nulas as prescrições estabelecidas para
contribuição de melhoria e taxa ao estabelecer, no inciso III, do artigo 30, que o legislador
poderia instituir “quaisquer outras rendas” pelo exercício de suas atribuições e utilização de
seus bens e serviços; (iii) pela confusão entre taxa e outras receitas públicas, como preços
públicos ou tarifas.
1.10.5. Por não terem sido as taxas e os impostos pormenorizados no Texto
Constitucional, vigeu para eles a redação do Decreto-lei nº 2.416, de 1940, até a
promulgação da Emenda Constitucional nº 18, de 1965.
26
1.10.6. A Lei nº 4.320, de 7 de março de 1964, que instituiu regras gerais de
direito financeiro, reconheceu a teoria tripartite adotada pela Constituição de 1946,
colocando o termo “contribuições” de forma genérica, mas continuou fazendo referência ao
critério da destinação do produto arrecadado para diferençar taxa de imposto.
1.10.7. A primeira alteração substancial no conceito de taxa foi a da Emenda
Constitucional nº 18, de 1965, que dispôs sobre a reforma tributária. Não mais vinculava o
conceito da exação ao critério da destinação do produto arrecadado, adotando redação
muito próxima a que hoje vige para a taxa no artigo 145, II, da Constituição Federal de
1988.
1.10.8. No interregno – Emenda Constitucional nº 18, de 1965, e
Constituição Federal de 1988 – publicou-se o Código Tributário Nacional (para
regulamentar a reforma da Emenda Constitucional nº 18, de 1965), a Constituição de 1967,
a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, mas não se registra nenhuma alteração substancial
no conceito legal de taxa operada por todos esses diplomas, destacando-se somente que o
Código Tributário Nacional introduziu a definição de poder de polícia (no artigo 78) e de
serviços públicos específicos e divisíveis, assim como a forma de sua utilização, efetiva ou
potencial (artigo 79), que são as atividades estatais aptas a gerarem a instituição da taxa.
27
Capítulo 2
TEORIAS JURÍDICAS DA TAXA
Entende-se, para os fins deste trabalho, por “teoria jurídica” – a partir da
definição de NICOLA ABBAGNANO para o verbete “teoria” –, extratos de linguagem
descritiva31 da Ciência do Direito concatenados sob “uma ou mais hipóteses”,32 ora
denominadas “critérios”.
“Teoria jurídica” é, pois, uma construção que se pretende científica, tendo
por objeto o direito positivo e por objetivo sua melhor compreensão.
E constata-se que, efetivamente, buscaram os jurisconsultos “hipóteses” ou
“critérios” para distinguir o tributo taxa não só das demais espécies tributárias, como
também de receitas outras que de tributo propriamente dito não se tratavam, como os
preços públicos ou tarifas.
31 Cf. Carvalho, 2004, p. 3. 32 Abbagnano, 1998, verbete “teoria”, 4º, significado, “a”, p. 952.
28
Assim, o que se buscou fazer, nos estreitos limites deste trabalho, foi
sistematizar os pensamentos dos autores compulsados (que foram alguns, dentre outros
tantos, igualmente grandiosos) e deles extrair determinados critérios, que formam a base da
construção do que ora denominamos teorias jurídicas da taxa, sem nenhuma outra pretensão
a não ser o puro exercício acadêmico. Quando pertinente, exteriorizaremos nossa posição
sobre determinada teoria.
2.1. Teoria da destinação do produto arrecadado33
A teoria da destinação do produto arrecadado foi a adotada pelos Decretos-
lei nºs 1.804, de 1939, e 2.416, de 1940, especificamente na parte final dos dispositivos que
disciplinavam sobre uma das subespécies de taxa.
RUBENS GOMES DE SOUSA34 considerava aquele critério – da finalidade,
como dizia – insuficiente, não só por pretenciosamente intencionar uma conceituação de
taxa, mas também por não ter êxito ao desejar diferençá-la do imposto pelo critério da
destinação do produto arrecadado, “porque é claro que a finalidade última de todos os
tributos, de qualquer espécie, é uma só: proporcionar receita ao Estado”.35
33 Nos compêndios analisados não encontramos essa denominação para o pensamento que compilamos como “teoria”, sendo, pois, fruto de nossa livre interpretação. 34 Sousa, 1982, p. 165. 35 Idem, p. 166.
29
Assim, era a taxa (na subespécie contribuição) o tributo instituído em razão
de uma atividade estatal que se destinasse a custear atividades especiais dos Estados e
Municípios provocadas por conveniências de caráter geral ou de determinados grupos de
pessoas. Como salientado no Capítulo 1, essa exação não passava de imposto com
destinação determinada e, sob esse critério, onde a atividade estatal não tinha qualquer
referibilidade direta ao contribuinte, se instituíram e arrecadaram inúmeras taxas.
Mas, já naquela época, antes mesmo da redação do artigo 4º, II, do Código
Tributário Nacional (CTN),36 repudiava a doutrina a destinação do produto como apta a
determinar a natureza da receita, pois como salientava RUBENS GOMES DE SOUSA, “(...) a
afetação da despesa é uma simples determinação de ordem contábil (como a constituição
de um fundo de reserva para fim determinado), sem influência sobre a natureza da
receita”.37
36 Em comentário ao artigo 4º, do CTN, Rubens Gomes de Sousa disse que “há quem pretenda que a vinculação, na taxa, refira-se ao produto da arrecadação, ou seja, que só é taxa o tributo cuja receita seja destinada por lei a despesa ou emprego determinados. Essa tese, evidentemente ligada às acima referidas, procura, com elas, base em circunstâncias externas ao tributo e por isso é também repelida, juntamente com elas, pelo art. 4º, n. II, do CTN como elemento caracterizador da respectiva natureza jurídica” (Sousa, 1971, p. 351-356). Salienta, entretanto, que foi a tese adotada pelo “‘Modelo de Código Tributário para América Latina’, no artigo 16, ‘(...) cuja exposição de motivos, embora repelindo a adequação da taxa ao custo, enfatiza que, sendo fundamento jurídico da taxa a prestação de um serviço estatal, seu produto não pode ter destino alheio ao serviço que constitua o pressuposto da obrigação’” (Sousa, 1972, p. 299). 37 Sousa, 1982, p. 164.
30
Quando o CTN surgiu no cenário jurídico-positivo, ALIOMAR BALEEIRO, em
comentário ao inciso II, de seu artigo 4º, dizia que esse dispositivo tinha destinação certa,
referindo-se às pseudotaxas, tributos que assim se denominavam, mas que não passavam de
impostos com aplicação especial, onde o contribuinte não provocava e sequer se
beneficiava da atividade estatal desenvolvida.38
GERALDO ATALIBA, após vociferar ser “absurdo, anticientífico, ilógico e
primário recorrer a argumento ligado ao destino que o Estado dá aos dinheiros
arrecadados”,39 referindo-se à destinação como critério em período de nossa legislação,
arrematou:
“Houve, no Brasil, uma definição legal de imposto, dada por um decreto-
lei de 1940 (n. 2.416) como sendo ‘tributo destinado a atender
indistintamente às necessidades de ordem geral da administração
pública’ (§ 2º do art. 1º). Essa excrescência está superada e perempta.
Mas ainda há quem raciocine nesses termos, ou reproduza tais
concepções”.40
BERNARDO RIBEIRO DE MORAES informa algumas taxas que foram instituídas
com base no critério da destinação do produto arrecadado que, como salienta, eram
arrecadadas de terceiros que não apresentavam relação com a atividade pública subjacente:
38 Cf. Baleeiro, 2002, p. 68. 39 Ataliba, 2004, p. 158. 40 Idem, p. 159.
31
“Decorridos 25 anos do momento da instituição do conceito legal de
impôsto e taxa, nada fora alterado. Na prática, a legislação fiscal do País
continuava instituindo taxas originais, absurdas no seu sentido técnico,
embora com respeito ao Decreto-lei nº 2.416. Inúmeras taxas, com
destinação específica do produto da arrecadação, eram exigidas de
terceiros, sem relação alguma com a pessoa do verdadeiro beneficiário
do serviço público (...).
(...) a Taxa de Estatística e Desenvolvimento Econômico do Estado do
Ceará; a Taxa de Estatística da Bahia; a Taxa de Serviço Contra Fogo
ou Taxa de Bombeiros do Estado de Pernambuco; a Taxa de Assistência
Social do Estado do Paraná; a Taxa de Recuperação Econômica e
Assistência Hospitalar de Minas Gerais; a Taxa de Educação e Saúde
da União; a Taxa Sôbre o Trigo Nacional; a Taxa de Serviço Contra o
Fogo de Minas Gerais; a Taxa de Eletrificação, Fluoração e
Abastecimento de Água e Melhoramentos de Estrada do Estado de
Pernambuco; a Taxa de Investimento de Pecuária do Estado do Rio
Grande do Sul; a Taxa de Renovação da Marinha Mercante do Estado
do Rio Grande do Sul; etc.” (grifado no original).41
Com razão o autor acima, quando afirma que se instituíram e se arrecadaram
muitas taxas no Brasil com base na destinação do produto arrecadado.
Como exemplo, tem-se a taxa de melhoramento dos portos, considerada
constitucional pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso em Mandado de
Segurança nº 13.341, em 2 de junho de 1964.
41 Moraes, 1968, p. 24-26.
32
Por adotar a Suprema Corte o critério da destinação do produto arrecadado,
entendeu que aquela taxa não era adicional do imposto de importação, pois se destinava a
cobrir despesas portuárias, sendo 40% de seu produto com destinação para obras e serviços
do porto utilizado pelo contribuinte e 60%, para obras e melhoramentos dos demais portos
nacionais:
“Dir-se-á que sómente 40% são empregados no próprio pôrto de que se
utiliza o contribuinte. Mas, por êsse argumento, pelo menos 40% estariam
sendo cobrados legitimamente, na categoria de taxa. Acresce que os
outros 60%, destinados à ‘execução do plano portuário nacional’ (art.
11), também reverterão em benefício dos usuários de qualquer dos portos
nacionais”.42
Concluiu, assim, o Ministro Relator que se tratava de verdadeira taxa, pois
“destinada a retribuir serviços portuários, e a melhorar êsses próprios serviços”, filiando-
se expressamente ao que antes fora decidido pelo extinto Tribunal Federal de Recurso,
como se observa do seguinte trecho de seu voto:
“(...) ‘a taxa de melhoramento dos portos atende à dupla finalidade: ...
retribui o pagamento, ao colocar melhores portos à disposição do
contribuinte, como também por ser destinada ao custeio de atividades
especiais do Estado ao melhorar outros portos do País...’ ”.43
42 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso de Mandando de Segurança nº 13.341. Tribunal Pleno. Viação Aérea São Paulo S.A. versus Cia. Docas dos Santos. Relator Ministro Victor Nunes Leal. Brasília, 2 jun. 1964, p. 113. 43 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso de Mandando de Segurança nº 13.341. Tribunal Pleno. Viação Aérea São Paulo S.A. versus Cia. Docas dos Santos. Relator Ministro Victor Nunes Leal. Brasília, 2 jun. 1964, p. 112.
33
Outro exemplo colhido da jurisprudência sobre a adoção da teoria em
questão é o Agravo de Petição nº 5.930, julgado em 25 de junho de 1958, do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, que entendeu ser constitucional a taxa de coooperação para
a construção de silos e armazéns instituída pelo Estado do Rio Grande do Sul porque,
como argumentou o Relator, Desembargador Antônio Augusto Uflacker:
“... nenhuma consistência tem a alegação de que a impetrante não recebe
benefício com a arrecadação da taxa que lhe é exigida nas primeiras
compras que realiza.
A prova demonstra que já existem vários silos e armazéns em
funcionamento e outros acham-se em construção.
Ademais, trata-se de uma taxa que, na conceituação ampla e já
consagrada pela evolução do Direito Fiscal moderno, é tributo ‘exigido
como remuneração de serviços específicos prestados ao contribuinte ou
postos à sua disposição, ou, ainda, a contribuição destinada ao custeio de
atividades especiais provocadas por conveniências de caráter geral ou de
determinados grupos de pessoas’ (art. 1º, § 2º do Decreto-lei nº 2.416, de
17-7-1940)”.44
44 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Petição nº 5.930. Câmara Cível Especial. Agravante o Estado do Rio Grande do Sul. Relator Desembargador Antônio Augusto Uflacker. Porto Alegre, 25 jun. 1958, p. 125.
34
2.2. Teoria da prestação da atividade estatal diretamente ao contribuinte45
A teoria da prestação da atividade estatal diretamente ao contribuinte pode
ser identificada como uma teoria autônoma por se ter constatado, na obra de RUBENS
GOMES DE SOUSA, idêntico critério, usado para conceituar taxa:
“(...) taxa é o tributo instituído para remunerar um determinado serviço
ou atividade especial do Estado, que seja cobrado somente dos
contribuintes que de fato se utilizem desse serviço ou atividade, ou que
os tenham à sua disposição. Fora desta hipótese, isto é, quando seja
cobrado indistintamente de todos os contribuintes, o tributo não será
taxa, mas imposto” (grifado no original). 46
Entretanto, o critério da prestação da atividade estatal diretamente ao
contribuinte estava implícito no conceito de taxa adotado pelos Decretos-leis nºs 1.804, de
1939, e 2.416, de 1940, onde se dizia que a exação seria devida pela remuneração ou
disponibilização de serviços específicos prestados ao contribuinte.
Em ALIOMAR BALEEIRO também é possível se ver perfilhada a mesma teoria:
“A taxa tem, pois, como ‘causa’ jurídica e fato gerador a prestação
efetiva ou potencial dum serviço específico ao contribuinte, ou a
compensação dêste à Fazenda Pública por lhe ter provocado, por ato ou
fato seu, despesa também especial e mensurável” (grifo nosso).47
45 Nos compêndios analisados não encontramos essa denominação para o pensamento que compilamos como “teoria”, sendo, pois, fruto de nossa livre interpretação. 46 Sousa, 1982, p. 169. 47 Baleeiro, 1964, p. 217.
35
Exemplificando-se o reconhecimento que teve essa teoria na jurisprudência,
tem-se o Mandado de Segurança nº 10.939, julgado em 24 de abril de 1963, pelo Supremo
Tribunal Federal.
Naquela oportunidade, declarou-se a inconstitucionalidade da taxa de
eletrificação, fluoração e abastecimento d’água e melhoramentos de estradas do Estado de
Pernambuco, sob o argumento do Relator, Ministro Ribeiro da Costa, de que no caso não se
vislumbrava serviços públicos prestados em relação direta e imediata ao contribuinte,
ratificando julgamento anterior da Corte, no Recurso em Mandado de Segurança nº 10.593:
“‘Porém, o conceito de taxas não é uma criação legal, mas uma
realidade específica, fruto de determinada relação vista no plano
tributário. A taxa é sempre o tributo só exigível daquele que está em
relação direta e imediata com o serviço público.
Ora o tributo em aprêço não consegue disfarçar com o rótulo o seu
verdadeiro significado, pois não é de quem se encontra em relação direta
ou imediata com êsses serviços, mas alcançando sempre, como diz a lei,
‘transações de qualquer natureza’” (grifo nosso). 48
48 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandando de Segurança nº 10.939. Tribunal Pleno. Produtos Químicos Guarani S.A. versus Estado de Pernambuco. Relator Ministro Ribeiro Costa. Brasília, 24 abr. 1963, p. 127.
36
2.2.1. Nossa posição
A teoria da prestação da atividade estatal diretamente ao contribuinte foi
importante para a doutrina, ou seja, o critério da referibilidade da atividade estatal
diretamente ao contribuinte que logrou ser detectado, já àquela época, por nossos
tratadistas, mesmo que não tenha sido melhor desenvolvido, conseguiu inaugurar uma
distinção relevante entre impostos e taxas, colocando o diferencial na pessoa do
contribuinte a que a atividade estatal deveria se referir.
Essa teoria foi melhor desenvolvida por GERALDO ATALIBA, na teoria da
vinculabilidade da hipótese de incidência, que a cindiu em dois critérios conceituais da
taxa: (i) a referibilidade da atuação estatal ao contribuinte, para diferençar entre taxas e
impostos; e; (ii) o grau dessa referibilidade, maior (referibiliade direta) ou menor
(referibilidade indireta), como discrímen entre taxa e contribuição.
37
2.3. Teoria da facultatividade49
A teoria da facultatividade das taxas era veementemente repudiada por
RUBENS GOMES DE SOUSA e por outros doutrinadores, pois como explicava aquele autor, a
teoria propugnava serem as taxas tributos facultativos – ao contrário dos impostos, que
seriam tributos obrigatórios – com supedâneo exclusivamente na faculdade do contribuinte
se abster de utilizar o serviço público e, então, se furtar ao pagamento da taxa.
Como informa RUBENS GOMES DE SOUSA, é a teoria mais antiga,
“encontrada sobretudo nos financistas, antes do desenvolvimento autônomo do direito
tributário”.50 Por ser uma teoria antiga, não foi formulada considerando-se o poder de
polícia, que é sempre atividade vinculada da Administração, da qual dificilmente pode o
administrado se furtar, quando tenha sua liberdade ou propriedade condicionados.
A teoria, entretanto, não poderia ser considerada consistente, pois a
característica das receitas públicas é justamente a compulsoriedade, sendo contradição entre
termos se referir à “taxa facultativa”. Por outro lado, havia os serviços públicos de
utilização obrigatória (postos à disposição), onde se cobrava taxa.
Em conclusão, asseverou RUBENS GOMES DE SOUSA:
49 Nos compêndios analisados não encontramos essa denominação para o pensamento que compilamos como “teoria”, sendo, pois, fruto de nossa livre interpretação. 50 Sousa, 1972, p. 303.
38
“(...) se a característica das receitas públicas tributárias é a
compulsoriedade, a taxa ‘voluntária’ não seria tributo. Especificando,
além de não ser a prestação de um serviço público o único fundamento da
exigibilidade de taxas, mesmo no caso daqueles serviços que o Governo
só presta quando solicitado, a abstenção do particular seria apenas
equiparável à impropriamente chamada ‘evasão lítica por omissão’, por
exemplo, deixar de fumar para não pagar o imposto sobre o tabaco”.51
ALIOMAR BALEEIRO registrou o pensamento de AMARO CAVALCANTI
coincidente com essa teoria, pois afirmava que taxa era o gênero de contribuição paga pelos
usuários de serviços, mas com caráter facultativo, sendo, “por assim dizer, o preço do
serviço obtido na medida em que cada um exige ou dele tira proveito”.52
Desta forma, na teoria da facultatividade, o critério que a sustentava era a
opção da utilização, pelo contribuinte, do serviço público, o que as tornava tributos
facultativos, ao contrário dos impostos.
O contraponto que a rebatia estava em que havia serviços públicos de
utilização obrigatória pelo contribuinte, onde se cobrava taxa.
51 Sousa, 1972, p. 303. 52 Baleeiro, 2002, p. 543.
39
2.4. Teoria do benefício
RUBENS GOMES DE SOUSA escreveu que, por essa teoria, “a taxa define-se
pela vantagem que o seu pagamento (‘voluntário’ ou coativo) proporciona ao contribuinte
e da qual independe o imposto”.53 Ponderou, contudo, que o benefício individual auferido
pelo contribuinte não poderia ser critério adequado para definir as taxas, posto que
“vinculando a incidência da taxa (...) à obtenção, pelo contribuinte, de um benefício (ainda
que não financeiramente equivalente), esta teoria implicitamente lhe confere um caráter de
contraprestação”.54
Estar-se-ia, então, no pensamento do autor, diante de uma prestação
contratual instituída em razão da equivalência de vantagens, quando a taxa, por ser um
tributo e, assim, expressão da soberania do Estado, não é instituída para proporcionar
benefícios individuais, condicionando a atuação estatal. A teoria do benefício pondera, por
fim, poderia servir à ciência das finanças como critério para mensurar quantitativamente o
tributo, mas nunca como critério jurídico para aferir sua base de cálculo:
“Poderia, no plano financeiro, servir para fixar a medida das taxas, mas,
no plano jurídico, nem para isso serve, pois a definição da base de
cálculo dos tributos integra a do seu fato gerador, sendo ambas, portanto,
expressões da soberania, limitada apenas pela lei através da qual se
manifesta”.55
53 Sousa, 1972, p. 303. 54 Sousa, 1972, p. 304. 55 Ibidem.
40
A noção subjacente à teoria do benefício – e que deve ser repudiada – é a de
que a taxa é a causa da atividade estatal, que proporciona um benefício ao contribuinte.
Nesse caso, se estaria diante de uma relação semelhante às de direito privado,
condicionando-se a atividade estatal à sua remuneração pelo contribuinte, que é a idéia que
preside as atividades econômicas desenvolvidas pelos particulares e, quando permitido,
pelo Estado (artigo 173, CF), nos termos do artigo 170 e seguintes, da Constituição Federal.
2.5. Teoria da contraprestação56
Deriva essa teoria da teoria do benefício, sendo que o critério comum das
duas é o caráter contraprestacional das taxas que, entretanto, adquire matizes diferentes em
uma e outra.
Assim, em ALIOMAR BALEEIRO, PAULO DE BARROS CARVALHO e ALBERTO
XAVIER, encontra-se a noção de que as taxas são contraprestações pela atividade estatal, ou
que têm caráter sinalagmático, como registra MISABEL DERZI:
“O caráter sinalagmático desse tributo é realçado por Paulo de Barros
Carvalho (Curso de Direito Tributário, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1991,
p. 33); Alberto Xavier (Manual de Direito Fiscal, Lisboa, 1974, vol. 1, p.
43); Aliomar Baleeiro destaca serem as taxas contraprestações, conforme
tópico I e II anteriores”. 57
56 Nos compêndios analisados não encontramos essa denominação para o pensamento que compilamos como “teoria”, sendo, pois, fruto de nossa livre interpretação. 57 Cf. Baleeiro, 2002, p. 542.
41
Lê-se em ALIOMAR BALEEIRO:
“Quem paga a taxa recebeu serviço ou vantagem: goza da segurança
decorrente de ter o serviço à sua disposição, ou, enfim, provocou uma
despesa do poder público.(...).
É característico da taxa a especialização do serviço, em proveito direto
ou por ato do contribuinte, ao passo que, na aplicação do imposto, não
se procura apurar se há qualquer interesse, direto e imediato, por parte
de quem o paga: se tem capacidade econômica e está vinculado a
determinada comunidade política, nada mais indaga o legislador para
que o submeta ao gravame fiscal sob forma de imposto. (...).
Daí afirmar-se que a taxa é a contraprestação de serviço público, ou de
benefício feito, posto à disposição, ou custeado pelo Estado em favor de
quem a paga, ou por este provocado (grifado no original)”.58
PAULO DE BARROS CARVALHO, confirmando-se o que informa a autora
acima, diz que “o caráter sinalagmático deste tributo haverá de mostrar-se à evidência,
como já lecionara Alberto Xavier e como bem sintetiza Edvaldo Brito, em preciosa
colaboração ao 43º Congresso da International Fiscal Association”.59
Mas, o que os autores citados pretenderam significar é que as taxas devem
ser cobradas quando se tem um benefício ou utilidade material diretamente auferidos pelo
contribuinte, por ato do Estado, sendo a atividade do Poder Público logicamente anterior à
exação, que não condiciona aquela, como na teoria do benefício, mas é sua conseqüência,
como bem adverte MARCO AURÉLIO GRECO:
58 Baleeiro, 2002, p. 540. 59 Carvalho, 2004, p. 40-41.
42
“Na taxa há ausência de contraprestação, pois, o pagamento efetuado
pelo contribuinte não é causa (motivo determinante) e condição da
atuação, mas conseqüência de sua execução. (...)
Na taxa, a atuação – embora cronologicamente possa não o ser – é
logicamente um ‘prius’ em relação ao tributo”.60
2.5.1. Nossa posição
A relevância dessa teoria está em que a noção de ser a taxa contraprestação
como conseqüência da atuação estatal é a idéia subjacente às argumentações dos autores
que sustentam que a taxa não deve ter relação com a capacidade contributiva do indivíduo,
pois a relação que se estabelece é entre a atividade estatal e a contraprestação dessa atuação
pela taxa, como noticia HUMBERTO ÁVILA:
“Há duas correntes relativamente à aplicação do princípio da capacidade
contributiva aos tributos ditos vinculados. Uma entende que a hipótese de
incidência das taxas, que é um fato do Estado, não possui qualquer
vinculação com a capacidade contributiva. (...). Daí dizer que as taxas
representam uma contraprestação pela vantagem que o contribuinte
recebeu do Estado e, por isso mesmo, têm relação com a atuação estatal e
não com os índices de capacidade econômica do contribuinte (renda,
patrimônio, consumo)”.61
60 Greco, 1973, p. 39. 61 Ávila, 2004, p. 382.
43
Dentre os tributaristas que aderem a esse entendimento, estão AIRES
BARRETO, que expressamente assevera que as taxas constituem-se em “fato interno à
Administração – que nada tem a ver com a atuação do particular, e portanto não toma em
conta atributos inerentes ao sujeito passivo ou relativos à matéria sobre a qual se refere a
taxa (...)”62 e GERALDO ATALIBA, que afirma ser a base imponível da taxa uma dimensão da
atuação estatal.63
EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO, por fim, sustenta que não poderão haver
elementos estranhos à ação estatal para se auferir a base imponível da taxa:
“(...) deve circunscrever-se a elementos ínsitos à ação do ente estatal que
se coloca como credor (sujeito ativo) da obrigação tributária de que se
cuida, não podendo ser medida ou dimensionada pela apropriação de
elementos estranhos ou inconsistentes com esta ação”.64
2.6. Teoria do custo do serviço
A teoria do custo do serviço, como afirma RUBENS GOMES DE SOUSA, seria o
critério para se conceituar como taxa o tributo cobrado até o equivalente do custo do Estado
pela atividade pública desenvolvida ou serviço posto à disposição ou prestado ao
contribuinte.
62 Barreto, 1998, p. 89. 63 Ataliba, 2004, p. 151. 64 Bottalo, 1990, p.188.
44
Nos termos que definem essa teoria, tem-se que:
“(...) um tributo só se define como taxa até o equivalente da recuperação
daquele custo pelo Estado, configurando o excedente um preço público ou
um imposto. Esta teoria foi aventada por economistas como Einaudi, ou
por administrativistas como Cammeo”.65
Mais uma vez, RUBENS GOMES DE SOUSA desaprovou essa teoria como apta
a conceituar a taxa pois, como argumentou, se o excedente se configurasse como preço
público, não teria causa contratual que o justificasse, além da mesma relação de direito
variar de natureza jurídica. E, caso se configurasse como imposto, seria inconstitucional e
ilegal, pois sem hipótese de incidência prevista pela legislação.66
2.7. Teoria da modalidade da atividade estatal67
A teoria da modalidade da atividade estatal, na versão exposta por RUBENS
GOMES DE SOUSA, tem como critério identificador das taxas a modalidade da atividade
desenvolvida pelo Estado, se própria ou imprópria.
65 Sousa, 1972, p. 304. 66 Cf. Sousa, 1972, p. 304. 67 Nos compêndios analisados não encontramos essa denominação para o pensamento que compilamos como “teoria”, sendo, pois, fruto de nossa livre interpretação.
45
Verifica-se, entretanto, que o foco desta teoria está centrado não na
diferenciação das espécies tributárias entre si, mas entre taxas e preços públicos ou tarifas.
Por essa razão, como assevera RUBENS GOMES DE SOUSA,68 não logrou diferenciar as taxas
dos impostos.
Assim, aquele autor transmite o pensamento de HÉCTOR VILLEGAS, para
quem as taxas eram receitas fundadas nas atividades próprias do Estado, e os preços
públicos, nas atividades impróprias. E atividades próprias seriam aquelas que o Estado
“não poderia omitir-se sem perder sua característica essencial de Poder Público: por
exemplo, a segurança nacional, a distribuição da justiça, a polícia interna. Todas as
demais e, especialmente, o exercício da indústria e do comércio, com ou sem monopólio,
são ‘impróprias’ (...)”.69
A teoria da modalidade da atividade estatal, como já dito, não estabelecia o
diferencial entre impostos e taxas, pois dentro das atividades próprias deveria ser observado
quais gerariam obrigações tributárias a título de impostos e quais a título de taxa. Por outro
lado, a noção de atividades próprias e impróprias é noção contigente, variando de sistema
constitucional para sistema constitucional e, inclusive, dentro de determinado sistema
constitucional, sendo ainda “a monopolização legal de qualquer atividade do Estado é
simples ato de soberania”.70
68 Cf. Sousa, 1972, p. 305. 69 Ibidem. 70 Sousa, 1972, p. 305.
46
Para os defensores dessa teoria, contratos obrigatórios, como os de
fornecimento de água e esgotos, legitimariam a cobrança de preços públicos, pois a
compulsoriedade seria do contrato e não do pagamento, mera decorrência daquele.71
Apresenta a teoria variantes, que não infirmam as noções expostas, pois são
calcadas nos entendimentos desenvolvidos pelos juspublicistas do que seja interesse
público e serviço público. Uma dessas variantes, “proveniente dos tratadistas italianos”,
identifica os interesses públicos primário e secundário,72 ou a formulada por CAIO TÁCITO,
para quem as taxas seriam cobradas pela remuneração de serviços particulares prestados
pelo Estado – serviços jurídico-administrativos –, que são tipicamente estatais e os preços
públicos justificariam a remuneração de serviços explorados pelo Estado, mas dele não
privativos.73
Essa mesma teoria foi detectada por DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI,
que afirma:
“(...) o tipo do interesse tutelado constitui outro critério para distinguir
os dois institutos: a taxa tem em vista serviços considerados essenciais,
que objetivem prioritariamente um interesse público e apenas
subsidiariamente um interesse particular, e a tarifa refere-se a serviços
que priorizam os interesses individuais e secundariamente os interesses
da comunidade”.74
71 Sousa, 1972, p. 304. 72 Aguillar, 1999, p. 43. 73 Cf. Tácito, 1956, passim.
47
2.8. Teoria da vinculabilidade da hipótese de incidência75
GERALDO ATALIBA logrou desenvolver, com rigor científico, uma teoria
jurídica dos tributos, sob três critérios, todos calcados em um dado eminentemente legal: o
aspecto material da hipótese de incidência.
Entendeu o autor por hipótese de incidência a descrição legislativa e abstrata
de um fato de possível ocorrência no mundo fenomênico, o fato imponível, que seria o
“fato concreto, localizado no tempo e no espaço, acontecido efetivamente no universo
fenomênico, que – por corresponder rigorosamente à descrição prévia, hipoteticamente
formulada pela h.i. legal – dá nascimento à obrigação tributária”.76 Assim, o fato
imponível como objeto de incidência da norma jurídico-tributária faz nascer a correlata
obrigação tributária.77
74 Grotti, 2003, p. 233-234. 75 Termo utilizado por Geraldo Ataliba, na obra Hipótese de incidência tributária (2004). Também não foi essa teoria assim nominada por esse autor, sendo fruto de nossa livre interpretação. 76 Ataliba, 2004, p. 68. 77 Cf. Ataliba, 2004, p. 76.
48
A hipótese de incidência apresenta vários aspectos,78 sendo o mais relevante
o aspecto material, responsável pela identidade do tributo, por descrever abstratamente o
fato imponível. E, da observação do fato imponível abstratamente descrito na hipótese de
incidência constitucionalmente posta – que é o aspecto material da hipótese de incidência –
é que extrai o autor os três critérios para conceituar e diferençar as espécies tributárias entre
si.
O primeiro critério é o da vinculabilidade do aspecto material da h.i. a uma
atuação estatal, o que faz com que os tributos sejam vinculados ou não-vinculados a uma
atuação estatal.
O segundo critério é o da referibilidade da atuação estatal ao contribuinte,
pois a só vinculabilidade do aspecto material da h.i. a uma atuação estatal é insuficiente
para se conceituar as espécies, dado que, desde os Decretos-lei nºs 1.804, de 1939, e 2.416,
de 1940, fala-se em atividade estatal “prestada ao contribuinte” nas normas sobre taxa,
critério que não mais deixou de ser indicado para aquela exação por nossa legislação e que
foi, inclusive, a base da teoria da prestação da atividade estatal diretamente ao
contribuinte (subitem 2.2.2), que se identificou ter sido pensada em épocas passadas.
78 Para Geraldo Ataliba, a hipótese de incidência é um conceito legal onde se alocam vários aspectos, todos necessários ao colorido final do fato imponível: o aspecto material, que contém in abstracto o fato jurídico; o aspecto pessoal, determinante dos sujeitos da relação jurídica tributária; o aspecto espacial, que indica o local do nascimento da obrigação tributária; e o aspecto temporal, indicativo do tempo do nascimento da obrigação tributária. (Cf. Ataliba, 2004, passim).
49
O terceiro critério, que é decorrência do segundo, é o grau da referibilidade
da atuação estatal ao contribuinte, que poderá ser maior (referibilidade direta) ou menor
(referibilidade indireta).
Os tributos são, pois, de três espécies, a saber: impostos, cujo aspecto
material da hipótese de incidência não está vinculado a uma atuação estatal; taxas, cujo
aspecto material da hipótese de incidência está vinculado a uma atuação estatal, referida
diretamente ao contribuinte; e, contribuições, cujo aspecto material da hipótese de
incidência está vinculado a uma atuação estatal indiretamente referida ao contribuinte.
Assim, os impostos são identificados excluindo-se os dois primeiros
critérios, ou seja, quando não se tem atuação estatal referida ao contribuinte:
“Por isso, sob a perspectiva jurídica, é suficiente identificar a
materialidade da h.i. como consistente em um fato qualquer não
configurador de atuação estatal, para se reconhecer a natureza de
imposto ao tributo figurado. Seguro para se comprovar estar-se em
presença de imposto é o critério de exclusão: se, diante de uma exação, o
intérprete verifica que não se trata de tributo vinculado, então pode
afirmar seu caráter de imposto. Todo tributo não vinculado é imposto”.79
79 Ataliba, 2004, p. 138.
50
Nas taxas e contribuições há a presença dos dois primeiros critérios,
servindo o terceiro para diferençá-las entre si e o grau de referibilidade da atividade estatal
ao contribuinte será detectado a partir da existência ou não de um efeito ou conseqüência
provocada pela atuação estatal.
Tal efeito ou conseqüência fará, em existindo, com que a atuosidade pública
seja indiretamente referida ao contribuinte, pois esta o atingirá não por si, mas pelo efeito
ou conseqüência: “por outro lado, a referibilidade entre a atuação □ e o obrigado ○ –
como dito – é direta, na taxa, e indireta (mediante sua conseqüência △), na
contribuição”.80
O aspecto material da hipótese de incidência, por fim, também é responsável
pela identidade das subespécies tributárias, que se sobressai das três grandes espécies e são
fruto das diferentes feições que os fatos jurídicos eleitos pelo legislador podem assumir sem
que se descaracterizem em sua essência:
“(...) a feição ou a natureza do fato posto pelo legislador no cerne da h.i.,
como seu aspecto material, podemos reconhecer diversas espécies de
impostos. É possível discernir juridicamente inúmeros impostos, segundo
o conceito de fato em que consistem as respectivas h.i”.81
80 Ataliba, 2004, p. 149. 81 Idem, p. 143.
51
A teoria da vinculabilidade da h.i., preconizada por GERALDO ATALIBA em
1969,82 foi reconhecida por RUBENS GOMES DE SOUSA, no parecer intitulado Sujeito passivo
das taxas: responsabilidade por transferência e substituição, publicado em 1971:
“Em resumo, taxa e impôsto são, substancialmente, tributos que se
distinguem um do outro pela natureza da respectiva hipótese de
incidência, específica no primeiro caso e genérica no segundo. A
destinação da receita, quer das taxas, quer dos impostos, não é, portanto,
um elemento dessa distinção, como aliás, o diz expressamente o CTN (art.
4º, n. II)”.83
2.8.1. Nossa posição
Essa teoria foi, sem dúvida, o grande avanço do direito tributário nacional
em uma classificação jurídica dos tributos e é a mais difundida nos dias de hoje.
Apresentamo-na cindida nos três critérios que reputamos existir na teoria como
desenvolvida por GERALDO ATALIBA e que, juntos, identificam as espécies tributárias.
82 Ataliba, 1969, passim. 83 Sousa, 1971, p. 352. Também no parecer “Ainda a distinção entre taxa e imposto”, o mesmo autor reafirma a teoria, ao dizer que “(...) no caso da taxa, esse poder de império expressa-se pelo exercício de uma determinada atividade prevista em lei, mas que pode inclusive ser obrigatória para o contribuinte, independentemente de qualquer vantagem ou benefício específicos para ele (...)” (1972, p. 311).
52
Estão os critérios presentes no aspecto material da hipótese de incidência,
inclusive o critério da referibilidade da atuação estatal ao contribuinte pois, para se
exemplificar, “fornecer alvará de construção”, é fato jurídico tributário da taxa, porque tem
no aspecto material a atividade estatal, que é fornecer e, também, mesmo que de forma
elíptica, o fato dessa atividade ser dirigida a alguém.
2.9. Teoria do regime jurídico da atividade estatal
A teoria do regime jurídico da atividade estatal pretende, mais do que ser
uma teoria jurídica autônoma da taxa, dar completude à teoria da vinculabilidade da
hipótese de incidência, principalmente para solucionar um dos grandes problemas do
direito tributário, que é a diferenciação entre taxas e preços públicos ou tarifas.
MARCO AURÉLIO GRECO, um dos que a sustentam, admite que essa teoria foi
pressentida por GERALDO ATALIBA na obra Considerações em tôrno da teoria jurídica da
taxa, onde este autor afirmava que “‘um pagamento, juridicamente, configura o preço ou a
taxa conforme seu regime jurídico’”.84
Assim, a teoria analisa qual o regime jurídico a que se submete a atividade
estatal, se de direito público ou de direito privado, considerando-se que são esses dois os
regimes jurídicos que presidem aquelas atividades.
84 Ataliba, 1969 apud Greco, 1973, p. 42.
53
Esse seria o caminho, como sustenta MARCO AURÉLIO GRECO, a ser
percorrido pelo aplicador do direito para concluir pela incidência da taxa ou dos preços
públicos ou tarifas. A administração tem por dever executar suas atividades dispostas em
regramentos ordinários, pelo princípio da legalidade e, por isso, as executa sob regime de
direito público, onde a vontade não é o fator determinante desse desempenho, mas a lei.
Conseqüentemente, o preço público ou tarifa não poderia ser a base de sua
remuneração, vez que “quando a administração, por força da lei, se vê na contingência de
executar determinada prestação (...), ela o faz independentemente de qualquer ‘eventual e
‘futuro’ pagamento a cargo dos usuários”.85
Por ser o preço público figura típica de relação jurídica de direito privado,
fincada na voluntariedade, na adesão ou mesmo contraprestação auferida pelo usuário,86
não se presta a satisfazer interesses subjetivos do Estado que não sejam coletivos. Não é,
assim, apto a remunerar atividades que se desenvolvem ex lege e sob os princípios da
indisponibilidade e supremacia do interesse público.87
Para arrematar o ponto focado nessa teoria, MARCO AURÉLIO GRECO e
HAMÍLTON DIAS DE SOUZA asseveraram, textualmente:
85 Greco, 1973, p. 42. 86 Não se esquecendo o quanto dito no subitem 2.2.5 sobre o termo “contraprestação” utilizado para definir taxas. 87 Cf. Greco, 1973, p. 43.
54
“Hoje, o critério relevante não é mais o de saber se o pagamento é voluntário
ou compulsório, mas sim de verificar se a atividade concretamente executada
pelo Poder Público configura um serviço público ou não. Onde houver serviço
público, necessariamente haverá taxa, inexistindo opção do Poder Público em
cobrar preço público pela sua prestação”.88
Para SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, a teoria do regime jurídico da
atividade estatal é a que “resolve em parte a questão”, pois se há regime jurídico de direito
público, se tem taxa; se há regime contratual, preço público ou tarifa, sendo, pois
posicionamentos apriorísticos, onde não há margem de escolha ao legislador.89
Afirma que o que interessa observar é o regime jurídico da atividade estatal
adotado na Constituição Federal e que esta não quer apenas taxa como remuneração de
serviços públicos, a não ser no exercício do poder de polícia e prestação de serviços
públicos stricto sensu.90
Por fim, conclui NAVARRO COÊLHO não haver impedimentos a que o Estado
preste serviços de utilidades ou desenvolva atividades econômicas em lide concorrencial,
quando o correto seria remunerar-se por tarifa. Como afirma, o artigo 150, § 3º, da
Constituição Federal é a prova de que o Estado pode cobrar preços públicos e tarifas
quando, nesse caso, não se acoberta da imunidade prevista do dispositivo.91
88 Greco & Sousa, 1985, p. 116. 89 Coêlho, 2002, p. 415-416. 90 Cf. Coêlho, 2002, p. 417. 91 Cf. idem, p. 418.
55
JOSÉ JUAN FERREIRO LAPTAZA também sustenta essa mesma teoria, para
quem:
“Resulta claro que sólo cuando la Ley regula um contrato podemos
hablar em sentido técnico-jurídico estricto de precio como
contraprestación a la que una de las partes se obliga y que trae su causa
de la prestácion que de la outra há de recibir. (...).
Resulta así que cuando la Ley prevé un hecho y hace derivar de su
realización la obligatión del pago al Estado o a otro ente público de una
cantidad estamos ante un tributo o una sanción. Pues, al menos en el
ordenamiento espãnol no se reconoce otro tipo de prestaciones
pecuniarias de carácter público impuestas por la Ley que las sanciones o
los tributos”.92
Congruente com o pensamento de MARCO AURÉLIO GRECO, está ROQUE
ANTONIO CARRAZZA, que sustenta que “a taxa, que, nascida da lei, sobre ser compulsória,
resulta de uma atuação estatal desenvolvida debaixo de um regime de direito público e
relacionada, ‘direta e imediatamente’, ao contribuinte. Sendo tal atividade realizada por
imperativo de lei, não pode fazer nascer um simples preço (uma contraprestação)” (grifado
no original).93
92 Laptaza, 1991, p. 13. 93 Carrazza, 2000, p. 364.
56
2.9.1. Nossa posição
Essa teoria merece o comentário que se fará a seguir, em parte já adiantado
por SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO,94 que o fez sem o alcance que ora lhe daremos.
Ao se procurar diferençar taxa de preço público ou tarifa pelo regime
jurídico da atividade estatal, pressupõe a teoria um dado a priori, qual seja, o regime
jurídico da atividade estatal.
Não se diferenciaria muito, nossa crítica, da formulada por RUBENS GOMES
DE SOUSA quando analisou a teoria da modalidade da atividade estatal, ao dizer que as
atividades próprias e impróprias do Estado, que seriam o dado para se diferençar taxa de
preço público, são questões contingenciais, modificáveis ao talante do legislador e, por
assim ser, não têm relação direta a influir na caracterização e natureza jurídica da receita.
Da mesma forma, submeter-se uma atividade a um regime de direito público
e, daí, dizer que será remunerada por taxa ante a identidade de regimes jurídicos, não é
diferençar o tributo dos preços públicos por critério focalizado no primeiro, mas por
critérios externos e, hoje, o que é submetido constitucionalmente a um regime de direito
público, amanhã poderá não o ser, sem que haja mudança na essência dos conceitos das
receitas referidas e, por isso, é critério a elas exógeno e não se presta para conceituá-las e
diferençá-las.
94 Cf. Coêlho, 2002, p. 416.
57
Assim, para os que preconizam ser o regime jurídico da atividade estatal o
cerne da distinção que se pretende, o diferencial entre as receitas é acidental e não
essencial.
2.10. A Súmula 545, do STF
Analisaremos agora o Enunciado da Súmula nº 545,95 do Supremo Tribunal
Federal à luz das teorias ora expostas, no intuito de melhor entender seu teor.
Três foram os precedentes que originaram o Enunciado da Súmula nº 545,
como se observa compulsando-se o sítio na internet do Supremo Tribunal Federal
(www.stf.gov.br), no link “pesquisa de jurisprudência – súmulas”: o Recurso
Extraordinário nº 54.194-Pernambuco; o Recurso Extraordinário nº 54.491-Pernambuco e,
por fim, o Recurso Extraordinário nº 54.996-Pernambuco, julgados nessa ordem.
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 54.194-Pernambuco, pode-se
concluir que o Supremo Tribunal Federal adotou a teoria da modalidade da atividade
estatal em uma de suas variantes, ou seja, defendeu a incidência da taxa no que entendeu
serem serviços próprios, ou interesses primários ou serviços essenciais do Estado.
95 Enunciado da Súmula nº 545, do STF: “preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e tem sua cobrança condicionada à previa autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu”.
58
No julgamento referido analisou-se a taxa de água e esgoto instituída pela
autarquia denominada Departamento de Saneamento do Estado de Pernambuco, fazendo-se
interessante a seguinte transcrição de trecho do voto do Relator, Ministro Luiz Gallotti:
“(...) não há dúvida quanto à natureza dos serviços de água e esgôto de
uma cidade; eles atendem, antes de tudo, às necessidades públicas e,
secundáriamente, às necessidades humanas em geral (é precisamente o
critério distintivo de Seligman, como depois veremos). E acrescenta que
êsses serviços são executados necessáriamente pelo Poder Público,
diretamente ou mediante concessão, concluindo, com Luigi Einaudi, que
se trata de preço político, embora ofereça uma natureza igual à de preço
público; e, precisamente por não estarem em causa apenas necessidades
individuais, as taxas referidas têm o caráter de autênticos tributos, que só
os representantes do povo podem estabelecer e fixar, nos têrmos do art.
141, § 34 da Constituição, não podendo haver, quanto a isso, delegação
de atribuições (art. 36)”.96
O Ministro Relator, entretanto, afastou a teoria da facultatividade, deixando
claro que a taxa se imporia não importando se o serviço fosse de fruição obrigatória ou
facultativa ao contribuinte:
96 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 54.194 - Pernambuco. Primeira Turma. Recorrente o Departamento de Saneamento do Estado e recorridos a Imobiliária São José Limitada e outros. Relator Ministro Luiz Gallotti. Brasília, 14 out. 1963, p. 790.
59
“Assim, se a taxa não deixa de o ser pelo fato de só se tornar devida
quando voluntáriamente utilizado o serviço, fôrça é concordar que,
quando imposta por motivos de interesse público (saúde, higiene, etc.)
independentemente daquela utilização, o seu caráter tributário se torna
indiscutível”.97
No mesmo sentido, preconizando a teoria da modalidade da atividade
estatal, está o voto do Ministro Gonçalves de Oliveira, apesar de acabar por concluir, de
forma enviesada, que a essencialidade da atividade conduziria à caracterização do serviço
como posto à disposição do contribuinte:
“Estou em que a exploração pelo Estado de serviço de água e esgôto é
serviço essencial do Estado e, como tal, só pode ser cobrado como taxa.
O Estado não vende água, como um comerciante, a quaisquer pessoas. Se
vendesse, poderia ser considerado preço público. Mas o Estado instituiu
um serviço de fornecimento de água e esgôto, serviço da essência da
atividade mesma do Estado. Então, exige êsse tributo, como está provado
da sentença de primeira instância, que li no memorial do advogado. E
exige até mesmo das pessoas que não usam água nem precisam do
serviço de esgôto. É um serviço pôsto à disposição dos contribuintes, na
expressão usada no decreto-lei da ditadura, que definiu os tributos”.98
97 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 54.194 - Pernambuco. Primeira Turma. Recorrente o Departamento de Saneamento do Estado e recorridos a Imobiliária São José Limitada e outros. Relator Ministro Luiz Gallotti. Brasília, 14 out. 1963, p. 799. 98 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 54.194 - Pernambuco. Primeira Turma. Recorrente o Departamento de Saneamento do Estado e recorridos a Imobiliária São José Limitada e outros. Brasília, 14 out. 1963. Voto do Ministro Gonçalves de Oliveira, p. 805-806.
60
No Recurso Extraordinário nº 54.491-Pernambuco, julgado em 15 de
outubro de 1963, um dia após o julgamento do recurso acima referido, houve mudança de
orientação do Supremo Tribunal Federal quanto ao mesmo tema e se julgou ser tarifa, e não
taxa, a remuneração devida pelo uso das redes de água e esgoto do Departamento de
Saneamento do Estado de Pernambuco.
Mas, a fundamentação foi a mesma do julgamento anterior. O Ministro
Hermes Lima, Relator daquele recurso, asseverou que o pagamento da taxa estaria
condicionado a exercício da soberania do Estado, mas que a utilização das redes de água e
esgoto não seriam expressões dessa soberania, posto que exigências de convívio coletivo,
mesmo que obrigatório o uso:
“Esse convívio impõe regras de organização de serviços gerais, a que o
Estado não pode ficar indiferente, mas o motivo delas não está na fôrça
de uma compulsoriedade política típica do Poder Público. O Estado é aí,
pela capacidade representativa de que está investido e pela superioridade
de zelos que controla, o agente dos interesses gerais da saúde, do bem-
estar, do confôrto”.99
99 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 54.491 - Pernambuco. Segunda Turma. Recorrente o Departamento de Saneamento do Estado e recorridos a Imobiliária São José Limitada e outros. Relator Ministro Hermes Lima. Brasília, 15 out. 1963, p. 2804-2805.
61
Concluiu o Relator que se tratava, no caso, das chamadas rendas industriais
do Estado, que são auferidas a título de preço público. Justificou na redação do artigo 30,
III, da Constituição de 1946, que autorizava a cobrança de rendas pelo exercício das
atribuições ou utilização de bens e serviços dos entes políticos. Claramente, filiou-se à
teoria da modalidade da atividade estatal, em especial quando afirmou que há contratos
obrigatórios aos cidadãos e que, nem por isso, condicionam da mesma forma ex lege. O que
sempre releva notar é a modalidade da atividade pública, se própria ou imprópria.
Afastou-se, mais uma vez, a obrigatoriedade da fruição do serviço público
como critério balizador de sua remuneração, como se nota no voto do Ministro Victor
Nunes, no sentido de que a obrigatoriedade da atividade estatal (que, contudo, entendeu ter
sido a baliza da decisão no Recurso Extraordinário nº 54.194-Pernambuco), seria falha para
definir os tributos, inclusive as taxas, pois não se tem uma noção absoluta de
obrigatoriedade.
No caso, os serviços cobrados pelo Departamento de Saneamento do Estado
de Pernambuco eram de obrigatoriedade relativa, pois só exigível de quem possuísse prédio
que, por exigência de ordem sanitária, deveria ligar-se à rede de esgotos.
Continuou citando casos onde há obrigatoriedade indireta da remuneração,
decorrente da obrigatoriedade do serviço público, mas que, mesmo sendo obrigatório o
primeiro, decorrente de lei ou de questões fáticas como os monopólios, não significa que se
está diante de taxa. Concluiu:
62
“A obrigatoriedade indireta da retribuição, como observou o eminente
Ministro Hermes Lima, resulta sempre de um fundamento de ordem
social, que transcende ao pagamento própriamente dito. Resulta de uma
razão de ordem pública, de conveniência econômica, de conveniência
profissional, de conveniência ética. Em tais casos, o elemento
obrigatoriedade não é suficiente para transformar preço público em taxa
propriamente dita, para sujeitá-lo ao disposto no art. 141, § 34, 100 da
Constituição. É o que ocorre com a contribuição devida ao Departamento
de Saneamento do Estado de Pernambuco”.101
Por fim, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 54.996-Pernambuco,
julgado em 27 de maio de 1968, se fundamentou de forma idêntica à dos Recursos
anteriormente citados, como demonstra trecho do voto do Relator, Ministro Raphael de
Barros Monteiro:
“Em tais condições, se a chamada taxa de água cobrada pelo recorrente
é, na realidade, preço público, visto constituir renda industrial do Estado,
remuneração de um serviço de utilidade pública do próprio Estado, fôrça
é concluir-se, ao contrário do que julgou o ilustre Tribunal ‘a quo’, que a
majoração impugnada da taxa de que se trata nada tem de
inconstitucional”.102
100 Artigo 141, § 34, da Constituição de 1946: “nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra”. 101 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 54.491 - Pernambuco. Segunda Turma. Recorrente o Departamento de Saneamento do Estado e recorridos a Imobiliária São José Limitada e outros. Brasília, 15 out. 1963. Voto do Ministro Victor Nunes, p. 2811. 102 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 54.996 - Pernambuco. Primeira Turma. Recorrente o Departamento de Saneamento do Estado de Pernambuco e recorrido Mario Cavalcanti Gouveia. Relator Ministro Raphael de Barros Monteiro. Brasília, 27 maio 1964, p. 2279.
63
A argumentação desse julgado centrava-se na distinção entre taxa e preços
públicos efetuada por CAIO TÁCITO, para quem taxas corresponderiam à remuneração de
serviços jurídico-administrativos prestados pelo Estado no exercício de sua soberania
(serviços tipicamente estatais) e preços públicos, pelo pagamento de serviços exercidos
pelo Estado, mas que não são dele privativos.
Desta forma, apesar do Enunciado da Súmula 545, do Supremo Tribunal
Federal, referir-se à compulsoriedade das taxas como critério que as diferenciaria dos
preços públicos, transparecendo aos aplicadores do direito como um enunciado de pouco
sentido, não se filiaram os precedentes que a originaram à teoria da facultatividade,
chegando a se reconhecer que a obrigatoriedade era critério falho para se definir os tributos,
diante da relatividade do termo.
Ao contrário, adotaram a teoria da modalidade da atividade estatal, cujo
cerne foi conceituar a essencialidade do serviço público e, daí, justificar o pagamento por
taxa. Este fato também foi anotado por DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI, em referência
ao mesmo Enunciado de Súmula:
64
“No entanto, no próprio STF esse critério já foi considerado simplista e
insuficiente para a determinação da diferença entre taxa e preço público,
pois há serviços que não são compulsórios, não são cobrados pelo
simples fato de haverem sido colocados à disposição do particular e, nem
por isso, deixam de ser públicos. Foi destacado que o problema da
obrigatoriedade deve ser encarado não em razão da contribuição em si
mesma, porém em razão das exigências do interesse coletivo.” 103
2.11. Sinopse do capítulo 2
2.11.1. Partindo-se da premissa de que teoria jurídica consiste na compilação
de extratos de linguagem descritiva da Ciência do Direito, concatenados sob uma ou mais
hipóteses que, denominamos critérios, foram identificadas nas obras de alguns tributaristas
nacionais nove teorias jurídicas da taxa.
2.11.2. A teoria da destinação do produto arrecadado foi a adotada pelos
Decretos-leis nºs 1.804, de 1939 e 2.416, de 1940, e, para ela, a taxa (na subespécie
contribuição) seria tributo cujo produto se destinaria a custear atividades especiais dos
Estados e Municípios, provocadas por conveniências de caráter geral ou de determinados
grupos de pessoas. Essa teoria acabava por identificar a taxa aos impostos com destinação
determinada, onde não havia necessidade da atividade estatal estar referida ao contribuinte.
103 Grotti, 2003, p. 233.
65
2.11.3. O Supremo Tribunal Federal e outros tribunais do País, com base na
teoria da destinação do produto arrecadado, reconheceu a constitucionalidade de algumas
taxas. O argumento comum às decisões foi que a atividade estatal destinava o produto
arrecadado a despesas especiais. O contribuinte, entretanto, não necessariamente deveria
ser referido diretamente pela atividade estatal.
2.11.4. A teoria da prestação da atividade estatal diretamente ao
contribuinte é o gérmen de um dos critérios desenvolvidos pela teoria da vinculabilidade
da hipótese de incidência e, pela primeira vez, tem-se o contribuinte como elemento ao
qual a atividade estatal deveria se referir. Implicitamente, esta teoria poderia ser
identificada nos conceitos dos Decretos-lei nºs 1.804, de 1939, e 2.416, de 1940, na
expressão “prestados ao contribuinte”. O Supremo Tribunal Federal chegou a reconhecer,
em julgamento, os conceitos expostos para essa teoria.
2.11.5. A teoria da facultatividade pretendia diferençar taxa de imposto,
considerando facultativa a primeira em razão de poder o contribuinte utilizar ou não o
serviço público. Por ser a teoria mais antiga sobre taxa, não foi formulada considerando-se
o poder de polícia, que é atividade vinculada do Poder Público e da qual o administrado não
pode se furtar caso tenha sua liberdade ou propriedades condicionados.
66
2.11.6. Na teoria do benefício, a taxa seria causa da atuação estatal e, desta
forma, não seria tributo instituído como expressão da soberania do Estado, mas em razão da
equivalência de vantagens: pagando-se a taxa, auferiria-se um benefício. Esse critério não
fundamenta validamente uma teoria jurídica da taxa, pois é a noção que preside as
atividades econômicas desenvolvidas pelos particulares e, quando constitucionalmente
permitido pelo Estado, nos termos do artigo 170 e seguintes, da Constituição Federal.
2.11.7. Deriva a teoria da contraprestação da teoria do benefício, onde a
taxa é uma contraprestação pela atuação estatal, esta um prius em relação ao tributo, sua
conseqüência. Fundamenta as teses de tributaristas de que a taxa não deve obedecer o
princípio da capacidade contributiva, pois é contraprestação que se mede a partir da atuação
estatal.
2.11.8. A teoria do custo do serviço preconizava que a taxa seria o tributo a
ser pago até a recuperação, pelo Estado, do custo da atividade desenvolvida, sendo o
excedente cobrado como preço público ou imposto. Não poderia ser esta teoria considerada
verdadeira, porque: (i) se o excedente se configurasse como preço público, não teria causa
contratual que o justificasse, além de se transmudar de natureza jurídica a mesma relação
de direito; e, (ii) se o excedente se configurasse imposto, não haveria previsão
constitucional ou legal que o justificasse a título de tributo.
67
2.11.10. A teoria da modalidade da atividade estatal definia ser taxa o
tributo devido em razão de atividades próprias do Estado e que preços públicos seriam
receitas advindas de atividades impróprias. Atividades próprias seriam aquelas nas quais o
Estado não poderia omitir-se sem perder sua característica de Poder Público, e impróprias,
todas as demais exercitadas pelo Estado, com ou sem monopólio. O problema da teoria
residia na sua não utilidade para diferençar taxa de imposto, pois haveria de se analisar as
atividades próprias do Estado, quais as aptas a gerarem obrigação tributária a título de taxa
e de imposto. Por outro lado, atividades próprias e impróprias são noções contingenciais,
variando de sistema constitucional a sistema constitucional e mesmo dentro de determinado
sistema. Apresentava variações a partir dos conceitos dos juspublicistas para interesses
públicos e serviços públicos.
2.11.11. A teoria da vinculabilidade da hipótese de incidência parte de um
dado eminentemente jurídico: o aspecto material da hipótese de incidência. Da análise
desse aspecto, derivam três critérios, suficientes para se conceituar e diferenciar as três
espécies tributárias entre si. O primeiro critério é o da vinculabilidade do aspecto material
da hipótese de incidência a uma atuação estatal; o segundo, o da referibilidade da atuação
estatal ao contribuinte; e o terceiro, que decorre do segundo, é o do grau de referibilidade
da atuação estatal ao contribuinte. Inexistindo os dois primeiros critérios, tem-se imposto.
As taxas e contribuições configuram-se na presença dos dois primeiros critérios e o terceiro
critério presta-se a diferençar as duas exações entre si. Se a referibilidade for direta ao
contribuinte, tem-se taxa; se indireta, referindo-se mediante o efeito ou conseqüência que a
atuação produz, tem-se contribuição.
68
2.11.12. A teoria do regime jurídico da atividade estatal pretende dar
completude à teoria da vinculabilidade da hipótese de incidência e analisa um dado
externo aos tributos e receitas do Estado, qual seja, o regime jurídico a que se submete a
atividade estatal, se de direito público ou de direito privado, considerando-se que são esses
dois os regimes jurídicos que presidem aquelas atividades. Os serviços públicos sempre
estão submetidos ao regime de direito público e, por assim ser, não podem remunerar-se
por preços, figura típica dos regimes privados, mas por taxas.
2.11.13. O Enunciado da Súmula nº 545, do Supremo Tribunal Federal,
adotou nos julgamentos que lhe serviram de precedente, a teoria da modalidade da
atividade estatal em uma de suas variantes, pois diferençaram serviços que o Estado
deveria, por natureza, prestar aos súditos, dos serviços ditos impróprios. Entretanto, o
Enunciado da Súmula não corresponde ao teor dos precedentes, posto que diferencia a taxa
dos preços de serviços por serem as primeiras compulsórias, ao contrário dos segundos.
69
Capítulo 3
O PERCURSO DA INTERPRETAÇÃO
3.1. A interpretação
A norma jurídica é o dado objetivo por excelência do qual deve partir o
estudioso que pretenda contribuir com a Ciência do Direito. Em relação ao sistema do
direito positivo, apresenta relação de pertinencialidade.
Assim, para a Ciência do Direito, a norma jurídica é seu objeto e, para o
direito positivo, um de seus elementos integrantes, sendo certo que para cumprir as duas
funções a que se destina, primeiramente impõe-se ser desvelada, por meio do processo de
sua construção, um dos percursos da interpretação.
E “interpretar”, para a Ciência do Direito, é termo que comporta várias
acepções. Dentre elas, tem-se que interpretar é (i) explicitar uma significação deôntica
(norma jurídica); (ii) construir a norma jurídica; (iii) fazer a subsunção do conceito da
norma ao conceito do fato; (iv) aplicar o direito; (v) traduzir um evento em linguagem
jurídica competente.
70
Tradicionalmente, entende-se por interpretação a acepção do termo referida
em (i), ou seja, interpretar é explicitar uma significação deôntica (norma jurídica). Quanto
ao termo significação, entende-se como a “representação que se forma na mente dos
falantes”104 sobre determinado objeto referido pelo signo. A interpretação, então, para os
tradicionalistas, seria o esforço de fazer emergir ou de traduzir com as palavras do
intérprete uma significação já pressuposta.
Com base nessa explanação, compreende-se criticamente as palavras de
CARLOS MAXIMILIANO, para quem interpretar é “explicar, esclarecer (...); reproduzir por
outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma
expressão; extrair de frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém”.105
PAULO DE BARROS CARVALHO rompeu com essa concepção tradicional,
entendendo que o exercício de mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão, de extrair
da norma tudo o que nela se contém, é somente um dos trajetos da interpretação.
Em CARLOS MAXIMILIANO, o esforço interpretativo tem por objetivo
determinar o alcance da norma jurídica. Em PAULO DE BARROS CARVALHO também.
104 Carvalho, 2003, p. 15. 105 Maximiliano, 1996, p. 9.
71
O diferencial das teorias preconizadas pelos mestres referidos é que, em
PAULO DE BARROS CARVALHO, interpretar é construir, primeiramente, a norma jurídica, no
sentido de “atribuir valores aos símbolos, isto é, adjudicar-lhes significações e, por meio
dessas, referências a objetos”.106 Mas é também fazer a subsunção do conceito do fato ao
conceito da norma, ou aplicar a norma ao caso concreto e, ainda, buscar o evento e
transcrevê-lo em linguagem jurídica competente. Não há intervalos físico-temporais entre
essas tarefas. Tudo é interpretação.
Assim, interpretar não é desvendar o que se contém na norma jurídica, esta
já considerada como dado a priori daquela tarefa, mas sim também construir a própria
norma jurídica, que por ser a molécula de significação do deôntico é, ela própria, a
significação de dever-ser que o exegeta representará em sua mente.
Por isso é pertinente a afirmação de EROS ROBERTO GRAU, para quem “o que
em verdade se interpreta são os textos normativos; da interpretação dos textos resultam as
normas. Texto e norma não se identificam. A norma é a interpretação do texto
normativo”.107
106 Carvalho, 2003, p. 57. 107 Grau, 2003, primeira parte, III.
72
E para gozar a norma jurídica do status de ser o dado por excelência do
direito positivo, quando de sua construção, não se pode prescindir de se recorrer aos
princípios, pois interpretar “requer o envolvimento do exegeta com as proporções inteiras
do todo sistemático, incursionando pelos escalões mais altos e de lá regressando com os
vetores axiológicos ditados por juízos que chamamos de princípios” (grifado no original).
Mais uma vez em sentido coincidente com o exposto, adverte EROS
ROBERTO GRAU que não pode o intérprete, o aplicador do direito, se distanciar da
Constituição Federal, pois “não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços. A
interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer
circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele – do texto – até a
Constituição”.108
3.2. O percurso
Predica PAULO DE BARROS CARVALHO que, para se construir a norma
jurídica deve o intérprete, necessariamente, transitar por três planos ou sistemas que se
delineiam no universo da linguagem prescritiva do direito: o plano da literalidade textual, o
plano dos enunciados jurídicos-prescritivos e, finalmente, o plano das normas jurídicas
stricto sensu.
108 Grau, 2003, primeira parte, XVIII.
73
Esses planos representam um corte metodológico autorizado, mas são todos
constitutivos do texto em sentido amplo, entendida a expressão como o ambiente favorável
à propagação da linguagem, como instrumento de conhecimento do mundo exterior. Enfim,
o texto é “produto da enunciação”.109 Vejamos, rapidamente, esses planos.
3.2.1. O plano da literalidade textual
No plano ou sistema da literalidade textual – plano dos significantes ou
plano de expressão – tem-se as manifestações das estruturas morfológicas e gramaticais, os
suportes materiais, que se formam a partir das regras gramaticais próprias a cada sistema
lingüístico. Nesse plano, como assevera PAULO DE BARROS CARVALHO, tem-se a:
“(...) base empírica e objetivada em documentos concretos, postos
intersubjetivamente entre os integrantes da comunidade do discurso.
Emitido em determinado idioma, há de seguir as regras de formação e de
transformação, preceitos morfológicos e sintáticos ditados pela
gramática da língua, que estarão presentes em todos os instantes do seu
desenvolvimento”.110
109 Carvalho, 2003, p. 61. 110 Idem, p. 62.
74
Trata-se, pois, do dado objetivo do qual o intérprete inicia seu percurso
interpretativo. São “enunciados”, aqui entendidos como os produtos, em forma bruta, sem
qualquer lapidação, da “atividade psicofísica de enunciação”, como diz PAULO DE BARROS
CARVALHO111 ou, ainda, “a forma gramatical e lingüística pela qual um determinado
significado é expresso”, nas palavras de NORBERTO BOBBIO,112 vez que também se tem
“enunciados enquanto proposições”, que são os que “participam do plano de conteúdo,
com o sentido que necessariamente suscitam”.113
Assim, os enunciados são obtidos a partir das regras gramaticais da
linguagem, que determinam como ocorre o encontro das vogais e consoantes para se formar
algo mentalmente compreensível pelos indivíduos, bem como a colocação das palavras para
se formar uma frase com um mínimo de significação. Transmite esse sistema a primeira
mensagem ao intérprete do texto.
Mas, como se disse, esses dados objetivos são fisicamente manifestados
pelos gráficos que a linguagem elege para representá-los. E esses gráficos, no direito
positivo, necessariamente são postos em documentos específicos, próprios a transmitirem a
linguagem do direito e imprimir-lhe a função prescritiva que lhe é peculiar, para cumprir a
função de condicionar o comportamento dos indivíduos em sociedade. Essa função restaria
impossibilitada caso se prescrevesse uma conduta a alguém por meio de um jornal de
grande circulação ou uma revista de moda.
111 Carvalho, 2003, p. 66. 112 Bobbio, 2001, p. 73 113 Carvalho, 2003, p. 64.
75
Assim os documentos específicos a que se fez alusão, aptos a transmitirem a
linguagem prescritiva do direito, são o que PAULO DE BARROS CARVALHO denomina de
“veículos introdutores de normas”:
“Constituição, emenda constitucional, lei complementar, lei ordinária,
medida provisória, resoluções, decretos, sentenças, acórdãos, contratos e
atos administrativos, enquanto suportes materiais de linguagem
prescritiva, no seu feitio documental (...)” (grifado no original). 114
Pode-se afirmar que pertencem ao plano ou sistema da literalidade textual (i)
os gráficos lingüísticos, (ii) os enunciados “brutos” e (ii) os veículos introdutores de
normas.
3.2.2. O plano dos enunciados prescritivos
Após o primeiro contato com o plano da literalidade textual, depara-se o
intérprete com o plano ou sistema dos enunciados prescritivos.
114 Carvalho, 2003, p. 60.
76
Neste patamar, são extraídas as proposições jurídicas, que são os enunciados
com significação apta a estabelecer o intercâmbio comunicacional, mas que apresentam um
plus, pois são portadoras de sentido deôntico. O olhar sobre esses elementos, assim, deve
ser jurídico, posto que “o intérprete dos textos jurídicos deve saber que manipula frases
prescritivas, orientadas para o setor dos comportamentos estabelecidos entre sujeitos de
direito”.115
A função prescritiva desses enunciados é asseverada pelos órgãos que os
produzem, que são os credenciados pelo ordenamento a tanto, bem como pelos
procedimentos que presidem sua produção, que são os estipulados pela ordem jurídica.
Por fim, apresentam-se os enunciados prescritivos na forma neutra ou
modalizados por um dos functores obrigatório, proibido ou permitido:
“O dever-ser, freqüentemente, comparece disfarçado na forma
apofântica, como se o legislador estivesse singelamente descrevendo
situações da vida social ou eventos da natureza, a ela relacionados: A
existência da pessoa natural termina com a morte...(art. 10 do CC). A
capacidade tributária passiva independe: I – da capacidade civil das
pessoas naturais... (art. 126 do CTN).
115 Carvalho, 2003, p. 68.
77
Em outros momentos, porém, os modalizadores deônticos vêm à tona,
expressando-se, ostensivamente, na linguagem do direito posto, com o
que denunciam, de forma evidente, sua função prescritiva: O tutor, antes
de assumir a tutela, é obrigado a especializar, em hipoteca legal, que
será inscrita, os imóveis necessários, para acautelar, sob a sua
administração, os bens do menor (art. 418 do CC) (...)” (grifado no
original).116
Ainda não se tem aqui a estrutura peculiar à norma jurídica, que se apresenta
de forma dual, mas os enunciados prescritivos, elementos desse plano, estão permeados nos
textos legislativos como prescrições completas de sentido, colhendo-se para exemplos, na
obra de PAULO DE BARROS CARVALHO, os seguintes:
“A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do
Brasil (art. 13 da CF). São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos
(art. 14, § 1º, I, da CF)”.117
3.2.3. O plano das normas jurídicas stricto sensu
Finalmente, chega-se à norma jurídica stricto sensu, que se forma pela
conjugação de enunciados prescritivos, presidida por um modelo formal mínimo, ou seja, é
norma jurídica quando há possibilidade de se detectar um juízo implicacional entre os
enunciados prescritivos.
116 Carvalho, 2003, p. 68. 117 Idem, p. 69.
78
A construção das normas jurídicas, que também envolve sua formalização na
linguagem que o direito positivo reputa competente a tanto, é um trânsito pelos planos
expostos: do plano da literalidade textual ao plano dos enunciados prescritivos para, nesse
último, se buscar os enunciados que funcionam como “hipóteses” e os enunciados que
cumprem o papel de “conseqüentes”, que possam ser conectados entre si por um liame de
implicação.
Para se alcançar essa estrutura molecular do deôntico, busca o intérprete
quantos enunciados prescritivos, em quantos subsistemas do direito positivo se fizer
necessário, percorrendo inclusive patamares mais elevados de significações deônticas,
como os princípios, em um trânsito incessante que só termina quando há norma jurídica, a
molécula do deôntico:
“Tornam-se imprescindíveis, nesse nível de elaboração exegética, uma
série de incursões aos outros dois subsistemas, na atividade ingente de
procurar significações de outras sentenças prescritivas que, por
imposição da hierarquia constitucional, não podem estar ausentes do
conteúdo semântico da norma produzida”.118
Entende-se, para finalizar, que a construção da norma jurídica, ora
reproduzida com síntese, não necessariamente elimina a “prudência” que se deve ter nessa
atividade, no sentido da arte de se fazer escolhas, dentre tantas possíveis, daquela que sirva
de forma honesta aos interesses do intérprete. Nesse ponto, se concorda com EROS
ROBERTO GRAU, quando afirma:
118 Carvalho, 2003, p. 75.
79
“A interpretação do direito é uma prudência – o saber prático, a
phrónesis, a que se refere Aristóteles. (...). O intérprete atua segundo a
lógica da preferência, e não a lógica da conseqüência [Comparato]: a
lógica jurídica é a da escolha entre várias possibilidades corretas.
Interpretar um texto normativo significa escolher uma entre várias
interpretações possíveis, de modo que a escolha seja apresentada como
adequada [Larenz]. A norma não é objeto de demonstração, mas de
justificação. Por isso a alternativa verdadeiro/falso é estranha ao direito;
no direito há apenas o aceitável (justificável). O sentido do justo
comporta sempre mais de uma solução [Heller]” (grifado no original).119
3.3. Sinopse do capítulo 3
3.3.1. “Interpretar” é termo que comporta várias acepções, tais como: (i)
explicitar uma significação deôntica (norma jurídica); (ii) construir a norma jurídica; (iii)
fazer a subsunção do conceito da norma ao conceito do fato; (iv) aplicar o direito; (v)
traduzir um evento em linguagem jurídica competente. A doutrina jurídica tradicional
entende por interpretação se explicitar uma significação deôntica, partindo-se de um dado
apriorístico: a norma jurídica.
3.3.2. A corrente doutrinária calcada na semiótica jurídica entende por
interpretação a construção, primeiramente, da norma jurídica, mas também a subsunção do
conceito do fato ao conceito da norma, a aplicação da norma ao caso concreto e, ainda, a
transcrição do evento em linguagem jurídica competente, inexistindo intervalos físico-
temporais entre essas tarefas.
80
119 Grau, 2003, primeira parte, XIV.
3.3.3. A construção da norma jurídica envolve o percurso do intérprete por
três planos distintos.
3.3.4. Pertencem ao plano ou sistema da literalidade textual: (i) os gráficos
lingüísticos, (ii) os enunciados “brutos” e (iii) os veículos introdutores de normas.
3.3.5. No plano ou sistema dos enunciados jurídico-prescritivos encontram-
se proposições com a característica de serem modalizadas por um dos functores do direito
(obrigatório, permitido ou proibido) ou somente pelo functor neutro (o dever-ser), emitidas
pelo procedimento e órgãos que o sistema jurídico prevê como aptos a tanto.
3.3.6. O plano das normas jurídicas é, na verdade, fruto do trânsito pelos
planos anteriores, do plano da literalidade textual ao plano dos enunciados prescritivos
para, neste último, se fazer a conjugação entre os enunciados que funcionarão como
“hipóteses” e os enunciados que cumprirão o papel de “conseqüentes”, que possam ser
conectados entre si por um liame de implicação.
81
Capítulo 4
A NORMA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA TRIBUTÁRIA
NORBERTO BOBBIO, ao introduzir o estudo que empreendeu sobre as normas
jurídicas, transmitiu sua proposta dizendo que o ponto de vista a partir do qual pretendia
desenvolver seu trabalho era estritamente formal, “no sentido em que consideramos a
norma jurídica independentemente de seu conteúdo, ou seja, na sua estrutura” (grifado no
original). 120
A mesma intenção manifestada pelo mestre italiano preside este Capítulo,
que, entretanto, tem como objetivo último chegar à estrutura da norma jurídica de
competência legislativa tributária, inserida no altiplano constitucional. Mas, para tanto,
parte do início, ou seja, da construção da própria norma jurídica, que é a essência primeira a
que se agregam, em raciocínio posterior, os inúmeros adjetivos que a ela são apostos.
Assim, a tarefa que será por ora empreendida não tem a mesma significação
que teve em NORBERTO BOBBIO, pois o que se pretende é investigar a norma jurídica em
sua forma lógica, ou seja, “destacar, considerar à parte, abstrair a forma lógica que está,
como dado, revestida na linguagem natural (...)”121 que reveste as normas jurídicas.
120 Bobbio, 2001, p. 69. 121 Vilanova, 1997, p. 44.
82
Por ser a norma jurídica elemento cuja manifestação varia entre os diversos
sistemas culturais, jurídicos e lingüísticos das nações, impende que, para sua apreensão,
seja reduzida a suas “(...) múltiplas modalidades verbais à estrutura formalizada da
linguagem lógica para se obter a fórmula ‘se se dá um fato F qualquer, então o sujeito S’,
deve fazer ou deve omitir ou pode fazer ou omitir conduta C ante outro sujeito S”’, que
representa o primeiro membro da proposição jurídica completa” (grifado no original). 122
Já se adianta que a norma jurídica de competência legislativa tributária é
espécie do gênero norma jurídica primária dispositiva, geral e abstrata.
Entende-se por normas jurídicas primárias aquelas nas quais “situam-se
relações jurídicas de direito material (substantivo)”.123 Contrapõe-se a essa noção, a norma
jurídica secundária, que estabelece “relações jurídicas de direito formal (adjetivo ou
processual)”.124
É dispositiva a norma que estabelece “relações jurídicas de direito material
decorrentes de ato ou fato lícito”.125 A norma jurídica primária sancionadora, ao contrário,
tem no pressuposto um ato ou fato ilícito.
122 Vilanova, 1997, p. 95. 123 Santi, 1999, p. 43. 124 Ibidem. 125 Ibidem.
83
A norma geral tem como destinatários “um conjunto de sujeitos
indeterminados”,126 centrando-se a análise da característica “geral” e “individual” das
normas jurídicas no conseqüente normativo, como explica TÁREK MOYSÉS
MOUSSALLEM:127
“No tocante aos atributos geral e individual, aponta-se para a análise do
conseqüente normativo, mais precisamente para o sujeito passivo, pois o
sujeito ativo (no caso do subsistema do direito tributário) quase sempre é
determinado na norma hipoteticamente posta.
A norma é geral quando o sujeito passivo é indeterminado (...).”
Por fim, a norma é abstrata quando seu antecedente não descreve condutas
especificadas no espaço e no tempo, mas, ao contrário, descreve abstratamente fatos.128
É concreta a norma jurídica onde “a situação fáctica descrita na hipótese da
norma abstrata (enunciado conotacional) ocorre na realidade empírica, adquirindo
identidade lingüística competente, ou seja, revestimento em linguagem hábil”.129
126 Carvalho, 2003, p. 33. 127 Moussallem, 2001, p. 103-104. 128 Cf. Carvalho, 2003, p. 33. 129 Moussallem, 2001, p. 103.
84
4.1. Estrutura formal das normas gerais e abstratas
4.1.1. Hipótese
A hipótese, descritor ou proposição-antecedente é o primeiro membro da
norma jurídica, estruturada necessariamente com essa precedência, pois, do contrário, não
se realizaria o vínculo implicacional entre os enunciados prescritivos. Se assim fosse,
teríamos uma linguagem descritiva, pois a função que sobressairia seria a de narrar algo,
dar uma notícia, como no seguinte exemplo, onde os termos da norma jurídica foram
invertidos: “o sujeito S é obrigado a recolher aos cofres do Município o valor
correspondente ao IPTU, por ser proprietário de imóvel”.
Na hipótese das normas abstratas surpreende-se um enunciado conotativo,
que apresenta “notas (conotações) que os sujeitos ou as ações devem ter para pertencerem
ao conjunto”130 por ele delimitado.
São enunciados cuja linguagem se projeta para o futuro,131 por serem
construídos com classes de palavras, de conceitos, de definições, de expressões, todos com
alto teor de vaguidade, para que então alcançem o maior número possível de enunciados
protocolares que possam vir a ocorrer no mundo físico:
130 Carvalho, 2003, p. 87. 131 Cf. Carvalho, 2003, p. 88.
85
“Nos enunciados que se projetam para o futuro, selecionando marcas,
aspectos, pontos de vista, linhas, traços, caracteres, que não se refiram a
um acontecimento isolado, mas que se prestem a um número
indeterminado de situações, reconheceremos as previsões típicas que
aparecem nos antecedentes normativos, de feição predominantemente
conotativa. Chama-los-emos ‘enunciados conotativos’ e diremos que
freqüentam as normas jurídicas gerais e abstratas. Vamos ter, então,
enunciados denotativos ou fatos e enunciados conotativos ou classes
formadas com os predicados que os enunciados factuais deverão conter.
Convém advertir, portanto, que essas orações conotativas não abrigam
propriamente fatos, mas elementos caracterizadores de eventuais
ocorrências fácticas (...)” (grifado no original).132
Contrapõem-se os enunciados conotativos aos enunciados denotativos, vez
que estes já se configuram em extrato de linguagem perfeitamente delimitados por já
conhecidas circunstâncias materiais, temporais e espaciais, o que lhes confere unicidade.
Esses enunciados participam das normas individuais e concretas que serão construídas
pelos aplicadores do direito, como parte do processo de interpretação já referido. Mais uma
vez, é esclarecedora a lição de PAULO DE BARROS CARVALHO:
“A esta altura, já podemos dizer que o enunciado factual é protocolar,
supreendendo uma alteração devidamente individualizada do mundo
fenomênico, com a clara determinação das condições de espaço e de
tempo em que se deu a ocorrência. Articulação de linguagem organizada
assim, com esse teor de denotatividade, chamaremos de fato, fato político,
econômico, biológico, psicológico, histórico, jurídico etc. No direito
positivo, correspondem ao antecedente das normas individuais e
concretas” (grifado no original). 133
132 Carvalho, 2003, p. 88. 133 Ibidem, p. 88.
86
A peculiaridade das normas individuais e concretas, que se contrapõem às
normas gerais e abstratas, é que contêm em seu antecedente um fato que já é jurídico, pois
já alcançado pelo direito – fato jurídico – e, no seu conseqüente, uma relação jurídica,
indicando que dois sujeitos estão se relacionando entre si de forma obrigatória, permitida
ou proibida.
Por essa razão, se afirma que o fato jurídico está contido potencialmente na
hipótese das normas gerais e abstratas, mas participa ativamente, como enunciado
protocolar que é, das hipóteses das normas individuais e concretas: “não devemos dizer que
o fato jurídico esteja contido na hipótese”.134
4.1.2. Conseqüente
O segundo membro da norma jurídica é o conseqüente, tese, prescritor ou
proposição-conseqüente.
134 Carvalho, 2003, p. 88.
87
Trata-se de proposições relacionais,135 enunciados com função “prescritora
de condutas intersubjetivas”,136 pois neles se contém, abstrata e potencialmente, relações
jurídicas, no sentido de espectros dos efeitos dos fatos jurídicos (espectros de eficácia
jurídica137), os quais, por sua vez, também estão potencialmente contidos nos antecedentes
das normas gerais e abstratas.
Ao se falar que o fato jurídico está potencialmente contido na hipótese
normativa, assim como a relação jurídica no conseqüente, não se faz nada além do que
transmitir o raciocínio claro de PAULO DE BARROS CARVALHO, quando afirma que “a
hipótese tributária está para o fato jurídico tributário assim como a conseqüência
tributária está para a relação jurídica tributária”.138
4.1.3. Suporte fático
Entidades distintas dos enunciados conotativos dos antecedentes das normas
gerais e abstratas, dos enunciados denotativos e dos fatos jurídicos, são os eventos e os
fatos.
135 Cf. Carvalho, 2003, p. 28. 136 Ibidem. 137 Eficácia jurídica “é a propriedade do fato jurídico de provocar os efeitos que lhe são próprios (‘a relação de causalidade jurídica’, na linguagem de Lourival Vilanova)” (Carvalho, 1999, p. 55). 138 Carvalho, 2004, p. 245
88
PAULO DE BARROS CARVALHO, com o raciocínio claro que lhe é peculiar, faz
distinção entre evento, que é o acontecimento do mundo ainda não constituído pela
linguagem, e fato, quando o evento dela já está revestido, tenha ela função descritiva,
indicativa, declarativa, prescritiva, operativa ou performativa.139
O último patamar evolutivo daqueles acontecimentos – evento → fato –, que
interessa ao direito, é o fato jurídico, ou seja, o evento, que já se fez fato e que, por sua vez,
foi travestido da linguagem prescritiva do direito. A subsunção – que é a incidência, a
aplicação da norma jurídica pelo operador do direito – não ocorre entre norma e evento,
mas entre norma e fato, pois é fenômeno que deve ocorrer entre iguais e assim – norma e
fato – o são, pelo dado comum da linguagem.140
Já no universo dos fatos, não mais dos eventos, tem-se que aqueles são a
matéria-prima com a qual trabalha o legislador, que seleciona algumas de suas inúmeras
propriedades para fazer constar nos enunciados conotativos das normas gerais e abstratas.
São elementos que não pertencem ao sistema do direito positivo, posto que a
linguagem que os reveste não é a jurídica, mas, do ponto de vista do direito, podem ser
considerados como seu objeto dinâmico, em contínua ocorrência no mundo fenomênico e,
quando descritos nos enunciados conotativos das normas jurídicas gerais e abstratas, são
transformados em seu objeto imediato:
139 Cf. Carvalho, 2003, p. 86. 140 Cf. Carvalho, 2004, p. 243.
89
“O modelo da norma geral ou abstrata ou o próprio fato na sua estrutura
enunciativa, contido na norma individual e concreta, aparecem como
objetos imediatos e o fato social, de que foi segmentado o fato jurídico, é
o objeto dinâmico. Nesse sentido, o fato jurídico é apenas um ponto de
vista sobre o fato social”.141
Feitas essas ponderações, passa-se à definição de suporte fático.
Na conceituação de EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI142 que, por sua vez,
abebera-se em PONTES DE MIRANDA, suporte fático é o “fato bruto, base da incidência da
regra”.
Para MARCOS BERNARDES DE MELLO, é “um conceito do mundo dos fatos e
não do mundo jurídico, porque somente depois que se concretizam (=ocorram) no mundo
os seus elementos, é que, pela incidência da norma, surgirá o fato jurídico e, portanto, se
poderá falar em conceitos jurídicos”. 143
Tradicionalmente, se considera o suporte fático como elemento pertencente
ao mundo fenomênico, posto que ainda não juridicizado pela linguagem prescritiva do
direito. Mas, é de se advertir que, além dos fatos, que de forma recorrente compõe aquele
conceito, os fatos jurídicos e os efeitos jurídicos podem também ser suporte fático para
incidência de normas jurídicas.
141 Carvalho, 2003, p. 94. 142 Santi, 1999, 67. 143 Mello, M. B. de, 1995, p. 35.
90
MARCOS BERNANDES DE MELLO, ao explicar sobre a aparente contradição
que há em se conceituar de fático o que já é jurídico, no caso de se considerar como
“suportes fáticos” fatos e efeitos jurídicos, explica:
“Como considerar fáctico o que é jurídico? Esclarecemos. O fato jurídico
e o efeito jurídico estão no mundo jurídico, mas nem por isso deixam de
integrar, com essa característica de jurídico, o mundo em geral, dito
mundo dos fatos. O mundo jurídico é, apenas, parte do mundo geral,
portanto compõe o todo” (grifado no original). 144
Com certeza há contradição entre os termos “fático” e “jurídico”, no sentido
de se pretender alocar no primeiro (suportes fáticos), fatos e efeitos jurídicos. Mas, nos
interessa manter a nomenclatura “suporte fático”, ante a tradição jurídica que a envolve e
adotar, como premissa, seu conceito como sendo a base de incidência da norma jurídica,
cujas propriedades, uma vez que tenham sido eleitas pelo legislador, participarão dos
enunciados conotativos das normas gerais e abstratas.
Participam do conceito de suporte fático os fatos, os fatos jurídicos e os
efeitos jurídicos.
Assim, deveremos reter as seguintes noções:
a) evento e fato não são sinônimos, o fato é o evento revestido de
linguagem, manifestada em qualquer das suas funções;
144 Mello, M. B. de, 1995, p. 41.
91
b) sob o ponto de vista do direito positivo, o fato é seu objeto dinâmico e,
quando vier a ser descrito nos enunciados conotativos das normas gerais
e abstratas, passa a ser seu objeto imediato;
c) suporte fático é a base de incidência da norma jurídica, uma vez que
algumas de suas propriedades tenham sido eleitas pelo legislador; pode
ser constituído por fatos, fatos jurídicos e efeitos jurídicos.
4.1.4. Operador deôntico
A norma jurídica é bimembre, composta de hipótese e conseqüência, que se
conectam entre si em relação-de-implicação, ou seja, “verificando-se a hipótese, deve-ser a
tese”.
Entretanto, essa relação-de-implicação entre as proposições jurídicas é
artificial, culturalmente concebida pelo homem, pois não lhes é característica nata. As
proposições jurídicas não se relacionam, por natureza, entre si, em relação-de-implicação.
O “dever-ser” responsabiliza-se por essa cópula e, formalmente, se manifesta por meio do
operador deôntico.
92
Não há necessidade de operador deôntico, por exemplo, nas ciências
empíricas, como a Física e a Química. As relações de implicação existentes entre as
proposições daquelas ciências “exprimem conexão formalmente necessária”,145 pois tem-se
aqui relações de causalidade entre os fatos citando-se, para exemplificar, a sentença posta
em relação-de-implicação por natureza:146 “se fizer 100º, a água ferve”.
A diferença entre relações causais e relações implicacionais não é formal,
mas ontológica, como escreve LOURIVAL VILANOVA:
“No que respeita à forma lógica interna não há diferença entre
causalidade e imputação. A diferença é ontológica, está no campo dos
objetos. No nível lógico, o relacionamento entre dados, mediante as
proposições que os têm por correlato referencial, é de implicação. A
diferença está no functor prefixo: na causalidade tem-se somente is-
propositions, enquanto na imputação, a tese pertence à classe das ougth-
propositons” (grifado no original). 147
E estabelece-se a relação-de-implicação sentida nas proposições jurídicas
quando aquelas são validamente postas no sistema, ou seja, quando produzidas por agente,
órgão e procedimento competentes previstos no direito positivo, traduzindo-se aqui o
pensamento de LOURIVAL VILANOVA:
145 Vilanova, 1997, p.96. 146 Cf. Vilanova, 1997, p.96. 147 Vilanova, 1997, p. 104.
93
“Inexiste, pois, no universo das proposições jurídicas, necessidade lógica
ou factualmente fundada de a hipótese implicar a tese ou conseqüência. É
a própria norma que põe o vinculum, é a fonte formal do Direito que,
fundando-se num ato de valoração, estatui como devendo ser que a
hipótese implique o conseqüente. Sem norma válida o nexo desfaz-se”
(grifado no original). 148
Pode-se afirmar que o operador deôntico, que entendemos ser o instrumento
formal de manifestação do “dever-ser”, é a chave de abóbada do sistema do direito positivo.
É o responsável por aquilo que deve-ser, sob pena de uma conseqüência desagradável. É
nominado como conectivo deôntico, operador deôntico, dever-ser interproposicional,
functor neutro ou functor-de-functor.
E é o “dever-ser” característico ao direito o que justifica a afirmação de que
os sistemas jurídicos têm natureza coativa, pois, não fosse assim, a artificial relação-de-
implicação que se estabelece nas normas jurídicas não se sustentaria.
148 Vilanova, 1997, p. 96.
94
NORBERTO BOBBIO, 149 justificando ser a sanção elemento constitutivo de um
ordenamento jurídico, quando diante do argumento de que existem normas sem sanção,
aduz que, realmente, isto é um fato incontestável. Porém, não é suficiente a retirar a
coatividade das prescrições jurídicas, pois o que se deve pensar é o ordenamento jurídico
como um todo, não devendo ser tomados como fundamento de sua natureza acontecimentos
isolados, como normas sem sanção. A maioria das proposições jurídicas atrela-se a uma
proposição-sanção, que incide quando descumpridas as primeiras, limitando a existência
dos indivíduos de alguma forma, seja em seu patrimônio ou em sua liberdade.
O “dever-ser” é, pois, o que confere prescritividade ao direito, para que este
cumpra sua função de condicionar as condutas dos seres humanos. E se manifesta
formalmente por meio dos conectivos deônticos, que operam de duas formas.
Assim, nas proposições jurídicas, apresenta-se na forma neutra, como
elemento necessário para que entre elas se estabeleça artificialmente a relação-de-
implicação, alocando-se entre a proposição-hipótese e a proposição-tese, por isso,
interproposicional. É o conectivo deôntico neutro.
149 Cf. Bobbio, 2001, p. 167.
95
Também aparecem operadores deônticos no interior dos conseqüentes
normativos, nos modos “obrigatório”, “permitido” ou “proibido”, inserindo-se no interior
da relação jurídica para vincular as condutas dos sujeitos passivos a uma daquelas
modalidades, em relação aos sujeitos ativos. É o conectivo deôntico modalizado,
intraproposicional.
4.2. Norma de competência legislativa tributária
NORBERTO BOBBIO identificou nos ordenamentos jurídicos duas espécies de
normas jurídicas, as normas de comportamento e as normas de estrutura e, quanto a estas
últimas, as conceituou “como as normas para a produção jurídica: quer dizer, como as
normas que regulam os procedimentos de regulamentação jurídica. Elas não regulam um
comportamento, ou, mais exatamente, o comportamento que elas regulam é o de produzir
regras”.150
PAULO DE BARROS CARVALHO, que adota em seu Curso de Direito
Tributário a mesma classificação, nos esclarece as funções que desempenham as normas de
estrutura no direito positivo:
150 Bobbio, 1997, p. 45.
96
“As regras de estrutura, representam, para o sistema do direito positivo,
o mesmo papel que as regras da gramática cumprem num idioma
historicamente dado. Prescrevem estas últimas a forma de combinação
dos vocábulos e das expressões para produzirmos orações, isto é,
construções com sentido. À sua semelhança, as regras de estrutura
determinam os órgãos do sistema e os expedientes formais necessários
para que se editem normas jurídicas válidas no ordenamento, bem como
o modo pelo qual serão elas alteradas e desconstituídas”.151
EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI, no mesmo sentido dos autores já citados,
diz que “às normas jurídicas que regulam a produção jurídica denominamos de normas de
estrutura,”152 as quais, por sua vez, “também regulam, em sentido lato, um comportamento:
a conduta de produzir normas jurídicas”.153
TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM registrou que as normas jurídicas sempre têm
como razão final condicionar uma conduta humana. Poderão fazê-lo de diferentes formas.
Assim, ao se dirigirem à conduta humana como escopo último, classificam-
se em normas de conduta. Ao se voltarem à conduta humana para pautar a produção
normativa, tem-se as normas de produção legislativa. Por fim, ao se dirigirem
imediatamente a uma norma e, mediatamente, à conduta humana, denominam-se como
normas de revisão sistêmica.154
151 Carvalho, 2004, p. 137-138. 152 Santi, 1999, p. 61-62. 153 Ibidem. 154 Cf. Moussallem, 2001, p. 93.
97
A norma de produção normativa tem “como objetivo imediato regular uma
conduta C para mediatamente produzir uma norma N2”.155 Assim, “são tidas como normas
de produção normativa aquelas que outorgam competência, que estabelecem
procedimentos legislativos, administrativos e judiciais.”156
Como salientado acima por TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM, dentre as normas
de produção normativa tem-se: as que estabelecem procedimentos legislativos, as normas
de competência legislativa, onde há uma “relação jurídica (legislativa) modalizada pelo
functor permitido entre o órgão competente (direito subjetivo) e os demais sujeitos da
comunidade (dever jurídico de se absterem)” (grifado no original).157
Desta forma, a norma de competência legislativa caracteriza-se por conter,
em sua hipótese, o dado da existência dos órgãos do Poder Legislativo, qualificados como
competentes por outras normas de produção normativa. No conseqüente da norma de
competência legislativa, está uma relação jurídica (em potencial, pois estamos tratando da
norma geral e abstrata), “modalizada pelo functor permitido (Pp), na qual o sujeito ativo é
o detentor de direito subjetivo de criar normas jurídicas, e a comunidade é o sujeito
passivo portador do dever jurídico de se abster (Vp), não impedir o direito subjetivo do
sujeito ativo”.158
155 Moussallem, 2001, p. 93. 156 Idem, p. 96. 157 Idem, p. 97. 158 Idem, p. 98.
98
Entende-se por normas jurídicas de competência legislativa tributária as que
pertencem ao subsistema constitucional do direito positivo tributário e que conferem
permissão aos entes tributantes para a criação de regras-matrizes de incidência tributária,159
observada a repartição das competências tributárias entre as pessoas políticas
exaustivamente previstas na Constituição Federal:
“É, pois, ponto incontestável que, no Brasil, as competências federais,
estaduais, municipais e distritais, com serem reciprocamente autônomas,
encontram-se expostas e garantidas no Estatuto Máximo”.160
A permissão que modaliza a relação jurídica da norma de competência
legislativa tributária e é conferida aos entes federados para exercício das respectivas
atividades legislativas, é uma das características dessas espécies de normas de estrutura,
como bem salientado por PAULO DE BARROS CARVALHO:
“Por sem dúvida que é a regra geral. A União tem a faculdade ou
permissão bilateral de criar o imposto sobre grandes fortunas, na forma
do que estatui o inciso VII do art. 153 da CF. Até agora não o fez,
exatamente porque tem a faculdade de instituir ou não o gravame. E o
mesmo se dá com os municípios, que, em sua maioria, não produziram a
legislação do imposto sobre serviços de qualquer natureza, conquanto
não lhes falte, para isso, aptidão legislativa”.161
159 Paulo de Barros Carvalho idealizou a regra-matriz de incidência tributária (RMIT) como a norma tributária em sentido estrito que contém, na hipótese, um fato de conteúdo apreciável economicamente, onde se localiza o critério material (verbo + complemento); o critério espacial e o critério temporal e, no conseqüente, um vínculo obrigacional entre o Estado e uma pessoa física ou jurídica, tendo por objeto a prestação de entrega pelo sujeito passivo de determinada quantia em dinheiro, onde se localiza o critério quantitativo (base de cálculo e alíquota) e o critério pessoal (sujeito ativo e passivo) (Carvalho, 2004, passim). 160 Carrazza, 2000, p.329. 161 Carvalho, 2004, p. 217.
99
Por fim, as normas jurídicas de competência legislativa tributária têm
destinatário imediato, como anota ROQUE ANTONIO CARRAZZA: “o legislador, que se acha,
assim, impedido de expedir leis (lato sensu) desbordantes destes valores
constitucionais”.162
HUMBERTO ÁVILA, discorrendo sobre as normas de competência e seu
destinatário, afirma que “possuem a dimensão normativa de regras, na medida em que
descrevem o comportamento a ser adotado pelo Poder Legislativo, delimitando o conteúdo
das normas que poderá editar” (grifado no original).163
4.2.1. Estrutura lógica da norma de competência legislativa tributária
Aplicando-se tudo quanto dito, a estrutura formal mínima comum às normas
(gerais e abstratas) de competência legislativa tributária é a seguinte: [D {p → q}], onde:
(1) “p” é a hipótese, contendo enunciados conotativos: dada a existência dos
órgãos dos Poderes Legislativos das pessoas políticas;
(2) “→” indica haver uma relação-de-implicação (“dever-ser”) entre a
hipótese e o conseqüente, formalizada por
(3) “D”, operador deôntico neutro, interproposicional;
162 Carrazza, 2000, p. 329. 163 Ávila, 2004, p. 159.
100
(4) “q” é o conseqüente, contendo proposições relacionais: deve-ser a
permissão das pessoas políticas para instituírem regras-matrizes de incidência tributária e o
dever-jurídico da comunidade em respeitar essa permissão de legislar.
4.3. Sinopse do capítulo 4
4.3.1. Formalizar é destacar, considerar à parte, abstrair a forma lógica sob a
linguagem natural. É procedimento salutar para o conhecimento da essência das normas
jurídicas, diante da multiplicidade de suas manifestações, em razão da diversidade dos
sistemas culturais, jurídicos e lingüísticos dos povos.
4.3.2. A norma de competência legislativa tributária é norma constitucional,
espécie do gênero norma jurídica primária dispositiva, geral e abstrata: é “primária”, pois
nela se situam relações jurídicas de direito material; é “dispositiva”, porque estabelece
relações jurídicas decorrentes de ato ou fato lícito; é “geral”, por ter como destinatários
sujeitos indeterminados e é “abstrata”, porque seu antecedente não descreve condutas
especificadas no espaço e no tempo.
4.3.3. A hipótese das normas jurídicas gerais e abstratas contém um
enunciado conotativo, onde nele se apresentam classes de palavras, de expressões, de
conceitos, com vaguidade suficiente a fazê-lo capaz de abarcar um sem número de
ocorrências fáticas (enunciados denotativos) e, assim, se projetar para o futuro.
101
4.3.4. O conseqüente das normas gerais e abstratas apresenta proposições
relacionais, ou seja, nele se contêm, abstrata e potencialmente, relações jurídicas.
4.3.5. Evento e fato não são sinônimos; fato é o evento revestido de
linguagem, em qualquer de suas funções.
4.3.6. Suporte fático é a base de incidência da norma jurídica, cujas
propriedades eleitas pelo legislador participarão dos enunciados conotativos das normas
gerais e abstratas, e pode ser constituído por fatos, fatos jurídicos ou efeitos jurídicos.
4.3.7. A relação-de-implicação entre as proposições jurídicas é artificial,
culturalmente concebida pelo homem, responsabilizando-se o “dever-ser” por essa cópula,
o qual, por sua vez, se manifesta formalmente pelos operadores deônticos, que podem ser
neutros (entre as proposições hipótese e conseqüente) e modalizados em “obrigatório”,
“permitido” ou “proibido”. A coatividade do direito está na manifestação do “dever-ser”.
4.3.8. Dentre as normas jurídicas de estrutura, estão as normas jurídicas de
produção normativa e, dentre estas, as normas jurídicas de competência legislativa
tributária, as quais conferem permissão aos entes tributantes para a criação de regras-
matrizes de incidência tributária, dentro dos moldes de competência previstos na
Constituição Federal. Estabelecem, no conseqüente, a permissão às pessoas políticas para
instituírem regras-matrizes de incidência tributária e o dever-jurídico da comunidade em
respeitar essa permissão.
102
Capítulo 5
OS LIMITES NORMATIVOS DO ARTIGO 145, II,
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
5.1. Norma de competência legislativa administrativa
O artigo 145, II, da Constituição Federal estabelece normas jurídicas de
competência legislativa dirigidas à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, dando-
lhes permissão para editarem regras-matrizes de incidência tributária instituidoras de taxas,
in verbis:
“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
poderão instituir os seguintes tributos:
II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização,
efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis,
prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”.
Considerando-se tudo quanto asseverado no Capítulo 4 e a partir da fórmula
lógica mínima das normas jurídicas – [D {p → q}] – a desformalização daquele prescritivo
maior pode ser preenchida com a seguinte linguagem:
(1) “p” (hipótese): dada a existência dos órgãos dos Poderes Legislativos da
União, Estados, Distrito Federal e Municípios;
103
(2) “→”, que indica haver uma relação-de-implicação entre a hipótese e o
conseqüente, formalizada por
(3) “D”, operador deôntico neutro interproposicional.
(4) “q” (conseqüente): proposição relacional com o deve-ser a permissão às
pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para instituírem regras-
matrizes de incidência tributária de taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela
utilização efetiva ou potencial de serviços públicos específicos e divisíveis e o dever-
jurídico da comunidade em respeitar a permissão de legislar.
Adverte-se que o artigo 145, II, da Constituição Federal não encerra uma só
norma jurídica, mas várias, pois muitas são as combinações possíveis entre as atividades
estatais ali indicadas e as pessoas políticas tributantes. Mas, por ora, consideremos o
dispositivo como veiculador de uma só norma jurídica de competência legislativa.
Verifica-se que no conseqüente daquela norma se estabelece, in abstracto, a
permissão à União, Estados, Distrito Federal e Municípios para instituírem as regras-
matrizes de incidência tributária das taxas. Entretanto, os fatos a serem colhidos pelos
enunciados conotativos dessas regras-matrizes, diferentemente do que acontece com as
regras de competência legislativa dos impostos, não vêm ali especificados.
104
Para os impostos, as normas de competência estabelecidas nos artigos 153 a
156 da Constituição Federal contêm no conseqüente a previsão da espécie de fatos que
serão os suportes fáticos para incidência das regras-matrizes editadas pelas pessoas
políticas. Ou seja, há uma especificidade nessas normas constitucionais quanto aos futuros
enunciados conotativos das regras-matrizes, tais como “circular mercadorias”, “importar
produtos estrangeiros”, “industrializar produtos”, dentre outros.
Diante dessa deficiência, faz-se necessário que outras normas venham a
compor o sistema do direito positivo, para que tenham efetividade as normas de
competência legislativa inseridas no artigo 145, II, da Constituição Federal.
Em outras palavras, para que aquela norma de competência legislativa venha
a condicionar com eficácia a conduta do legislador ordinário, para lhe permitir legislar
sobre taxas, deve haver no universo jurídico leis delimitando as atividades estatais –
exercício do poder de polícia e da prestação ou disponibilização de serviços públicos
específicos e divisíveis – que estão genericamente previstas naquele prescritivo
constitucional.
HUMBERTO ÁVILA entende da mesma forma, ou seja, da existência de
atividade estatal juridicamente delimitada para o exercício da competência legislativa das
taxas e contribuições de melhoria:
105
“Se a instituição de tributos depende da existência de uma atividade
estatal relativamente ao contribuinte (taxas e contribuições de melhoria),
a competência legislativa é determinada por essa atividade (...)” (grifo
nosso).164
SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO também escreve sobre a necessidade de
já estar explicitado no âmbito da pessoa política o regular exercício do poder de polícia e da
prestação dos serviços públicos, para que, então, sejam tais atividades inseridas nas leis
ordinárias tributárias das taxas:
“No caso das taxas e das contribuições de melhoria, vimos de ver, declina
a Constituição os fatos jurígenos genéricos (suporte fático) de que
poderão se servir as pessoas políticas para instituí-las por lei. (...). Basta
que qualquer pessoa política vá realizar um regular ato do poder de
polícia que lhe é próprio, ou vá prestar um serviço público ao
contribuinte, se específico e divisível, para que o seu legislador,
incorporando tais fatos na lei tributária, institua u’a taxa” (grifado no
original). 165
A delimitação jurídica das referidas atividades estatais se faz por leis
administrativas das pessoas políticas que, por sua vez, à semelhança das regras-matrizes de
incidência tributária, são a manifestação do exercício de normas de competência legislativa
administrativa, pertencentes ao subsistema constitucional do direito positivo
administrativo.
164 Ávila, 2004, p. 245. 165 Coêlho, 2002, p. 68.
106
É fácil identificar as normas de competência legislativa tributária no Texto
Maior. Sua grande maioria está alocada no Título VI, Capítulo I, que trata do Sistema
Constitucional Tributário, em artigos que podem facilmente ser apontados (artigo 145, II e
III; artigos 153 a 156, dentre outros).
Entretanto, quanto às normas de competência legislativa administrativa, a
tarefa é mais complexa, porque não se vislumbra, na Constituição Federal, dispositivos
constitucionais que expressamente são dirigidos a essa espécie de atividade legislativa.
Assim, pressupondo que as normas de competência legislativa administrativa
condicionam a conduta dos legisladores ordinários, permitindo-lhes delimitar, por lei, as
atividades estatais, podem aquelas ser identificadas no artigo 1º, da Constituição Federal,
que institui o Estado Democrático de Direito; no artigo 5º, II, que impede que qualquer
indivíduo tenha seus direitos restringidos sem lei que o estabeleça; no artigo 37, caput, que
obriga a Administração Pública à observância da lei, dentre outros dispositivos que
aprisionam a atividade do Poder Público aos limites da lei.
O que se quer significar é que as normas de competência legislativa
administrativa devem corresponder à tradução da concepção do Estado Democrático de
Direito, cuja característica é a submissão das atividades do Poder Público aos ditames da
lei, fortalecendo os direitos individuais contra eventuais arbítrios estatais e tendo por
contraponto a redução da discricionariedade administrativa, como anota MARIA SYLVIA
ZANELLA DI PIETRO:
107
“Essa valorização dos princípios permitiu a adoção da fórmula de Estado
de Direito Democrático, adotada na Constituição do Brasil, de 1988, no
preâmbulo e no artigo 1º (...). A conseqüência foi nova ampliação do
princípio da legalidade, que passou a abranger, não apenas as leis e atos
normativos do Executivo com força de lei, mas também os valores e
princípios contidos de forma expressa ou implícita na Constituição. A lei
recuperou o seu conteúdo axiológico. Com isto, houve nova redução da
discricionariedade administrativa, tendo em vista que a mesma diminui
na mesma proporção em que se amplia a idéia de legalidade”.166
E a lei ora referida é a lei stricto sensu, produzida em observância aos
trâmites estabelecidos nos artigos 61, 65 e 66, da Constituição Federal. Por sua vez, será a
lei o fundamento de validade das sucessivas normas infralegais que venham a ser expedidas
no seio da Administração, nos termos do artigo 84, IV, da Constituição Federal:
“Em suma a lei, ou, mais precisamente, o sistema legal, é o fundamento
jurídico de toda e qualquer ação administrativa. A expressão ‘legalidade’
deve, pois, ser entendida como ‘conformidade à lei e, sucessivamente, às
subseqüentes normas que, com base nela, a Administração expeça para
regular mais estritamente sua própria discrição’ adquirindo então um
sentido mais extenso” (grifado no original).167
Evitamos, propositadamente, identificar as normas de competência
legislativa administrativa como expressão de “funções públicas” e, em específico, de
“funções administrativas”, ante a celeuma doutrinária que envolve a significação do
vocábulo “função”.
166 Di Pietro, 2003, p. 42. 167 Mello, C. A. B. de, 2004, p. 67.
108
Como narra DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI, entendem alguns
juspublicistas que aquele conceito deve englobar todas as funções do Estado; outros
autores, que deve se limitar estritamente à função administrativa. Há ainda os que
sustentam haver uma identidade entre “função” com a “atividade do Estado” e, por fim, os
que a reservam como exercícios de poder do Estado derivados exclusivamente de sua
soberania.168
E a disputa doutrinária acaba respingando nos serviços públicos, pois há
quem pretenda distinguir função pública de serviços públicos, entendendo ser a primeira
atividade jurídica da Administração e os segundos, atividades materiais, como CELSO
ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO.169
Como nosso objetivo é fundamentar a edição de leis administrativas em
sintonia com normas de competência legislativa administrativa que sustentamos existir no
Texto Maior, tudo para justificar a normatização de atividades estatais que nos interessam –
exercício do poder de polícia e prestação de serviços públicos – coincidir a noção de
“competência administrativa” com a de “função pública” ou de “função administrativa”,
torna-se problemático, diante das polêmicas indicadas.
168 Cf. Grotti, 2003, p. 107. 169 Dinorá Adelaide Musetti Grotti: “acolhe-se, na esteira de Celso Antônio Bandeira de Mello, como forma de encarar o serviço público, a distinção entre atividade material e atividade jurídica da Administração, ou seja, entre funções públicas administrativas de um lado, e serviços públicos de outro” (2003, p. 115).
109
EROS ROBERTO GRAU reconhece que, tradicionalmente, a noção de “função”
foi construída sobre a técnica da separação dos poderes, utilizando um critério subjetivo –
os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário – ao invés de um critério material, o que lhe
traz problemas:
“A classificação mais freqüentemente adotada, dessas funções, é a que –
na expressão de Santi Romano (1974/173) – concerne aos ofícios ou às
autoridades que as exercem. Trata-se da classificação que se denomina
orgânica ou institucional. Segundo ela, tais funções são a legislativa, a
executiva e a jurisdicional” (grifado no original).170
Nesse ponto, GRAU sugere uma classificação material para “função”, que a
dividiria em função normativa, de produção de normas jurídicas; função administrativa, de
execução de normas jurídicas e função jurisdicional, de aplicação de normas jurídicas.
Assim, a idéia que se pretende fixar é da identificação das normas de
competência legislativa com as normas constitucionais que prescrevem a conduta do
legislador ordinário no sentido de delimitar, por lei, qualquer atividade do Poder Público,
em sintonia com os princípios do Estado Democrático de Direito.
Desta forma, as considerações feitas quanto às normas de competência
legislativa tributária no Capítulo 4, são válidas para as normas de competência legislativa
administrativa.
170 Grau, 2000, p. 175.
110
Mas cumpre fazer um breve parêntesis sobre a permissão que modaliza a
relação jurídica da norma de competência legislativa. No caso da competência tributária,
vimos ser esta permissão característica dessas espécies de norma. Afirma-se que também é
elemento presente na norma de competência legislativa administrativa.
Há permissão para o Poder Público exercitar ou não sua competência
administrativa constitucional, regulamentando sua atuosidade. E, caso não a exerça, à
semelhança do não-exercício da competência tributária, não há que se falar em leis
administrativas e, portanto, em atividades do Estado.
Desformaliza-se a norma de competência legislativa administrativa, no ponto
que nos interessa, com a seguinte linguagem:
(1) “p” (hipótese): dada a existência dos órgãos dos Poderes Legislativos da
União, Estados, Distrito Federal e Municípios;
(2) “→”, que indica haver uma relação-de-implicação entre a hipótese e o
conseqüente, formalizada por
(3) “D”, operador deôntico neutro interproposicional.
(4) “q” (conseqüente): proposição relacional com o deve-ser a permissão das
pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) de instituírem leis
administrativas para o regular exercício do poder de polícia e prestação de serviços
públicos específicos e divisíveis e o dever-jurídico da comunidade em respeitar a permissão
de legislar.
111
5.1.1. Norma de competência legislativa “comum” e “privativa”
As normas de competência legislativa administrativa que permitem às
pessoas políticas editarem leis administrativas são a elas comum quanto à restrição ou
condicionamento da liberdade e da propriedade, que é o fundamento para o regular
exercício do poder de polícia.
Quanto às normas de competência legislativa administrativa que permitem
aos entes políticos a exploração de serviços públicos, adotou o Texto Maior a técnica da
enumeração dos serviços públicos privativos171 da União (artigo 21, CF), sendo os
remanescentes (não pertencentes à União e Municípios) reservados aos Estados (artigo 25,
§ 1º, CF), além da exploração dos serviços de gás canalizado (artigo 25, § 2º, CF); e, os
serviços públicos de interesse local atribuídos à competência dos Municípios (artigo 30, V,
CF), incluído o serviço de transporte coletivo. Ao Distrito Federal cabe, cumulativamente,
a competência reservada aos Estados e Municípios (artigo 32, § 1º).
171 Dinorá Adelaide Musetti Grotti adverte que “embora o caput do art. 21 se limite aos dizeres ‘compete à União’, sem ter utilizado o advérbio ‘privativamente’, que consta do caput do art. 22, é indiscutível que as competências elencadas no art. 21 são privativas da União” (2003, p. 91).
112
Os vocábulos “comum” e “privativo”, antes utilizados como qualificativos
da norma de competência legislativa administrativa, foram retirados da classificação
tradicional reconhecida na doutrina constitucional quanto às competências repartidas entre
os entes políticos e isto quer significar, no caso da competência comum, que qualquer um
deles pode vir a exercê-la, indistintamente e, quanto ao exercício privativo (ou exclusivo),
que as atribuições vêm designadas nominalmente a cada um.
Tais qualificativos – “comum” e “privativo ou exclusivo” – vêm na tradição,
contudo, como adjetivos da “competência material”, que tem o sentido de feixes de
atribuições constitucionalmente estabelecidos, também designada por CELSO RIBEIRO
BASTOS como “competência não-legislativa”.172 Por sua vez, procura ser diferencial de
“competência legislativa”, que quer significar produção de normas jurídicas:
“(...) (1) competência material, que pode ser: (a) exclusiva (art. 21); e (b)
comum, cumulativa ou paralela (art. 23); (2) competência legislativa, que pode
ser: (a) exclusiva (art. 25, §§ 1º e 2º); (b) privativa (art. 22); (c) concorrente
(art. 24); (d) suplementar (art. 24, § 2º)”.173
Não nos parece, entretanto, fundamentado o cisma entre competência
“legislativa” e “material”, pois não há exercício de atribuições constitucionalmente
estabelecidas que prescinda da competência legislativa, que é o sustentáculo da noção de
Estado Democrático de Direito.
172 Bastos, 1997, p. 297. 173 Silva, 1997, p. 455-456.
113
Mesmo que no Texto Maior encontremos competências indicadas como
“manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais”
(inciso I, do artigo 21, CF); “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação
do território e de desenvolvimento econômico e social” (inciso IX, do artigo 21, CF);
“exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de
rádio e televisão” (inciso XVI, do artigo 21, CF), seu exercício, que não é nada além do
desenvolvimento das respectivas atividades estatais, só se faz por lei ou por normas
infralegais editadas em sua conformidade (artigo 84, IV, da Constituição Federal).
Nos apropriaremos dos vocábulos “comum” e “privativo”, nas acepções ora
indicadas, mas referindo-os às normas de competência legislativa administrativa.
5.2. Do “poder de polícia”
O “poder de polícia” é uma atividade estatal que se desenvolve em duas
etapas normativas.
114
A primeira envolve a manifestação de normas de competência legislativa
administrativa para se produzirem leis administrativas restringindo ou condicionando a
liberdade e a propriedade. Este é o cenário jurídico que deve preexistir como dado
necessário ao exercício do poder de polícia e trata-se de atividade legislativa comum aos
entes federados, isto é, pode ser exercitada, indistintamente, pela União, Estados, Distrito
Federal e Municípios.
A segunda é a edição de leis administrativas prescrevendo a atividade estatal
de “poder de polícia”, que também está na competência comum dos entes federados.
Poder de polícia, na conceituação de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO,
é a “atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade, ajustando-as aos
interesses coletivos”.174
CARLOS ARI SUNDFELD adverte que o que propicia, no poder de polícia, a
cobrança de taxas, é o desenvolvimento das atividades estatais, “a) fiscalizatória do
exercício dos direitos privados; ou b) provocada por particular, que pretenda a
constituição, em seu favor, de certos direitos dependentes de ato administrativo”.175
174 Mello, C. A. B. de, 2004, p. 718. 175 Sundfeld, 1997, p. 19.
115
A expressão “poder de polícia” em seu sentido estrito,176 refere-se à noção
de “polícia administrativa”, que é o poder conferido à Administração e “que resulta de sua
qualidade de executora das leis administrativas. É a contraface de seu dever de dar
execução a estas leis. Para cumpri-lo não pode se passar de exercer autoridade – nos
termos destas mesmas leis – indistintamente sobre todos os cidadãos que estejam sujeitos
ao império destas leis” (grifado no original).177
Assim, entende-se por exercício do poder de polícia a atividade estatal,
precisamente da Administração, vinculada aos termos das leis administrativas que a
prescrevem e que tem por conteúdo limitar, restringir e condicionar a liberdade e a
propriedade, como estatuído em lei prévia.
176 Celso Antônio Bandeira de Mello distingue a atividade estatal de “poder de polícia” em sentido amplo, abrangente de atos do Legislativo e Executivo e sentido estrito, “relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. Esta acepção mais limitada responde à noção de polícia administrativa” (2004, p. 718). 177 Mello, C. A. B. de, 2004, p. 719.
116
Preside o exercício dessas competências legislativas administrativas a noção
de Estado Democrático de Direito (artigo 1º, da Constituição Federal). Em especial, pode-
se identificar como normas de competência legislativa administrativa, para condicionar e
restringir a liberdade e a propriedade dos indivíduos, o artigo 5º, II, que prescreve a
necessidade de lei específica limitando a propriedade e a liberdade individuais. Quanto ao
exercício da atividade estatal de poder de polícia, tem-se o artigo 37, caput, que encerra o
princípio da legalidade administrativa, não permitindo que a Administração atue sem que
esteja calcada em lei.
Quanto à atividade estatal de poder de polícia considerada em si mesma,
deve-se registrar que há correntes doutrinárias que a caracterizam com caráter negativo,
pois quase sempre condiciona ou restringe a liberdade e propriedade por um não-fazer,
como pondera RÉGIS FERNANDES DE OLIVEIRA, para quem “o poder de polícia não pode
alcançar permissões positivas, mas simplesmente as permissões negativas (tidas como
weak permission)”.178
Desse posicionamento discorda CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, que
diz que considerar a atividade como positiva ou negativa dependerá do ponto de vista
eleito, pois pode-se dizer que a Administração condiciona um non facere do particular,
quando assumiria caráter negativo, mas também pode ser que por ela se construa “uma
utilidade coletiva”, 179 positivando-lhe a feição.
178 Oliveira, 2004, p.40. 179 Mello, C. A. B. de, 2004, p. 726.
117
Por fim, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO adverte que o poder de
polícia manifesta-se tanto pelas leis administrativas, quanto pelos atos administrativos que
lhes dão concreção e, por essa razão, refere-se à expressão como “manifestamente
infeliz”,180 pois sob a mesma nomenclatura se albergam “disposições superiores e
providências subalternas”.181
Entretanto, a competência legislativa que deve ser exercitada como corolário
da eficácia das normas de competência legislativa do artigo 145, II, da Constituição Federal
relativas ao exercício do poder de polícia, encerra-se na edição de leis administrativas, não
passando os atos administrativos de positivação daquelas leis.
Recorrendo-se neste ponto à trilogia – norma administrativa, ato-fato da
autoridade administrativa e ato-norma administrativo – observada por EURICO MARCOS
DINIZ DE SANTI, este último (que corresponde ao ato administrativo de CELSO ANTÔNIO
BANDEIRA DE MELLO) é produzido pelas autoridades competentes que operam a subsunção
da norma administrativa e trata-se da norma administrativa individual e concreta, que
ingressa no ordenamento jurídico “associando à descrição de um fato concreto uma
relação jurídica que veicula, em um de seus termos, a figura do Estado ou de quem lhe
faça as vezes”.182
180 Mello, C. A. B. de, 2004, p. 717. 181 Ibidem. 182 Santi, 1999, p. 90.
118
Do exposto, conclui-se que a competência legislativa atribuída pelo artigo
145, II, da Constituição Federal às pessoas políticas no tocante à atividade estatal de “poder
de polícia” só terá efetividade a partir do exercício, pelas mesmas pessoas, da competência
a elas comum para editarem leis administrativas que concretizem a referida atividade
estatal.
O mesmo raciocínio, com termos diferentes, está em GERALDO ATALIBA:
“Então confirma-se – pelo princípio da legalidade, pela armação que se
deu ao sistema de repartição dos poderes no Brasil – que é preciso haver
uma lei administrativa de poder de polícia, para depois vir a lei
tributária. (...). A lei de taxas tem muito menos problemas, pode ser muito
mais simples. Os problemas da interpretação e aplicação da lei de taxas
são mais problemas ligados à legislação administrativa, em cima da qual
tem que operar”.183
5.3. Dos “serviços públicos”
Questão um pouco mais complexa é a que atina ao exercício da competência
legislativa administrativa das pessoas políticas para organizarem seus serviços públicos,
necessário como prius à instituição das respectivas regras-matrizes das taxas de serviços.
183 Ataliba, 1989, p. 145.
119
A prestação de serviços públicos depende de lei administrativa do ente
federado que detém a titularidade da atividade, não bastando a previsão constitucional
naquele sentido. Isso porque são muitos os matizes que envolvem a organização e prestação
dos serviços públicos e que não se esgotam no Texto Constitucional. Este fenômeno, aliás,
é semelhante ao dos tributos, pois sabe-se que a Constituição não cria tributos.
Da mesma forma, na Lei Maior não há criação ou organização de serviços
públicos em seus prescritivos, pois “a existência de um serviço público depende da vontade
estatal, que deve ser exercida por meio de lei”.184
Assim, as leis administrativas de serviço público são editadas não só em
obediência à titularidade dessas atividades repartida no Texto Maior entre os entes
federados, como também considerando as diversas possibilidades de suas prestações,
também previstas na Constituição Federal.
O fundamento da competência legislativa administrativa para edição de leis
administrativas de serviços públicos está nos artigos: 1º (Estado Democrático de Direito);
21, XI, XII e XXIII; 25, § 2º; 30, V; 32, § 1º; 37 e 175, todos da Constituição Federal.
184 Ávila, 2004, p. 218.
120
5.3.1. Titularidade dos serviços públicos
Comecemos estabelecendo um conceito para serviço público.
Pensar em um conceito de serviço público nos dias atuais tornou-se, para
muitos, tarefa árdua, principalmente por ser concepção atrelada ao modelo de Estado
adotado, noção que, entre nós, ainda não se tem totalmente sedimentada desde a
promulgação da Emenda Constitucional nº 8, de 15 de agosto de 1995, e das mudanças que
a sucederam, concretizadas por meio de diferentes normas legislativas e administrativas –
emendas constitucionais, leis ordinárias, decretos, resoluções – que se prestaram,
essencialmente, ao objetivo de diminuir a atuação direta do Estado no domínio público e
econômico, efetivando-se a corrente de “privatizações” que assolou não só o Brasil, mas
inúmeros outros países nos últimos 20 anos.
A palavra “privatização”, na acepção ampla que autores estrangeiros lhe
conferem, como mencionado por MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, tem o significado de:
“(...) um conceito ou de um processo em aberto, que pode assumir
diferentes formas, todas amoldando-se ao objetivo de reduzir o tamanho
do Estado e fortalecer a iniciativa privada e os modos privados de gestão
dos serviços públicos” (grifado no original). 185
185 Di Pietro, Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, 1996, p. 13.
121
Assim, privatização pode ser entendida como: (i) a desregulação do Estado,
que seria a redução da intervenção estatal no domínio econômico; (ii) a desnacionalização
ou desestatização, que seria a venda de bens e empresas públicas; (iii) a contratação com
empresas privadas de serviços públicos antes prestados com exclusividade pelo Estado; (iv)
os contracting out, conceituados pela autora citada como “forma pela qual a
Administração Pública celebra acordos de variados tipos para buscar a colaboração do
setor privado, podendo-se mencionar, como exemplos, os convênios e os contratos de
obras e prestação de serviços”.186
Entendemos, contudo, que o fenômeno das “privatizações” em nada influiu
no conceito de serviço público. Este continua sendo definido ou pela corrente dos
convencionalistas-legalistas ou dos essencialistas, querendo cada uma transmitir as
seguintes idéias, como esclarece DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI:
“A doutrina tem apresentado respostas diversificadas: um primeiro
grupo, chamado por Fernando Herren Aguillar de convencionalistas-
legalistas, corresponde aos doutrinadores que entendem ser o conceito de
serviço público dependente de disposições constitucionais e/ou legais
(Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro); um
outro grupo – designado como essencialista – prefere enxergar serviço
público onde houver necessidade relevante da população que não possa
ser atendida satisfatoriamente pela iniciativa privada (Eros Roberto
Grau)”.187
186 Di Pietro, Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, 1996, p. 12. 187 Grotti, 2000, p. 48-49.
122
Manifestando seu posicionamento pessoal, MUSETTI GROTTI entende que a
noção de serviço público não tem mais a função ímpar de outros tempos e, no Brasil, não
há definição constitucional para a expressão, o que não significa que não haja “préstimo
jurídico na noção”188, principalmente ante as referências a ela feitas no Texto Maior.
Mas, assevera a citada autora que a Constituição Federal traça para os
serviços públicos um regime jurídico uniforme, “havendo distinção quanto aos modos de
prestação dessas atividades; aos fins a que estão vinculadas; ao regime de retribuição pela
prestação de serviços uti singuli (...)”.189
FERNANDO HERREN AGUILLAR dá-nos a seguinte definição de serviços
públicos no atual regime jurídico-constitucional brasileiro:
“são atividades econômicas exercidas em regime de privilégio pelo
Estado, em função de reserva constitucional. Ou seja, dá-se o nome de
serviço público às atividades econômicas desempenhadas sob o regime
jurídico de serviço público.
Tais atividades são exercidas em regime de exclusividade pelo Poder
Público, porém são suscetíveis de delegação a particulares por regime de
concessão ou permissão. No sentido aqui adotado, portanto, todo serviço
público é suscetível de delegação a particulares, nos termos da
Constituição e da lei”.190
188 Grotti, 2003, p. 372. 189 Ibidem. 190 Aguillar, 1999, p. 155.
123
Para EROS ROBERTO GRAU, serviços públicos são espécie do gênero
“atividade econômica”, que deve ser compreendida na Constituição Federal, em um
primeiro momento, como aglutinadora da (i) atividade econômica em sentido estrito e dos
(ii) serviços públicos.191
Expõe ainda que a Constituição Federal confere tratamento peculiar a
atividade econômica e a serviço público. No artigo 173, estão as possibilidades de
exploração direta de atividades econômicas pelo Estado; no artigo 175, a prestação de
serviços públicos pelo Poder Público e, no artigo 174, a atuação do Estado como agente
normativo e regulador da atividade econômica. Assim, inexistindo, em um primeiro
momento, oposição entre atividade econômica e serviço público, pode-se afirmar que “a
prestação de serviço público está voltada à satisfação de necessidades, o que envolve a
utilização de bens e serviços, recursos escassos. Daí por que serviço público é um tipo de
atividade econômica” (grifado no original).192
Deve-se acrescentar ainda que, dentre os serviços públicos, há os que são
privativos do Estado, “ainda que admitida a possibilidade de sua prestação pelo setor
privado em regime de autorização, concessão ou permissão estatal”193 e os não privativos,
que podem ser explorados por particulares em colaboração com o Poder Público,
independentemente de delegação estatal.
191 Cf. Grau, 2003, p. 250. 192 Grau, 2003, p. 250. 193 Grotti, 2003, p. 96.
124
A esta última categoria pertencem os serviços de seguridade social, (i) de
saúde (artigo 197, primeira parte; artigo 199, caput e § 1º, CF) e (ii) de previdência social
(artigo 202, CF). O ensino (artigo 209, CF), como adverte DINORÁ ADELAIDE MUSETTI
GROTTI, não é serviço público quando desempenhado pelo particular em contexto de
exploração de atividade econômica. Quanto aos serviços de saúde, embora livres à
iniciativa privada, são considerados de relevância pública e as instituições privadas atuam
de forma complementar ao sistema único de saúde, segundo suas diretrizes, mediante
contrato de direito público ou convênio.194
DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI sublinha que os serviços públicos não
privativos do Estado não perdem aquela característica quando sua prestação está a cargo do
particular, pois “o ingresso da iniciativa privada em tais campos não significa que estarão
descaracterizados da categoria ‘serviço público’ quando protagonizados pelo Estado sob
regime peculiar.”195 Trata-se de serviços que realizam direitos sociais (artigo 6º, da
Constituição Federal), elevados à condição de direitos fundamentais do homem.
Há também correntes doutrinárias que classificam os serviços públicos em
próprios e impróprios, partindo de seu regime jurídico e sua titularidade. Contudo, os
serviços públicos impróprios não são considerados, pela boa doutrina, serviços públicos no
sentido jurídico:
194 Cf. Grotti, 2003, p. 97. 195 Ibidem.
125
“Apesar da diversificação terminológica, todos são concordes em
distinguir os serviços públicos próprios dos impróprios devido à sua
natureza jurídica e às diferenças de titularidade que os particularizam.
Enquanto no denominado serviço público próprio o titular é o Estado, no
serviço público impróprio ou virtual o titular é o particular. Podem ser
citados como exemplos de atividades assim consideradas as de táxis,
farmácias, ensino privado etc.”.196
Calcados em todos esses posicionamentos e de outros autores, por serviços
públicos entende-se as atividades “de oferecimento de utilidade ou comodidade material
destinada à satisfação da coletividade em geral”,197 com uniformidade constitucional
quanto a seu regime jurídico, próprias do Poder Público, o qual detém sua titularidade e as
explora com exclusividade, podendo delegar essa exploração a empresas estatais ou
particulares, em regime de concessão, permissão e autorização, desde que obedecido o
quanto definido na Constituição Federal e em leis ordinárias editadas nos estritos limites
constitucionais.
Estabelecido o conceito de serviços públicos, é certo que entre nós vige a
atribuição de titularidades para sua exploração, conferida às diversas pessoas políticas,
enumerando a Constituição Federal os serviços de competência privativa da União,
atribuindo poderes remanescentes para os Estados e poderes definidos indicativamente para
os Municípios.198
196 Grotti, 2003, p. 121. 197 Mello, C. B. de, 2004, p. 620. 198 Cf. Silva, 1997,p. 455.
126
Assim, compete privativamente à União explorar, diretamente ou mediante
concessão, permissão ou autorização, os serviços de telecomunicações (inciso XI, artigo 21,
CF); de radiodifusão sonora e de sons e imagens, energia elétrica, navegação aérea,
aeroespacial, infra-estrutura aeroportuária, transporte ferroviário e aquaviário entre portos
brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território,
transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, exploração dos portos
marítimos, fluviais, lacustres (inciso XII, do artigo 21, CF).
Também compete à União prestar os serviços indicados no artigo 1º, da Lei
nº 9.074, de 7 de julho de 1995, sujeitos a concessão ou, se couber, permissão, quais sejam,
vias federais, precedidas ou não da execução de obra pública; exploração de obras ou
serviços federais de barragens, contenções, eclusas, diques e irrigações, precedidas ou não
da execução de obras públicas; estações aduaneiras e outros terminais alfandegados de uso
público, não instalados em área de porto ou aeroporto, precedidos ou não de obras
públicas.199
199 Cf. Grotti, 2003, p. 90.
127
Não há para o serviço postal e o correio aéreo nacional, de titularidade da
União (inciso X, artigo 21, CF), possibilidade constitucional de virem a ser objeto de
concessão ou, quando couber, permissão ou autorização, apesar de tal prerrogativa constar
no inciso VII, artigo 1º, da Lei nº 9.074, de 1995, incluído pela Lei nº 9.648, de 27 de maio
de 1998. Quanto aos serviços nucleares (inciso XXIII, artigo 21, CF), somente é concedida
ou permitida a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos medicinais, agrícolas,
industriais e atividades análogas.
Aos Estados compete explorar os serviços públicos não incluídos na
competência da União e dos Municípios, nos termos da competência remanescente
determinada pelo artigo 25, § 1º, da Constituição Federal. Expressamente, o Texto Maior
lhes atribui a exploração, diretamente ou por concessão, dos serviços de gás canalizado e,
como lembra DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI, a exploração de loterias, também
definida como serviço público já de longa data no Brasil, está reservada à competência dos
Estados.200
Os Municípios devem prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou
permissão, os serviços públicos de interesse local e os serviços de transporte coletivo, o
qual tem caráter essencial (artigo 30, V, da CF).
200 Grotti, 2003, p. 91.
128
Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas
aos Estados e Municípios (artigo 32, § 1º, da CF), o que equivale à competência para criar,
sempre por lei, os serviços públicos reservados à titularidade daqueles entes federados.
5.3.2. Formas de prestação dos serviços públicos
Os entes estatais tanto podem desenvolver por si mesmos os serviços
públicos que tem constitucionalmente a seu encargo, como podem fazê-lo através de outros
sujeitos, quando lhe for autorizado. E sempre o fará, um ou outro, por lei.
Há ainda a hipótese de o Estado criar outras pessoas e a elas delegar a
titularidade do serviço público, que são, nos dizeres de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE
MELLO, “entidades adrede concebidas para desempenhar cometimentos de sua alçada. Ao
criá-las, a algumas conferirá personalidade de Direito Púbico e a outras personalidade de
Direito Privado”.201
201 Mello, C. A. B. de, 2004, p. 129.
129
A forma de prestação dos serviços públicos coincide com o fenômeno
conhecido por centralização e descentralização administrativas. Quanto à primeira, o
Estado desenvolve diretamente, por meio de seus órgãos,202 as atividades que lhe são
inatas. Quanto à segunda, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO classifica-a em
descentralização por serviços, técnica ou funcional e descentralização por colaboração.
Na primeira espécie, o poder público cria pessoa jurídica de direito público
ou privado e lhe atribui a titularidade e execução de determinado serviço público, o que se
dá por meio de lei e é fenômeno que justifica a existência de muitas autarquias, fundações,
sociedades de economia mista e empresas públicas. Nesse caso, o serviço público sai da
esfera de titularidade e de execução da entidade criadora e passa para a criatura, que terá
poderes para “opor-se a interferências indevidas; estas somente são admissíveis nos limites
expressamente estabelecidos em lei e têm por objetivo garantir que a entidade não se
desvie dos fins para os quais foi instituída. Essa a razão do controle ou tutela a que tais
entidades se submetem nos limites da lei”.203
202 Na conceituação de Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 130), órgãos são “unidades abstratas que sintetizam os vários círculos de atribuições do Estado. Por se tratar, tal como o próprio Estado, de entidades reais, porém abstratas (serem sem razão), não têm nem vontade nem ação, no sentido de vida psíquica ou anímica próprias, que, estas, só os seres biológicos podem possuí-las. De fato, os órgãos não passam de simples repartições de atribuições, e nada mais” (grifado no original). 203 Cf. Di Pietro, 2002, p. 54.
130
A descentralização por serviço envolve: (i) reconhecimento de personalidade
jurídica ao ente descentralizado; (ii) existência de órgãos próprios, auto-administráveis; (iii)
patrimônio próprio; (iv) sujeição ao princípio da especialização, ou seja, limita-se a pessoa
jurídica à execução do serviço público que lhe foi titularizado; (v) sujeição a controle ou
tutela da pessoa política criadora.204
Conceitua DI PIETRO a descentralização por colaboração quando, por
contrato ou ato administrativo unilateral, a execução de determinado serviço público é
transferida a pessoa jurídica de direito privado, mantendo o poder delegatário a titularidade
do serviço público, podendo alterar a execução e outros termos contratuais unilateralmente
e mesmo retomar a execução do serviço em caso de descumprimento de cláusulas
contratuais.205
Também há a concessão e permissão de serviços públicos a empresas
estatais, sociedades de economia mista e empresas públicas, com a vantagem de que:
“(...) o Estado mantém, como na forma originária de concessão, seu
poder de controle sobre o concessionário, inclusive na fixação de preços;
por outro lado, todos os riscos do empreendimento ficam por conta do
concedente (não mais do concessionário), já que ele é o acionista
majoritário da empresa”.206
204 Di Pietro, 2002, p. 54. 205 Cf. Di Pietro, 2002, p. 54-55. 206 Idem, p. 60.
131
Mas, como adverte DI PIETRO, a descentralização por colaboração com
empresas estatais torna ineficaz o grande trunfo da concessão e permissão a particulares,
que é justamente a não necessidade de grandes investimentos estatais.207
Por outro lado, por não ser o contrato instrumento presente nesse caso,
havendo a criação da pessoa jurídica por lei, que então adquire o direito à execução do
serviço, por se fazer este direito oponível inclusive ao próprio ente criador, configura-se aí
uma inconstitucionalidade, pois “está tirando da Administração aquelas prerrogativas de
que só é detentor o poder concedente, pela via contratual. Esse entendimento se reforça
pelo fato de a atual Constituição, no art. 175, parágrafo único, inciso I, deixar claro que a
concessão tem que ser feita por contrato” (grifado no original).208
Uma das diferenças fundamentais entre as duas formas de prestação indireta
de serviços públicos está na absorção pelo Estado dos riscos do empreendimento:
“Quando o serviço é desempenhado pelo próprio poder público, por meio
de suas empresas, o dinheiro é total ou majoritariamente público, o
Estado assume, na mesma proporção, todos os riscos do
empreendimento; a empresa não é movida pelo objetivo de lucro; os
prejuízos são assumidos pelos cofres públicos; o mau funcionamento da
empresa penaliza a própria coletividade”.209
207 Di Pietro, 2002, p. 60. 208 Di Pietro, 2002, p. 62. 209 Idem, p. 57.
132
Por outro lado, quando a descentralização é por colaboração “o capital da
empresa é privado; os riscos do empreendimento são da empresa privada, com a
participação do poder público apenas para o restabelecimento do equilíbrio econômico
eventualmente rompido. O empresário objetiva o lucro e procura por ele. O mau
funcionamento da empresa penaliza o empresário privado”.210
Assim, as formas de prestação de serviços públicos são:
a) Prestação direta pelo Estado, pelas administrações diretas da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios (centralização administrativa). O
fundamento constitucional para a centralização administrativa está nos
artigos: 21, X, XI, XII, XXIII; 25, § 2º; 30, V; 32, § 1º; 37 (que prevê a
administração direta, com seus princípios e as regras); e 175.
210 Di Pietro, 2002, p. 56.
133
b) Prestação indireta pelo Estado, por entidades por ele criadas por lei –
autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economias mista –
cuja titularidade dos serviços públicos são transferidas (descentralização por
serviços). O fundamento constitucional para a descentralização por serviços
está no artigo 37, que prevê a administração indireta, com seus princípios e
regras e, em especial, nos incisos XIX e XX, que disciplinam,
respectivamente, a necessidade de lei específica para criar autarquia e
instituir empresa pública, sociedade de economia mista e fundação, bem
como a criação de subsidiárias daquelas pessoas jurídicas.
c) Prestação indireta pelo Estado, por empresas estatais ou pessoas de direito
privado, estas últimas escolhidas mediante procedimento licitatório,
vinculando-se ao Estado por contratos de concessão e permissão, ou, ainda,
por atos administrativos de autorização de serviços públicos
(descentralização por colaboração). O fundamento constitucional para a
centralização por colaboração está nos artigos: 21, XI, XII, XXIII, “b”; 25,
§ 2º; 30, V; 32, § 1º; 37, XXI (que estabelece o procedimento licitatório
para serviços); 37, § 6º (que estabelece a responsabilidade objetiva das
pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos); e 175.
Entretanto, há de se ressalvar que, na descentralização por colaboração, os
dispositivos constitucionais ali invocados não apresentam uniformidade quanto ao emprego
dos termos “concessão”, “permissão” e “autorização” para prestação dos serviços públicos.
134
Desta forma, DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI anota que os artigos 175 e
30, V, referem-se a concessão e permissão; os artigos 21, XI e XII e 223, às três formas e o
artigo 25, § 2º, somente à concessão.211
5.3.2.1. Concessão e permissão: tarifa
A descentralização por colaboração – por ora, a concessão e permissão – é
uma realidade constitucional e só alcança o serviço público privativo do Estado. Permite-a
os artigos 21, XI, XII, XXIII, “b”; 25, § 2º; 30, V; 32, § 1º, além do artigo 175, este último
prescrevendo que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime
de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.
Também é reconhecida constitucionalmente como possibilidade tangível no
artigo 37: no inciso XXI, que estabelece o procedimento licitatório para serviços; e, no § 6º,
que estabelece a responsabilidade objetiva das pessoas de direito privado prestadoras de
serviços públicos.
211 Cf. Grotti, 2000, p. 66.
135
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO diz que “para que possa ser objeto de
concessão é necessário que sua prestação não haja sido reservada exclusivamente ao
próprio Poder Público”, citando os incisos XI e XII, do artigo 21, e excluindo daquela
possibilidade o inciso X, que cuida do serviço postal e do correio aéreo nacional, e entende
o autor que, por não haver previsão constitucional para a concessão ou permissão de sua
exploração, estas não podem ser uma opção do legislador ordinário e, apesar de constarem
no inciso VII do artigo 1º, da Lei nº 9.074, de 1995, incluído pela Lei nº 9.648, de 1998,
trata-se de previsão inconstitucional.212
Não entraremos com profundidade nas questões relativas à concessão e
permissão, cabendo registrar, apenas, que têm sede constitucional, sendo reconhecidas em
relação a muitos dos serviços públicos de titularidade privativa dos entes políticos, como
estabelecido nos dispositivos que cuidam das repartições de competência. São também
figuras governadas pelo princípio da legalidade.
Contudo, não basta a previsão constitucional para a descentralização por
colaboração. É necessário lei ordinária do titular organizando a atividade material em
questão, pois “a outorga do serviço (ou obra) em concessão depende de lei que a
autorize”.213
212 Cf. Mello, C. A. B. de, 2004, p. 661-662. 213 Idem, p. 664.
136
A regra-matriz de incidência tributária que vier a ser editada como exercício
da competência legislativa tributária do artigo 145, II, da Constituição Federal, deverá
conformar-se aos termos daquela lei administrativa organizadora dos serviços públicos, que
lhe deve ser preexistente, vez que aquele dispositivo constitucional não previu o conteúdo
dos enunciados conotativos das regras das taxas.
Assim, é de se perquirir qual a forma de remuneração dos serviços públicos
concedidos e permitidos.
A convicção está em que, havendo concessão e permissão, a remuneração se
faz por tarifa, seja (i) porque o artigo 145, II, da Constituição Federal remeteu ao exercício
de outras competências o conteúdo dos enunciados conotativos das regras-matrizes da
taxas; (ii) porque há previsão constitucional possibilitando a execução de certos (não todos)
serviços públicos por concessão e permissão; e, ainda, (iii) porque lei administrativa do
ente político deve organizar a prestação de seus serviços públicos e, quando possível,
conceder ou permitir sua exploração.
E, havendo concessão ou permissão, o regime tributário das taxas lhes é
incompatível.
137
Um dos fundamentos constitucionais da concessão e da permissão é a justa
remuneração do capital particular investido. Essa a ratio do artigo 37, XXI, da Constituição
Federal, ao estabelecer que os contratos administrativos devem ter “cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos
termos da lei”.
Trata-se da constitucional regra da manutenção do equilíbrio econômico-
financeiro dos contratos administrativos.
Essa equação não tem como ser mantida pela sistemática constitucional das
taxas. Ao se proceder, quando necessário, ao equilíbrio da equação econômico-financeira
dos contratos, não se justificaria submeter essa proposta, que é inclusive numericamente
identificável, a projeto de lei para votação pelo Congresso Nacional, ou mesmo a medida
provisória que, certamente também será submetida à apreciação posterior das Casas
Legislativas.
Primeiro, porque o Poder Legislativo é independente no exercício de sua
função, inclusive por imperativo de ordem constitucional (artigo 2º, da CF). Não há como
lhe ser enviado à votação um projeto de lei com conteúdo praticamente imutável, que é a
hipótese que se concretizaria caso se quisesse observar os termos da equação tradutora do
equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Do contrário, havendo a mutalibilidade
daqueles valores que a perfazem, não se estaria diante da garantia constitucional aos
contratantes.
138
Segundo, mesmo admitindo-se a possibilidade de se submeter à apreciação
do Poder Legislativo uma proposta de lei com conteúdo imutável, a manutenção do
equilíbrio econômico-financeiro do contrato não é critério constitucionalmente eleito para
justificar imposição tributária por taxa. Os critérios que presidem a exação são a
vinculabilidade da hipótese de incidência a uma atividade estatal e a referibilidade direta
dessa atividade ao contribuinte, tanto que a base de cálculo da taxa deve refletir o valor do
custo do serviço e não a remuneração do capital particular investido na consecução do
serviço.
Terceiro, porque a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro não
pode estar sujeita ao princípio da legalidade, pois deve se fazer sempre que a necessidade
surgir, como ensina MARÇAL JUSTEN FILHO:
“Se a recomposição da equação econômico-financeira faz-se na via
administrativa, então a elevação da remuneração do concessionário
independe de previsão em lei. Como pode fazer-se a qualquer tempo, não
está assujeitada à observância do princípio da legalidade. Diversa é a
situação quando o próprio Estado presta os serviços. Diante da
impossibilidade de insolvência, o Estado poderá arcar com prejuízos no
desempenho do serviço público, com aplicação das garantias inerentes ao
regime tributário.
139
Portanto, o regime tributário é incompatível com o regime jurídico da
remuneração do concessionário (permissionário). Quando o Estado
outorga concessão, não se altera o regime jurídico da prestação do
serviço público, mas se modifica o regime jurídico da sua remuneração.
A Constituição Federal, ao tutelar a intangibilidade da equação
econômico-financeira do contrato administrativo, produz uma espécie de
redução da amplitude eficacial do sistema tributário. Retira de seu
âmbito a remuneração atinente aos serviços públicos outorgados aos
particulares por via de concessão ou permissão” (grifado no original).214
Assim, em ocorrendo o fenômeno da prestação indireta por colaboração, a
remuneração desses contratos deve ser por tarifa, na forma estabelecida na Lei nº 8.987, de
13 de fevereiro de 1995, pois, como observa com propriedade BENEDICTO PORTO NETO, “a
Constituição Federal de 1988 não tratou diretamente da política tarifária, remetendo a
matéria para a legislação ordinária”215 ou, ainda, por outras fontes, como as receitas
alternativas, complementares, acessórias ou provenientes de projetos associados (artigos 11
e 18, VI, da Lei nº 8.987, de 1995).
E não se cogita, ante as incompatibilidades apontadas, sequer no fenômeno
da parafiscalidade tributária, como sustentam muitos autores haver na concessão e
permissão de serviços públicos, pois a questão ora exposta não se alteraria quanto a seus
fundamentos com a atribuição da titularidade de tributos, por lei, a pessoas diversas do
Estado, “que os arrecadam em benefício das próprias finalidades.”216
214 Justen Filho, 1997, p. 144. 215 Porto Neto, 1998, p. 108. 216 Ataliba, 2004, p. 85.
140
Quanto à tarifa, é o elemento, por natureza, adequado para se remunerar as
concessões e permissões. Reflete o capital particular investido na perseguição do serviço a
ser prestado em razão direta com o prazo do contrato. Por outro lado, é um dos elementos
de auferição da proposta vencedora (artigo 15, I, da Lei nº 8.987, de 1995), quando o
critério for o menor valor da tarifa e, quando se tornar demasiado elevada, há mecanismos
para se perseguir sua modicidade (artigo 6º, § 1º, da Lei nº 8.987, de 1995), como os
subsídios estatais e as receitas alternativas.
A propósito, veja-se o escólio de MARCOS JURENA VILLELA SOUTO:
“A doutrina sempre se valeu do fato de que a tarifa seria o instrumento
adequado para recompor a justa remuneração do capital investido pelo
concessionário. Ao mesmo tempo, era unânime o entendimento de que a
oferta que reduzisse em maior valor o custo esperado para o serviço
deveria ser considerada vencedora, já que, sem dúvida, é a que atenderia
melhor o interesse público.
A tarifa deve, então, refletir o capital investido, o custo operacional, os
investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico e o lucro do
concessionário”.217
O mesmo raciocínio ora desenvolvido é válido para as empresas estatais –
empresas públicas e sociedades de economia mista – que sejam concessionárias e
permissionárias de serviços públicos.
217 Souto, 2001, p. 155.
141
No entendimento de EROS ROBERTO GRAU, as empresas estatais – empresas
públicas e sociedades de economia mista – subdivem-se em prestadoras de atividade
econômica e prestadoras de serviços públicos e, a depender do tipo de atividade que
desenvolvem, há distintos regimes de atuação:
“Em primeiro lugar devo observar que inexiste uma totalidade normativa
a que se possa referir como regime de Direito Público ou regime de
serviço público. (...).
Não há, pois, senão princípios de Direito Público – ou, mais
especificamente, de Direito Administrativo (...).
Isto posto, posso afirmar que as empresas estatais se sujeitam, conforme
seja este ou aquele o tipo de atividade econômica que desenvolvam, a
distintos regimes de atuação”.218
O autor manifesta entendimento de que as empresas estatais prestadoras de
serviço público estão sujeitas a regime de serviço público de forma idêntica às empresas
privadas concessionárias de serviço público e, no tocante à remuneração, o regime é o
tarifário, por ser este o compatível aos particulares prestadores de serviços públicos:
“Quanto à garantia de justa remuneração do capital investido, que é da
essência das concessões de serviço público, está presente também na
relação de concessão em virtude da qual exercem suas atividades as
empresas estatais prestadores de serviço público.
E isso, evidentemente, porque, no caso: há relação de concessão; e tal
garantia é da essência das concessões”.219
218 Grau, 1984, p. 34. 219 Grau, 1984, p. 37.
142
Por fim, as argumentações ora trazidas quanto à incompatibilidade do regime
de concessão e permissão com o regime jurídico-constitucional da taxa não são neófitas na
doutrina brasileira. Havia margens para que assim se pensasse na época de OSWALDO
ARANHA BANDEIRA DE MELLO, quando preconizava a natureza jurídica híbrida da
concessão, instituída mediante ato-união, ou seja, um ato unilateral prevendo a situação
objetiva do serviço público, sua execução, organização e funcionamento e um ato
contratual prevendo sua situação subjetiva, qual seja, as relações de ordem patrimonial e as
formas e condições de execução que repercutem diretamente sobre a situação econômico-
financeira da concessão:
“Portanto, a concessão se institui mediante o ato-união em que ambas as
partes concordam em estabelecer determinado serviço público,
assumindo o concessionário a obrigação de levá-lo a efeito no interesse
coletivo, satisfeita a sua situação econômico-financeira, fixada no
contrato, e aceitando o concedente a obrigação de outorgar ao seu
delegado os elementos necessários à execução do serviço público e
garantir a equação econômico-financeira, exercido aquele segundo o bem
público prescrito por ato regulamentar”. 220
Na oportunidade, concluiu o autor sua exposição centrado na relação
contratual entre o concessionário e o Poder Público, onde nela estava inserida a cláusula do
equilíbrio econômico-financeiro que garantiria a justa remuneração do contratante:
220 Mello, O. A. de, 1972, p. 34-35.
143
“Com a doutrina do ato complexo, na sua forma mais perfeita, isto é, que
entende ser a concessão instituída por ato-união, mas regida por
regulamento unilateral do concedente e completada por contrato
patrimonial, se dissipam as dúvidas suscitadas pelas correntes unilaterais
e convencionais (...).
O interesse do concessionário se cifra em obter lucros na exploração do
serviço (...). Para, porém, assegurar a sua posição financeira e atingir o
fim pelo qual acordou em levar a efeito o serviço público, o
concessionário firma contrato que estabelece a sua equação econômico-
financeira”.221
Eis as razões de se entender irrelevante perquirir sobre a natureza do regime
jurídico do serviço público para, daí, se extrair a conclusão de que deve ser remunerado por
taxa, como faz a teoria do regime jurídico da atividade estatal.
No capítulo 2, item 2.2.9, demonstrou-se que o elemento buscado para se
identificar a espécie de remuneração dos serviços públicos foi externo – o regime jurídico
do serviço público – e não um elemento interno. No caso, propõe-se um olhar interiorizado
às diferentes relações jurídicas de serviço público que se estabelecerão a partir da forma,
estabelecida em lei, de suas prestações.
221 Mello, O. A. de, 1972, p. 35.
144
5.3.2.2. Prestação direta: taxa
Por fim, quando ocorrer a prestação direta de serviços públicos e a
descentralização por serviços, pode a remuneração ser submissa ao regime tributário-
constitucional da taxa.
Neste caso, as regras-matrizes das taxas reportam-se às leis administrativas
editadas e, inexistindo qualquer reserva legal quanto à remuneração (no caso de leis
prescrevendo concessão e permissão), prevalece o comando do artigo 145, II, da
Constituição Federal.
A propósito, o posicionamento coincidente de ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO
AMARAL:
“O serviço público, quando prestado diretamente pelo Poder Público, é
remunerado pelo usuário, efetivo ou potencial, mediante taxa. A taxa é
uma espécie do gênero tributo, cobrável pelo Poder Público ‘pela
utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e
divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição’ (art. 145,
II, da Constituição). Quando o serviço é prestado indiretamente pelo
Poder Público ao usuário, mediante concessão, é por este remunerado
mediante tarifa. Esta é paga pelo usuário diretamente à concessionária,
pela prestação efetiva do serviço” (grifado no original).222
222 Amaral, 1996, p. 19.
145
CAIO TÁCITO também afasta a taxa das concessões por entender que sua
criação se dá por lei, não presente na relação jurídica constituída na concessão entre o
contratante e o poder público: “o sujeito ativo da taxa é, necessariamente, o órgão público,
dotado do poder de criação e incidência do tributo, que integra receita.”223
O mesmo raciocínio quanto à incidência das taxas na prestação direta e na
descentralização por serviços se aplica nos casos de atividades que são desempenhadas por
delegação a particulares, constitucionalmente estabelecida (mas não em regime de
concessão ou permissão), como os serviços notariais e de registros (artigo 236, da
Constituição Federal).
A delegação constitucional dos serviços notariais a particulares exige que
sejam estes agentes públicos, ingressos em suas serventias por meio de concurso público de
provas e títulos (artigo 236, § 3º, da Constituição Federal), não possibilitando a concessão e
permissão das atividades que, para tanto, entendemos como CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE
MELLO224, devem advir de autorização constitucional.
Não havendo qualquer obstáculo a ser erigido por lei administrativa quanto à
remuneração dos serviços públicos notariais, essa se faz por taxa, ante a incidência, sem
rodeios, do artigo 145, II, da Constituição Federal.
223 Tácito, 1999, p. 333. 224 Cf. Mello, C. A. B. de, 2004, p. 661-662.
146
5.3.2.3. Serviço público posto à disposição
A remuneração do serviço público por tarifa, quando concedido ou
permitido, impõe-se por todas as razões expostas anteriormente e, principalmente, pela
brecha normativa que há no artigo 145, II, da Constituição Federal quanto à organização e,
conseqüentemente, remuneração dos serviços públicos, a ser estabelecida em lei ordinária
administrativa de competência das pessoas políticas titulares dos serviços públicos. Da
mesma forma, inexistindo aquelas formas de prestação indireta de serviços públicos, a
remuneração se faz por taxa.
Tal raciocínio não se transfigura diante dos serviços de utilização potencial
pelo contribuinte ou serviços públicos postos à sua disposição.
Do contrário, adotaríamos o critério subjacente à teoria da modalidade da
atividade estatal, onde o que importaria seria perquirir da obrigatoriedade da fruição do
serviço estabelecida em lei para se justificar a imposição por taxa. Quanto a essa
obrigatoriedade, só se justificaria diante de serviços que fossem considerados próprios do
Estado ou funções relevantes e de grande interesse social.
147
Na oportunidade em que se discorreu sobre a teoria da modalidade da
atividade estatal (Capítulo 2, item 2.7), RUBENS GOMES DE SOUSA registrou – e com ele
concordamos - que a elevação de determinada atividade ao status de essencial ou própria
do Estado é contingencial. Acrescente-se que a princípio, esse qualificativo nada justifica, a
não ser que o Estado deva – por si ou por terceiros – oferecê-la aos súditos e não deixá-la à
livre exploração da iniciativa privada (artigo 170, da Constituição Federal).
O critério exposto na teoria da modalidade da atividade estatal foi a base do
julgamento do Recurso Extraordinário nº 89.876-Rio de Janeiro.
Naquela oportunidade, o Ministro Moreira Alves, Relator designado,
afirmou que o critério diferenciador entre taxa e tarifa não é o da obrigatoriedade do serviço
na taxa em contrapartida à facultatividade nas tarifas, pois pode haver serviços públicos
que, podendo ser remunerados por tarifas, o são por taxas, ao talante do legislador - como
asseverou o Ministro Luiz Gallotti em um dos julgamentos que fundamentaram o
Enunciado da Súmula nº 545, do Supremo Tribunal Federal -, havendo ainda taxas que o
são pela natureza da relação jurídica posta e cobradas somente quando o particular utiliza o
serviço.
Propôs, assim, o Ministro Moreira Alves, que a taxa seria exigida não em
razão da obrigatoriedade do serviço público posto à disposição do contribuinte - conclusão
que se faz ante o Enunciado da Súmula nº 545, do Supremo Tribunal Federal -, mas sim
porque o serviço público deve ser obrigatoriamente prestado pelo Estado, ou seja, por se
qualificar o serviço como função essencial do Poder Público:
148
“A solução só pode ser encontrada, em casos como o presente, no exame
da natureza da relação jurídica que está em causa, entre o Poder Público
e o particular. A contrapartida será preço público se o serviço prestado
(remoção normal de lixo domiciliar) for serviço comercial ou industrial;
será taxas, se for ele serviço próprio do Estado, ou seja, serviço que se
prende intimamente às atribuições do Poder Público, que tem o dever de
prestá-los porque eles visam, em primeiro lugar, à coletividade, e,
somente em segundo plano, ao interesse individual. (...).
Note-se que essa obrigatoriedade não é a que alude a súmula 545 (...),
mas, sim, a que decorre do fato de que, se o serviço é propriamente
público, pela circunstância de ele, por sua natureza mesma, ser
obrigatório para o Poder Público (e, portanto, para o particular, já que
está em jogo, em primeiro plano, o interesse de toda a coletividade), este
não pode, ainda que queira, dispensar dele o particular, e só pode exigir,
como contrapartida de sua prestação, a taxa, com todas as suas
restrições constitucionais.”225
O cerne da questão, assim, continua a residir na lei administrativa
organizadora do serviço público, com validade constitucional, e ser a função essencial (daí
sua fruição obrigatória pelo particular), em nada altera essa sistemática.
225 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 89.876-Rio de Janeiro. Tribunal Pleno. Recorrentes Oswaldo Damázio Ribeiro e outros e Recorrida a Comlurb – Cia. Municipal de Limpeza Urbana. Relator Ministro Moreira Alves. Brasília, 4 set. 1980, p. 406-408.
149
5.3.2.4. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
À guisa de conclusão de tudo nesses últimos subitens, concordamos, em
parte, com o Ministro Carlos Velloso no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 447-6-Distrito Federal, quando identifica a remuneração por taxas
e tarifas a partir da forma de prestação dos serviços públicos. Só discordamos do brilhante
jurista quando, reportando-se ao voto do Ministro Moreira Alves no julgamento antes
noticiado, asseverou ser a remuneração do serviço de coleta de lixo por taxa, por ser serviço
posto à disposição do contribuinte e de prestação obrigatória ao Estado:
150
“(...) com pequenas alterações em relação ao pensamento do eminente
Ministro Moreira Alves: os serviços públicos poderiam ser classificados
assim: 1) serviços públicos propriamente estatais, em cuja prestação o
Estado atue no exercício de sua soberania, visualizada esta sob o ponto
de vista interno e externo: esses serviços são indelegáveis, porque
somente o Estado pode prestá-los. São remunerados, por isso mesmo,
mediante taxa, mas o particular pode, de regra, optar por sua utilização
ou não. Exemplo: o serviço judiciário, o de emissão de passapartes. (...).
2) Serviços públicos essenciais ao interesse público, porque essenciais à
comunidade ou à coletividade. São remunerados mediante taxa. E porque
são essenciais ao interesse público, porque essenciais à comunidade ou à
coletividade, a taxa incidirá sobre a utilização efetiva ou potencial do
serviço. (...). Como exemplo podemos mencionar o serviço de coleta de
lixo (...). 3) Serviços públicos não essenciais e que, não utilizados, disso
não resulta dano ou prejuízo para a comunidade ou para o interesse
público. Esses serviços são, de regra, delegáveis, vale dizer, podem ser
concedidos e podem ser remunerados mediante preço público. Exemplo:
o serviço postal, os serviços telefônicos, telegráficos, de distribuição de
energia elétrica, de gás, etc.”226
226 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 447-6-Distrito Federal. Tribunal Pleno. Requerente o Partido Socialista Brasileiro – PSB e Requeridos o Congresso Nacional e o Presidente da República. Relator Ministro Octávio Gallotti. Brasília, 5 jun. 1991. Voto do Ministro Carlos Velloso, p. 80-81.
151
E, nos parece, o Supremo Tribunal Federal vem perfilhando com recorrência
o entendimento de que se há concessão e permissão, remunera-se por tarifa, em atenção às
peculiaridades inerentes a essas figuras de prestação de serviços públicos autorizadas
constitucionalmente quanto a determinadas atividades estatais, como se observa no
julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 9-6-Distrito Federal, que
questionou sobre a legitimidade da cobrança da tarifa especial nas hipóteses especificadas
pela Medida Provisória nº 2.148-1, de 22 de maio de 2001.
A questão, contudo, ainda não está pacificada na Corte Suprema e a título de
exemplo é que citamos trecho do voto do Relator daquele julgado, Ministro Néri da
Silveira, onde afirmou a natureza da tarifa e a que esta se presta, ou seja, remunerar as
pessoas jurídicas de direito privado (concessionárias e permissionárias) que exploram
serviços públicos que, no caso, serviço de energia elétrica:
“Ressalte-se que a tarifa cobrada pelo fornecimento de energia elétrica,
(...) destina-se a remunerar os custos das concessionárias; redistribuir, de
modo isonômico, o bônus previsto aos consumidores que poupam; e,
ainda, compensar revisões tarifárias. Destina-se, pois, a remunerar a
atividade privada de exploração e fornecimento de energia elétrica, e não
a Fazenda Pública, como é inerente aos tributos em geral.
Saliente-se, ademais, que a tarifa é preço público de natureza política,
permitindo, por conseguinte, a adoção de um regime especial de tarifação
com vistas a desestimular o consumo de energia elétrica, nos termos do
art. 175, parágrafo único, III, da Constituição Federal (...).”227
227 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 9-6-Distrito Federal. Tribunal Pleno. Requerente o Presidente da República e Requerido o Advogado-Geral da União. Relator Ministro Néri da Silveira e redatora designada para o acórdão Ministra Ellen Gracie. Brasília, 13 dez. 2001, p. 29.
152
5.3.2.5. Autorização
Apartou-se das considerações da concessão e permissão a autorização que,
mesmo sendo classificada como uma das formas de prestação indireta por colaboração de
serviços públicos, difere das duas primeiras.
O termo “autorização”, como uma das formas de exploração de serviços
públicos que não diretamente pela União, vem expresso no artigo 21, incisos XI
(telecomunicações) e XII (radiodifusão sonora e de sons e imagens, energia elétrica,
navegação aérea, aeroespacial, infra-estrutura aeroportuária, transporte ferroviário e
aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de
Estado ou Território, transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros,
exploração dos portos marítimos, fluviais, lacustres), bem como no artigo 223 (que diz
competir ao Poder Público outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o
serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens), todos da Constituição Federal.
Entretanto, a possibilidade de prestação de serviços públicos por terceiros
que não o Poder Público por “autorização”, não vem inscrita (i) no artigo 175, caput, da
Constituição Federal; (ii) no artigo 25, § 1º, que diz competir aos Estados explorar
diretamente, ou por concessão, os serviços locais de gás canalizado e (iii) no artigo 30, V,
que diz caber aos Municípios prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o transporte coletivo.
153
DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI cita as três possibilidades que devem
ser consideradas para a não utilização do termo “autorizaçao” nos artigos 175, caput; 30, V
e 25, § 1º, quais sejam:
“(...) ou o art. 175 deixou de mencionar a ‘autorização’ entre as modalidades de
delegação de serviços públicos, ao lado da permissão e concessão; ou
introduziu-se erroneamente – por uma insuficiência técnica, no dizer de Celso
Antônio Bandeira de Mello – o regime de autorização para um serviço público,
conflitando com o art. 175; ou, finalmente, o regime de autorização estaria a
demonstrar que alguns dos serviços elencados nos arts. 21 (incisos XI e XII) e
223 não são públicos, constituindo atividade econômica, enquanto os demais,
sujeitos ao regime de concessão ou permissão, seriam serviços públicos.”228
HELY LOPES MEIRELLES conceitua autorização como “o ato administrativo
discricionário e precário pelo qual o Poder Público torna possível ao pretendente a
realização de certa atividade, serviço ou utilização de determinados bens particulares ou
públicos, de seu exclusivo ou predominante interesse, que a lei condiciona à aquiescência
prévia da Administração, tais como o uso especial de bem público, o porte de arma, o
trânsito por determinados locais etc. Na autorização, embora o pretendente satisfaça as
exigências administrativas, o Poder Público decide discricionariamente sobre a
conveniência ou não do atendimento da pretensão do interessado ou da cessação do ato
autorizado (...).”229
228 Grotti, 2000, p. 66. 229 Meirelles, 1996, p. 171.
154
MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, por sua vez, encontra três acepções para
o termo autorização no direito brasileiro, importando mencionar a terceira daquelas
significações:
“(...) ato administrativo unilateral e discricionário pelo qual o Poder
Público delega ao particular a exploração de serviço público, a título
precário. Trata-se de autorização de serviço público”.230
Mas, apesar da definição de DI PIETRO sinalizar a autorização como uma das
formas de prestação de serviços públicos, a autora diz que quando há autorização de serviço
público, esta ocorre no interesse exclusivo do particular, sem que a atividade venha a ser
usufruída por terceiros. Portanto, perde-se, na autorização, a qualidade de serviço público
propriamente dito.231
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, comentando especificamente sobre a
não uniformidade do legislador constituinte quanto à utilização do termo “autorização” para
exploração de serviços públicos aponta:
“(...) a expressão ‘autorização’, que aparece no art. 21, XI e XII, tem em
mira duas espécies de situações:
230 Di Pietro, 2002, p. 133. 231 Cf. Di Pietro, 2002, p. 134.
155
a) uma, que corresponde a hipóteses em que efetivamente há serviço de
telecomunicação, como o de radioamador ou de interligação de
empresas por cabos de fibras óticas, mas não propriamente serviço
público, mas serviço de interesse privado delas próprias (...). Aí,
então, a palavra ‘autorização’ foi usada no sentido corrente em
Direito Administrativo para exprimir o ato de ‘polícia
administrativa’, que libera alguma conduta privada propriamente
dita, mas cujo exercício depende de manifestação administrativa
aquiescente para verificação se com ela não haverá gravames ao
interesse público;
b) a outra, a de abranger casos em que efetivamente está em pauta um
serviço público, mas se trata de resolver emergencialmente uma dada
situação, até a adoção dos convenientes procedimentos por força dos
quais se outorga permissão ou concessão. Por isto mesmo, a palavra
‘autorização’ está utilizada também no art. 223 da Constituição”
(grifado no original). 232
O que impende salientar das lições transcritas é o consenso dos
doutrinadores, no sentido de que, quando há autorização, não se tem serviços públicos, pela
ausência da fruição da atividade material autorizada por terceiros, sendo ato administrativo
exercido em benefício do autorizatário. Não há, assim, que se falar em taxa de serviço.
Mas, poderá haver taxa de polícia, caso haja atuosidade estatal nesse sentido.
232 Mello, C. A. B. de, 2004, p. 638-639.
156
5.3.3.6. A questão do regime jurídico dos serviços públicos
Manifestamos, em alguns pontos deste trabalho, nossa não concordância
com posicionamentos doutrinários que sustentam que os serviços públicos, por serem
prestados necessariamente sob regime de direito público, se submetem à remuneração por
taxas, na seguinte escala de raciocínio: se há serviço público, há regime jurídico público e,
conseqüentemente, há remuneração tributária por taxas, ante a identidade dos regimes
jurídicos da atividade e da remuneração.
A justificativa para a remuneração, como já dito, centra-se em elemento
exógeno à relação jurídica de serviço público, qual seja, em um dado pré-concebido: o
regime público agregado ao serviço público.
Hoje em dia, com muito maior razão, deve-se afastar aquela teoria, pois a
noção de serviço público não se centra mais no seu regime jurídico público, mesmo
reconhecendo-se a prevalência de seus princípios em qualquer das formas de prestação. O
que se quer dizer é que, com certeza, não há mais como se argumentar haver pureza do
regime jurídico público como característico do serviço público.
Como assinala ODETE MEDAUAR quanto ao conceito de serviço público, são
atividades que se submetem, total ou parcialmente, ao regime de direito administrativo e,
quando submetidas ao regime de direito privado, têm nuances do regime jurídico de direito
público:
157
“Quanto ao regime jurídico, a atividade de prestação é submetida total
ou parcialmente ao direito administrativo; mesmo que seja realizada por
particulares, em tese sujeita a regras do direito privado, se a atividade
for qualificada como serviço público, tem notas de diferenciação; não há
serviços públicos submetidos exclusivamente ao direito privado” (grifado
no original). 233
E, mesmo com inúmeros posicionamentos de valor em contrário, como os
que citamos ao tratar da “autorização”, há juristas que entendem ter a Constituição Federal
possibilitado serviços públicos prestados em regime de direito privado. Mas, a só
possibilidade de se ter essa discussão, que não é visionária, mas tem origem constitucional,
já é argumento suficiente a fazer ruir a teoria em tela.
A Lei Geral de Telecomunicações (LGT), Lei nº 9.472, de 16 de julho de
1997, é norma posta no ordenamento jurídico. Nela vislumbram-se dispositivos que aludem
à autorização de serviços de telecomunicações e a submissão de sua prestação ao regime
jurídico de direito privado. Um deles é o artigo 63, caput, que prescreve, in verbis:
“Art. 63. Quanto ao regime jurídico de sua prestação, os serviços de
telecomunicações classificam-se em públicos e privados”.
233 Medauar, 2004, p. 374.
158
Os serviços de telecomunicações prestados sob o regime de direito privado,
baseiam-se nos princípios constitucionais da livre concorrência (artigo 126, da LGT) e a
Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) observará a exigência de mínima
intervenção na vida privada, sendo a liberdade a regra, e as exceções, as proibições,
restrições e interferências do Poder Público (artigo 128, caput e inciso I, da LGT).
CARLOS ARI SUNDFELD sustenta que o que houve foi a mudança de enfoque
quanto aos critérios antes utilizados para se definir serviço público, constituindo-se, cada
uma dessas atividades, em um universo individualizado de normas:
“Durante um bom período o conceito de serviço público serviu para
razoavelmente sintetizar o regime jurídico da exploração dessas diversas
atividades (...).
Mas isso mudou radicalmente: cada serviço estatal, hoje, é objeto de um
universo jurídico com peculiaridades muito próprias, não mais sendo
viável, portanto, explicar tudo globalmente. É preciso, agora, consultar
as normas e verificar como, em relação a cada serviço e situação,
manifestam-se múltiplas e sofisticadas competências do Estado
(legislativas, administrativas e mesmo jurisdicionais) (...)”.234
234 Sundfeld, 2000, p. 32.
159
Conclui seu pensamento na linha de que não se trata mais de se perquirir o
caráter público ou privado de determinado serviço, para daí se extrair ser público ou não o
serviço, mas sim como é regulado pelo Estado, vez que não está implícito na Constituição
“um regime jurídico único para exploração de serviços estatais (que mereceria o
qualificativo de ‘público’)”. 235
Por essas razões, afasta-se qualquer idéia que venha a se centrar na noção de
regime jurídico dos serviços públicos, seja para justificar ou afastar sua remuneração por
taxas.
5.4. Limites positivos
Da redação do artigo 145, II, da Constituição Federal, podem as pessoas
políticas calcarem-se nos três critérios detectados na teoria da vinculabilidade da hipótese
de incidência (Capítulo 2, item 2.8) para editarem suas regras-matrizes, que se configuram
em limites positivos daquele prescritivo constitucional.
235 Sundfeld, 2000, p. 33.
160
5.4.1. Critério da vinculabilidade a uma atuação estatal
O artigo 145, II, da Constituição Federal, estabelece que as taxas a serem
instituídas pelas pessoas políticas, necessariamente, devem ter uma vinculabilidade a
atividades estatais, sendo que estas estão genericamente ali estabelecidas, como o exercício
do poder de polícia e a prestação ou disponibilização de serviços públicos específicos e
divisíveis, pois se diz que as taxas serão instituídas “em razão do exercício” daquelas
atividades.
5.4.2. Critério da referibilidade ao contribuinte
Também estabelece o mesmo artigo constitucional que as regras-matrizes de
taxas editadas por leis ordinárias devem ter referibilidade ao contribuinte, em especial
quanto aos serviços públicos prestados ou disponibilizados, já que se trata de serviços uti
singuli, ou seja, “referem-se a uma pessoa ou a um número determinado (ou, pelo menos,
determinável) de pessoas. São de utilização individual e mensurável. Gozam, portanto, de
divisibilidade, ou seja, da possibilidade de avaliar-se a utilização efetiva ou potencial,
individualmente considerada”.236
236 Grotti, 2003, p. 225.
161
A diferença entre taxas e impostos reside justamente nesse ponto, pois,
enquanto os impostos prestam-se às despesa gerais do Estado e aos serviços públicos uti
universi, as taxas tem referibilidade direta ao contribuinte.
Por outro lado, a atividade estatal de poder de polícia, genericamene referida
no dispositivo constitucional, também é ponto que se acrescenta à constatação de terem as
taxas referibilidade direta ao contribuinte, pois as restrições e condicionamentos das
liberdades e propriedades, que são o cerne dessa atuosidade, são exercidos de forma
individualizada ou, ao menos, a sujeitos passíveis determináveis, sendo setorizada.
5.4.3. Critério do grau de referibilidade ao contribuinte
Esse critério sobressai do anterior e está implícito no artigo 145, II, da
Constituição Federal, pois havendo a referibilidade da atividade estatal a contribuintes
determinados ou determináveis, pressupõe-se que há essa vinculação porque estes,
necessariamente, devem vir a usufruir ou gozar os efeitos da atividade estatal. O indicativo
está em que os serviços públicos são específicos e divisíveis, podem ser mensurados na
proporção da fruição individual, daí a referibilidade direta: “cada utente deverá pagar na
medida da utilização”.237
237 Ataliba, 2004, p. 152.
162
Assim, com base nesses critérios, afirma-se que seria inconstitucional,
violando o princípio da isonomia, se toda a sociedade viesse a arcar com os custos de uma
atuosidade do Poder Público que se apresenta, em um primeiro e imediato momento,
individualizada ao contribuinte, justificando-se que venha a onerar somente o receptor
direto da atividade:
“É verdade que acima de tudo está sempre o interesse público, mas então
o que se pergunta é: quem deve custear todo esse funcionamento da
administração pública, provocado por uma pessoa? É evidente que deve
ser essa pessoa mesma; é uma exigência do princípio da igualdade. Por
que a sociedade inteira vai manter a seção de tal repartição pública, que
fiscaliza a atividade ‘X’, se ela vai atender diretamente, imediatamente, a
um grupo determinado de pessoas? Por exemplo, que órgão controla a
fábrica de remédios? São o Ministério da Saúde e Secretarias de Saúde.
Por que a sociedade vai pagar a existência daquilo, se a sua atividade vai
ser voltada para 100, 200 ou 500 fábricas, que fazem aquilo e que são os
mais imediatos interessados? Então – aí a teoria da taxa – é correto que
se remunere o Estado por aquela despesa que o Estado teve, provocada
pelo meu pedido, no meu interesse, porque no mundo capitalista, se eu
não tiver interesse, não vou instalar fábrica nenhuma”.238
238 Ataliba, 1989, p. 142.
163
5.5. Sinopse do capítulo 5
5.5.1. O artigo 145, II, da Constituição Federal é norma de competência
legislativa tributária e não especifica os fatos cujas propriedades serão selecionadas para
comporem os enunciados conotativos das regras-matrizes de incidência tributária a serem
editadas pelos entes políticos quanto às taxas. Ao contrário, indica genericamente as
atividades estatais.
5.5.2. Para a efetividade daquelas normas de competência legislativa
tributária faz-se necessário que, no universo jurídico, sejam editadas, concomitantemente,
leis administrativas delimitando o regular exercício do poder de polícia e a prestação de
serviços públicos específicos e divisíveis pelas pessoas políticas, como exercício de normas
de competência legislativa administrativa.
5.5.3. Normas de competência legislativa administrativa são tidas como
normas constitucionais que prescrevem a conduta do legislador ordinário no sentido de
delimitar, por lei, qualquer atividade do Poder Público, como o artigo 1º, da Constituição
Federal, que estabelece o Estado Democrático de Direito; os artigos 5º, II, e 37, caput,
prescrevendo, respectivamente, o princípio da legalidade como garantia dos particulares
contra a atuação estatal não prevista em lei e como limite objetivo à Administração Pública,
que não pode atuar sem lei que o justifique.
164
5.5.4. As duas normas de competência legislativa – tributária e
administrativa – contêm, na relação jurídica que potencialmente encerram, a permissão aos
entes públicos para editarem as respectivas leis: regras-matrizes de incidência tributária e
leis administrativas.
5.5.5. As competências legislativas administrativas são comuns aos entes
políticos em relação às leis necessárias à atividade estatal de poder de polícia. Quanto aos
serviços públicos, obedecem ao disposto na Constituição Federal, havendo reserva de
serviços públicos privativos à União, sendo os remanescentes (fora da competência da
União e Municípios) para os Estados e os serviços locais reservados aos Municípios. O
Distrito Federal exercita as competências dos Estados e Municípios.
5.5.6. A atividade estatal de “poder de polícia” consiste na atuosidade
pública para restringir ou condicionar a liberdade e propriedade (artigo 1º e artigo 37,
caput, CF), conforme previsão em leis administrativas comuns (artigo 1º e artigo 5º, II,
CF), editadas indiferentemente pelas pessoas políticas.
5.5.7. O exercício da competência legislativa administrativa relativa à
atividade estatal de poder de polícia confere efetividade às normas de competência
legislativa tributária do artigo 145, II, da Constituição Federal, no referente à cobrança das
taxas de polícia.
165
5.5.8. As leis administrativas de serviço público são manifestação da
competência legislativa administrativa (artigos: 21, X, XI, XII e XXIII; 25, § 2º; 30, V; 32,
§ 1º; 37; e 175, CF) e são editadas em obediência à titularidade dos serviços públicos de
cada ente federado repartida no Texto Maior e às diversas possibilidades de suas
prestações, também previstas na Constituição Federal.
5.5.9. As forma de prestação dos serviços públicos são (i) direta pelo Estado
(centralização administrativa), pelas administrações diretas da União, Estados, Distrito
Federal e Municípios (artigos: 21, X, XI, XII; 25, § 2º; 30, V; 32, § 1º; 37 e 175, da CF);
(ii) indireta pelo Estado (descentralização por serviços), por entidades por ele criadas por
lei – autarquias, fundações, empresas públicas e sociedade de economias mista – cuja
titularidade dos serviços públicos lhes são transferidas (artigos: 37, XIX e XX, CF); e, (iii)
indireta pelo Estado (descentralização por colaboração), por empresas estatais ou pessoas
de direito privado, estas últimas vinculando ao Estado por contratos de concessão e
permissão ou, ainda, indicadas em atos administrativos de autorização de serviços públicos
(artigos: 21, XI, XII, XXIII, “b”; 25, § 2º; 30, V; 32, § 1º; 37, XXI e § 6º e 175, CF).
166
5.5.10. Na concessão e na permissão a remuneração da prestação dos
serviços públicos faz-se por tarifa, (i) porque o artigo 145, II, da Constituição Federal,
remeteu ao exercício de outras competências o conteúdo dos enunciados conotativos das
regras-matrizes das taxas; (ii) porque há previsão constitucional possibilitando a execução
de certos (não todos) serviços públicos por concessão e permissão; e, ainda, (iii) porque lei
administrativa do ente político deve organizar a prestação de seus serviços públicos e,
quando possível, conceder ou permitir sua exploração. Nessa última hipótese, o regime
tributário das taxas é incompatível com o regime da concessão e da permissão.
5.5.11. A incompatibilidade do regime tributário das taxas com as figuras da
concessão e permissão está na garantia constitucional da justa remuneração do capital
particular investido, que se traduz na manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do
contrato (artigo 37, XXI, CF), vez que não há sistemática constitucional, inclusive pela
independência do Poder Legislativo, que garanta seja votada a equação necessária a qual,
por outro lado, não resistiria caso fosse submetida ao princípio da legalidade tributária.
5.5.12. Na prestação direta dos serviços públicos, na delegação
constitucional de serviços notariais (artigo 236, da Constituição Federal) e na
descentralização por serviço, a remuneração das atividades pode ser submetida ao regime
constitucional das taxas, pois as respectivas regras-matrizes alcançam, sem qualquer
obstáculo de ordem remuneratória, aquelas leis administrativas de serviços.
5.5.13. A sistemática apresentada para remuneração dos serviços públicos
não se altera quanto aos serviços postos à disposição do contribuinte.
167
5.5.14. A autorização não é remunerada por taxas podendo, contudo, ser
instituído o tributo em decorrência do exercício de competência material de “poder de
polícia”.
5.5.15. A teoria do regime jurídico da atividade estatal não pode validamente
sustentar serem os serviços públicos remunerados por taxa ante a identidade de seus
regimes jurídicos – público, no caso –, pois a noção de serviços públicos hoje em dia não se
calca mais no regime jurídico público a lhe presidir.
5.5.16. Os limites positivos extraídos da redação do artigo 145, II, da
Constituição Federal, que orientam as pessoas políticas na edição das respectivas regras-
matrizes da taxa são os critérios da vinculabilidade da hipótese de incidência a uma
atividade estatal, da referibilidade ao contribuinte e do grau de referibilidade ao
contribuinte.
168
CONCLUSÃO
A convicção, ao final deste trabalho, foi de que não fornecemos a solução
quanto à questão da remuneração dos serviços públicos, mas contribuímos com a polêmica,
ao tentar focalizar a questão nos limites do artigo 145, II, da Constituição Federal, para
apurar até que ponto tem eficácia direta sobre a edição das regras-matrizes das taxas dos
entes federados e até que ponto fica na dependência de outras normas jurídicas ordinárias
na esfera daquelas pessoas políticas.
Assim, buscou-se ter uma visão para o interior das inúmeras relações
jurídicas de serviços públicos que podem se formar com fundamento em dispositivos
constitucionais, como os do artigo 21, X, XI, XII e XXIII, “b”; do artigo 25, § 2º; do artigo
30, V e do artigo 175, dentre outros, que permitem a prestação direta de serviços públicos
pelas Administrações ou sua concessão e permissão a empresas estatais e a particulares.
E, ao entrarem em cena aquelas relações jurídicas, entendemos que há
limites quanto à subsunção das regras-matrizes de taxas editadas pelos entes federados, só
ocorrendo esse fenômeno quando não haja reservas, pela lei administrativa ordinária, de
outra forma lídima de remuneração da prestação material.
169
Isso porque, muitas das vezes, o artigo 145, II, da Constituição Federal é
ineficaz no alcance das relações jurídicas que se formam a partir da edição dessas leis
ordinárias. Seja porque há incompatibilidade entre formas de prestação indireta por
colaboração e o regime constitucional remuneratória das taxas ou, ainda, porque a tarifa é,
por excelência, o elemento que remunera o investimento privado despendido nas
concessões e permissões.
Assim, forneceu-se neste trabalho uma interpretação à questão que nos
propomos, que foi o exame dos limites constitucionais do artigo 145, II, da Constituição
Federal, construindo, sob a mira dos princípios constitucionais que tudo fundamentam,
mais uma, dentre tantas outras e melhores, “Vênus de Milo”, conforme a metáfora de EROS
ROBERTO GRAU:
“Suponha-se a entrega, a três escultores, de três blocos de mármore
iguais entre si, encomendando-se, a eles, três Vênus de Milo.
Ao final do trabalho desses três escultores teremos três Vênus de Milo,
perfeitamente identificáveis como tais, embora distintas entre si: em uma
a curva do ombro aparece mais acentuada; noutra as maçãs do rosto
despontam; na terceira os seios estão túrgidos e os mamilos enrijecidos.
Não obstante, são, definitiamente, três Vênus de Milo – nenhuma Vitória
de Samotrácia.
Esses três escultores ‘produziram’ três Vênus de Milo. Não gozaram de
liberdade para, cada um ao seu gosto e estilo, esculpir as figuras ou
símbolos a que a inspiração de cada qual aspirava – o princípio de
existência dessas três Vênus de Milo não está neles.
170
Tratando-se de três escultores experimentados – o que de fato ocorre na
metáfora de que lanço mão -, dirão que, em verdade, não criaram as três
Vênus de Milo. Porque lhes fora determinada a produção de três Vênus
de Milo (e não de três Vitórias de Samotrácia, ou outra imagem
qualquer) e, na verdade, cada uma dessas três Vênus de Milo já se
encontrava em cada um dos blocos de mármore, eles – dirão – apenas
desbastaram o mármore, para que elas brotassem, tal como se
encontravam, ocultas, no seu cerne”. 239
239 Grau, 2003, primeira parte, VIII.
171
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