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UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
GISELLE ROCHA PEREIRA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES: A INTERDISCIPLINARIDADE E ALGUMAS QUESTÕES
PRÓPRIAS DE SEU ENTORNO
SÃO PAULO
2010
GISELLE ROCHA PEREIRA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES: A INTERDISCIPLINARIDADE E ALGUMAS QUESTÕES
PRÓPRIAS DE SEU ENTORNO
Dissertação apresentada como exigência
para a obtenção do título de Mestre em
Educação junto à Universidade Cidade de
São Paulo – UNICID sob orientação do
Prof Dr. Potiguara Acácio Pereira.
SÃO PAULO
2010
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________
____________________________________
____________________________________
AGRADECIMENTOS
Os meus sinceros agradecimentos ao Prof. Potiguara Acácio Pereira pela
orientação e pelas aulas, à minha família, a Marco Antonio Conti que sempre me
incentivou, aos professores deste programa pela dedicação e a todos os meus
colegas que fizeram parte desta jornada e pelos quais tenho muito carinho.
RESUMO
Este trabalho é dedicado ao estudo da interdisciplinaridade no Ensino Médio e
algumas questões próprias de seu entorno. O interesse pela interdisciplinaridade
surgiu desde o início de minha experiência no magistério público, quando observei
um dilema que a envolvia : a efetivação ou não da prática da interdisciplinaridade na
escola. Para abordar as questões que nortearam o trabalho e atingir os objetivos
propostos, utilizei o relato de minha própria prática, como procedimento
metodológico, subsidiada pela análise documental, necessária para a interpretação
dos documentos oficiais do Ministério da Educação sobre as concepções de
interdisciplinaridade nelas presentes. Uma revisão bibliográfica sobre o tema foi
importante para construir um referencial teórico, que evidenciou a
polissemia do termo. Os resultados da investigação denunciaram a fragilidade dos
discursos nos documentos oficiais sobre a interdisciplinaridade. E na escola falta ao
professor base epistemológica para melhor compreensão sobre o tema. Diante das
concepções encontradas na literatura e na prática escolar evidenciada, chegou-se à
conclusão de que na escola o que acontece realmente é apenas
multidisciplinaridade ou pluridisciplinaridade. Os desafios da prática da
interdisciplinaridade estão associados à superação das dicotomias impregnadas no
conceito, em nós mesmos e na escola, o deve passar pela formação de professores,
seja a inicial ou a continuada em serviço, e atingir a escola, por meio do caminho da
pesquisa e da alfabetização científica.
Palavras-chave: interdisciplinaridade, documentos oficiais, ensino médio.
ABSTRACT
This work is dedicated to the study of the interdisciplinaridade in Average
Ensino and some proper questions of its entorno. The interest for the
interdisciplinaridade appeared since the beginning of my experience in the
public teaching, when I observed a quandary involved that it: the efetivação or
not of the practical one of the interdisciplinaridade in the school. To approach
the questions that had guided the work and to reach the considered objectives,
I used the proper story of my practical one, as metodológico procedure,
subsidized for the documentary analysis, necessary for the interpretation of
official documents of the Ministry of the Education on the conceptions of
interdisciplinaridade in them gifts. A bibliographical revision on the subject was
important to construct a theoretical referencial, that evidenced polissemia of
the term. The results of the inquiry had denounced the fragility of the speeches
in official documents on the interdisciplinaridade. E in the school lacks to the
professor epistemológica base for better understanding on the subject. Ahead
of the conceptions found in literature and the practical evidenced pertaining to
school, it was arrived the conclusion of that in the school what it really
happens it is only multidisciplinaridade or pluridisciplinaridade. The challenges
of the practical one of the interdisciplinaridade are associates to the
overcoming of the dichotomies impregnated in the concept, in we ourselves
and in the school it must pass, it for the formation of professors, either the
initial or the continued one in service, and reach the school, by means of the
way of the research and the scientific alfabetização. Key words: interdisciplinarity, official documents, secondary education.
LISTA DE SIGLAS
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
CEB Câmara de Educação Básica
CNE Conselho Nacional de Educação
DCNEM Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
ENEM Exame Nacional para o Ensino Médio
FEBEM Fundação para o Bem Estar do Menor
HTPC Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo
LDBE Lei de Diretrizes e Bases da Educação
OCENEM Orientações Curriculares para o Ensino Médio
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PCNEM Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
PCN+ Parâmetros Curriculares Nacionais Mais
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica
SARESP Sistema de Avaliação e Rendimento Escolar do Estado de São
Paulo
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................8
1 AS MOTIVAÇÕES DA PESQUISA: ENCANTAMENTOS E DESENCANTAMENTOS ..........................................................................................13
2 A REFORMA CURRICULAR NO ENSINO MÉDIO ..............................................21
2.1 As mudanças no Ensino Médio na perspectiva da LDB 9394/96 ........................27
2.2 As mudanças preconizadas no Currículo Oficial do Estado de São Paulo,
instituído em 2008, para o Ensino Médio ..................................................................37
3 A INTERDISCIPLINARIDADE NA ESCOLA: O DISCURSO OFICIAL E A PRÁTICA EDUCATIVA.............................................................................................42
3.1 A prática educativa..............................................................................................53
4 INTERDISCIPLINARIDADE: DIFERENTES SIGNIFICADOS ...............................63
CONCLUSÃO ...........................................................................................................78
REFERÊNCIAS.........................................................................................................82
8
IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO
É do conhecimento geral o processo de reforma que vem sendo instaurado
nas escolas brasileiras, desde a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, de 20 de novembro de 1996.
Orientado, o processo de reforma, pela elaboração dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, para os níveis que compõem a Educação Básica,
apresentam os Parâmetros princípios controversos, o que tem provocado discussões
e debates no espaço escolar e extra-escolar.
O contexto da reforma educacional tem se consolidado com base nas
mudanças no campo científico e tecnológico, no qual estão inseridas as
transformações do mundo do trabalho, que têm atingido as sociedades
contemporâneas, o que impõe, certamente, novas exigências ao campo
educacional. Exigências essas que não conseguem ser alcançadas pelas escolas.
A intenção da reforma do Ensino Médio se apresenta coerente com essas
premissas, uma vez que os eixos integradores, propostos para este nível de ensino,
nos documentos oficiais – contextualização e interdisciplinaridade –, têm como
objetivos a formação de habilidades e competências necessárias ao mundo
produtivo, por mais que os documentos não pretendam assumir isso.
O mundo produtivo exige um trabalhador que realize múltiplas tarefas, (que
não sejam especializadas), que seja capaz de tomar decisões, trabalhar em grupo,
assumir liderança, resolver problemas etc.
Nesse contexto, o foco deste estudo é a interdisciplinaridade, na escola,
exigência ímpar do período em que vivemos e, por isso, fundamental ao que se
imposto, anteriormente mencionado.
Meu interesse pela investigação da interdisciplinaridade decorre da minha
própria experiência educacional, do meu desejo de compreendê-la e
conseqüentemente aperfeiçoá-la, no que diz respeito à sua qualidade.
9
Percebo dilemas, que envolvem o tema, que vão desde as suas várias
concepções, até suas implicações e, acredito que uma proposta interdisciplinar,
principalmente na escola pública estadual, na forma como se encontra estruturada,
não é tarefa fácil e, talvez, não seja possível, mesmo que a interdisciplinaridade seja
um dos eixos integradores das Orientações, Propostas e Parâmetros Curriculares.
Tomo por base não somente a “voz oficial”, mas também minha própria voz,
enquanto professora da rede estadual de ensino, silenciada como a voz de todos os
professores nas propostas oficiais, apesar do caráter, supostamente democrático, da
elaboração das Diretrizes, Orientações e Parâmetros – assumidamente autoritária
na Proposta Curricular para o Estado de São Paulo.
Falo da voz dos professores que têm sido historicamente considerados e
tratados como consumidores e não agentes das mudanças curriculares.
Parto do princípio de que as escolas não são “tábulas rasas”, prontas a
assimilar o que lhes é apresentado, pois existem muitos fatores que interferem na
concretização das mudanças pretendidas pelos órgãos oficiais.
Assim, tem este trabalho como objetivos, evidenciar as mudanças
preconizadas para o Ensino Médio nos documentos oficiais, e, desta forma,
contextualizar a interdisciplinaridade e examinar as concepções presentes, nestes
documentos, sobre o tema.
O relato da própria prática pedagógica da pesquisadora, enquanto professora,
procura evidenciar a efetivação, ou não, da prática interdisciplinar, e o diálogo com
os autores sobre as concepções existentes, resultaram na minha própria concepção,
concepção esta que foi transformada, após meu ingresso no Programa de Mestrado.
De início, pretendia realizar estudo sobre as concepções de
interdisciplinaridade, acatada pelos professores da escola estadual Prof. Luiz
D’Áurea, na cidade de São Vicente, onde atuo como professora de Educação Física.
Supunha que o desconhecimento sobre seu real significado, o comodismo e uma
resistência a mudanças eram causadores das dificuldades de sua efetivação na
escola.
10
Possuía uma concepção, que considerava adequada e não tinha dúvida de
que não fosse, mas outros cenários foram se revelando diferentemente ao que eu,
até então, supunha conhecer.
Após ler, reiteradas vezes, minha intenção inicial de pesquisa e as novas
descobertas sobre o tema, julguei mais relevante questionar a existência ou não da
interdisciplinaridade no dia-a-dia do Ensino Médio da escola pública estadual Prof
Luiz D’Áurea, na qual ministro aulas, e acabei por defini-lo como meu problema de
pesquisa.
Por isso, ter adotado como procedimento metodológico da pesquisa o relato
de minha própria prática, subsidiada pela análise documental, que acabou por se
constituir também técnica de coleta de dados.
A relevância de um relato de experiência está na pertinência e importância do
problema que nele se expõe; pois a inquietação sobre a interdisciplinaridade decorre
da própria experiência educacional da pesquisadora, enquanto professora. É
procedimento enriquecedor da fundamentação teórica da pesquisa, e serve como
colaboração à reflexão da área à qual se pertence.
Por seu lado, a análise documental, enquanto técnica valiosa de abordagem
de dados qualitativos, buscou como fontes uma ampla gama de documentos
importantes para a pesquisa.
Assim, ao me referir a documentos, quero mencionar leis, regulamentos,
normas, pareceres, revistas especializadas. Documentos contemporâneos ou
retrospectivos, considerados cientificamente. O que possibilita ao pesquisador
aproximar-se dos fatos e seus atributos.
A análise qualitativa dos conteúdos desvelados leva à crítica histórica, base
para a autenticidade, motivos e condições dos documentos.
Para tanto, considerei importante analisar os documentos oficiais, tais como a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9394/96), de 20 de dezembro de
1996, além dos Parâmetros Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), os PCNEM+
que são os documentos que os complementam e a Proposta Curricular do Estado de
São Paulo para o Ensino Médio.
11
Sujeitos a uma análise crítica, os documentos foram interpretados, no que diz
respeito à interdisciplinaridade, uma vez que “guiam” a atuação docente.
Não tive a intenção de apresentar uma abordagem legalista sobre a reforma
do Ensino Médio, mas a de enfatizar aspectos relevantes, de modo a obter um
contraste entre o discurso contido nos documentos oficiais, a concepção de
interdisciplinaridade contida na literatura e a prática da interdisciplinaridade na
escola.
A necessidade, pois, de construir um referencial teórico sobre a concepção de
interdisciplinaridade, me conduziram a Japiassu, Fazenda, Pombo, Gusdorf,
Janstsch e Bianchetti, Frigoto, Etges, e outros que, de alguma forma, evocavam a
discussão sobre o tema como Santomé, Pereira, Morin, etc, além daqueles que
discutiam a reforma do Ensino Médio.
Mais do que uma simples reflexão sobre a própria ação, culminou em ação
que foi transformada pelo próprio ato de refletir; num movimento indefinido, que não
se encerra num único trabalho. Ao contrário, tem início com ele.
Pelo exposto, dividi o trabalho em quatro capítulos.
No primeiro, As motivações da pesquisa: encantamentos e
desencantamentos, procurei evidenciar a inquietação que me levou ao problema de
pesquisa, situando-o no contexto de minha trajetória pessoal e profissional.
Apresentei, ainda, os bastidores da pesquisa, com o qual evidenciei aspectos que se
constituíram problemáticos e desafiadores no processo desta investigação.
No segundo, A reforma curricular no ensino médio, abordo o contexto no qual
a reforma educacional se insere, as mudanças pretendidas com a LDB 9394/96,
bem como com a elaboração das Diretrizes e dos Parâmetros Curriculares e da
Proposta Curricular para o Estado de São Paulo. Dou ênfase às principais mudanças
sugeridas para o Ensino Médio. Ressalto de antemão que a discussão sobre a
reforma do Ensino Médio não será centralizada, apenas, nos aspectos legais.
Procuro focalizar a temática também na ótica do pesquisador, enquanto professor,
sobre a interdisciplinaridade.
12
No terceiro capítulo, A interdisciplinaridade na escola: o discurso oficial e a
prática educativa, discuto a presença da interdisciplinaridade como princípio
norteador presente nos documentos oficiais e a prática da interdisciplinaridade na
escola, quando então evidencio os obstáculos de minha atuação educativa, nessa
perspectiva.
No último capítulo, Interdisciplinaridade: diferentes significado(s), apresento as concepções de interdisciplinaridade à luz da produção de autores que têm se
dedicado ao tema e à polissemia do termo.
Importante evidenciar, de maneira mais precisa, a razão e a importância da
adoção do enfoque interdisciplinar na construção do conhecimento durante o
processo ensino-aprendizagem.
Que este trabalho contribua para a reflexão (e ação) sobre a parte que nos
cabe, enquanto profissionais, nesse contexto de imposição de mudanças, num
cenário cada vez mais precário e cheio de limitações que é o espaço da escola
pública, que precisa ser repensado, mas que, apesar de tudo, constitui importante
caminho na luta para a construção de um mundo melhor.
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11 AASS MMOOTTIIVVAAÇÇÕÕEESS DDAA PPEESSQQUUIISSAA:: EENNCCAANNTTAAMMEENNTTOOSS EE DDEESSEENNCCAANNTTAAMMEENNTTOOSS
Escrever sobre minha trajetória pessoal, profissional e acadêmica não
constitui tarefa fácil, especialmente porque essas três dimensões se encontram
emaranhadas, pois, foi no decurso de minha passagem pelo curso de graduação,
que me descobri e me percebi sujeito e, por isso, capaz de refletir sobre a realidade
que me cerca e sentir a alegria da escolha do meu saber-fazer profissional.
Considero neste trabalho uma parte importante de minha história de vida;
parte esta mais focada no âmbito profissional e acadêmico, a partir de uma
abordagem experiencial do que era pertinente aos estudos dessa dissertação.
A importância da abordagem da História de vida para Josso (2004) está no
fato de convocar o sujeito a reconhecer-se como tal, a assumir sua quota de
responsabilidade no processo, e renovar suas relações: consigo mesmo, com os
outros, com as situações enfrentadas e a enfrentar, na sua vida em geral, e no grupo
particular a que pertence; no meu caso a escola pública estadual E.E. Prof. Luiz
D’Áurea.
Meu ingresso no Curso de Licenciatura Plena em Educação Física se deu no
ano de 1994, na cidade de Lins, interior de São Paulo, onde residia. Foi a realização
de um sonho. Era o curso que eu queria freqüentar; era a profissão que eu queria
ter. Provavelmente, por considerar-me cinestésica, isto é, percebo melhor as coisas
que me cercam por meio do corpo, do movimento, da linguagem corporal.
Embora o curso fosse Licenciatura, poucas eram as disciplinas pedagógicas
oferecidas, isto é, voltadas para o campo educacional. Inicialmente meu percurso na
graduação indicava que não me tornaria professora em alguma escola.
No primeiro ano de curso, passei a trabalhar como professora de
hidroginástica para idosos, o que me proporcionava grande prazer. O prazer de
cuidar das pessoas. Era gratificante ouvir de um experiente aluno que, após minhas
aulas, se sentia bem; dormia melhor. Pronto! Meu caminho estava traçado: eu
trabalharia com idosos.
14
Mas a vida reserva surpresas, e somos levados a mudar de rumo; fazer
escolhas.
No segundo ano de curso, continuava ministrando aulas de hidroginástica
para idosos, mas o que ganhava não permitia arcar com as mensalidades do curso.
Foi então que me inscrevi num projeto da faculdade, que tinha como
finalidade atender crianças na FEBEM (Fundação Estadual do bem Estar do Menor),
hoje denominada Fundação Casa, aos finais de semana. Com este trabalho, tinha
desconto em minhas mensalidades.
Aos sábados e domingos, durante as tardes, nas dependências da faculdade,
atendia crianças com idades entre 12 e 17 anos, para com elas trabalhar atividades
esportivas e recreativas, por meio de jogos e brincadeiras, que estimulassem,
principalmente, a cooperação e não a competição. Sendo a primeira, de suma
importância para o desenvolvimento pessoal e para a convivência social.
O objetivo era proporcionar às crianças vivências que demonstrassem que o
verdadeiro valor do jogo e do esporte não estava somente em vencer ou perder,
nem em ocupar os primeiros lugares no podium, mas estava também e,
fundamentalmente, na oportunidade de jogar juntos; promover o encontro ao invés
do confronto, e tentar cultivar a ética da cooperação, numa busca de desenvolver o
exercício de uma convivência que repercutisse na ativação dos níveis do
desenvolvimento humano: físico, emocional, mental e espiritual.
Este foi meu primeiro contato com crianças. Motivo de prazer, porque mais do
cuidar, eu considerava que aprendia a educar.
O estágio obrigatório também envolvia crianças; agora numa escola pública.
Confesso que não foi suficiente para melhorar meus conhecimentos pedagógicos,
pois, além das poucas disciplinas que tratavam dos temas do curso de graduação,
não havia orientação, esclarecimento ou acompanhamento.
Cumpri o estágio no Ensino Fundamental – 1ª. à 4ª. séries – e , naquela
época, era o professor da classe quem levava as crianças para “brincar” na quadra e
minha presença servia para o professor descansar na sala dos professores.
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A faculdade proporcionava, também, cursos de extensão e, muitos deles,
contavam com exercícios físicos para a saúde e exercícios para a 3ª. Idade.
Contudo, nenhum voltado à Educação Física escolar.
Conclui a graduação em 1997 e, com uma formação fragmentada, tornei-me
especialista. Em fevereiro de 1998, matriculei-me num curso de pós-graduação lato-
sensu, cujo tema era Avaliação e Prescrição de Exercícios Físicos. Era voltado à
promoção da saúde – personal trainning.
Encantei-me com o curso. Com cada aula, com cada texto trabalhado, enfim,
sentia-me apaixonada pela minha profissão e meu caminho, mais uma vez, parecia
estar traçado.
Neste mesmo ano de 1998, além das aulas de hidroginástica para idosos,
num clube da cidade, e do trabalho na Fundação Casa, como voluntária, por estar
formada, comecei a ministrar aulas de musculação em uma academia.
Para testar meus conhecimentos e saber como era prestar um concurso e
influenciada por uma colega, decidi concorrer ao cargo de professor de Educação
Física da Rede Pública Estadual de São Paulo, em 1998. Sinceramente, não tinha
intenção de trabalhar na Rede.
Assim, como considerei meu ingresso na faculdade um divisor de águas em
minha vida, o concurso, posso dizer, acabou por se tornar um segundo e grande
divisor de águas em minha trajetória profissional.
Decidida a participar do concurso, comecei a estudar a bibliografia sugerida.
Talvez, tenha sido meu primeiro momento de real reflexão sobre meu curso superior,
no que dizia respeito à Licenciatura. A bibliografia solicitada era algo novo para mim.
Não havia estudado, antes, os autores sugeridos, o que acabou por se tornar um
interessante desafio.
Mas, também, deixava claro o porquê do meu desconhecimento na época de
minha formação superior. Uma distância entre o que se estudava na graduação, com
o que se exigia como conhecimento para exercer a profissão de professor pela rede
estadual de São Paulo.
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Meu primeiro contato com os Parâmetros Curriculares Nacionais provocou-
me, desafiou-me e, com isto, um tema em especial: a Interdisciplinaridade.
Mais uma vez, saltava-me aos olhos o quanto as disciplinas de cunho
pedagógico, ministradas na minha graduação, não passaram de “pinceladas” e o
quanto a problemática da educação, nos seus aspectos filosóficos, sociológicos,
históricos e psicológicos, fora deixada de lado.
Prestei o concurso e senti-me recompensada pelo bom resultado alcançado
em âmbito estadual. Com certeza, serviu para reafirmar em mim o desejo de
conhecer, a alegria de aprender, e o quanto, ainda, deveria percorrer para alcançar
êxito na vida profissional, mesmo que esta, ainda, não estivesse voltada para a
educação física escolar.
Novamente a vida me colocava diante de uma escolha. Não esperava a
convocação para ocupar o cargo, decorrente do concurso. Mas foi o que aconteceu
no ano de 2001.
A chamada, para ingressar no cargo de professora de Educação Física da
Rede Pública Estadual veio num momento em que refletia sobre minha vida pessoal
e profissional. Gostava do que fazia, mas precisava voar mais alto, buscar novos
conhecimentos, novas experiências. Naquela época, tinha o mesmo sonho quase
todas as noites: voava, mesmo que sem ter asas. Era uma sensação maravilhosa e
parecia muito real.
A possibilidade de viver novas experiências, de mudar de cidade, buscar
novos horizontes, fizeram-me assumir o cargo de professora da Rede Pública
Estadual de São Paulo, na cidade de São Vicente.
A escolha se deu pelo fato de ser uma cidade litorânea e de me sentir atraída
pela natureza, principalmente, pelo mar. Era a oportunidade de estar próxima a ele.
Não conhecia ninguém em São Vicente, nem mesmo a escola onde trabalharia.
Claro que essas incertezas e o desconhecido causavam uma mistura de euforia,
alegria e medo. Principalmente, por causa de minha filha que, na época, tinha dez
anos de idade e enfrentaria comigo essa nova jornada em nossas vidas. E desde
que mudei para perto do mar, o sonho de voar desapareceu.
17
Comecei a vivenciar o cotidiano da escola em setembro de 2001. Senti-me
instigada e desafiada a participar do contexto da sala de aula.
Ao ingressar, deparei-me com situações que desconhecia ocorrer na escola,
pois minha experiência sobre a realidade escolar advinha mais de minha vivência
como aluna do ensino de 1º. e 2º. graus (hoje Ensino Fundamental e Médio) do que
enquanto aluna da graduação em Educação Física.
O cenário que encontrei na escola causou-me espanto. Pouco espaço para o
diálogo entre professores, falta de recursos materiais, de espaço físico adequado, de
funcionários, discursos amargos. Eu iniciava na Rede e grandes obstáculos se
interpuseram. Ouvia sempre um “você é nova ainda, quero ver se daqui a 10 anos
vai ter essa disposição”.
Acabei por descobrir o que não sabia: uma escola amarrada em burocracias e
horários, que dificultam o processo da aprendizagem. Professores desmotivados,
solitários em suas disciplinas e dificuldades. E eu sentia a necessidade de amenizar
a situação, de fazer algo diferente; acreditava na educação, embora parecesse estar
sozinha.
Empenhei-me bastante para superar os desafios de como lidar com a
complexidade da prática docente, bem como os desafios de conviver com a
ausência de espaços para as discussões sobre questões da sala de aula, cuja
conseqüência maior é a prática solitária, pois eram poucos os professores
experientes que se propunham a auxiliar aqueles que estão iniciando na carreira.
Até hoje sinto que os desafios nunca são completamente superados e novos
desafios estão sempre a surgir.
Inexperiente e ingênua, eu acreditava que se os professores tivessem boa
vontade e assumissem a Interdisciplinaridade, que constava nos documentos
oficiais, muitos problemas vivenciados pela escola seriam resolvidos. Trabalhar
juntos em projetos, ou atividades pontuais, em colaboração uns com os outros, seria
o caminho para resolver tantos e tão graves problemas da escola. E para isso devia
contar apenas com a boa vontade, com o desejo de fazer melhor, independente da
situação encontrada. Hoje percebo que era apenas bem intencionada.
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Minhas dúvidas e minha vontade de encontrar respostas para minhas
inquietações e dilemas no campo da docência alimentaram outro sonho: o da pós-
graduação. Sentia a necessidade e queria vivenciar o espaço acadêmico, até
mesmo para que me auxiliasse na obtenção de novos conhecimentos e possíveis
soluções para o que eu vivenciava na escola.
Foi quando me decidi pelo Programa de Mestrado em Educação, da
Universidade Cidade de São Paulo – UNICID –, onde passei a investigar a
Interdisciplinaridade.
Cada aula, cada leitura, ao longo do desenvolvimento do Programa,
encantava-me, mas, também, me desencantava, o que provocava em mim um
movimento de angústia e prazer. Prazer pelo conhecimento novo e pelas
descobertas que fazia, a cada semana, prazer em ouvir as experiências, a sabedoria
de meus professores e o interesse de meus colegas. A cada momento, sentia minha
alma alimentada e queria mais.
Angustiada por descobrir o quanto eu desconhecia, o quanto minha formação
tinha sido insuficiente e o quanto seria difícil trilhar o caminho da pesquisa, para o
qual não estava preparada, e, principalmente, pela complexidade do tema, objeto da
pesquisa.
Contudo, não esmoreci. Percorri o caminho inseguro, arenoso, e acabei por
me tornar outra. Saí do lugar em que me encontrava, com outra visão sobre mim
mesma, sobre a educação, sobre a escola e, posso afirmar, com toda certeza, que o
Mestrado foi o terceiro grande divisor de águas em minha vida.
Na tentativa de conhecer e superar as dificuldades, tanto na escola quanto na
pesquisa, eu percebia que os problemas na escola eram muitos e possuíam uma
variedade de características: a rotatividade dos professores, a extensa carga horária
de trabalho, a falta de material didático e de apoio, inclusive para atender às
propostas oficiais, a falta de clareza das propostas entre os professores, a
desvalorização do profissional da educação, assim como a da escola, as freqüentes
imposições governamentais sem reflexão, estudo ou participação do professor, a
grande dificuldade de atender o “vai-e-vem” das exigências assumidas acriticamente
pelos gestores do sistema de ensino, a insuficiente formação dos professores,
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disciplinar e fragmentada, além da grande defasagem cultural em que se encontra a
escola, que, segundo Pereira (2005), se caracteriza pelo fato desta não acompanhar
o rápido desenvolvimento da tecnociência, nem as manifestações das demais áreas
da cultura: arte, teologia, filosofia e o próprio senso comum.
Para mim, seria preciso buscar caminhos, ações; era preciso re-fundar a
escola.
Desde então, descobri o quanto a Interdisciplinaridade se apresentava de
modo diferente em muitos contextos e não poderia, simplesmente, acontecer na
escola, apenas por fazer parte dos princípios contidos nos documentos oficiais, ou
por uma simples atitude de boa vontade dos professores.
Desse questionamento, propus-me a investigar, nos documentos oficiais, as
mudanças pretendidas na reforma educacional do Ensino Médio, para justificar a
presença da Interdisciplinaridade, tida como um dos princípios norteadores das
propostas, uma vez que, como já foi dito na introdução, estes são os documentos
que “guiam” a atuação docente.
Mais uma vez, o que pressentia se desvelava: o caráter impositivo dos
Parâmetros e Diretrizes para o Ensino Médio e da Proposta Curricular do Estado de
São Paulo para o Ensino Médio.
Resolvi, então, optar por um relato de minha própria prática pedagógica,
principalmente, voltada para as questões da Interdisciplinaridade, uma vez que tal
experiência revelaria um antes e um depois, após o Mestrado.
Estou convencida de que hoje possuo uma concepção de Interdisciplinaridade
bem diferente daquela que acreditava possuir.
Muitos obstáculos se fizeram presentes. Talvez o maior deles tenha sido a
dificuldade de articular as conclusões que surgiam dos dados colhidos nas teorias
com os dados oferecidos pela própria prática, ou seja, superar a dicotomia
impregnada em mim sobre teoria e prática.
Obstáculo agravado pela necessidade de analisar o conjunto das informações
obtidas no processo de leitura e de relato da própria prática a partir de três eixos: a)
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a compreensão dos conceitos de Interdisciplinaridade contidos na literatura; b) a
compreensão do conceito tal qual eram apresentados nos documentos oficiais
(Diretrizes, Parâmetros e Proposta) e c) a concepção de Interdisciplinaridade que,
certamente, eu iria defender.
Deparei-me, imediatamente, com minha formação disciplinar, tão criticada no
discurso interdisciplinar, por produzir uma racionalidade que só sabe separar ou,
conforme pensamento de Morin (2002), que produz uma inteligência cega e míope.
Este trabalho se revelou árduo a cada passo. Lembrei-me de Pereira (2000,
p.29) para quem a “vocação dos professores não tem sido essa” (a da pesquisa),
“pois parece já consagrado que a Educação é tida como uma prática” e, por isso,
tive a necessidade de aprender a considerar a indissociabilidade entre teoria e
prática.
A dúvida e o erro fazem parte do processo de construção do conhecimento.
Nesse sentido, tenho para mim que dei um passo importante nessa direção. Faço,
por isto, minhas as palavras de Fazenda (2002, p.10), quando afirma que “apesar de
árduo e solitário, o processo de pesquisa é também um desafio, pois a paixão pelo
desconhecido, pelo novo, pelo inusitado, acaba por invadir o espaço do educador,
trazendo-lhe alegrias inesperadas”.
21
22 AA RREEFFOORRMMAA CCUURRRRIICCUULLAARR NNOO EENNSSIINNOO MMÉÉDDIIOO
O cenário educacional brasileiro foi marcado, na década de 90, por amplo
processo de reforma, que atingiu a educação em todos os níveis, principalmente o
da Educação Básica que, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
9394/96, é constituída pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Processo que se caracteriza pela adoção de modelos importados de
experiências educacionais vivenciadas em outros ambientes culturais em razão de
objetivos e interesses exógenos, numa tentativa de equacionar os problemas da
Educação Brasileira.
Para entender o processo de reforma, é preciso situá-lo no contexto das
mudanças que atingiram o cenário mundial, consolidadas na revolução
tecnocientífica que acarretou profundas mudanças e lançou novas exigências ao
campo da educação.
O ensino disciplinar vem sendo implantado, desde o século XIX, devido à
ênfase dada na própria tradição de ensino técnico que a expansão da sociedade
urbano-industrial promoveu.
Nos anos de 1950, nos países europeus, mas também, e mais
acentuadamente, nos EUA, a estrutura disciplinar no ensino se fortalece devido,
sobretudo, aos desafios tecnocientíficos apresentados pela Guerra Fria de um lado,
e de outro, à incorporação dos sistemas de produção industrial aos sistemas político
econômicos. A estrutura disciplinar foi resultado de um modelo de Educação com
vistas à profissionalização especializada.
Para Kuenzer (2002), a velocidade da difusão de informações e a renovação
acelerada das tecnologias colocam a educação diante de novos desafios, dentre
eles, a necessidade da educação pautar-se em novos princípios.
A educação centrada no modelo taylorista-fordista, com seus pressupostos de
especialização, decorrente da divisão técnica do trabalho, com ênfase no conteúdo e
no desenvolvimento da capacidade de memorização, não é compatível com as
22
novas demandas do setor produtivo. Numa tentativa de substituí-la, surgiu a
pedagogia das competências, que defende a formação flexível e continuada, para
atender às exigências de um mercado em constante movimento.
Dessa maneira, a formação passou a exigir capacidade para lidar com a
incerteza, com a novidade e para tomar decisões em situações inesperadas.
Defende, portanto, o sujeito com autonomia intelectual.
É, portanto, neste contexto da revolução tecnocientífica e da cultura do
conhecimento, que se dá a gênese da demanda por trabalhadores com novas
qualificações. Trabalho que tem, para Pereira (2000, p.45), o “sentido de supervisão
e otimização” e “a matéria prima do trabalhador é o conjunto das informações e dos
conhecimentos de que ele necessita para enfrentar o seu dia-a-dia de labor”.
A partir de então, as escolas passam a se constituir foco de crescente
interesse, e reformas educacionais começam a ser exigidas. As políticas
educacionais dão prioridade para a Educação Básica.
Tal interesse é estendido ao Ensino Médio, pois é este nível de ensino que
sofre ainda mais o impacto das mudanças atuais, em decorrência de seu papel
estratégico na possibilidade de preparação para o mercado de trabalho e de
qualificação do trabalhador.
Dessa maneira, o Ensino Médio sofre reformulações em sua concepção,
finalidades e objetivos.
Considero importante, ainda, salientar a participação dos organismos
internacionais no processo das reformas da Educação Brasileira.
A fonte de inspiração dessas reformas é a literatura veiculada por esses
organismos – Banco Mundial, BID, UNESCO, PNUD, UNICEF –, que carregam
compromissos assumidos internacionalmente pelo governo brasileiro. O marco inicial
desses compromissos é a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada
em Jountien, na Tailândia, em 1990. Nela ficou evidente a submissão do governo
brasileiro aos interesses das agências internacionais, que demarcam as prioridades
no campo educacional brasileiro, muito embora essa submissão ocorra de forma
consentida.
23
A tônica do discurso é o ataque à pobreza, via desenvolvimento educacional.
Neste sentido, a educação se torna de especial importância para a cultura atual – a
cultura do conhecimento –, que impõe a necessidade da ampliação do grau de
escolaridade dos sujeitos e o aprimoramento constante de suas habilidades e
competências.
Dessa forma, as prioridades são estabelecidas inicialmente na escolarização
primária, na tentativa de elevar a baixa qualidade da educação brasileira, posto que
o baixo nível de educação eleva os índices de pobreza apresentados no país.
O pano de fundo dessa preocupação com a educação nos países
considerados pobres é a relação entre educação, trabalho e desenvolvimento, que
se expressa em torno de dois eixos já mencionados: a revolução tecnocientífica e a
cultura do conhecimento.
Nessa perspectiva, apenas oito anos de escolarização não são suficientes
para preparar o sujeito para enfrentar as exigências impostas pela forma de
organização do trabalho e seu processo produtivo, que demandam trabalhadores
com competências cada vez mais complexas, como a capacidade de trabalhar em
equipe, espírito de liderança, capacidade de tomar decisões, autonomia intelectual,
flexibilidade para encarar o imprevisto e o incerto, dentre outras, enfim para aprender
a conviver com as imposições da contemporaneidade.
Novas aptidões são exigidas e os sistemas educativos devem dar resposta à
esta necessidade. O contexto atual obriga os sujeitos a prolongarem sua
escolaridade; força o retorno à escola daqueles que não concluíram a Educação
Básica em tempo hábil e requer mudança na concepção e nas finalidades
educacionais, bem como na organização curricular dos sistemas e estabelecimentos
de ensino.
É com o discurso de adequar a educação aos novos tempos que surge a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 20 de dezembro de 9394/96, cujos
fundamentos formam o aparato legal para o processo de reformas na educação,
iniciado na década de 90.
24
A nova organização curricular é prescrita, pela Lei, em seu Art. 9º, que trata
das incumbências da União para com a Educação: estabelecer, em colaboração
com os Estados, o Distrito Federal e os municípios, competências e diretrizes para a
educação infantil, os ensinos fundamental e médio, que nortearão os currículos e
seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar a formação básica comum.
Tais diretrizes constituem a linha de orientação sobre a qual deve ser
construída a organização curricular dos sistemas de ensino e dos estabelecimentos
escolares.
Ainda sobre a organização curricular da educação, lê-se no Art. 26, da LDBE
9394/96, que: os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base
nacional comum, a ser complementada em cada sistema de ensino e em cada
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características
regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.
O texto não esclarece, contudo, o que vem a ser a base nacional comum,
mas pretende, na visão de Rocha (2001), orientar a definição dos conteúdos
mínimos, que servirão de sustentação tanto para a operacionalização da política de
avaliação como também da política nacional do livro didático.
É com base nesses objetivos que se dá o processo de elaboração das
Diretrizes e dos Parâmetros Curriculares Nacionais, na perspectiva de servirem de
“referência”, a partir da qual deverão ser elaborados ou reelaborados os currículos
das escolas.
Desta forma, em 1995, tem início a elaboração, em caráter restrito, dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, pois de acordo com a equipe coordenadora, a
primeira versão deste documento foi elaborada por 50 pessoas e, posteriormente,
foram entregues cópias do documento para educadores selecionados em todo o
país, para que dessem seus pareceres sobre o documento, que versava sobre os
dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental.
Em setembro de 1996, o documento foi apresentado oficialmente ao
Conselho Nacional de Educação, e, em março de 1997, emitiu-se o parecer
CEB/CNE 03/97, quando, então, foi apresentado aos professores.
25
Em 1998, foram elaborados os Parâmetros para os dois últimos ciclos do
Ensino Fundamental e foram estabelecidas as Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Ensino Fundamental, por meio da Resolução 2/98, da Câmara de Educação
Básica, do CNE, objeto do parecer CEB/CNE 4/98.
A elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio foi
concluída em 1997, cujo parecer foi aprovado, em 01/06/98 – Parecer 15/98 –
CEB/CNE. Posteriormente, elaborou-se a resolução que estabelece as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - CEB/CNE 03/98 de 26/06/98 - à qual o
parecer integra.
Os Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio (PCNEM) tornaram-se
públicos em 1999. Posteriormente, são elaborados os PCNs+, com o objetivo de
oferecer orientações educacionais complementares aos PCNEM, porém, de forma
mais propositiva. Recentemente, em 2006, são divulgadas as Orientações
Curriculares para o Ensino Médio (OCNEM).
Cada um dos documentos oficiais foi produzido com marcos ideológicos
distintos, escritos por sujeitos diferentes, em contextos diferentes e resultam de
embates e disputas específicas. Foi possível perceber críticas das OCNEM aos
PCNEM. Uma das principais é que os PCNEM só apresentam reflexões e questões
que não são aprofundadas junto aos professores.
Sem a pretensão de analisar o processo de elaboração dos PCNEM e
OCNEM, e, tampouco de descrever o conteúdo dos documentos, pois esta não é a
intenção deste trabalho, devo dizer que os Parâmetros foram apresentados como
um referencial nacional para a melhoria da qualidade da Educação Básica.
Seus elaboradores tiveram a preocupação de assinalar sua natureza aberta e
flexível e que, portanto, não se configuram num currículo único, homogêneo e
obrigatório. Entretanto, uma análise dos documentos desmente este discurso e
coloca os PCNEM na condição de um verdadeiro e completo currículo nacional, que
especifica detalhadamente conteúdos, objetivos, formas de avaliação e, até mesmo,
metodologias ou orientações didáticas. Esse detalhamento torna-se ainda mais
explícito e pontual nos PCNEM +.
26
O discurso de sua não obrigatoriedade cai por terra, na medida em que estes
constituem a base comum que a LDB 9394/96 exige para a Educação Básica e que
deve orientar outras políticas educacionais como o livro didático e a avaliação
funcional.
Rocha (2001, p.149) afirma que “as estratégias utilizadas para promover a
discussão sobre os documentos não foram tão democráticas, pois foi enviado de
forma sigilosa para educadores previamente selecionados emitirem seus pareceres”
(até hoje os critérios adotados para selecionar esses pareceristas não foi divulgado),
houve a realização de encontros regionais relâmpagos, realizados sem grande
divulgação e por isso mesmo com baixa participação, que objetivaram submeter os
documentos elaborados à análise e ao parecer de um público que pela primeira vez
teve contato com os mesmos.
Da mesma forma, o Parecer 15/98, dos PCNEM, ressalta a consulta a muitas
e variadas fontes para sua elaboração. Entretanto, o leitor não sabe o que foi e o
que não foi incorporado das sugestões oferecidas nas consultas efetivadas. O que
predomina é a diretividade no processo de elaboração dos Parâmetros.
Seus elaboradores ignoram que o conhecimento do cotidiano escolar
privilegia os sujeitos que nele atuam e, por essa razão, instituir medidas que visem à
melhoria do ensino deveria ser precedida de consulta a tais sujeitos.
A linguagem e o formato utilizados nestes documentos estavam dirigidos a
professores do Ensino Superior como se fossem textos para discussão acadêmica, e
não como textos para orientar a prática educativa de professores, conforme os
mesmos se diziam ser.
É uma linguagem que pressupõe uma série de interpretações conceituais,
que são referentes a uma bibliografia que se o professor não tem acesso, não
poderá compreender plenamente.
As críticas direcionadas aos parâmetros desde o seu processo de elaboração
e implantação são inúmeras. As que foram aqui relatadas são significativas para
mostrar o caráter impositivo da reforma curricular brasileira, que realizada sem a
expressiva participação dos professores, tende a não alcançar as metas idealizadas.
27
22..11 AAss mmuuddaannççaass nnoo EEnnssiinnoo MMééddiioo nnaa ppeerrssppeeccttiivvaa ddaa LLDDBB 99339944//9966
As recentes transformações ocorridas no campo do conhecimento,
principalmente na esfera tecnocientífica, como comentado anteriormente, trouxeram
novos desafios à Educação, principalmente para o nível médio, em decorrência de
sua histórica função de preparar para o trabalho.
Dentre os desafios estão: a) a universalização do Ensino Médio, em
decorrência da elevação da demanda por este nível de escolarização, considerado
exigência mínima para o mercado atual; b) a superação da concepção conteudista,
que tem marcado este nível de ensino, por sua versão predominantemente
propedêutica, que visa proporcionar uma sólida base de formação geral, que
possibilite o enfrentamento das exigências de um mercado cada vez mais dinâmico;
c) a melhoria da estrutura física das escolas, que necessitam de espaços físicos
adequados, bibliotecas, laboratórios e equipamentos, elementos importantes para
possibilitar condições de aprendizagens significativas.
Outro importante desafio diz respeito à formação de professores e à melhoria
de suas condições de trabalho, pontos essenciais para que se discuta um novo
Ensino Médio.
Muitos desses desafios não são novos; existem desde que este nível de
ensino passou a fazer parte da educação brasileira na década de 30, e permanecem
sem solução até os dias atuais. Sem dúvida alguma, há uma falta de identidade
nessa etapa de escolarização.
O Ensino Médio tem como funções básicas a formativa, a propedêutica e a
profissional. As duas últimas predominantes no percurso de seu desenvolvimento
histórico e, responsáveis pela ambigüidade do referido nível de ensino, que tem
tentado, sem sucesso, se dividir entre preparar para o trabalho e/ou preparar para o
vestibular.
Em virtude do enfrentamento de tal situação, o governo federal, orientado nas
prescrições das agências internacionais, traça novas políticas para o Ensino Médio
28
desde a década de 90. E assim surgem novos programas e projetos, inclusive
políticas de avaliação como ENEM e SARESP.
Claro que essas avaliações têm recebido críticas, uma vez que padronizam
resultados e estabelecem generalizações sobre a situação educacional brasileira,
que comporta peculiaridades que não deveriam ser ignoradas.
As políticas proclamadas, na perspectiva da melhoria do Ensino Médio,
demonstram que este nível de ensino tem ocupado lugar de destaque nas
preocupações governamentais, tendo em vista sua importância para o processo de
desenvolvimento do país. Desenvolvimento que não deve considerar apenas a
dimensão econômica (que é um meio de atingi-lo), mas também outras
características; sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida
humana.
Para se compreender o que se denomina de novo Ensino Médio, nos textos e
documentos oficiais, divulgados pelo MEC, considero importante evidenciar as
principais alterações propostas pela LDBE 9394/96. Alterações que sinalizam a
direção dada ao processo de reforma curricular, expresso nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio, nos PCNEM, PCN + e Orientações Curriculares
para este nível de ensino.
Em alguns aspectos, a LDBE 9394/96 representa um progresso com relação
às leis anteriores, mas mantém a preocupação distributiva e redistributiva dos
recursos públicos destinados à educação.
Os aspectos legais serão destacados, na medida em que são eles que
direcionam as mudanças pretendidas, as quais nem sempre são alcançadas, uma
vez que as transformações no cotidiano e na prática docente do Ensino Médio
requerem a participação dos professores no sentido da apropriação dos princípios
legais, políticos, filosóficos e pedagógicos do currículo proposto.
No que diz respeito às finalidades da Educação Básica, a LDBE 9394/96
determina o desenvolvimento do educando, a garantia de sua formação comum
indispensável para o exercício da cidadania e os meios para progredir no trabalho e
em estudos posteriores. Percebe-se, então, que a função propedêutica e
29
profissional, pelo menos em termos legais e conceituais, é retirada do Ensino Médio,
desde que este passou a integrar a Educação Básica.
Ressalte-se que, quando a Lei 5692/71 estabeleceu as finalidades do ensino
de 1º. e 2º. graus evidenciou, textualmente, a “qualificação para o trabalho” como
pressuposto da educação primária e secundária, já em seu Art. 1º : o ensino de 1º. e
2º. graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao
desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização,
qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania.
Dessa forma, a Lei 7044/82, de 18/10/1982, surgiu da necessidade de
modificar os dispositivos da Lei 5692/71 referentes à profissionalização do ensino de
2º grau. Assim, passou a ser objetivo do ensino de 1º. e 2º. graus, proporcionar ao
educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como
elemento de auto-realização, preparação para o trabalho e para o exercício
consciente da cidadania. Noutros termos, substituiu-se o termo qualificação pelo de
preparação.
A prioridade da Pedagogia, neste nível de ensino, ainda que não fosse
profissionalizante, se concentrava nos modos de fazer e no disciplinamento. Os
princípios sustentadores da Pedagogia, nas décadas de 70 e 80, passaram a ser
questionados, por conta das transformações no mundo do trabalho originadas pela
globalização da economia e pela reestruturação produtiva, que exigem um novo
profissional.
Daí que os novos princípios propostos, para o Ensino Médio, salientam a
preocupação com as mudanças no conhecimento e seus desdobramentos no que se
refere à produção e às relações sociais de forma geral (Brasil, 2002). Tal
preocupação teve por objetivo integrar o aluno ao mundo contemporâneo nas
dimensões fundamentais da cidadania e do trabalho. É a revolução tecnocientifica
que impõe novos paradigmas e faz com que sejam questionados as práticas e os
discursos escolares, principalmente, os relacionados ao Ensino Médio.
Daí as novas finalidades do Ensino Médio, expressas no Art. 35 da LDB:
I – A consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos: II – A
30
preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento critico; IV- A compreensão dos fundamentos científicos-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
Percebe-se que a lei não recupera a formação profissional para postos ou
áreas especificas dentro da carga horária geral do Ensino Médio, como tentou a
legislação anterior, mas também não cancela o caráter propedêutico que este nível
de ensino tem assumido. Trata-se de entender o que vem a ser a preparação para o
trabalho.
Embora exista a finalidade de preparar para o trabalho, o Ensino Médio não
se confunde com o Ensino Profissionalizante. Este ganha um capítulo especifico na
LDB, cujos artigos sofrem alterações com o decreto 2208, de 17 de abril de 1997.
Percebe-se, no discurso da lei, a intenção de reafirmar o caráter formativo do
Ensino Médio, em conjunto com o caráter propedêutico e profissionalizante. Para
atingir tal intenção, os documentos da reforma argumentam em favor de um ensino
que estimule a capacidade de pensar. Para tanto, é preciso recorrer a formas
diferenciadas de tratamento dos conteúdos que favoreçam a relação teoria e prática.
Defende-se, portanto, a adoção de práticas de ensino, que tenham como eixo a
interdisciplinaridade e a contextualização.
Os documentos oficiais representam a expressão da reforma curricular para o
Ensino Médio, na medida em que trazem em seu discurso um conjunto de
prescrições e recomendações que devem servir para apoiar a organização curricular
dos estabelecimentos de ensino e o trabalho dos professores.
A resolução CEB/CNE 03/98, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio, estabelece suas bases legais, os princípios norteadores e a
nova organização curricular. Tais prescrições, propagadas num texto de 65 páginas,
são aprofundadas pelo parecer CEB/CNE 15/98.
Assim, os objetivos das diretrizes são enunciados nas seguintes perspectivas:
31
Sistematizar os princípios e diretrizes gerais contidos na LDB, explicitar os desdobramentos desses princípios no plano pedagógico e traduzi-los em diretrizes que contribuam para assegurar a formação básica comum nacional;dispor sobre a organização curricular na formação básica nacional e suas relações com a parte diversificada e a formação para o trabalho”.(BRASIL, 1999, p.51)
Observe-se, no Parecer, o caráter da obrigatoriedade das Diretrizes, após sua
aprovação e homologação, o que significa que as instituições escolares precisam
ajustar suas propostas em conformidade com as prescrições das diretrizes abaixo
apresentadas em linhas gerais:
No Art. 1º., as Diretrizes são tidas como o “conjunto de definições
doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na
organização pedagógica e curricular” das unidades escolares, que integram os
diversos sistemas de ensino, na perspectiva de “vincular a educação ao mundo do
trabalho e na prática social, consolidando a preparação para o exercício da
cidadania e propiciando preparação básica para o trabalho”.
Este artigo mostra a coerência que existe entre as diretrizes e as finalidades
da Educação Básica, expressas na LDB. Nesta mesma direção, o Art. 2º. observa
que “a organização curricular deste nível de ensino deve ser dada pela Lei 9394/96”.
O Art. 3º. indica três princípios que devem orientar a organização curricular do
Ensino Médio, tais quais os estéticos, os políticos e os éticos, que se traduzem na
estética da sensibilidade, na política da igualdade e na ética da identidade.
A estética da sensibilidade tem por objetivo “estimular a criatividade, espírito
inventivo, curiosidade, pelo inusitado e a afetividade, bem como facilitar a
constituição de identidades capazes de suportar a inquietação, conviver com o
incerto e imprevisível” ... (Art.3º., I , das DCNEM).
Concordo com Zibas (2005), quando afirma que dentre outros objetivos,
ajudar o estudante a suportar a inquietação, indica que a acomodação (não a
participação em processos transformadores) pode ser um dos desdobramentos do
currículo recomendado.
32
Há uma ambigüidade presente nos discursos dos textos oficiais que, para
Lopes (2002), se dá em função da busca de legitimação da proposta junto a
diferentes grupos. Dessa forma, os discursos acadêmicos são ressignificados para
atender finalidades educacionais presentes no contexto atual e representam o
esforço de cooptação do educador, na medida em que este não pode recusar a
mudança e, assim, ser taxado de retrógrado e conservador.
Importante salientar também sobre as ambigüidades dos textos oficiais e suas
construções teóricas, ainda no que diz respeito à estética da sensibilidade.
A sociedade atual tem acentuado as fragmentações sociais, mediadas por
interesses contraditórios, conflitos e disparidades, o que torna o entendimento do
que seja criatividade, sutileza e afetividade não somente diferentes, mas também
contraditórios.
A política da igualdade diz respeito à preparação do educando para a vida
civil por meio do reconhecimento dos direitos humanos e deveres da cidadania.
Neste principio, percebe-se o “estímulo ao protagonismo do sujeito nas condutas
sociais, de participação e solidariedade, respeito e senso de responsabilidade pelo
outro e pelo público” (Brasil, 1999 p.77).
Tal protagonismo mostra um projeto mínimo de Estado que se isenta de seu
papel de garantir os direitos, por meio do encolhimento de suas responsabilidades
sociais e de sua transferência para a sociedade civil.
A ética da identidade tem como pressuposto básico a formação para a
autonomia como o fim mais importante, pois estimula o sujeito a construir sua
identidade ética e o leva a reconhecer sua própria identidade e a do outro.
Sem entrar nas discussões sobre os significados dos termos identidade, ética
e autonomia, considero importante salientar que, antes da formação do sujeito
nestas perspectivas, é fundamental construir-se sujeito.
Para Pereira (2007, p.25), “construir-se sujeito nada mais é do que se
construir em todas as suas dimensões”. ”Reconhecer-se sujeito é ser autônomo,
livre e responsável em todas as suas ações”. É possível alunos e professores se
reconhecerem sujeitos na escola que temos hoje?
33
O Art. 4º. estabelece que as propostas pedagógicas das escolas e os
currículos dela decorrentes incluirão competências básicas, conteúdos e formas de
tratamento dos conteúdos, de acordo com as finalidades do Ensino Médio
apresentadas na LDB 9394/96.
As competências básicas presentes no currículo do Ensino Médio
estabelecem o desenvolvimento da capacidade de aprender e continuar
aprendendo, de autonomia intelectual e do pensamento crítico, de modo a ser capaz
de continuar com os estudos e de adaptar-se com flexibilidade às novas condições
de ocupação ou aperfeiçoamento (Art. 4º, I).
Quanto às formas de tratamento do conteúdo, os currículos deverão ser
organizados de modo a adotar metodologias de ensino diversificadas, que
estimulem a reconstrução do conhecimento e mobilizem o raciocínio, a
experimentação, a solução de problemas e outras competências cognitivas
superiores (Art. 4º. III).
Fica implícito, ainda, que as finalidades dessa formação sirvam para atender
às demandas do setor produtivo e à preparação para o trabalho. É preciso
reconhecer que as necessidades de desenvolvimento social e econômico são reais,
mas a formação da juventude para enfrentar a nova realidade impõe-se como um
desafio muito maior, com a compreensão de que tal formação deve ser muito mais
ampla e profunda do que a demanda pela produção. No que diz respeito à
dificuldade dessa formação, Pereira (2000, p.45) salienta que é notória a
preocupação da escola com relação à preparação para o trabalho. Mas, “há de se
perguntar: para qual trabalho? Trabalho, hoje, tem sentido de supervisão e
otimização”. A concepção de trabalho mudou radicalmente e a escola desconhece
de que maneira formará esses estudantes para o trabalho.
O fato de que a escola não pode ficar alheia às exigências econômicas e
produtivas não pode significar, evidentemente, que se deva submeter passivamente
à racionalidade econômica vigente. É importante que a escola ensine a
compreensão do que seja o homem e do que ele representa neste mundo.
É evidente que a aprendizagem desvinculada da vida, do cotidiano dos
alunos, por meio de um ensino compartimentalizado, centrado no acúmulo de
34
informações, que visa a memorização, não responde às demandas do mundo
contemporâneo, tendo em vista a revolução tecnocientífica em curso. Dessa forma,
o Art. 6º. estabelece que a organização do currículo há que se basear nos princípios
pedagógicos da identidade, diversidade e autonomia, contextualização e
interdisciplinaridade.
O Art. 10º. prescreve a organização da base nacional comum do currículo em
três áreas do conhecimento: Linguagens, Códigos e suas tecnologias, Ciências da
Natureza, Matemática e suas tecnologias e Ciências Humanas e suas tecnologias.
Tal organização tem como base a reunião dos conhecimentos que compartilham
objetos de estudo e, portanto, mais facilmente se comunicam, criando condições
para que a prática escolar se desenvolva numa perspectiva de interdisciplinaridade
(BRASIL, 1999, p. 32).
Importante salientar que os critérios de seleção dos conteúdos não são
discutidos nos PCNEM e nas Orientações.
Essa não justificativa demonstra uma naturalização dos conteúdos
disciplinares, como se fossem inquestionavelmente os melhores e mais legítimos, e
reforça a crítica de que a organização do currículo não se dá de forma parcial e
inocente. É um processo social que envolve interesses, conflitos, necessidade de
legitimação e controle.
No caso da organização curricular, expressa nos PCNEM, os conhecimentos
são articulados com o mundo do trabalho no contexto da chamada globalização.
Uma questão não menos importante sobre a organização do currículo e áreas
do conhecimento, desconsiderada nas diretrizes, é apontada no pensamento de
Nunes (2002), quando afirma que essa organização exige uma profunda mudança
de mentalidade de todos os sujeitos que participam da atividade educativa dentro da
escola. Há ainda a necessidade da mudança na organização dos tempos e dos
espaços escolares, além da melhoria na formação docente e seu aperfeiçoamento
em serviço.
As diretrizes apresentam princípios que são aprofundados no Parecer
CEB/CNE 15/98. Tal Parecer tem discurso avançado em termos das proposições
35
para a melhoria do Ensino Médio e foi elaborado em sintonia com a última geração
de reformas do Ensino Médio no mundo (BRASIL, 1999 p.73), como pensa a
parecerista Guiomar Namo de Mello.
No texto se reconhece que o Ensino Médio tem problemas, apesar de seu
discurso otimista. Mas não há encaminhamentos precisos para a solução desses
problemas.
Os professores são mencionados com destaque pela precariedade de sua
formação, sobre a qual a parecerista prefere não se manifestar, pois ao ignorar a
gravidade da questão, transfere a responsabilidade da formação dos professores
para as instituições de ensino superior.
A preparação dos professores, pela qual o ensino médio mantém articulação decisiva com a educação básica, foi insistentemente apontada como maior dificuldade de implementação dessas DCNEM, por todos os participantes, em todos encontros mantidos durante a preparação deste parecer, maior mesmo que os condicionantes financeiros. Uma unanimidade de tal ordem possui peso tão expressivo que dispensa maiores comentários e análises. Um peso que deve ser transferido às instituições de ensino superior, para que considerem, quando no exercício de sua autonomia, assumirem a responsabilidade com o país e com a educação básica que considerem procedentes. (BRASIL, 1999, p.111).
Na contramão deste discurso estamos nós os professores mergulhados na
precariedade estrutural das escolas e nas péssimas condições de trabalho, que se
tornam elementos impeditivos das mudanças pretendidas para o Ensino Médio.
Certamente, a formação dos professores tem relevância para a
implementação das diretrizes, na medida em que estas prescrevem um ensino
diferente daquele que os professores estavam habituados, e nos quais não foram
formados, e mais: se pautam em princípios complexos e difíceis de serem
implementados nas atuais condições das escolas de Ensino Médio. Porém, propor
soluções para a questão é problema político e requer ação conjunta, na qual o
Estado, como criador de políticas para a formação de professores, não pode ser
ignorado.
Mesmo sem contar com a participação dos professores e com o
conhecimento superficial que estes têm na escola sobre a proposta oficial, a estes
cabe a responsabilidade de transformar o currículo proposto em currículo-ação, pois
36
esta é a forma de reconhecer que o desenvolvimento curricular será feito na e pela
escola (BRASIL, 1999 p. 104).
O parecer 15/98 prevê que a implantação das Diretrizes ocorrerá mediante
processo de transição e ruptura. Ruptura que a meu ver, só ocorrerá no sentido de
que a construção de um novo Ensino Médio, significativamente diferente do atual,
vai requerer mudança de concepção, valores e práticas.
Nesse sentido, há destaque nas DCNEM para a necessidade de que
professores se apropriem dos princípios legais, políticos, filosóficos e pedagógicos,
tanto do currículo proposto, como da proposta pedagógica da escola:
Outro reconhecimento que se aplica: se não há lei ou norma que possa transformar o currículo proposto em currículo em ação, não há controle formal nem proposta pedagógica que tenha impacto na sala de aula, se o professor não se apropriar desta proposta como seu protagonista mais importante (BRASIL, 1999, p.104).
Como professora, afirmo que, na escola, o contato com as propostas, com os
documentos oficiais se dá muito superficialmente, raramente apresentados em
reuniões promovidas na escola, com tempo de duração insuficiente para estudo e
reflexão e sem material suficiente para que os professores possam fazê-lo fora da
escola. E acentuo o caráter contraditório do propalado: como o protagonista mais
importante no processo pode ser deixado de lado?
37
22..22 AAss mmuuddaannççaass pprreeccoonniizzaaddaass nnoo ccuurrrrííccuulloo ooffiicciiaall ddoo EEssttaaddoo ddee SSããoo PPaauulloo,, iinnssttiittuuííddoo eemm 22000088,, ppaarraa oo EEnnssiinnoo MMééddiioo
Integrada à Nova Agenda para a Educação Pública do Estado de São Paulo,
que prevê dez metas e ações para o período de 2007 a 2010, surge em 2008, a
Proposta Curricular do Estado, sob a justificativa do desempenho insuficiente do
sistema educacional identificado nos resultados dos últimos censos escolares.
Nesta Nova Agenda para Educação Pública do Estado de São Paulo, o
discurso presente é o da prioridade dada à melhora da qualidade da aprendizagem e
da promoção de maior eqüidade na Educação Básica.Mas o que se percebe na
realidade, é uma grande preocupação com índices, números, metas a atingir, numa
política de competição e meritocracia entre escolas, alunos e professores. Não se
privilegia o processo, nem os sujeitos envolvidos nele.
Segundo o Diário Oficial do Estado de São Paulo (Executivo, Seção I, de
21/08/2007), o desempenho do Estado, com relação ao Ensino Médio, declinou nas
últimas edições do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), tanto em
Língua Portuguesa como em Matemática e está abaixo da média da região Sudeste.
Houve, contudo, melhora significativa dos indicadores de escolarização e de
distorção nas idades – série, evasão e analfabetismo. Entretanto, taxas de
reprovação em todas as séries apresentaram tendência crescente desde 2000.
O documento básico da Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2008,
p.8) apresenta os “princípios orientadores para uma escola capaz de promover as
competências indispensáveis ao enfrentamento dos desafios sociais, culturais e
profissionais do mundo contemporâneo”, a fim de que as escolas possam se tornar
aptas a preparar seus alunos para esse novo tempo. Ou seja, o discurso da
Proposta caminha lado a lado com o discurso dos documentos analisados
anteriormente.
Consta nesse documento que o sentido de educar deve ser educar para a
vida, sendo que a “quantidade e a qualidade do conhecimento têm de ser
determinadas por sua relevância para a vida de hoje e do futuro, além dos limites da
escola”. (SEE 2008, p.18).
38
No entanto, sabe-se que a escola não é mais a única detentora da informação
e do conhecimento, mas cabe a ela preparar seu aluno para viver em uma
sociedade em que a informação é disseminada em grande velocidade, e a
tecnociência está cada vez mais trazendo novos impactos e mudanças nas formas
de ver, viver e conhecer o mundo. Só que essas mudanças não atingem a escola,
ou atingem muito pouco. É uma instituição que vive um anacronismo frente às atuais
transformações. E aí se encontra o gargalo: Uma instituição despreparada consegue
preparar alguém?
No discurso da Proposta, a prioridade é dada à competência de leitura e
escrita, em virtude da centralidade da linguagem no desenvolvimento da criança e
do adolescente.
Para desenvolvê-la é indispensável que seja objetivo de aprendizagem de
todas as disciplinas do currículo, ao longo de toda a escolaridade básica. Desta
maneira, coloca aos gestores “(a quem cabe a educação continuada dos
professores na escola) a necessidade de criar oportunidades para que os docentes
também desenvolvam essa competência – por cuja constituição, nos alunos, são
responsáveis” (SEE, 2008 p.18).
Integra esta Proposta Curricular um documento de Orientações para a Gestão
do Currículo na escola, dirigido aos gestores: diretores, coordenadores,
supervisores. Esse documento não trata da gestão curricular, em geral, mas tem a
finalidade específica de apoiar o gestor para que seja um líder e animador da
implantação da Proposta Curricular nas escolas públicas estaduais de São Paulo.
A Proposta Curricular se completa com um conjunto de documentos dirigidos
especialmente aos professores; os Cadernos do Professor, nos quais são
apresentados os conteúdos disciplinares específicos, aliados às competências e
habilidades, e são organizados por série, bimestre e disciplinas, juntamente com
orientações de métodos e estratégias de trabalho nas aulas, experimentações,
projetos coletivos, atividades extraclasse, estudos interdisciplinares e
acompanhados de orientações para a gestão da sala de aula, para a avaliação e a
recuperação. Ou seja, tudo é imposto, uma vez que chega “pronto”.
39
A concepção de professor, que aparece implícita na Proposta Curricular, é
altamente restritiva e retira a autoria do trabalho didático e a autonomia docente.
Desta forma, nós professores, nos tornamos meros repetidores de conteúdos e
metodologias elaborados por outrem, provavelmente desvinculados da realidade na
qual atuamos, uma vez que, dessa forma aos professores sobram poucas
possibilidades de flexibilização das atividades educativas.
Tais documentos podem ser vistos sob dois aspectos: quanto à forma e
quanto ao conteúdo. Quanto à forma, trata de uma Proposta que não decorreu de
uma ampla e democrática discussão com a comunidade escolar, como
supostamente aconteceu com os Parâmetros e Diretrizes Curriculares do Ensino
Médio. Optou-se por mecanismos e processos de pseudoconsultas, insuficientes,
para camuflar o caráter autoritário de sua elaboração e implementação elaborada de
“cima para baixo”.
Quanto ao conteúdo, a Proposta é simplista, precariamente apoiada na
literatura disponível, sem falar da gravidade dos erros que apresenta. Como por
exemplo, erros que ocorreram nas apostilas de Geografia da 6ª. série que continham
mapa da América do Sul com o Paraguai repetido duas vezes e sem o Equador.
Ainda na apostila de Geografia 1ª. Série do Ensino Médio, uma legenda sugere que
a madeira pau-brasil existe em todo o país, o que não é verdade. O Rio Xingu que
fica no Amazonas, foi deslocado para Rio Grande do Sul. Existiram também
expressões de inglês incorretas, e erros de grafias. Os exercícios propostos aos
alunos são pobres, não exigem grande esforço de pensamento.
Um exemplo disso, dentre outros, é um exercício na apostila de Educação
Física do 2º ano do Ensino Médio, em que o aluno tem que relacionar as práticas
que executam o mesmo movimento, ligando as figuras: uma pessoa correndo na
esteira, e pessoas correndo num parque; e uma pessoa fazendo um exercício para
membros inferiores em máquina (musculação) e uma pessoa fazendo o mesmo
movimento, o mesmo exercício, mas usando o peso do corpo, sem utilização de
máquina. Os próprios alunos comentam a facilidade dessa atividade. E detalhe, as
respostas aparecem no final do caderno.
40
Os exercícios propostos nos cadernos dos alunos também são repetitivos,
mudando apenas a maneira de fazer a mesma pergunta, ou mesma atividade.
A Secretaria de Educação afirmou que os erros foram de diagramação e
digitação e que não foram tão graves.
Ou, ainda, alguns conteúdos são insuficientemente conhecidos pelo
professor, como por exemplo, no caso da Proposta de Educação Física, a imposição
de algumas atividades esportivas, como Golfe, Flagbol, Badminton, Tênis, Rugby, e,
ainda, lutas, como a Esgrima e as Artes Marciais. Conteúdos nunca tratados na
formação inicial do professor, menos ainda na formação continuada (que
formação?), além da dificuldade de serem realizados nas escolas, dadas as
condições de espaço, tempo, estrutura física e materiais.
Não quero dizer com isto que não devemos buscar novos conhecimentos,
mas recebemos os cadernos em cima da hora, e torna-se difícil para o professor
conhecer, ter domínio desses conteúdos de maneira adequada para poder ser o
mediador na aprendizagem do aluno. Como ensinar aquilo que não se conhece
bem. O grande problema é o tempo. O tempo cobrado para as atividades, o tempo
de duração das aulas, dos bimestres.
Além disso, a proposta atribui ao gestor papel meramente fiscalizador, no
sentido de que a ele cabe fiscalizar a adoção do imposto sem maiores discussões ou
reflexões. E em momento algum ele consegue efetivar aquilo que dizem os
documentos: promover a educação continuada dos professores.
O projeto pedagógico traça todas as orientações a serem seguidas por
gestores e professores, quanto à implantação da Proposta Curricular “nas condições
singulares de cada escola”. Mas não há uma autonomia possível para gestores e
educadores. Trata-se de uma “camisa de força”, como se pode constatar pela
afirmação que segue: “A criação da LDB, que deu autonomia às escolas para que
definissem seus próprios projetos pedagógicos, foi um passo importante. Ao longo
do tempo, porém, essa tática descentralizada mostrou-se ineficiente” (SEE, 2008, p.
5).
41
Esses cadernos vêm de encontro aos documentos citados anteriormente,
quanto à questão da imposição de prescrição do trabalho do professor, conteúdos e
discussão de currículo. Os anteriores eram falsamente flexíveis, estes são
claramente autoritários.
Se nos voltarmos para a nossa história, desde a instauração da República no
Brasil, será possível observar que a construção da escola pública brasileira sempre
esteve condicionada ao “vai e vem” das políticas educacionais de cada governo e de
cada gestão política. Isto não é diferente no Estado de São Paulo. Os avanços e
retrocessos de nossa escola estiveram e estão submetidos ao jogo político e aos
interesses que, muitas vezes, não coincidem com as reais necessidades
educacionais da escola.
É triste verificar que recursos e esforços são desperdiçados por reformas que
desconsideram a importância de ter os professores como parceiros efetivos na
definição de novos rumos curriculares.
Diretrizes, parâmetros, ou qualquer outro tipo de referência curricular, têm
papel especial, sobretudo num país com as proporções e disparidades do nosso.
Uma base comum poderia ser assegurada, desde que fosse uma construção, num
processo verdadeiramente democrático e não impositivo, no qual os professores
tivessem a oportunidade de produzir um documento formativo que orientaria e
reorientaria suas práticas pedagógicas, de acordo com os objetivos, necessidades e
realidade da comunidade escolar da qual fazem parte.
42
33 AA IINNTTEERRDDIISSCCIIPPLLIINNAARRIIDDAADDEE NNAA EESSCCOOLLAA:: OO DDIISSCCUURRSSOO OOFFIICCIIAALL EE AA PPRRÁÁTTIICCAA EEDDUUCCAATTIIVVAA
Pensar a interdisciplinaridade constitui tarefa árdua. É um termo polissêmico,
utilizado de forma ampla e “aplicado” em diferentes contextos. Pombo (2003, p.1)
afirma, radicalmente, que “ninguém sabe o que é Interdisciplinaridade, nem as
pessoas que a praticam, nem as que a teorizam, nem aquelas que a procuram
definir”.
A interdisciplinaridade surge no texto das Diretrizes e Parâmetros como eixo
integrador do Ensino Médio, na perspectiva de tornar significativos e menos
fragmentados os conteúdos escolares.
Hoje, defesa é feita à necessidade de formar profissionais capazes de
enfrentar os urgentes desafios impostos pela sociedade, principalmente aqueles que
dizem respeito ao mundo do trabalho, como já visto.
Neste cenário, o ensino compartimentalizado, caracterizado pelo tratamento
estanque dos conteúdos, deixa de dar conta de tais desafios. Assim, as novas
propostas de reformulação curricular pretendem a superação dessa forma de
abordar o conhecimento:
A tendência atual, em todos os níveis de ensino, é analisar a realidade segmentada, sem desenvolver a compreensão dos múltiplos conhecimentos que se interpenetram e conformam determinados fenômenos. Para essa visão fragmentada contribui o enfoque meramente disciplinar que na nova proposta de reforma curricular pretendemos superado pela perspectiva interdisciplinar e pela contextualização do conhecimento. (BRASIL, 1999, p. 34).
De modo geral, a tônica dos discursos em defesa da Interdisciplinaridade
deriva da crescente complexidade do mundo atual, que leva à busca da unidade
perdida, por conta da fragmentação e especialização do conhecimento.
Embora se reconheça que esta especialização foi importante para o
desenvolvimento da Ciência, tais ganhos levaram também a prejuízos. Por essa
razão, o conhecimento fragmentado passou a ser alvo de críticas. Para Santomé
(1998, p.45), a força do discurso interdisciplinar se justifica pela “necessidade de
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reorganizar e reagrupar os âmbitos do saber para não perder a relevância e a
significação dos problemas a detectar, pesquisar, intervir e solucionar”.
Muitos dos autores que discutem a temática da Interdisciplinaridade,
reconhecem que o interesse por ela no campo educacional não é recente.
Por conta das novas demandas impostas à educação, a defesa da
Interdisciplinaridade ganhou destaque no discurso educacional e, apesar de ser
considerada, atualmente, por alguns como “modismo” ou “panacéia” para todos os
males, ela parece “ter vindo para ficar”, pois, uma formação pautada num ensino
disciplinar não suporta a complexidade do mundo atual.
Em nosso país, há forte tendência para seguir modelos educacionais
estrangeiros e, com a questão da Interdisciplinaridade, não foi diferente.
Infelizmente, essa absorção se deu de forma rápida e superficial, principalmente
pelo sistema educacional brasileiro. Não houve um trabalho rigoroso de reflexão
sobre as questões relativas à Interdisciplinaridade em nosso sistema de ensino.
Em nome da Interdisciplinaridade, por exemplo, a LDBEN 5692/71 sugeriu
que houvesse da 1ª. a 4ª. série, do antigo 1º. Grau, a integração dos conteúdos de
História e Geografia, em substituição a Estudos Sociais, e Ciências, em substituição
a Ciências Físicas e Biológicas. Esse fato prejudicou o processo de aprendizagem,
quando os conteúdos passaram a ser trabalhados superficialmente, o que acarretou
o processo de banalização do próprio termo Interdisciplinaridade.
O ideal de organização curricular interdisciplinar que, pretensamente,
acabaria com a fragmentação das disciplinas escolares, tidas como “estanques” e
“isoladas”, já integravam, há algumas décadas, os discursos educacionais e o desejo
de renovação pedagógica. Contudo, na prática, não tem produzido efeitos visíveis
ou consideráveis.
Certos ideais educacionais, discursos e procedimentos pedagógicos,
veiculados por diretrizes e documentos oficiais, freqüentemente lançam mão de
conceitos e, assim, também ocorre com a Interdisciplinaridade que, de um modo
geral, passa a constituir elementos centrais nas escolas, sem que sua significação
prática e teórica – ou, até mesmo, suas implicações operacionais – sejam objeto de
44
análise ou, ao menos, tenham significação compartilhada entre professores,
coordenadores e diretores.
Assim, o discurso pedagógico, que circula nas instituições escolares, acaba
por se tornar conjunto de expressões vagas, cujos significados, para o contexto
escolar, ou mesmo suas repercussões práticas, permanecem incompreensíveis.
A análise dos documentos oficiais faz, por isso, notar que o conceito de
Interdisciplinaridade é apresentado de forma pouco clara e com vários sentidos.
Repetidas vezes, o tema Interdisciplinaridade é abordado como se os professores já
estivessem familiarizados com ele, o que na quase totalidade dos casos não
acontece.
Noções de Interdisciplinaridade predominam nos documentos da reforma do
Ensino Médio, como possibilidade de relacionar disciplinas, no sentido da
complementaridade, convergência ou divergência, ou mesmo de mero diálogo entre
as disciplinas. Dessa forma, evidencia-se a ambigüidade do termo, que indica tanto
a comunicação de idéias como a de integração mais ampla (não fica claro o
significado de integração e comunicação), como revela o texto que segue:
Nesta multiplicidade de interações e negações recíprocas, a relação entre as disciplinas tradicionais pode ir da simples comunicação de idéias até a integração mútua de conceitos diretores, da epistemologia, da terminologia, da metodologia e dos procedimentos de coleta e análise de dados. Ou, pode efetuar-se, mais singelamente, pela constatação de como são diversas as formas de conhecer. (BRASIL, 1999, p. 88).
Como se nota, esta interação pode ir de um nível mais elementar (da simples
constatação de que existem diversas maneiras de se conhecer um fenômeno) até
um nível mais complexo (caso do campo epistemológico).
Entretanto, para Mello (1999), relatora das DCNEM, até o nível elementar da
Interdisciplinaridade é importante para que os alunos aprendam a olhar o mesmo
objeto sob perspectivas diferentes (não há uma explicação sobre o qual é o nível
mais elementar da interdisciplinaridade nem sobre o nível mais complexo).
O destaque realmente dado ao tema nos documentos oficiais não visa
necessariamente à finalidade de possibilitar a compreensão do conhecimento nas
45
suas múltiplas dimensões, mas evidencia muito mais a necessidade de um currículo
integrado (pautado na Interdisciplinaridade e na contextualização) para a formação
de habilidades e competências necessárias aos processos produtivos, como forma
de atender às novas concepções de trabalho, de espaço e de tempo nesses
processos. É o que expressa o Parecer CEB/CNE 15/98:
A facilidade de acessar, selecionar e processar informações está permitindo descobrir novas fronteiras do conhecimento, nas quais este se revela cada vez mais integrado. Integradas são também competências e habilidades requeridas por uma organização da produção na qual criatividade, autonomia e capacidade de solucionar problemas serão cada vez mais importantes, comparadas à repetição de tarefas rotineiras. E mais do que nunca, há um forte anseio de inclusão e de integração sociais como antídoto à ameaça de fragmentação e segmentação, [...] Inicia-se assim, em meados dos anos 80 e primeira metade dos anos 90, um processo ainda em curso, de revisão das funções tradicionalmente duais da escola secundária, buscando um perfil de formação do aluno mais condizente com a característica da produção pós-industrial. O esforço de reforma teve como forte motivação inicial, as mudanças econômicas e tecnológicas. (BRASIL,1999,p.71).
Mobilizam-se as disciplinas em prol do desenvolvimento de competências e
habilidades comuns e no trabalho com diferentes fontes expressas em diferentes
linguagens e, antes de garantir associação temática entre diferentes disciplinas, há
que se buscar unidade em termos de prática docente, ou seja, independente dos
temas tratados em cada disciplina isoladamente, os professores devem trabalhar no
mesmo foco: competências e habilidades.
Constata-se nos documentos que a responsabilidade da Interdisciplinaridade
acontecer na escola é dos professores e há, no discurso, a necessidade de
reestruturação dos tempos e espaços, que na prática não acontecem:
Para que o principio pedagógico da interdisciplinaridade possa efetivamente presidir os trabalhos da escola, faz-se necessária uma profunda reestruturação do ponto de vista organizacional, físico-espacial, de pessoal, de laboratórios, de materiais didáticos. Daí o poder estratégico do projeto político-pedagógico da escola como instrumento capaz de mobilizar o conjunto dos profissionais que nela trabalham, assim como a comunidade, para que se possam conseguir as condições que possibilitem implantar as reformas pedagógicas preconizadas. (BRASIL, 2006, p.68).
Mesmo não sendo o único obstáculo a ser superado para a implantação da
interdisciplinaridade na escola, não posso desconsiderar que as condições de
ensino e de trabalho docente influenciam a prática do professor e constituem um dos
46
sérios limites para a prática do trabalho interdisciplinar ao lado de sua formação
fragmentária e disciplinar.
Sobre as condições de trabalho, às quais estão submetidos os professores,
verifica-se um processo de desqualificação profissional há algum tempo, resultado,
além de outros fatores, da perda progressiva de seu papel, em face da variedade de
tarefas que têm que realizar como serviços burocráticos, resolução de problemas
estruturais, físicos, financeiros, materiais, espaciais etc., que fogem ao papel do
professor, mas que são praticamente impossíveis de serem deixados de lado.
Há ainda o achatamento salarial que os obriga a ampliar a jornada de
trabalho. Essa ampliação chega muitas vezes a fazer com que o professor trabalhe
os três períodos do dia, durante toda a semana, e chega a ter mais de 700 alunos, o
que traz conseqüências, como o estresse e a queda na qualidade da aula, a
impossibilidade de aperfeiçoamento constante e a falta de tempo para refletir
criticamente sobre sua prática pedagógica. Portanto, as dificuldades de formação
são agravadas pelas condições de trabalho.
É importante perceber que uma parte dos problemas com a abordagem
interdisciplinar, é também endógena e envolve aspectos da formação docente –
fragmentada – difícil de ser superada; mas não é num passe de mágica, apenas por
força de argumentação legal, bastante frágil, aponte-se, que os professores
passarão a ter condições de tornar interdisciplinar sua própria prática.
Quanto à concepção da interdisciplinaridade, não há nos documentos oficiais
(e nem na literatura sobre o tema) um consenso. Seu significado não fica claramente
estabelecido e as orientações são vagas.
A LDB 9394/96, em seu artigo 3º., III, estabelece, dentre os princípios da
Educação Nacional, o pluralismo de idéias e as concepções pedagógicas, o que
justifica, assim, que, ao invés de defender um paradigma único para a abordagem
interdisciplinar, os documentos propõem uma variedade de possibilidades para a
Interdisciplinaridade. Princípios estes contraditórios, já que os documentos são
apresentados como modelos a serem seguidos.
Essa dita variedade é reconhecida no artigo 8º., I, das Diretrizes Curriculares:
47
Art 8º: Na observância da interdisciplinaridade, as escolas terão presente que: a interdisciplinaridade, nas suas mais variadas formas, partirá do princípio de que todo o conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de negação, de complementação, de ampliação, de iluminação, de aspectos não distinguidos (BRASIL, 1999)
Essa compreensão de interdisciplinaridade é reforçada no texto dos
Parâmetros, destacado a seguir:
Na perspectiva escolar, a interdisciplinaridade não tem a pretensão de criar novas disciplinas ou saberes, mas de utilizar o conhecimento de várias disciplinas para resolver um problema concreto ou compreender um determinado fenômeno sob diferentes pontos de vista. Em suma, a interdisciplinaridade tem uma função instrumental.Trata-se de recorrer a um saber diretamente útil e utilizável para responder às questões e aos problemas sociais contemporâneos. [...] Na proposta de reforma curricular do ensino médio, a interdisciplinaridade deve ser compreendida a partir de uma abordagem relacional em que, se propõe que, por meio da pratica escolar sejam estabelecidas interconexões de passagens entre os conhecimentos através de relações de complementaridade, convergência ou divergência. (BRASIL, p. 36-36).
Percebe-se, com isso, que o Parecer das Diretrizes silencia a discussão
epistemológica que envolve a Interdisciplinaridade. Considerada como é, não leva
em conta a complexidade do conhecimento, que é por natureza interdisciplinar, mas
que, por força das circunstâncias históricas, passou por um processo de
fragmentação.
A falta de uma conceituação clara nos documentos não contribui para dirimir
nossas dúvidas sobre o tema e, com isso, abre espaço para a perpetuação de
concepções equivocadas e simplistas, que acabam fortalecendo a perspectiva
disciplinar e fragmentada que está presente nas escolas.
Mesmo após 13 anos da assinatura da LDEN 9394/96 e 11 anos da
publicação dos primeiros PNCs, o professor ainda não compreende a
Interdisciplinaridade adequadamente, para que possa repercutir de maneira positiva
no processo de aprendizagem ou cotidiano escolar.
A leitura dos documentos oficiais, por si só, não é suficiente para fornecer ao
professor não familiarizado com o tema, nem com outras disciplinas escolares, uma
base teórica que o deixe seguro quanto à Interdisciplinaridade.
48
Gusdorf (2006, p. 23) afirma que “os alunos só serão iniciados no campo
unitário do saber, se os seus professores tiverem tomado consciência disso antes
deles”, o que indica a fundamental importância da formação dos professores para a
prática da Interdisciplinaridade.
O fato de não apresentar um conceito de interdisciplinaridade de forma clara e
explícita só vem constatar que tal conceito não é consensual entre os
pesquisadores. Pense, então, nos professores.
Circulam na escola concepções equivocadas de interdisciplinaridade ou do
que se qualifica por interdisciplinaridade. Uma proposta interdisciplinar na escola não
é tarefa fácil e, talvez, nem mesmo seja possível.
Outro fator importante a considerar é que nos planejamentos docentes há
uma adequação à “política educacional” desenvolvida pela Secretaria de Educação.
Planejamentos que não têm uma proposta de relações entre as disciplinas, mas sim,
a manutenção da fragmentação.
Os documentos propõem que a comunicação entre as disciplinas escolares
somente seria possível a partir de um conhecimento especifico, do domínio de uma
determinada área, colocando-nos diante da formulação subjacente de que o diálogo
se realiza entre as disciplinas que compartilham objetos de estudo. Isto se comprova
na organização curricular em três áreas:
A organização em três áreas: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas tecnologias, Matemática e Ciências Humanas e suas tecnologias – têm como base reunião daqueles conhecimentos que compartilham objetos de Estudo, e portanto mais facilmente se comunicam, criando condições para que a prática escolar se desenvolva numa perspectiva de interdisciplinaridade. (BRASIL, 2002,p. 32)
As áreas determinadas nos parâmetros e diretrizes acabaram por unir as
disciplinas em algo comum, como por exemplo, Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias, da qual fazem parte os professores de Língua Portuguesa, Língua
Estrangeira Moderna, Artes e Educação Física, pois, considerou-se que essas
disciplinas têm em comum a linguagem (conhecimento lingüístico, linguagem
corporal, das imagens, do espaço e das formas).
49
Contudo, essa organização por áreas, não fez com que os professores
tivessem claro se há e onde há alguma fronteira entre disciplinas, nem proporcionou
formas de estabelecer relações adequadas entre elas, consideradas como da
mesma área, mesmo tendo em comum a Linguagem, como expressam os
documentos.
Além disso, não tiveram os professores uma formação inicial por áreas, mas
por disciplinas. Na realidade, na escola, os professores foram unidos (ou separados)
por áreas somente “no papel”.
Os documentos oficiais abordam diferentemente o conceito de
interdisciplinaridade. Os PCN+ reconhecem certas práticas como multidisciplinares
anteriormente consideradas interdisciplinares nos PCNEM:
[...] o caráter interdisciplinar de um currículo escolar não reside nas possíveis associações temáticas entre diferentes disciplinas que em verdade, para sermos rigorosos, costumam gerar apenas integrações e/ou ações multidisciplinares. O interdisciplinar se obtém por outra via, qual seja, por uma prática docente comum na qual diferentes disciplinas mobilizam, por meio da associação ensino-pesquisa, múltiplos conhecimentos e competências, gerais e particulares, de maneira que cada disciplina dê a sua contribuição para a construção de conhecimentos por parte do educando, com vistas a que o mesmo desenvolva plenamente sua autonomia intelectual. Assim, o fato de diferentes disciplinas trabalharem com temas também diversos não implica a inexistência de trabalho interdisciplinar, desde que competências e habilidades sejam permanentemente mobilizadas no âmbito de uma prática docente, como dissemos acima, centrada na associação ensino-pesquisa. (BRASIL, 2002, p. 16).
O que se constata nos documentos oficiais é um silêncio sobre a diversidade
de concepções existentes sobre a interdisciplinaridade. No texto dos PCNs há
apenas uma única menção à questão, quando se reconhece que a
Interdisciplinaridade tem uma variedade de sentidos e de dimensões que podem se
confundir, mas que são todos importantes. No entanto, não há discussão sobre
esses sentidos, tampouco sobre a complexidade que circunda a prática
interdisciplinar e os limites oriundos da formação fragmentária dos educadores. Mas,
também não houve preocupação em conceituá-la.
Não há nos PCNs propostas para o trabalho interdisciplinar, mas apenas
exemplos de interação entre os conhecimentos das disciplinas, que, a meu ver, se
referem às disciplinas científicas:
50
Uma compreensão atualizada do conceito de energia, dos modelos de átomos e de moléculas, por exemplo, não é algo da Física, pois é igualmente da Química, sendo também essencial à biologia molecular num exemplo de conceitos e modelos que transitam entre as disciplinas. A poluição ambiental, por sua vez, seja ela urbana ou rural, dos solos, da águas ou do ar, não é algo só biológico, só físico ou só químico, pois o ambiente, poluído ou não, não cabe nas fronteiras de qualquer disciplina, exigindo aliás, não somente as Ciências da Natureza, mas também as Ciências Humanas, se pretender que a problemática efetivamente sócio ambiental possa ser mais adequadamente equacionada, num exemplo da interdisciplinaridade imposta pela temática real. (BRASIL 1999, p. 209).
Fica claro que a Interdisciplinaridade, proposta nos Parâmetros, tem uma
finalidade instrumental. Para Etges (1995) essa concepção está inserida numa idéia
de ciência denominada de razão instrumental, por meio da qual o esforço da
racionalidade e da ação humana é reduzido a servir de meio para um determinado
fim visado pelo homem, principalmente para atender interesses práticos e imediatos.
Importante, ressaltar que disciplina escolar não pode ser confundida com
disciplina cientifica, pois a não diferenciação destes dois tipos de disciplinas pode
culminar numa mera transposição da Interdisciplinaridade do campo cientifico para o
campo escolar, o que na verdade parece ser esta a situação presente nos
documentos oficiais.
Reconhecer a problemática que envolve as fronteiras das disciplinas
científicas não significa que os indícios de imposição da abordagem interdisciplinar
nos discursos oficiais sejam suficientes para permitir uma mínima sistematização de
ações interdisciplinares e, claramente, carecem de fundamentação.
Apesar das dificuldades e obstáculos para superar a fragmentação do
conhecimento e adotar a abordagem interdisciplinar, é visível o otimismo expresso
nos documentos sobre a viabilidade de implantação desse princípio no Ensino
Médio:
Uma concepção assim ambiciosa do aprendizado cientifico-tecnológico no Ensino Médio, diferente daquela praticada na maioria das nossas escolas, não é uma utopia e pode ser efetivamente posta em pratica no ensino da Biologia, Física, Química e da Matemática e das tecnologias correlatas a essas ciências. Contudo, toda a escola e sua comunidade, não só o professor e o sistema escolar, precisam se mobilizar e se envolver para produzir as novas condições de trabalho, de modo a promover a transformação educacional pretendida. (BRASIL, 1999, p.208).
51
Como se pode observar, a responsabilidade do Estado é deixada de lado, no
sentido de promover as condições adequadas para a implantação da proposta da
Interdisciplinaridade, tanto no âmbito da reestruturação infra-estrutural das escolas
quanto no âmbito da formação de professores.
Concordo com Bueno (2000, p.19), quando afirma que:
Quando se trata da efetivação das normas o discurso do parecer enfatiza a vontade dos atores sociais, individualizando-os e deixando na penumbra um dos principais obstáculos à sua implementação: o fato de que o Estado oscila entre a necessidade de assumir compromissos mais consistentes com o ensino médio e a política de enxugamento e redistribuição financeira na área educacional.
Desta forma, não se pode discutir a Interdisciplinaridade sem abordar seus
obstáculos e desafios. Os discursos oficiais, que tratam do tema, apresentam os
obstáculos e desafios da Interdisciplinaridade, que se traduzem em concepções com
os mais variados enfoques, alguns românticos e idealistas e outros utópicos. Difícil é
encontrar um caminho que satisfaça os anseios por uma educação menos
compartimentalizada, que possibilite a formação de homens mais humanos, que
tenham um olhar mais integral, sobre o mundo e sobre si mesmos.
Existem diferenças de enfoques sobre a Interdisciplinaridade indicada nos
documentos, mas a concepção é a mesma: interdisciplinaridade instrumental, ou
composta, ou restritiva, ou compósita, que apesar dos nomes diferentes, defendidos
por autores diferentes, têm o mesmo significado e todas elas tratadas pelos autores
no âmbito da pesquisa científica.
A concepção de Interdisciplinaridade que aparece nos PCNEM é mais
abrangente e se daria por meio de projetos e temas, que seriam o elemento
unificador ou integrador das disciplinas, supostamente, partindo da necessidade das
escolas.
Já os PCN + têm a Interdisciplinaridade como que voltada para o
desenvolvimento das competências e habilidades, que seriam o eixo integrador das
disciplinas. Dessa forma, a Interdisciplinaridade seria operacionalizada no âmbito de
uma prática docente comum, na qual cada professor atua em conformidade com as
competências e habilidades acessíveis ao domínio de sua disciplina e que, no
52
conjunto, proporcionará ao aluno em formação uma variedade de conhecimentos,
competências e habilidades gerais, acessíveis e utilizáveis em diferentes contextos e
situações da vida.
Nestes documentos, passam a ser consideradas multidisciplinares práticas
antes consideradas interdisciplinares. E ainda sugerem que as iniciativas
interdisciplinares sejam implantadas até mesmo no seio de uma única disciplina:
[...] a perspectiva interdisciplinar de conteúdos educacionais apresentados com contexto, no âmbito de uma ou mais áreas, não precisa necessariamente de uma reunião de disciplinas, pois pode ser realizada numa única.( BRASIL, 2002 p.16-17)
Há muito pouco sobre a Interdisciplinaridade nas OCNEM, o que evidenciou o
caráter terminal da proposta, iniciada com os PCNEM e consolidada nos PCN+. Nas
OCNEM reafirma-se a Interdisciplinaridade descrita nos PCN+.
Em síntese, as informações encontradas nos documentos oficiais revelaram
um quadro teórico frágil para fundamentar, por si só, a prática da
Interdisciplinaridade na escola, pois carece de suporte teórico aprofundado.
53
33..11 AA pprrááttiiccaa eedduuccaattiivvaa
Iniciei no primeiro capitulo deste trabalho, mais precisamente na página 17,
uma introdução ao relato de minha prática pedagógica, para evidenciar as razões
que me impulsionaram à pesquisa deste tema, do caminho que trilhei, os
encantamentos e desencantamentos, os impactos, as descobertas e inquietações.
Neste subcapítulo, a intenção é evidenciar os obstáculos de minha atuação
pedagógica focada na interdisciplinaridade, que considerei importante mantê-la no
mesmo capitulo onde evidencio os discursos oficiais sobre a interdisciplinaridade.
Não tenho a intenção neste trabalho, de negar as mudanças, os novos
olhares sobre o conhecimento, os avanços tecnocientíficos, nem a necessidade e
importância de saber lidar com essas novas situações. Mas sim de denunciar a
incoerência na maneira como elas chegam (ou não chegam) ao meio educacional.
Minha maneira de pensar a Interdisciplinaridade se define em antes e depois
do Mestrado, pois uma grande mudança, em mim, foi causada após meu ingresso
no Programa.
Meu primeiro dia na escola se deu aos 13 de setembro de 2001. Uma escola
pública estadual da cidade de São Vicente, situada na área continental, bairro de
periferia. Naquela época, a escola era de Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio.
Com a municipalização do ensino, a escola passou a ser de Ensino
Fundamental II, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Eu não havia trabalhado ainda em escola e esse foi meu primeiro contato e
meu ingresso como professora efetiva da Rede Pública Estadual de Ensino.
Assim que me apresentei, fui recebida pela vice-diretora. Imediatamente,
entregou-me dezesseis cadernetas, que correspondiam a dezesseis classes, nas
quais ministraria aulas.
54
Nunca havia preenchido uma caderneta. Recebi apenas uma orientação: ”no
final da caderneta se encontram as orientações; é só segui-las; tenho que cuidar dos
alunos no intervalo, pois, estamos sem inspetor e não posso lhe dar atenção”. Mais
tarde, saberia que, na semana anterior, indivíduos, envolvidos com o tráfico,
invadiram a escola à procura de um aluno, certamente com algum tipo também de
envolvimento. Como não havia funcionários para desempenhar a função de
inspetores e, por conta da situação, os gestores e coordenadores assumiram a
função.
Para mim, um professor recém-chegado, inexperiente, teria que receber
algum tipo de orientação, inclusive sobre a estrutura física da escola, a estrutura
organizacional e quem era quem nessa estrutura. Mas, não. Não havia tempo para
acolhimentos. Algumas vezes, encontrava alguém de boa vontade, que se
apresentava e indicava o lugar dos materiais com os quais eu trabalharia.
Nem mesmo em relação aos conteúdos que, já haviam sido tratados, ou os
que deveriam ser assim, a partir do meu ingresso. Desconhecia a situação dos
alunos das salas nas quais eu ministraria aulas. Tive que descobrir por meio de uma
avaliação diagnóstica, no mês de setembro. A professora que ministrava as aulas,
até então, já não se encontrava mais na escola. Não conseguimos dialogar.
Não havia material para trabalhar. Uma bola de couro estragado e uma bola
de borracha era o que existia. Foi, então, a primeira vez que do meu bolso investi
para melhorar de alguma forma a qualidade das aulas. Comprei uma bola para cada
modalidade: futebol, handebol, voleibol e basquetebol.
Percebi, com o passar do tempo, que as atividades diferenciadas que,
eventualmente, eram realizadas pelos professores e que necessitavam de material
especializado, dependia da boa vontade do professor em adquiri-lo. Os professores
assumiam o investimento financeiro, além de despender tempo fora da escola para
adquiri-lo, para que a atividade pudesse ocorrer.
Realmente, um grande impacto. Que ambiente tão “desencaixado”. As
pessoas mal se falavam. Entravam e saiam da sala de aula e, muitas vezes, nem se
encontravam.
55
Duas vezes por semana nos reuníamos por conta da “Hora de Trabalho
Pedagógico Coletivo (HTPC)”, cuja quantidade de horas dependia da quantidade de
aulas que eram ministradas. Ninguém cumpria mais do que três horas semanais, em
dois dias.
Demorei um pouco para entender o significado da sigla, já que, percebia, não
existia prazer em nenhum professor ao participar e, conseqüentemente, não
mostravam seu verdadeiro sentido. Por isso, o apelido de “horário de tempo perdido
coletivamente”.
Consta no Artigo 13, da Lei complementar 836/97, de 30 de dezembro de
1997, que institui plano de carreira, vencimentos e salários para os integrantes do
quadro do magistério da Secretaria da Educação, os seguintes objetivos para o
HTPC:
As horas de trabalho pedagógico na escola deverão ser utilizadas para reuniões e outras atividades pedagógicas e de estudo de caráter coletivo, organizadas pelo estabelecimento de ensino, bem como para atendimento a pais de alunos. (Artigo 13)
Geralmente, os temas tratados serviam, e servem, para resolver problemas
de ordem material, disciplinar ou receber informações administrativas advindas da
Diretoria de Ensino ou da Secretaria de Educação.
Na maioria das vezes, a participação dos professores inexistia (refiro-me aqui
a uma participação efetiva e não apenas de escuta). Algumas vezes, tínhamos que
decidir eventos, festas e até colaborar financeiramente para compra de materiais.
Jamais discutíamos aprendizagem ou avaliação, por exemplo. Não havia
troca de experiências entre os professores e cada um se “fechava” em sua
disciplina. Não havia formação continuada. Muitos nem participavam no mesmo
horário, pois, trabalhavam em outras escolas. Sem falar no pouco tempo de duração
dessas reuniões.
No cenário da escola era fácil identificar várias dicotomias: a da teoria e a da
prática, do ensino e da pesquisa, da obrigação e da satisfação (este último na
concepção da grande maioria dos integrantes da escola é impossível de existir), da
homogeneidade e da heterogeneidade, da separação por especialidades, dos
56
cargos ocupados, enfim, um mar de cenários dicotômicos, difíceis de serem
superados.
Cenários estes que, ao serem analisados na prática, mostravam o caráter
fragmentário da educação escolar, expresso sob diversas formas, dentre as quais os
conteúdos dos diversos componentes curriculares, a não integração das atividades
docentes, técnicas e administrativas no interior da escola, dentre outras.
Em momento algum, durante as reuniões ocorridas na escola, HTPC ou
outras, houve estudo, análise, reflexão ou discussão sobre os Parâmetros
Curriculares Nacionais ou sobre as Diretrizes; nem mesmo sobre a LDB 9394/96,
muito menos sobre Interdisciplinaridade.
Ainda hoje, nada mudou. Tudo permanece como antes.
Naquela época e até dois anos atrás, eu acreditava que a Interdisciplinaridade
ocorria nos momentos em que nos reuniríamos para executar um projeto, que tinha
origem na Secretaria da Educação ou um projeto surgido dos interesses ou
necessidades da escola. Uma visão também compartilhada por meus colegas de
trabalho, mas que em momento algum se discutiu Interdisciplinaridade.
Um exemplo que ilustra tal situação foi um projeto que realizamos, em 2002 e
em 2006, datas de Copa do Mundo de Futebol. O projeto tinha como tema Copa do
Mundo, que deveria ser trabalhado por todos os professores. Cada um com foco no
tema em sua disciplina, conforme sua escolha.
A professora de Geografia, por exemplo, proporcionou aos alunos estudos
sobre a geografia das cidades onde aconteceriam os jogos. O de Matemática optou
por calcular os investimentos financeiros para a realização dos jogos, tanto do país
sede, quanto dos que participariam dela. O professor de História abordou a história
da Copa do Mundo e acontecimentos históricos dos países que já foram sede do
evento. Eu, professora de Educação Física, além de organizar um campeonato de
futebol, trabalhei a História do Futebol, as mudanças das regras, as organizações
internacionais, as curiosidades ocorridas nas copas, os maiores jogadores e o
desempenho dos países no evento.
57
Nem todos os professores trabalharam o tema, por não conseguirem
“encaixar” seus conteúdos nele. Como resultados, os muitos cartazes, maquetes,
textos, seminários e um grande volume de trabalhos.
Nessa época, muitos projetos eram apresentados pela Secretaria da
Educação, os quais eram tratados da mesma maneira: água, meio ambiente,
violência nas escolas, enfim, muitos temas que seriam trabalhados por todos ou
quase todos os professores. Aqueles que não conseguiam trabalhar com os
projetos, por não saberem como relacionar seus conteúdos, continuavam seguindo
seus planejamentos e colaboravam, apenas, quando algum projeto tinha como
resultado final um evento ou uma atividade maior, que envolvesse a escola como um
todo.
Professores cujas disciplinas conseguiam “encaixar” seus conteúdos nos
temas propostos viam-se sobrecarregados de trabalho, pois, muitas vezes, os temas
não tinham relação com o conteúdo que estava sendo trabalhado naquele momento,
mas, mesmo assim, os projetos tinham que ser desenvolvidos.
Muitas vezes, os alunos se queixavam pelos tantos trabalhos que realizavam,
uma vez que cada professor propunha um tipo de trabalho, por conta da disciplina
que cada um exercia.
Outro projeto, realizado no ano de 2004, pretendia pensar a violência na
escola. Naquele ano, constatou-se que os alunos estavam bem mais violentos com
eles mesmos. Brigas na hora do intervalo e da saída, diariamente. Adolescentes
estavam agressivos e intolerantes.
Pois bem, diante dessa problemática, surgiu a idéia de sensibilizar os alunos,
de alguma forma, para emoções e valores positivos. Pensou-se na solidariedade. O
objetivo era sensibilizar os alunos para um olhar mais amoroso, solidário,
compreensivo.
Decidiu-se que os alunos deveriam vivenciar essas emoções. Daí surgiu a
idéia de visitarmos asilos de idosos. Este projeto englobou a escola; todos os níveis
de ensino e os três períodos; não apenas o Ensino Médio.
58
Coube-me pesquisar, na cidade de São Vicente, os asilos de idosos. Visitei
três deles, para expor as intenções da escola. Os três acataram o projeto.
Um grupo de professores de Língua Portuguesa iria realizar trabalhos de
poesia, sarau com os alunos, para que se apresentassem aos idosos. Outro grupo
de professores trabalhou com os alunos a escrita de cartas, para que estes, no dia
de visitas, se propusessem a escrever cartas para os familiares dos idosos que
quisessem e enviá-las pelo correio.
Grupos de alunos do Ensino Médio trabalharam textos literários e, baseados
neles, montaram pequenas peças teatrais. Outros grupos, ainda, elaboraram
coreografias de danças.
Alunos do período noturno, que eram profissionais da beleza (cabelo, pele e
unha), levaram seus serviços aos idosos. Houve, ainda, grupos de alunos que
levaram jogos de tabuleiro.
Para que isto tudo pudesse acontecer, os professores tiveram que arrecadar
dinheiro entre eles para o transporte dos alunos.
Nem todos os professores trabalharam e nem todos os alunos participaram do
projeto. Houve grande dificuldade para a avaliação do projeto em si e da
participação dos alunos.
Como a escola é, acata o sistema de aulas de 50 minutos e muitos
professores trabalham, às vezes em três escolas. Conseguir adesão para as
atividades se tornou um impedimento sempre que essas atividades eram pensadas
para além dos muros da escola.
A participação mais efetiva foi a dos professores de Artes, Língua Portuguesa
e Educação Física. Os alunos que participaram gostaram bastante e se sentiram
sensibilizados. Mas o número foi pequeno, comparado ao número de alunos
matriculados.
O corpo docente sempre sofria (e ainda sofre) eventuais alterações, por
questões de ordem pessoal. Dessa forma, no grupo havia os que não se conheciam
diretamente, não tinham desenvolvido trabalho conjunto e além dos que
59
permaneciam pouco tempo na escola. A rotatividade de professores é
consideravelmente grande, o que representava (e ainda representa) um entrave no
desenvolvimento das atividades escolares.
Havia professores que não participavam dos projetos considerados
interdisciplinares. A resistência e a inércia eram grandes e eu as caracterizava como
má vontade, ausência de envolvimento com a escola e com a Educação.
Na minha visão, se trabalhávamos juntos, estaríamos, por um lado, acatando
o que diziam os documentos oficiais e, por outro, fazendo com que os alunos
aprendessem de uma forma mais ampla e compreendessem assim a relação entre
as disciplinas.
Destaco abaixo o que, na época, vinha de encontro aos meus pensamentos
sobre Interdisciplinaridade:
A interdisciplinaridade deve ir além da mera justaposição e ao mesmo tempo evitar a diluição em generalidades. De fato será na possibilidade de relacionar as disciplinas em atividades ou projetos de estudos, pesquisa e ação, que a interdisciplinaridade poderá ser uma pratica pedagógica adequada aos objetivos do ensino médio. (BRASIL, 2002, p. 88).
Entretanto, as práticas chamadas de interdisciplinares, na época, muitas
vezes, resultavam em conquistas aquém das expectativas. E a avaliação das
iniciativas apresentava dificuldades que desanimavam, ainda mais, os professores.
Após meu ingresso no Mestrado, percebi, então, a polissemia do termo, as
dificuldades de o trabalharmos na prática e o quanto, nós professores, na escola,
estamos alheios a tudo isto.
Em nossas atividades conjuntas, que eram raras, apenas integrávamos
conteúdos em um tema comum ou, apenas, colaborávamos com as disciplinas umas
dos outros. Mas era Isto que, a meu ver, se caracterizava como interdisciplinaridade.
Hoje, mais acentuadamente, há a visão de que a Educação Física, por
exemplo, partilha conteúdos com a Biologia, a Química que, por sua vez, partilha
com a Física. Mas não temos o conhecimento suficiente dessas diferentes áreas e
não conseguimos estabelecer as relações existentes.
60
De um modo geral, nunca nos referimos à Interdisciplinaridade como uma
prática complexa, cuja efetivação requer que se vençam também obstáculos internos
ao próprio sujeito, decorrentes da formação disciplinar.
As dificuldades eram encontradas apenas nos momentos de reunir o grupo
para decidir o que cada um iria propor em cada disciplina, na quantidade de
trabalhos que resultava e na conseqüente dúvida de como avaliar todos eles.
A Interdisciplinaridade na escola não é discutida. Antes de cursar o Mestrado,
acreditava saber como esta acontecia e em que momentos, mesmo com todas as
dificuldades existentes. Mas, mesmo assim, sempre permaneci voltada para minha
disciplina, e não teria nem condições para adentrar em outras. E posso afirmar, o
mesmo acontecia com meus colegas.
Com a nova Proposta Curricular (2008), há pouco ou quase nenhum espaço
para projetos próprios da escola. A importância dos conteúdos foi extremamente
reforçada, como mostro a seguir:
È preciso deixar claro que isso não significa que os conteúdos do ensino não sejam importantes: ao contrário, são tão importantes que a eles está dedicado este trabalho de elaboração da Proposta Curricular do ensino oficial do Estado de São Paulo. São tão decisivos, que é indispensável aprender a continuar aprendendo os conteúdos escolares, mesmo fora da escola, ou depois dela. (SEE/SP, 2008, p.19).
O foco principal é a competência da leitura e escrita, em todas as disciplinas,
e todo material a ser trabalhado pelo professor vem sistematicamente pronto: textos,
avaliações, atividades etc. Há que se enfocar conteúdos e exercícios propostos pela
Secretaria de Educação. Conteúdos para serem cumpridos em pouco tempo, para
que a escola tenha seus próprios projetos, seus próprios conteúdos, suas atividades
independentes das constantes nos cadernos do professor.
Os cadernos do professor, com a nova proposta, vêm com instruções de
como, quando e com o que trabalhar. Pois bem, em alguns desses cadernos
constam as seguintes orientações (não constam, portanto, nos cadernos de todas as
disciplinas):
Possibilidades interdisciplinares: Os temas “Produtos e práticas alimentares e de exercícios físicos associados à busca de padrões de beleza” e
61
“Consumo e gasto calórico: alimentação, exercício físico e obesidade” poderão ser desenvolvidos de modo integrado com Ciências (organismo humano, composição e estrutura química dos nutrientes) e Matemática (calculo do consumo e do gasto calórico). Converse com os professores que ministram essas disciplinas e auxilie os alunos a refletir sobre os temas de forma multidimensional. (CADERNO DO PROFESSOR – 1ª. Série – Educação Física 2009, p. 22).
Várias constatações puderam ser feitas a partir destas orientações:
- A forma de trabalho proposta mostra apenas a união dos professores diante
de temas ou integração de conteúdos, mas cada um focado em sua disciplina.
- Os professores se reúnem apenas no HTPC, duas ou três horas por
semana, e nem todos fazem no mesmo horário ou mesmo dia, pois, ministram aulas
em vários períodos e, até mesmo, em várias escolas, ou seja, não há tempo para o
diálogo.
- Os conteúdos dos cadernos não caminham juntos.
Ao conversar com o professor de Matemática constatei que o tema exigido
no caderno dele era diferente do meu, assim como o do professor de Biologia.
-Os tempos na escola (aulas de 50 minutos) continuam os mesmos e cada
professor tem seu horário. Muitas vezes, nem conseguimos nos encontrar. O que
significa que “conversar com os professores” é missão quase impossível.
-Os cadernos do professor sempre chegam atrasados na escola (muitos dias
após o inicio dos bimestres) e somos obrigados a acelerar os conteúdos para
cumprir os prazos exigidos (entrega de notas, principalmente, que agora é
encaminhada à Secretaria de Estado da Educação via computador e esta emite o
boletim e o encaminha para a escola).
- Não há condições de adentrar aos conteúdos das outras disciplinas, mesmo
aquelas que partilham conhecimentos e são correlatas, por conta da formação
disciplinar e fragmentada, que tivemos desde que iniciamos nossa participação nos
estudos escolares. Até mesmo no Ensino Superior, há forte predominância e
valorização de conteúdos, que acaba também por refletir um ensino disciplinar,
62
eventualmente, relacionado ao cotidiano e, mais raro ainda, aos aspectos interativos
às demais áreas do saber.
- Às vezes, ao trabalhar um conteúdo, por exemplo, da Educação Física, que
também é abordado pela Biologia, nós professores não temos condições de
questionar, responder e avaliar profundamente os assuntos um do outro e acabamos
por “pincelar” tais conteúdos e, dessa forma, fazemos com que os alunos
compreendam apenas que eles se “repetem” em mais de uma disciplina. É possível
conhecer, amplamente, os conteúdos de minha disciplina, mas é muito difícil
estabelecer relações com outras. Falta, sem dúvida, base epistemológica.
Muitas vezes, o professor de Física comenta que precisa da Matemática para
ministrar sua aula. Mas, isso configura concepção excludente em que o “e” é
desvalorizado em detrimento do “ou”. Ou os alunos aprendem Física ou aprendem
Matemática. Noutros termos, o professor não consegue articular conhecimentos.
Fica claro, pois, que a Iinterdisciplinaridade na escola encontra muitos
obstáculos e de várias ordens: epistemológica, institucional, de formação,
metodológica e material. Obstáculos que, de forma alguma, podem ser considerados
isoladamente.
Não percebo na escola posicionamentos explicitamente desfavoráveis à
Interdisciplinaridade, como um dos eixos norteadores da reforma do Ensino Médio, o
que pode significar uma aceitação silenciosa, calada dessa proposta, ou pode ser
lida como conseqüência do fato do professor não se perceber como sujeito e,
portanto, não se perceber como construtor das práticas curriculares na escola.
63
44 IINNTTEERRDDIISSCCIIPPLLIINNAARRIIDDAADDEE:: DDIIFFEERREENNTTEESS SSIIGGNNIIFFIICCAADDOOSS
Nos capítulos anteriores, procurei elucidar as mudanças pretendidas para o
Ensino Médio, a presença do termo Interdisciplinaridade, nos documentos oficiais,
como um dos princípios norteadores dessas mudanças e o relato de minha própria
prática pedagógica com foco na Interdisciplinaridade.
Neste capítulo, mergulho no vasto e complicado terreno da
Interdisciplinaridade, na perspectiva de alguns autores que têm se dedicado ao tema
com a intenção de apresentar algumas concepções.
Grande parte da literatura, que versa sobre a Interdisciplinaridade, estuda
o tema sob a ótica da pesquisa científica. Dentre as exceções, Ivani Fazenda tem a
maior representatividade quanto ao aspecto pedagógico, sobre a
interdisciplinaridade na escola.
Pensamento evidenciado por Japiassu (1976, p. 72), um dos primeiros
pesquisadores a abordar o complicado tema da Interdisciplinaridade, no Brasil,
continua bastante atual: a literatura que trata do tema apresenta discussões que
mostram contradições, ambigüidades e controvérsias, sobre os vários sentidos que
têm sido atribuídos ao termo Interdisciplinaridade, desde que esta passou a fazer
parte do discurso educacional:
Quanto ao termo interdisciplinaridade, devemos reconhecer que este não possui ainda um sentido epistemológico único e estável. Trata-se de um neologismo cuja significação nem sempre é a mesma e cujo papel nem sempre é compreendido da mesma forma.
Olga Pombo, em Epistemologia da Interdisciplinaridade (2003, p.1), afirma
que falar sobre interdisciplinaridade é uma “tarefa ingrata e difícil e em boa verdade
quase impossível”.
Está claro que a origem da Interdisciplinaridade, assim como o entendimento
que se tem deste termo, não é consensual entre os estudiosos do assunto.
Santomé dedica capítulo de sua obra Globalização e Interdisciplinaridade:
currículo integrado (1998), à abordagem histórica sobre a Interdisciplinaridade e,
64
para ele, essa orientação para a reorganização do conhecimento é uma tendência
antiga, que ganhou força na década de 70.
No entanto, no pensamento do autor, a busca por um saber unificado remonta
à Antiguidade; Platão é considerado um dos primeiros pensadores a vislumbrar a
necessidade de uma ciência unificada, propondo que esta tarefa fosse
desempenhada pela Filosofia.
As Humanidades eram independentes das ciências; separação esta que
correspondia à divisão entre o trivium (gramática, retórica e lógica) e o quadrivium
(geometria, aritmética, música e astronomia), o que formava, com isto, as sete artes
liberais.
A diferenciação dos saberes nos tempos antigos não significava um
rompimento; as ciências não eram vistas como fragmentos do saber.
A separação das disciplinas cientificas da Filosofia é um fenômeno que se
torna agudo, sobretudo no século XIX, com o advento do positivismo.
Pensadores como René Descartes, Auguste Comte, Emmanuel Kant, Leibniz,
demonstravam sua preocupação com a fragmentação do conhecimento científico.
As grandes descobertas do passado e os grandes pensadores e
pesquisadores tinham formação pluridisciplinar. Leibniz, metafísico, matemático,
historiador, filósofo e um investigador em mineralogia, é um dos exemplos. Eram
homens que tinham, em sua origem, não um trabalho no interior de sua
especialização, mas justamente a possibilidade de atravessar diferentes disciplinas,
de cruzar diversas linguagens, visto que nesta época não havia a fragmentação do
saber.
Para Gusdorf (1985, p. 45), o tema da Interdisciplinaridade é desenvolvido
numa plena acepção em “Introduction a la Pansophie” (Prodromus Pansophiae)
proposto por Comenius, uma ciência universal capaz de remediar a fragmentação da
disciplinas, publicado em 1637, onde “a dispersão da ciência é denunciada como um
maior sintoma da desordem que desgraça a humanidade”.
Leibniz proclama a necessidade de inverter a marcha do conhecimento:
65
O gênero humano considerado em relação com as ciências que servem ao nosso bem estar, parece-me semelhante a uma multidão que marcha confusamente nas trevas sem ter nem chefe, nem ordem, nem palavra, nem outras marcas para regular a marcha e para se reconhecer. Em lugar de nos darmos a mão para nos guiarmos mutuamente e assegurarmos o nosso caminho, corremos ao acaso e obliquamente, chocamos e magoamo-nos mesmo uns aos outros em vez de nos entreajudarmos e apoiarmos mutuamente [...]. É fácil ver que o que mais nos poderia ajudar seria juntar nossos trabalhos, partilhá-los com vantagem e regulá-los com ordem;mas, presentemente, o que acontece, é que ninguém se arrisca ao que é difícil, ao que não foi ainda desbravado,e todos correm ao que os outros já fizeram, ou copiando-se entre si, ou combatendo-se eternamente [...].(LEIBNIZ, apud GUSDORF, 2006, p.44).
O manifesto de Leibniz expressa com clareza o seu descontentamento com
as pesquisas científicas fragmentadas e isoladas. O tema do conhecimento
interdisciplinar é tão antigo quanto a desintegração moderna do conhecimento.
Sempre existiu, em maior ou menor proporção, uma busca pela unidade do saber.
Para Japiassu (1976), com o surgimento da Ciência Moderna, o
conhecimento passou por um profundo processo de esfacelamento em função da
multiplicação crescente das ciências, cujo desenvolvimento se fez às custas da
especialização do saber, de modo que para conhecer, cada vez mais, determinado
fenômeno, o pesquisador precisou restringir seu objeto de estudo a parcelas cada
vez menores.
Tal fato provocou uma proliferação das disciplinas e a conseqüente
especialização científica, o que provocou uma distância entre as partes e o todo,
cada vez maior, além de por fim às esperanças por um saber unitário. Nas palavras
de Gusdorf (2006, p.14):
Se a especialização é condição inelutável do saber, o compromisso da interdisciplinaridade situa-se contra corrente ao movimento natural do conhecimento. Implica, pois, um elemento de absurdo. [...] Poder se a dizer que a toga inconsutil do saber foi rompida numa grande porção de fragmentos, e, os sábios de nossos tempos estão tendo muito trabalho para juntar de novo os frangalhos dispersos da Ciência unitária cuja exigência não cessa de açular os espíritos.(GUSDORF,1985, p.19).
Para este autor, a interdisciplinaridade aparece como um método filosófico
por excelência, como um grande eixo de um pensamento empenhado em reagrupar
os conhecimentos do homem sobre o homem, dispersos pela diversidade dos
espaços-tempos culturais.
66
Diante do estado em que se encontra o progresso do conhecimento, que para
Gusdorf (2006, p 45) lembra uma “proliferação anárquica de células cancerosas, que
se multiplicam sem um controle ou uma regulação”, impõe-se a exigência da
Interdisciplinaridade.
Da mesma forma, pensa Japiassu, que considera a Interdisciplinaridade como
um “remédio para este mundo doente”, a harmonia se perdeu.Assim, a
Interdisciplinaridade aparece sob três protestos: a)contra um saber fragmentado em migalhas, pulverizado numa multiplicidade crescente de especialidades, em que cada um se fecha como que para fugir ao verdadeiro conhecimento; b) contra o divórcio crescente ou esquizofrenia intelectual, entre uma universidade cada vez mais compartimentalizada, dividida, subdividida,setorizada e subsetorizada, e a sociedade em sua realidade dinâmica e concreta, onde a verdadeira vida é sempre percebida como um todo complexo e indissociável[...]. c) contra o conformismo das situações adquiridas e das idéias recebidas ou impostas (1976, p.43).
O enfoque dado por Japiassu à Interdisciplinaridade se relaciona ao
desenvolvimento da pesquisa. Deixa isto claro, quando afirma que a
Interdisciplinaridade reivindica as características de uma categoria científica, e diz
respeito à pesquisa. Existem, ainda, etapas para se chegar à Interdisciplinaridade,
quais sejam, a disciplinaridade, multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, além da
transdisciplinaridade, que considera etapa superior da Interdisciplinaridade.
Disciplinaridade na visão de Japiassu significa a exploração científica
especializada numa certa área ou domínio de estudo, termo mais empregado para
designar o ensino de uma ciência, ou seja, o “conjunto sistemático e organizado de
conhecimentos que apresentam características próprias” (1976, p.72).
Multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade são definidas pelo autor. A
primeira, como várias disciplinas, propostas simultaneamente, mas desprovidas de
relações; a segunda, como a justaposição de disciplinas geralmente de mesmo nível
hierárquico em que há uma relação entre elas ou disciplinas vizinhas nos domínios
do conhecimento (como, por exemplo, Física, Química e Biologia).
Em suma, para o autor, a multidisciplinaridade e a pluridisciplinaridade são
níveis da Interdisciplinaridade e evocam simples justaposição de várias disciplinas,
sem implicar necessariamente um trabalho de equipe e coordenado.
67
Multidisciplinarmente, existem apenas trocas de informação entre duas ou
mais especialidades, sem que as disciplinas participantes sejam modificadas. O
mesmo ocorre com o nível pluridisciplinar, apesar de neste haver alguma relação
entre as disciplinas, possibilitada por sua proximidade no domínio do conhecimento.
A concepção de Interdisciplinaridade defendida por Japiassu (1976) se
caracteriza pela intensidade da troca entre os especialistas e pelo grau de
integração real das disciplinas, no interior de um projeto de pesquisa. É um processo
interativo, no qual cada disciplina envolvida seja enriquecida.
Ocorre um empreendimento interdisciplinar todas as vezes que ele conseguir
incorporar os resultados de várias especialidades que tomar de empréstimo de
outras disciplinas, certos instrumentos, técnicas metodológicas, esquemas
conceituais, a fim de fazê-los integrarem e convergirem.
Japiassu corrobora com o pensamento de Gusdorf (2006), quando este
afirma que existem obstáculos de ordem epistemológica, institucional,
psicossociológicos e culturais, que precisam ser transpostos, bem como algumas
exigências que precisam ser levadas em conta.
Na perspectiva teórica, assumida por Japiassu, ao abordar a
Interdisciplinaridade, o autor faz menção à dimensão atitudinal do termo quando
afirma:
Em suma, a interdisciplinaridade não é apenas um conceito teórico. Cada vez mais parece impor-se como uma prática. Em primeiro lugar aparece como uma pratica individual: é fundamentalmente uma atitude de espírito, feita de curiosidade, de sentido da descoberta, de desejo de enriquecer-se com novos enfoques, de gosto pelas combinações, de perspectivas e de convicção levando ao desejo de superar caminhos já batidos. Enquanto pratica individual, a interdisciplinaridade não pode ser apreendida apenas exercida. Ela é fruto de um tratamento continuo, de um afinamento sistemático das estruturas mentais. Em segundo lugar, a interdisciplinaridade aparece como uma prática coletiva. (JAPIASSU, 1976, p.82)
Com base nessa concepção de Interdisciplinaridade como categoria de ação,
Ivani Fazenda leva a discussão para o campo pedagógico.
Na perspectiva de promover a articulação entre o universo pedagógico e o
epistemológico, Fazenda buscou descobrir em seus trabalhos sobre
68
Interdisciplinaridade qual seria seu valor, sua aplicabilidade e sua utilidade no
ensino, bem como seus obstáculos.
Para a autora (2003), ao se referir à Interdisciplinaridade seria bom considerar
uma relação de reciprocidade, de interação, que poderia propiciar o diálogo entre os
diferentes conteúdos, desde que houvesse uma intersubjetividade presente nos
sujeitos. Seria uma nova pedagogia capaz de construir o conhecimento por meio de
múltiplas relações, como uma forma de construir um novo profissional, disposto a
novas descobertas, numa busca de superação da dicotomia entre ensino e
pesquisa.
Como se pode observar, uma das principais fontes, na qual Fazenda se
inspira, para definir sua concepção, está na obra de Japiassu (1976), que se inspira
no pensamento de Gusdorf, de modo que há uma semelhança entre as concepções.
Para a autora (2001), o pensar e o agir interdisciplinar partem do principio
de que nenhuma fonte de conhecimento é em si mesma completa. Daí a
necessidade da interação, do diálogo entre as diversas especialidades do
conhecimento. Diálogo possível quando os sujeitos se dispõe a isso.
Entretanto, para a autora, a interdisciplinaridade não é categoria de
conhecimento, mas de ação, atitude de vontade na procura de conhecer melhor. Em
seus trabalhos, menciona várias vezes que a Interdisciplinaridade depende
basicamente de uma mudança de postura em relação ao conhecimento, uma
substituição da concepção fragmentada da disciplina para a unitária do ser humano.
Fica bastante clara, em seus textos, a ênfase numa atitude do sujeito, para que se
promova uma transformação no conhecimento:
Interdisciplinaridade é uma nova atitude diante da questão do conhecimento, de abertura à compreensão de aspectos ocultos do ato de aprender e dos aparentemente expressos, colocando-os em questão.(FAZENDA, 2002, p. 11)
Fazenda (2002) enfatiza a parceria como elemento importante para o melhor
enriquecimento e aproveitamento do trabalho interdisciplinar, e que esse trabalho,
quando reduzido a ele mesmo, é empobrecido, quando socializado adquire formas
inesperadas. Um trabalho que para a autora só poderá se realizar na prática docente
69
se subsidiado por cinco princípios: humildade, coerência, espera, respeito e
desapego.
Em virtude da grande aceitação e circulação da produção teórica dos autores
citados, a concepção de Interdisciplinaridade por eles defendida é bastante difundida
no Brasil. Mas alguns autores têm procurado expor outras concepções, ao
apresentar também os limites e equívocos das que aí estão.
Jantsch e Bianchetti (1995, p.23) denominam de hegemônica e ingênua a
concepção de Interdisciplinaridade que tem como base a Filosofia do Sujeito,
caracterizada por “privilegiar a ação do sujeito sobre o objeto, de modo a tornar o
sujeito um absoluto na construção do conhecimento e do pensamento”.
Segundo os autores, nessa perspectiva, a Interdisciplinaridade é tratada de
forma equivocada e, segundo uma visão redentora, que partindo da vontade do
sujeito e numa ação em parceria contra o mal representado pela fragmentação do
conhecimento, se alcançará a superação de tal fragmentação mediante a unificação
do conhecimento. Apresentam para tanto o seguinte argumento:
Não é, a nosso ver, um trabalho em equipe ou parceria que superará a redução subjetivista própria da filosofia do sujeito. Isto posto podemos dizer que a interdisciplinaridade da parceria, ao contrario do que supõe os que se orientam pela filosofia do sujeito, não abarca, ordena e totaliza a realidade suposta confusa do mundo cientifico. Ou seja, a formula simples do somatório de individualidades ou de sujeitos pensantes, que não apreende a complexidade do problema-objeto, não é milagrosa, nem redentora.Muito menos será o ato de vontade que leva um sujeito pensante a aderir um projeto em parceria. (JANTSCH e BIANCHETTI,p.12).
Os autores defendem uma concepção de Interdisciplinaridade, que
denominam de concepção histórica. Por isto, implica a constituição do objeto
científico historicamente construído. Existem objetos que não exigem
(necessariamente) tratamento interdisciplinar e os objetos que exigem esse
tratamento não dependem do ato de vontade de um sujeito; contudo, aceitam a
tensão entre o sujeito e o objeto e procuram dar uma conotação científica ao termo:
Não se trata de destruir a interdisciplinaridade, historicamente construída e necessária, mas de lhe emprestar uma configuração efetivamente cientifica, que, ao nosso ver, seria possível por adequada utilização da concepção histórica da realidade.Queremos afirmar também que, contrariamente à visão da interdisciplinaridade assentada na parceria, afirmamos que a questão hoje a ser levantada não é a parceria sim ou não, mas quando e
70
em que condições, uma vez que a fórmula (da filosofia do sujeito) parceria=interdisciplinaridade=redenção do pensamento e conhecimento, não se sustenta. (JANTSCH E BIANCHETTI, 1995, p.18).
Claramente, a Interdisciplinaridade da parceria é criticada. No entanto, essa
nova maneira de concebê-la não implica na aniquilação da anterior. Tais idéias
passam a coexistir e disputar espaço entre pesquisadores.
Outra idéia defendida por Jantsch e Bianchetti (1995) é a de que a
Interdisciplinaridade também pode ser exercida individualmente e que este exercício
não implica na negação e/ou anulação da disciplinaridade; antes a
Interdisciplinaridade é construída a partir do conhecimento disciplinar.
Com base na concepção da Interdisciplinaridade para além da filosofia do
sujeito, Frigotto (1995) reconhece a problemática da Interdisciplinaridade como uma
necessidade (algo que se impõe historicamente) e como problema. Para o autor,
mesmo que no processo de construção do conhecimento se imponha a necessidade
da delimitação de determinado problema, não significa o abandono das múltiplas
dimensões, que lhes são constituintes. Mesmo delimitado um fato, teima em não
perder a totalidade de que faz parte indissociável. Por outro lado, não aceita a
Interdisciplinaridade como método de investigação, nem técnica didática.
No que diz respeito à abordagem da Interdisciplinaridade como problema,
Frigotto (1995, p.31) situa a discussão em dois eixos: de um lado “pelos limites do
sujeito que busca o conhecimento de uma determinada realidade e, de outro, pela
complexidade desta realidade em seu caráter histórico”.
Os limites do sujeito se encontram em sua formação, bem como nos limites
físicos e temporais. No âmbito do caráter histórico, os limites se apresentam, uma
vez que “a produção e a divulgação do conhecimento não se fazem alheias aos
conflitos, antagonismos e relações que se estabelecem entre as classes ou grupos
sociais” (FRIGOTTO, 1995, p.36).
Com relação aos desafios da Interdisciplinaridade na pesquisa e na ação
pedagógica, Frigotto (1995, p.45) afirma que se no campo da produção científica os
desafios ao trabalho interdisciplinar são grandes, no cotidiano do trabalho
71
pedagógico os limites são cruciais. E reconhece o principal limite que dificulta o
trabalho interdisciplinar:
O limite mais sério para a prática do trabalho pedagógico interdisciplinar, situa-se de um lado na dominância de uma formação fragmentária, positivista e metafísica do educador e, de outro nas condições de trabalho (divisão e organização) a que está submetido.[...] O especialismo na formação e o pragmatismo e ativismo que impera no trabalho pedagógico constituem-se em resultado e reforço da formação fragmentaria e forças que obstaculizam o trabalho interdisciplinar. (1995, p.46).
Etges, afirma ver a Interdisciplinaridade, como princípio válido, aponta para a
produção do conhecimento e mais concretamente para a pesquisa. Para o referido
autor, a Interdisciplinaridade “é uma ação de transposição do saber posto na
exterioridade para as estruturas internas do individuo, constituindo o conhecimento”
(1995, p.73).Assim, a Interdisciplinaridade é um instrumento para mediar a
comunicação entre os cientistas e entre eles e o mundo do senso comum.
Há, também, na literatura especializada, classificações e categorizações
sobre a interdisciplinaridade, o que não a torna mais clara ou mais definida. E é,
justamente, um dos motivos pelo quais não há nenhuma estabilidade em relação a
este conceito, pois, existem muitas definições, algumas delas com uma sutil
diferença e outras díspares.
Abaixo, algumas classificações de interdisciplinaridade, seus defensores e
suas características:
1) Interdisciplinaridade heterogênea: defendida por Heckhausen (2006), por
Scurati (1977 apud SANTOMÉ 1998) ou Generalizadora por ETGES (1995).
Diz respeito a um enciclopedismo: há uma formação geral e ampla.
2) Pseudo-interdisciplinaridade: defendida por Heckhausen (2006) e por Scurati
(1977 apud SANTOMÉ 1998). Diz respeito ao uso de instrumentos (conceitos,
métodos de análise, por exemplo) aplicáveis em diversas disciplinas, até
mesmo diferentes entre si, como um marco de união entre elas.
3) Interdisciplinaridade Auxiliar: defendida por Heckausen (2006) e por Scurati
(1977 apud SANTOMÉ 1998), ou Linear por Boisot apud SANTOMÉ (1998):
quando uma disciplina toma de empréstimo a uma outra, suas metodologias.
72
4) Interdisciplinaridade compósita: defendida por Heckausen (2006), ou
Composta defendida por SCURATI (apud SANTOMÉ 1998) ou Restritiva
defendida por BOISOT (apud SANTOMÉ 1998) ou Instrumental citada por
(ETGES 1995). Possuem caráter utilitário, servem de meio para um fim visado
pelo homem; são voltadas para a solução de problemas específicos (fome,
violência, poluição, delinqüência) ou de situações concretas; propõem a
intervenção de especialistas de múltiplas disciplinas.
5) Interdisciplinaridade Unificadora: defendida por Heckhausen (2006) e Scurati
(apud SANTOMÉ 1998) ou Estrutural defendida por BOISOT (apud
SANTOMÉ 1998).Trata da integração teórica e dos métodos entre duas ou
mais disciplinas, que culmina no surgimento de uma nova disciplina.
6) Interdisciplinaridade complementar: defendida por Heckhausen (2006) e por
SCURATI (apud SANTOMÉ 1998). Sobreposição parcial entre especialidades
que coincidem em um mesmo domínio de estudo.
As classificações e autores acima citados dizem respeito à
Interdisciplinaridade voltada para o campo cientifico. Está claro que são utilizadas
várias nomenclaturas, para definir significados idênticos.
Outros autores categorizam a Interdisciplinaridade a partir de contextos e
finalidades.
Lenoir (2005) categoriza a Interdisciplinaridade em diferentes campos de
operacionalização: as modalidades, que são a pesquisa, o ensino e a aplicação a
partir de quatro finalidades ou ângulos de acesso: científica, escolar, profissional e
prática. Cada uma destas finalidades se organiza a partir dos objetivos que se quer
atingir. De acordo com o autor, a Interdisciplinaridade escolar ainda é subdividida
num movimento crescente em três níveis assim compreendidos: curricular, didático e
pedagógico.
O nível curricular exige o estabelecimento de ligações de interdependência,
de convergência e de complementaridade entre as diferentes matérias escolares,
que formam o percurso de uma ordem de ensino.
73
O nível didático tem o objetivo de articular o que prescreve o currículo e sua
inserção nas situações de aprendizagem. É o espaço de reflexão do fazer
pedagógico e sobre ele.
O nível pedagógico é o espaço da atualização em sala de aula da
interdisciplinaridade didática. É nesse nível que se encontra a Interdisciplinaridade
como categoria de ação, pois considera a dinâmica real da sala de aula com todos
os seus implicadores:
[...] aspectos ligados à gestão de classe e ao contexto no qual se desenvolve o ato profissional de ensino, mas também situações de conflitos tanto internos como externos à sala de aula, tendo por exemplo o estado psicológico dos alunos, suas concepções cognitivas e seus projetos pessoais, o estado psicológico do educador e suas próprias visões. (p.59).
Lenoir (2005) deixa claro que não se pode confundir disciplina escolar com
disciplina cientifica, pois têm conteúdos, objetos, referenciais e finalidades
diferentes. Algumas disciplinas escolares têm sua origem nas disciplinas científicas,
mas não são cópias, nem são resultados de uma simples transposição de saberes
eruditos.
Segundo Chervel (1990, p.181), os conteúdos de ensino são próprios da
escola e impostos a ela pela cultura, na qual se banha. “A escola ensina as ciências,
as quais fizeram sua comprovação em outro lugar” e os desvios entre as ciências e
as disciplinas escolares são, devido à “necessidade de simplificar para um público
jovem, os conhecimentos que não lhes podem apresentar na sua pureza e
integridade”.
As disciplinas escolares não se constituem de uma transposição direta do
saber científico, das disciplinas científicas; representam um conhecimento
organizado e ordenado didaticamente dirigido a públicos com idades e capacidades
cognitivas diferenciadas
Nos documentos oficiais não há preocupação com essa diferenciação entre
disciplina escolar e disciplina científica e ocorre simplesmente uma transposição dos
conceitos de Interdisciplinaridade, pensados para a pesquisa na escola.
74
Em face dessa não diferenciação, das dicotomias teoria e prática, ensino e
pesquisa, encontram-se variações dentre as definições teóricas não apenas sobre
Interdisciplinaridade, mas também sobre pluridisciplinaridade e multidisciplinaridade,
que resultam em distorções relevantes na prática escolar.
Olga Pombo (2003) afirma que a Interdisciplinaridade vem sendo utilizada em
muitos contextos, dentre eles, o contexto epistemológico, relativo às práticas de
transferência de conhecimentos entre disciplinas e seus pares; contexto pedagógico,
ligado às questões de ensino e práticas escolares; contexto midiático, cujos novos
meios de comunicação reúnem pessoas de diferentes perspectivas para falar de
determinado assunto e, ainda, o contexto empresarial e tecnológico, no qual a
Interdisciplinaridade tem tido uma utilização exponencial: onde um grupo de pessoas
se reúne para o processo de gestão e decisão ou para trabalhar na concepção,
planificação e produção de objetos.
A palavra Interdisciplinaridade tem sentido lato. É uma palavra sobre a qual
não há menor estabilidade e, ao mesmo tempo, reúne um número muito grande de
conceitos, contextos, significações e utilizações.
Pombo (2003, p.3) defende que seria necessário abandonar o termo
Interdisciplinaridade ou encontrar outro que “estivesse em condições de significar
com precisão, as diversas determinações que, pela palavra interdisciplinaridade, se
deixam pensar”.
Acrescenta, ainda, o fato de que uma grande complicação se dá no fato de
que existe não apenas uma, mas quatro palavras para designar “coisas” que se
dizem pluridisciplinares, multidisciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares. E
todas elas têm a mesma raiz: disciplina, mas que remetem à horizontes diferentes.
A mesma autora propõe uma definição para o termo e busca essa definição
recorrendo aos prefixos. Acredita que dessa forma, alcançará uma proposta
terminológica baseada em dois princípios, dentre eles:
a)aceitar os três prefixos:multi ou pluri, inter e trans (digo três e não quatro,porque do ponto de vista etimológico, não faz sentido distinguir entre pluri e multi) enquanto três horizontes de sentido, e b) aceitá-los como uma espécie de continuum que é atravessado por alguma coisa, que no seu seio vai se desenvolvendo. (p.5).
75
Para a autora, ainda, multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade são a
mesma coisa; não faz diferenciação, portanto, entre os termos e, nesta situação,
pensa num paralelismo de pontos de vista e estabelece algum tipo de coordenação.
Já a Interdisciplinaridade exige uma convergência de pontos de vista. Quanto a
transdisciplinaridade seria uma fusão, uma unificação, que conforme a circunstância
pode ser desejável ou não.
A classificação dada à Interdisciplinaridade, pela autora (2003), se dá por
meio de práticas de cruzamento interdisciplinar:
1 - Interdisciplinaridade centrípeta – ocorre através da prática de importação
das metodologias, das linguagens, das aparelhagens pertencentes à outra disciplina.
2 - Interdisciplinaridade centrífuga – ocorre através da prática de cruzamento,
na qual não haveria uma disciplina central que vai buscar elementos de outras em
seu favor, mas problemas que, tendo origem em uma disciplina que é incapaz de
esgotar o problema em análise, se deixa cruzar pelas outras.
3 - Interdisciplinaridade por práticas de convergência – não foi nomeado pela
autora, apenas descrito como de análise de um terreno comum, estudos por áreas,
que envolvem convergências de perspectivas.
4 - Interdisciplinaridade descentrada – por meio de práticas de descentração,
relativas a problemas impossíveis de reduzir às disciplinas tradicionais. Muitas
vezes, problemas novos, como o Meio Ambiente, ou grandes demais, que implicam
colaboração internacional. Não há propriamente uma disciplina que seja o ponto de
partida ou irradiação do problema ou que seja sequer o ponto de chegada. São
várias disciplinas a serviço do conhecimento.
5- Interdisciplinaridade envolvente ou circular – por meio de práticas de
comprometimento, que dizem respeito a questões vastas demais, problemas que
têm resistido ao longo dos séculos a todos os esforços, mas que requerem soluções
urgentes. Como, por exemplo, questões como a origem da vida, o porquê de umas
pessoas matarem outras, o porquê a fome persiste no mundo; problemas
demasiados grandes para serem objetos de estudo. Aqui, é necessário que se
explorem todas as complementaridades possíveis.
76
Longe de se conseguir um único caminho ou menos ainda um único jeito de
caminhar em direção à Interdisciplinaridade, o que se encontra é uma verdadeira
trama, uma miscelânea de teorias, classificações, categorias, contextos, finalidades
e fundamentos.
De acordo, por exemplo, com Gusdorf, Japiassu e Fazenda, a
Interdisciplinaridade se fundamenta num sentido antropológico, no qual “cada
disciplina particular tenta uma aproximação da realidade humana”, onde “o homem é
o centro comum, o principio do sentido primeiro no qual se enredam as significações
mais diversas na reconciliação dos opostos e das contradições” (GUSDORF, 2006,
p.25). Para Gusdorf e Japiassu vale o sentido científico e para Fazenda, o
pedagógico.
Maneira inversa de fundamentar a Interdisciplinaridade está no pensamento
de Jantsch e Bianchetti, que a consideram a partir do objeto cientifico historicamente
construído e que nem todos os objetos exigem necessariamente tratamento
interdisciplinar, mas aceitam a tensão entre o sujeito e o objeto.
Muitos pesquisadores consideram a Interdisciplinaridade como metodologia
de ensino e pesquisa ou, ainda, como uma nova pedagogia capaz de resolver os
problemas educacionais.
Para outros, tem sua razão de ser na busca de uma teoria que traga a
reunificação do saber em um modelo que possa ser aplicado a todos os âmbitos
atuais do conhecimento, como também movimento de reorganização disciplinar à
emergência de novas práticas no interior da produção científica ou ainda como uma
maneira de compreender e solucionar problemas complexos do momento atual
denominado por alguns de pós-modernidade.
Essas idéias são aceitas por uns e rejeitadas por outros, mas a bem da
verdade não existe consenso sobre elas.
Alguns autores compartilham da idéia de que vivemos um período de
transição entre a modernidade e a pós - modernidade. Transição que causa grandes
e rápidas transformações, que geram dúvidas e incertezas, que viriam contestar as
crenças modernas, principalmente aquelas respaldadas nas idéias de que o mundo,
77
nos diversos setores da vida, poderia ser compreendido, controlado e administrado
pela Ciência, considerada por muitos cientistas, como o saber.
Para Pereira (p.4) a “atitude de considerar a Ciência como saber surgiu
depois do positivismo de Augusto Comte e atingiu os representantes do círculo de
Viena”. Havia o interesse de acabar com a heterogeneidade epistemológica
dominante e se acreditava que nenhum campo de pesquisa estava desligado das
ciências positivas. Nas palavras de Pereira, contudo, “a ciência não atingiu um
estado de desenvolvimento que pudesse apresentar uma idéia de unificação do
saber que pudesse, inclusive, excluir a Filosofia”. É nesse sentido que o autor
considera a Interdisciplinaridade.
Para ele, a Interdisciplinaridade existe quando uma disciplina científica no
intuito de superar suas crises de fundamentos, ultrapasse suas próprias fronteiras,
ingressando assim na fronteira de outra (ou outras), mas que isto só se dá com o
auxílio da Epistemologia. A Interdisciplinaridade contribui para a busca da
articulação do pensamento. Os fundamentos da ciência se modificaram. Na Ciência
Pós–Moderna eliminaram-se os preconceitos positivistas. A marca desse período de
transição é a aceitação de que teorias, conceitos, modelos e soluções anteriormente
considerados suficientes na resolução de problemas científicos hoje já não o são e
se tornaram alvo de questionamentos.
Entende-se que novos valores vêm se colocando para o mundo atual e na
sua base estão a complexidade, a fragmentação e a pluralidade. Compreender a
volatilidade do momento atual e seus novos valores traz a necessidade de estudá-lo
à luz de outros parâmetros que interpretem a realidade.
O desenvolvimento científico já vem indicando a necessidade das interfaces
de pesquisas como as conhecidas: neurociências, ciências cognitivas, bioquímica,
etc. superando limites, construindo novos limites, num movimento pós-moderno
pertencente às pesquisas científicas, identificando e caracterizando o momento
atual.
Momento este que naturalmente exige que se revele, que se responda, de
qual interdisciplinaridade está se falando. Porque ao que me parece, tanto na escola
quanto fora dela, tudo é interdisciplinaridade.
78
CCOONNCCLLUUSSÃÃOO
Todo o trajeto desta pesquisa foi marcado pela minha experiência como
professora. Iniciei o trabalho estimulada pelo desejo de compreender melhor minha
prática e conseqüentemente aperfeiçoá-la em termos daquilo que considero ser uma
atuação de qualidade.
Acredito que seja muito cedo para se falar em considerações finais, num
processo complexo que se iniciou com este trabalho, mas que não se encerrará com
ele.
Como já explicitado, o interesse de pesquisar a Interdisciplinaridade surgiu
quando, desde o início de minha experiência no magistério público, observei sua
presença forte no discurso dos documentos oficiais e no discurso escolar.
No início, acreditava possuir um discurso que considerava adequado e
transformador. Minha crença na Interdisciplinaridade baseada em projetos era forte e
julgava que o desconhecimento dos professores, aliado à sua acomodação e pouca
disposição para realizar trabalhos diferenciados, voltados ao tema, era o grande
motivo para a não efetivação da aprendizagem e ensino baseados neste princípio,
que faz parte, junto a outros, do eixo integrador das propostas oficiais para o Ensino
Médio nas escolas públicas estaduais.
Apesar de reconhecer os problemas da escola, considerava que o ideal era
trabalhar com projetos e assim superar todas as dificuldades, fossem quais fossem,
e que bastava ao professor ser interdisciplinar que os problemas seriam resolvidos.
Pretendia realizar um estudo sobre as concepções de Interdisciplinaridade
acatada pelos professores e, assim, encontrar os equívocos e causas para sua má
ou não efetivação na prática educativa. Mas outros cenários foram se revelando, de
modo diferente, ao que eu até então supunha conhecer.
As descobertas que fiz sobre o tema Interdisciplinaridade na literatura e
durante as aulas no Programa de Mestrado, abalaram minhas estruturas mentais e
79
saí do lugar em que me encontrava, com outra visão sobre mim mesma, sobre a
Educação, sobre a escola e, principalmente, sobre a própria Interdisciplinaridade.
A partir daí, percebi o quanto eu desconhecia, o quanto minha formação tinha
sido insuficiente, o quanto meu discurso era frágil e o quanto minha prática
educativa era apenas bem intencionada.
Diante dessas descobertas, mudei de rumo. Passei a questionar a existência
ou não da Interdisciplinaridade na prática escolar. Fui buscá-la nos documentos que
orientam (ou deveriam orientar) a prática educativa dos professores.
Desta maneira, concentrei a pesquisa em três ações: a revisão bibliográfica
sobre o tema, para identificar suas concepções; sua interpretação nos documentos
oficiais, que regem o sistema de ensino público estadual, e o relato de minha
experiência educativa, para evidenciar se há ou não Interdisciplinaridade.
Compreendi, com este trabalho, a distância que existe entre aquilo que
pesquisei sobre Interdisciplinaridade, com minha formação e com o que realmente
acontece na prática educativa.
Identifiquei a fragilidade dos discursos oficiais sobre o tema, que não orientam
e não fornecem segurança alguma ao professor, para que sua prática caminhe
interdisciplinarmente.
Tais documentos oficiais se referem à Interdisciplinaridade sem o rigor e a
base epistemológica que o tema exige. Isto pode se configurar recurso para não
defini-la.
Remeter à expressão “Interdisciplinaridade na escola” sem explicitar
rigorosamente a que se refere, a seus conteúdos e significados para diferentes
pessoas em diferentes contextos, é uma forma de pressionar para um consenso sem
permitir discussão.
Evidentemente, esse é um recurso que pode ser utilizado por quem tem poder
para dispor e difundir slogan como forma de legitimar seu ponto de vista, seu plano
político, sem discuti-lo.
80
Na prática, não é suficiente aliar a Interdisciplinaridade com finalidade
unicamente instrumental ou social. É necessário mostrar, de maneira mais precisa, a
razão e a importância da adoção do enfoque interdisciplinar na construção do
conhecimento durante o processo de ensino e aprendizagem. Falta à escola e ao
professor uma base epistemológica para uma melhor compreensão da natureza dos
problemas da aprendizagem e conseqüentemente sobre a Interdisciplinaridade.
Parte desses problemas é encontrado na própria crise do mundo moderno.
Desta maneira, posso afirmar que a discussão dos problemas contemporâneos do
ensino remete inevitavelmente à discussão dos problemas da pós-modernidade.
A pós-modernidade estimula o exercício do questionamento e da descoberta.
Complexidade, indeterminação, incertezas, rompimento de fronteiras, superação de
dicotomias, dentre outras, são categorias que passam a ser acolhidas positivamente
no pensamento pós-moderno, que inevitavelmente remetem à Interdisciplinaridade,
mas que praticamente não atingem a escola pública estadual.
A investigação sobre a Interdisciplinaridade e as informações encontradas
tanto na literatura, como nos documentos oficiais, demonstra um quadro conceitual
muito diversificado e confuso.
Diante das concepções encontradas na literatura e a prática escolar
evidenciada pelo relato de minha experiência, concluo que, na escola, o que
realmente acontece é apenas multi ou pluridisciplinaridade, já que acato como de
mesmo significado do ponto de vista etimológico os prefixos multi e pluri e não vejo
sentido para uma diferenciação entre os termos.
O que se realiza na escola é uma justaposição de conhecimentos
disciplinares, a partir de um tema ou projeto comum, sem que se estabeleçam
relações e conexões entre tais conhecimentos.
A Interdisciplinaridade que passei a assumir significa um movimento natural
do conhecimento, no momento do amplo ato de ensinar e aprender, desde que
superada a dicotomia – ensino e pesquisa (situação que não foi superada na
escola).Mas que para isso ocorra, é necessário repensar a formação de professores,
seja a inicial ou a continuada em serviço. Sem isso, aliado à reorganização da
81
estrutura de ensino em todos os seus aspectos, curricular, físico-espacial, etc, o
movimento para sua implantação é artificial e o discurso vazio.
Há que se repensar a escola pública estadual. Esta que aí está, se encontra
defasada culturalmente, burocratizada e em movimento de vai-e-vem, por conta dos
planos políticos, com progressos ínfimos, perto daqueles que ocorrem fora dela.
Como professora, ainda não penso interdisciplinarmente, pois toda minha
aprendizagem (escolar, ensino superior, pós-graduação lato sensu) se realizou com
currículo fragmentado. A dificuldade se encontra em estabelecer relações entre as
outras disciplinas e entre as áreas da cultura.
É preciso dizer de qual interdisciplinaridade falo: daquela que propicie
construir o conhecimento junto ao educando, considerando-o sujeito em todas as
suas dimensões e buscando orientá-lo numa alfabetização científica.
Somente por meio da superação das dicotomias impregnadas em nós
mesmos e na escola enquanto instituição de um sistema de ensino, é que se dará
um caminho para uma educação de melhor qualidade. Superá-las sem que se
desconsidere qualquer dos pólos indicados (ensino e pesquisa, teoria e prática, etc).
82
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